TAÍS BATISTA FERNANDES BRAGA A UTILIZAÇÃO DOS REQUISITOS ESPECÍFICOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA Dissertação apresentada como requisito, para obtenção do título de Mestre em Direito, pela Universidade Estácio de Sá. Orientador: Prof. Dr. Humberto Dalla. Rio de Janeiro 2005 VICE-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA A dissertação A UTILIZAÇÃO DOS REQUISITOS ESPECÍFICOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA elaborada por TAÍS BATISTA FERNANDES BRAGA e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora foi aceita pelo Curso de Mestrado em Direito como requisito parcial a obtenção do título de MESTRE EM DIREITO Rio de Janeiro, 8 de julho de 2005. BANCA EXAMINADORA ___________________________ Prof. Dr. Humberto Dalla Presidente Universidade Estácio de Sá ___________________________ Prof. Dr. Leandro Ribeiro Universidade Estácio de Sá ___________________________ Prof. Dr. Francisco Mauro Dias Universidade Pontifícia Universidade Católica/RJ RESUMO A dissertação estuda o princípio constitucional do acesso à justiça e o princípio constitucional do dplo grau de jurisdição, especialmente enfocando o regramento de recesso extraordinário e seus dois requisitos específicos de admissibilidade: o prequestionamento, cuja exigência vem desde a Constituição de 1891; e a recém incluída pela Emenda Constitucional n° 45 de 2004, repercussão geral das questões constitucionais, a qual depende de lei para sua regulamentação. Acreditava-se, em 1988, que a criação do Superior Tribunal de Justiça, repartindo a competência, cindindo o recurso extraordinário, resolveria o problema quantitativo que assolava o Supremo Tribunal Federal. Em data anterior a essa criação, já haviam sido utilizados mecanismos com o fito de controlar a propalada crise, no entanto, não deram fim à mesma. Cogitou-se o acréscimo no número de Ministros, atribui-se ao STF a possibilidade de, através do seu regimento interno, selecionar as causas merecedoras de serem objeto de recurso extraordinário, bem como se empregaram inúmeros óbices regimentais para a conter a explosão de recursos extraordinários. Registre-se que, em 1990, foram distribuídos 10.780 recursos extraordinários, em 2004, esse número subiu para 35.793, situação que impunha repensar, o recurso extraordinário em consonância com o postulado do acesso à justiça. Impossível que face ao número de Ministros que compõe aquela Corte, fossem conferidos julgamentos de qualidade. Atenta ao quadro caótico, a jurisprudência cada vez mais utiliza o prequestionamento como meio para impedir a subida de recursos à mais alta Corte. Esta situação, porém, faz com que se rompam vozes atribuindo inconstitucionalidade ao prequestionamento, alegando que a exigibilidade do requisito não encontra suporte na Constituição, posto que no inciso III do art.102, não encontramos o vocábulo “questionar”, o qual garantiria a exigibilidade daquele a exemplo do aconteceu com as Constituições passadas.Com a Emenda Constitucional nº45 de 2004, foi acrescentado ao art.102 da Constituição Federal, novo parágrafo, o qual traz a repercussão geral das questões constitucionais. A utilização desses dois requisitos fará com que o recurso extraordinário realize o postulado no acesso à justiça, não estendendo demais o processo e garantindo ao jurisdicionado uma decisão com qualidade. Palavras-chave: recurso extraordinário. acesso à justiça. prequestionamento. ABSTRACT This reseach had the objective to evaluate the extraordinary appeal as we amy see trough the view of justice in due to centralize mainly by two specific admissibility the pre-enquiry, that the demands comes from the Constitution of 1891’s, and the recent included through the constitutional amendment n°45 of the year 2004, the general repercussion about the constitutional matters in wich depends on the law adjustment. It was believed to say that in 1988 the creation the creation of the supreme law court, sharing its competence, dividing its extraordinary appeal would solve the quantitative problem that ruined the Supreme Federal Law Court. On a date before thos creation, there had been created other ways with the objective of control the disclosed crisis however they did not put an end to. Then it was thought to add the number of ministers, it is trough the Supreme Federal Court, the possibility of, through its by laws and statutes select the deserved causes to be the tool of the extraordinary appeal, as well as it was set innumerable internal obstacles by laws to restrain the excess of extraordinary appeals. It may be recorded that in the year of 1990, there were distributed 10.780 extraordinary appeals and in the year of 2004, this quantity raised up to 35.793, this suitable matter had to be pondered, and the extraordinary appeal in consonance with the postulate of the acess to the justice. It’s impossible that in due to the number of ministers who are members of that court would have quality pattern on judgements. Aware to this chaotic scene, the jurisprudence uses more and more the pre-enquire as a way to obstruct that appeals reach to the hightest level in the court. Although this matter makes things turn into voices accrediting unconstitutionality to the pre-requiry pleading that exigible request cannot find a support on the constitution, as it is in section III item 102, there is not the word “to object to” wich would turn into being exigible of that one as the one that happened with the past constitutions. On the constitutional emendment n°45 of the year 2004, it was added to the section 102 of the Federal Constitution, a new paragraph what it brings out the general repercussion on the constitutional matters. The usage of two requests will turn that the extraordinary appeal makes the postulate on the admittance to the justice and not extending the trial and warranting the one who is under jurisdiction a decision with quality. Key-words: Extraordinary appeal. Submittance to Justice. Pre-Enquiry. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................................13 2. PERSPECTIVA HISTÓRICA DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO....................................19 2.1.ORIGEM DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO DIREITO COMPARADO: RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO DIREITO NORTE-AMERICANO. A INCLUSÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1891...........................................................................................................20 2.2. Traços evolutivos do recurso extraordinário: da Emenda de 1926 à Constituição de 1891 até a Constituição de 1967, e Emenda 1 de 1969................................................................................................................................................25 2.3. TENTATIVAS DE SUPERAÇÃO DA CRISE....................................................29 2.4. A INOVAÇÃO FEITA PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988: REPARTIÇÃO DA COMPETÊNCIA ENTRE SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SURGE O RECURSO ESPECIAL. EM BUSCA DA SOLUÇÃO PARA A CRISE QUANTITATIVA DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO: A REPERCUSSÃO GERAL DAS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS NA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45 DE 2004.........38 3. O RECURSO EXTRAORDINÁRIO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 E SEUS ASPECTOS PROCEDIMENTAIS......................................................................................42 3.1. DETERMINANTES CONSTITUCIONAIS DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO....................................................................................................................42 3.1.1.Esgotamento prévio das instâncias ordinárias................................42 3.1.2. Impossibilidade de correção da injustiça do julgado recorrido.....43 3.1.3.Proibição do reexame da matéria fática..........................................44 3.1.4. A repercussão geral das questões constitucionais.........................46 3.2. ENQUADRAMENTO CONSTITUCIONAL DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO....................................................................................................................47 3.2.1. Contrariar dispositivo constitucional (art.102, III, a)....................47 3.2.2. Tratado ou lei federal declarado inconstitucional (art.102, III, b).49 3.2.3. Julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição (art.102, III, c)...........................................................................................................50 3.2.4. Julgar válida lei local contestada em face de lei federal (art.102, III, d)...............................................................................................................................................50 3.3.JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE....................................................................53 3.3.1.A admissibilidade de um recurso....................................................53 3.3.2. Pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário..........53 3.3.2.1.Pressupostos genéricos.......................................................53 3.3.2.1.1. Cabimento do recurso............................................53 3.3.2.1.2 Legitimidade...........................................................54 3.3.2.1.3. O interesse em recorrer..........................................56 3.3.2.1.4. A inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer.............................................................................................................................58 3.3.2.1.5 Tempestividade.......................................................59 3.3.2.1.6. Preparo...................................................................60 3.3.2.1.7.Regularidade Formal..............................................61 3.3.2.2. Pressupostos específicos....................................................63 3.3.3. O desdobramento condicional do juízo de admissibilidade..........64 3.3.3.1. O primeiro juízo de admissibilidade: tribunal recorrido...65 3.3.3.2. O segundo juízo de admissibilidade: relator do recurso...67 3.3.3.3. O terceiro juízo de admissibilidade: colegiado do Tribunal competente para o julgamento do recurso......................................................................................69 3.3.4. Os poderes do relator na análise dos juízos de admissibilidade e de mérito. Interpretação e alcance do art.557 do CPC........................................................................70 3.4. PROCESSAMENTO.......................................................................................72 3.4.1. Regularidade formal e demonstração de cabimento......................72 3.4.2. Modo de interposição e os reflexos da Lei n°10.352/2001...........74 3.4.3. O agravo de instrumento do art. 544 do CPC................................75 3.5. RECURSO EXTRAORDINÁRIO RETIDO..................................................78 3.5.1. A constitucionalidade do §3° do art.542 do CPC..........................79 3.5.2. Procedimento.................................................................................82 3.5.2.1. Cabimento..........................................................................82 3.5.2.2. Contraditório......................................................................83 3.5.2.3.“Decisão final”...................................................................85 3.5.2.4.Oportunidade e forma de “reiteração” do recurso retido....85 3.5.3.Meios de impugnação da decisão que determina a retenção..........86 3.6. UTILIZAÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR COM O FIM DE SUSPENDER OS EFEITOS DA DECISÃO RECORRIDA NA PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.................................................................................................87 4. A UTILIZAÇÃO DO PREQUESTIONAMENTO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO NA PERSPECTIVA DO ACESSO À JUSTIÇA..................................................................................91 4.1. NOÇÕES PRELIMINARES...........................................................................91 4.2. PREQUESTIONAMENTO CONSIDERADO COMO MANIFESTAÇÃO DO ÓRGÃO JURISDICIONAL RECORRIDO SOBRE A QUESTÃO CONSTITUCIONAL OU PREQUESTIONAMENTO ENTENDIDO COMO MANIFESTAÇÃO DAS PARTES PERANTE O ÓRGÃO JURISDICIONAL RECORRIDO?.........................................................99 4.3. PREQUESTIONAMENTO E QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA..........114 4.4. AS SÚMULAS 282 E 356 DO STF..............................................................116 4.4.1. Súmula 282..................................................................................116 4.4.2. Súmula 356 .................................................................................118 4.5. SÍNTESE DAS DIVERSAS QUESTÕES ANTERIORMENTE POSTAS ACERCA DO PREQUESTIONAMENTO..................................................................................121 4.6. PREQUESTIONAMENTO “PREQUESTIONAMENTO FICTO” E IMPLÍCITO EMBARGOS E DE EXPLÍCITO. DECLARAÇÃO “PREQUESTIONADORES”.......................................................................................................125 5. A BUSCA DO CRITÉRIO RELEVANTE PARA A SATISFAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA NO STF: REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL NA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO....................................................133 5.1. CONCEITO...................................................................................................135 5.2. NATUREZA JURÍDICA DA ARGÜIÇÃO/REPERCUSSÃO GERAL DAS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS.............................................................................................139 5.3. NATUREZA DA DECISÃO.........................................................................141 5.4. O CONCEITO DE RELEVÂNCIA..............................................................143 5.5. OS REFLEXOS GERAIS DE NATUREZA ECONÔMICA, POLÍTICA, SOCIAL E JURÍDICA.................................................................................................................147 5.6. ASPECTOS PROCESSUAIS QUANTO À TRAMITAÇÃO......................150 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................158 7. REFERÊNCIAS.......................................................................................................................164 1. INTRODUÇÃO O relatório final das pesquisas do perfil das maiores demandas do Supremo Tribunal Federal realizadas pela Universidade de Brasília anuncia que 95% das causas referem-se a recursos extraordinários e agravos de instrumentos interpostos em decorrência do não conhecimento daqueles. Através da observância desse quadro, podemos, com toda certeza afirmar, que estamos diante de uma das maiores causas ensejadoras da morosidade do Judiciário, dificultando a realização plena do acesso à justiça. E assim, diante desse grande acúmulo de processos, o Supremo deixa de cumprir com sua função precípua no ordenamento que é de guarda da Constituição da República, em virtude da ausência de mecanismos legítimos de filtragem. O recurso extraordinário, no ordenamento jurídico brasileiro, ocupa posição diferenciada em relação às demais espécies recursais, posto que exige o esgotamento prévio das instâncias ordinárias, não se presta à correção da injustiça do julgado recorrido, ademais, nessa sede, não se permite a reavaliação do quadro fático. Em decorrência de sua natureza, a interposição do recurso extraordinário deve ocorrer em situações excepcionais, cuja relevância legitime a atuação do Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula responsável, conforme dito, pela guarda da inteireza da Constituição da República. Nosso estudo tem início com as origens do Supremo Tribunal Federal que remontam à Casa de Suplicação do Tribunal, considerada como primeiro Tribunal que desempenhou em nosso país papel de disciplina e revisão e revisão sobre os Tribunais locais das Capitanias, tornando una a interpretação do Direito no âmbito brasileiro. A partir da fixação desse espaço histórico, buscamos as origens do recurso extraordinário e sua evolução durante os tempos, que vai desde à Constituição de 1891 até os dias atuais, marcados pela Constituição da República de 1988. O surgimento do recurso extraordinário se deu com o Decreto nº848, de 24.10.1890, tendo como base o writ of error do direito norte-americano nos termos da seção 25 do Judiciary Act de 1789. Não foi, no entanto, ainda nesse diploma que o recurso recebeu a denominação extraordinário. Tal situação somente iria se concretizar com a Constituição de 1934, a qual dispunha em seu art.67 o cabimento do recurso extraordinário. No decorrer da vigência das Constituições, as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário foram sendo modificadas, como por exemplo, quando da reforma constitucional de 1926. Já, a Constituição de 1937 não trouxe qualquer modificação. Com a alteração da Emenda Constitucional n°1 de 1969, foi suprimido o vocábulo “questionamento” art.119, inc.III, alínea b da Constituição Federal de 1967, causando divergências quanto à aplicabilidade do requisito do prequestionamento para a interposição do recurso extraordinários, o qual era defendido de maneira sólida pela jurisprudência. Tínhamos como uma realidade excessivo número de recursos extraordinários interpostos, ocasionando o que, então, os estudiosos vieram a caracterizar como a “crise do Supremo”. A par desse problema, coube ao legislador lançar mão de mecanismos capazes de conter a referida crise, para tanto utilizou os seguintes: óbices regimentais, argüição de relevância e acréscimo no número de Ministros. Tais tentativas não lograram êxito. Em 1988, acreditava-se que era o momento de total superação da crise, mais do que criar mecanismos, os quais, posteriormente, mostrar-se-iam inócuos, desta vez seria criado um Tribunal Superior capaz de absorver em larga escala as demandas que estariam assoberbando o trabalho na Corte Suprema. Temos, então, o Superior Tribunal de Justiça, posto nos moldes já propostos por estudiosos no assunto, como foi o caso de José Afonso da Silva. Transcorrida mais de uma década da criação daquele Tribunal, através da análise estatística foi constatado que para o fim que foi concebido não obteve êxito, afinal em 1990, exatos dois anos após a criação do Superior Tribunal de Justiça, foram julgados 10.680 recursos extraordinários, enquanto que em 2003, esse número alcançou a casa dos 43.054. Tal como feito no segundo capítulo deste estudo, para avaliarmos o recurso extraordinário segundo a ótica do acesso à justiça, é necessário, também, voltarmos nossas atenções para seus aspectos procedimentais e para a razão do mesmo estar posto no texto constitucional e não em lei ordinária, tal como se deu com as demais espécies recursais. Indaga-se, então, como o recurso extraordinário pode estar em consonância com o acesso à justiça, seria através de sua interposição sem limites, de onde extrairíamos um amplo aceso à justiça? Ou deveríamos nos restringir a determinadas causas cuja complexidade justifique a provocação da Corte Suprema, e aí, sim, teríamos um acesso à justiça material e não apenas formal. As respostas a tantas indagações, ao nosso ver, podem ser extraídas da própria essência do recurso extraordinário, somando-se dois importantes requisitos específicos de sua admissibilidade, quais sejam o prequestionamento e a repercussão geral das questões constitucionais, esta última inserida pela emenda constitucional da Reforma do Judiciário. Quanto à sua estratégica posição constitucional, o recurso extraordinário não se presta à correção da injustiça do julgado recorrido, exige o exaurimento das instâncias, e, por fim, quanto à apreciação de matéria fática não é lícita em sede desse recurso. No que tange aos seus aspectos procedimentais, o recurso extraordinário possui juízo de admissibilidade bipartido, é por oportuno salientar o que fora disposto no art.557 do CPC, aplicável ao recurso extraordinário, conferindo ao relator a possibilidade de negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante. Temos, aí, ao nosso ver, flagrante manobra legislativa apta a proporcionar ao recurso extraordinário o atendimento aos reclamos do acesso à justiça, tornando o processo menos demorado, e, para aqueles advogados que guardam a observância da lei, um processo menos dispendioso. Acreditamos, conforme dito, que a utilização do dois requisitos específicos de admissibilidade do recurso extraordinário assumirão papel preponderante para a realização do acesso à justiça, através deste recurso, quais sejam o prequestionamento e a repercussão geral das questões constitucionais. O prequestionamento, objeto do terceiro capítulo, cuja exigência se deu desde a Constituição de 1891, surgiu na jurisprudência como a incumbência da parte em provocar o surgimento da questão federal ou constitucional perante a instância inferior. Posteriormente, O entendimento sobre o conceito de prequestionamento foi sendo modificado, verificando-se manifestações jurisprudenciais afirmando que há prequestionamento quando a decisão recorrida tiver adotado entendimento explícito sobre o tema de direito federal. Logo, consoante esse entendimento, o prequestionamento estaria na decisão recorrida, não representando anterior postulação das partes perante o grau inferior. Ainda surgem dúvidas quanto à exigência do prequestionamento, seja na doutrina, seja na jurisprudência, alguns afirmando sua inconstitucionalidade em virtude de não existir disposição constitucional a seu respeito, outros entendendo que a exigência daquele deve ser flexibilizada, tendo em vista que o papel do recurso extraordinário está em redefinição. Para afirmarmos um verdadeiro acesso à justiça, pelo menos no âmbito do recurso extraordinário, propusemo-nos a acabar com as ditas distorções em relação ao prequestionamento, estabelecendo um conceito que esteja com os olhos voltados à realidade constitucional que está posta. O prequestionamento como mecanismo de filtragem da subida de recursos extraordinários não poderá ser tido inconstitucional por se prestar a esse fim, deve ser tido, sim, como inconstitucional quando violar flagrante mandamento constitucional, como é o caso do acesso à justiça. Ainda, em nossas incursões, no árido tema do prequestionamento, encontramos três figuras: prequestionamento implícito, prequestionamento ficto e embargos de declaração prequestionadores. Este último, em não havendo omissão por parte da sentença ou acórdão embargado, temos a sua utilização anômala, sem respaldo na lei infraconstitucional, extraindo seu fundamento de validade somente da jurisprudência sumulada. Quanto ao prequestionamento ficto, temos nova criação jurisprudencial, ao nosso ver, atendendo aos reclamos de uma melhor sistematização do conceito do requisito, que por diversas vezes mostra-se inoperante para as partes, as quais não conseguem chegar a uma real definição do que venha a ser prequestionamento. Já, em se tratando de prequestionamento implícito, a jurisprudência é uníssona em não aceitá-lo, gerando dúvidas, somente, quanto à obrigatoriedade de menção aos dispositivos violados. Todas essas observações que foram feitas acerca do prequestionamento, buscaram, precipuamente, respostas com base no acesso à justiça. Por fim, o último capítulo trata da repercussão geral das questões constitucionais, sendo este requisito específico de admissibilidade do recurso extraordinário, inserido pela emenda constitucional n°45 de 2004. Foi feito um paralelo entre esse novo requisito e a argüição de relevância, outrora utilizada com o mesmo fim. Vale destacar que não se trata de repristinação do instituto, o fato é que o novo requisito tem aspectos muito próximos com a argüição de relevância. Já se ventilava na doutrina a adoção de um mecanismo que filtrasse as causas a serem julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, mediante a adoção de um critério de relevância, no entanto, é necessário deixar claro que apenas seria legítimo tal mecanismo caso fosse inserido em nosso ordenamento pátrio através de emenda constitucional, haja vista estarem as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário dispostas na Constituição Federal. E de forma a repercussão geral das questões constitucionais poderá influenciar na realização de um processo justo, atendendo aos ditames do acesso à justiça? De que maneiras o instituto poderá ser aplicado, em vista sempre daquele imperioso reclamo? Foram estas as indagações propostas no decorrer de nossos estudos, visando sempre a consecução do acesso à justiça, quando da interposição do recurso extraordinário. O tipo de pesquisa utilizada foi documental, descritiva, segundo o modelo críticodialético. A escolha desse modelo justifica-se na linha que será perseguida em nosso estudo, que não se limitará a fornecer dados estatísticos ou, tão-somente, comentar a jurisprudência; mas serão buscadas soluções para a crise quantitativa que se transmitiu do STF. A partir dos critérios do acesso à justiça e da efetividade do processo. Utilizamos com fontes de pesquisa a doutrina especializada brasileira e estrangeira, a jurisprudência, e, a legislação concernente ao assunto. 2. PERSPECTIVA HISTÓRICA DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. O aparelho judiciário do novo Império de Pedro I havia de ser semelhante com o português, o qual, ainda em 1968 guardava traços já desaparecidos do próprio Portugal. O príncipe regente, o futuro D. João VI, criou em 1808, no Brasil, Tribunal de porte superior ao das Relações1, a Casa da Suplicação, nos moldes da que já existia em Lisboa e que, conforme assinala ALIOMAR BALEEIRO2 “com a invasão napoleônica, estava materialmente impossibilitada de continuar a exercer suas funções relativas aos processos oriundos deste lado do Atlântico”.Restou ao príncipe elevar ao nível máximo de Casa de Suplicação do Brasil, à semelhança de igual órgão da metrópole, a antiga Relação do Rio de Janeiro. A Casa de Suplicação3 do Brasil foi o primeiro Tribunal que, em nosso país, desempenhou um papel de disciplina e revisão sobre os Tribunais locais das Capitanias, tornando una a interpretação do Direito no âmbito brasileiro, embora em sua composição houvesse magistrados nascidos e formados em Portugal, razão pela qual, inevitavelmente, aplicavam o direito reinol4. A Constituição outorgada de 1824 repeliu, tão-somente, as denominações tradicionais, estabelecendo, por fim, uma continuidade com o passado ao instituir no art.1635 a criação do Supremo Tribunal de Justiça, cuja composição era de juízes tirados das Relações. Já, no art.1646 estabeleceu a competência do Tribunal, especialmente no tocante a conhecer e decidir 1 ALIOMAR BALEEIRO na obra O Supremo Tribunal Federal, Esse Outro Desconhecido, Rio de Janeiro: Forense, 1968 relata que Bahia, Maranhão, Rio de Janeiro e Pernambuco eram as quatro províncias que dispunham dos Tribunais de Relação, os quais são o antecedente do Tribunal de Justiça de cada Estado. 2 BALEEIRO, op.cit.,. pág.17 3 Assinala-se o alvará de 10-5-1808, como marco inicial da organização judiciária do Brasil, dando-lhe por cúpula a Casa de Suplicação, no Rio de Janeiro. 4 BALEEIRO, op. cit., pág.18, assinala que o direito reinol era aplicado ainda quando este, como não era excepcional, muitas vezes fosse legislado para as condições especiais e peculiares do Brasil. 5 “Art.163. Na Capital do Império, além da Relação que deve existir, assim como nas mais Províncias, haverá também um Tribunal com a denominação de – Supremo Tribunal de Justiça, - composto de juízes letrados, tirados das Relações por suas antiguidades e serão condecorados com o título de Conselheiros...”. 6 “Art.164: “A este Tribunal compete:1.º Conceder ou denegar revistas nas causas que a lei determinar. 2° Conhecer os delitos e erros de ofício que cometerem os seus ministros, os das Relações, os empregados no corpo diplomático e os presidentes das Províncias.3º Conhecer e decidir os conflitos de jurisdição”. os conflitos de jurisdição. Segundo ALIOMAR BALEEIRO7, encontramos, aí, em forma embrionária, algumas das funções e atribuições do Supremo Tribunal Federal, mais tarde desenvolvidos nos recursos extraordinários, no foro especial para certos agentes públicos e nos conflitos de jurisdição. 2.1. ORIGEM DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO DIREITO COMPARADO: RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO DIREITO NORTE-AMERICANO. A INCLUSÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1891. O recurso extraordinário, de origem norte-americana, foi criado em razão da necessidade de uniformizar o entendimento exarado pelas cortes dos Estados acerca da Constituição e das leis emanadas da União, sua instituição, nos Estados Unidos, não se deveu à Constituição Federal, nem às emendas ao seu texto. A Constituição conferiu à Suprema Corte competência originária e competência recursal (appellate jurisdiction) no tocante a certas causas; porém, em matéria de recursos só se referiu aos interpostos contra decisões dos órgãos judiciários inferiores da União. A Corte Suprema – a partir do Judiciary Act de 17898 - passou a ter competência para rever as decisões finais dos mais altos tribunais dos Estados, mediante writ of error, em várias hipóteses relacionadas com a constitucionalidade das leis e com a legitimidade 7 BALEEIRO, op.cit., pág.18. MEDINA, José Miguel Garcia. O Prequestionamento nos Recursos Extraordinário e Especial. 3ª ed. São Paulo:RT,2002.p.114; SILVA, José Afonso da. Do Recurso Extraordinário no Direito Processual Brasileiro. São Paulo: RT, 1963.pág.28; PEIXOTO, José Carlos. Recurso Extraordinário. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1935.p.89-90. As hipóteses de cabimento do writ of error dispostas na seção 25 do Judiciary Act de 1789 são:a) quando se tenha levantado a questão da validade de um tratado ou de uma lei da União ou da legitimidade de sua autoridade, e a decisão é contra sua validade; b) quando se levanta a questão da validade de uma lei do Estado ou da legitimidade de uma autoridade por ele exercida, em face da Constituição, tratados ou leis dos Estados Unidos, e a decisão é a favor da validade; c) quando se questiona sobre título, direito, privilégio ou isenção reclamada com fundamento na Constituição, tratado, lei ou concessão, e a decisão for contra o título, direito, privilégio ou isenção. 8 de normas estaduais, assim como de títulos, direitos, privilégios e isenções à luz da Constituição, dos tratados e das leis da União. Acoimou-se de inconstitucional, de acordo com BARBOSA MOREIRA9, mais de uma vez, essa própria atribuição de competência, feita por lei ordinária, sob a alegação de que seção 25 do Judiciary Act extrapolava a competência atribuída a Suprema Corte pela Constituição dos Estados Unidos; mas a Corte, através de duas decisões famosas, nos casos Martin v. Hunter´s Lessee e Cohens v. Virginia, deu por válida a norma, fundamentando-se na necessidade de uniformização de entendimento a respeito do direito federal. Posteriormente, a legislação10 orientou-se no sentido de conferir à Corte Suprema, explicitamente e em termos de crescente amplitude, a prerrogativa de reexaminar decisões dos Estados, seja através do appeal (designação dada ao writ of error pelo novo Judiciary Act de 1925), seja com o writ of certiorari, cujas hipóteses de cabimento foram definidas em texto próprio (28 U.S.C., § 1.257, ns. 1 e 2 para o appeal, n. 3 para o writ of certiorari). O conhecimento do appeal, aponta BARBOSA MOREIRA11 quando cabível, era em princípio obrigatório para a Corte, já nos casos de certiorari, de acordo com a Rule 17 (antes, 19) da Corte, a revisão do pronunciamento do tribunal estadual não seria “a matter of right, but of sound judicial discretion”. Subscreveu-se a necessidade, via de regra, dos votos de quatro Justices no mínimo, para o deferimento da petition, no sentido de conhecer-se da matéria. Interessante observar que existiam superposições na fixação dos pressupostos de cabimento do appeal12 e do certiorari, de modo que, em alguns casos, o acesso à Corte poderia se dar tanto uma via, quanto 9 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. pág.574. V. também MEDINA, José Miguel Garcia. Op.cit.,.p109. 10 Under 28 U.S.C.A. § 1254, there are two routes from the court of appeals to the Supreme Court. The usual route is by certiorari, which is a matter of the Court's discretion and not of right; but there is also the slim possibility of certification. 11 BARBOSA MOREIRA, op.cit., pág.575. 12 Extraímos da doutrina norte-americana as questões que devem ser decididas em sede de appeal, segundo ALAN B. MORRISON in Fundamentals of American Law, page:79: “ On the appeal, the issues to be decided are principally questions of law, wich are decided ‘de novo’ (...)” por outra13. Há de ser ressaltado, no entanto, que a escolha errônea do appeal não prejudicava necessariamente a parte, pois era facultado à Corte conhecer do recurso como se se tratasse de uma petition for writ of certiorari (28 U.S.C., §2.103). Em 1988, a situação de modificou por força da Supreme Court Case Selections Act, que restringiu drasticamente o uso do appeal como meio de provocar a revisão. Praticamente, resta apenas a via do certiorari, sujeita à plena discrição da Suprema Corte. Segundo noticia GENE R. SHREVE 14“ The United States Supreme Court’s rules, for example, list the following factors as relevant in granting certiorari: inter-circuit conflicts, conflicts between the courts of appeals and state courts of last resort, (...)” No direito argentino, a existência de diversas unidades federativas, e, conseqüentemente, a aplicação diversificada do direito federal pelos respectivos juízes poderiam determinar tantos entendimentos quanto fossem as Cortes que os emitissem, por essa razão o instituto é introduzido, no século XIX, com a Lei n°27, de 1862, e mais claramente com a Lei n°48, de 186315, cujo texto do art.14 é próximo de uma tradução da Secção 25 do primeiro Judiciary Act. A prática e a legislação posterior é que deram a essa “apelação”, de características singulares, a denominação de “recurso extraordinário”. Embora tenha seguido o modelo norte-americano quanto à competência judicial, no que tange à competência legislativa o mesmo não se deu, tendo em vista que desde a 13 BARBOSA MOREIRA, entende que o mais aconselhável, praticamente, aí, era utilizar o appeal, cujo conhecimento escapava ao juízo discricionário da Corte, ao menos na medida amplíssima em que ela o exercitava no tocante ao certiorari. 14 SHREVE, Gene R.; RAVEN-HANSEN, Peter. Understanding Civil Procedure. 2 ed. Lexis Publishing, 1994. p.431. 15 Refere-se o diploma aos casos em que “podrá apelarse a la Corte Suprema de las sentencias definitvas pronunciadas por los tribunales superiores de províncias”. Constituição Argentina de 1860 é da competência do Congresso Federal elaborar os código, civil, comercial, penal e de mineração16. O Código Procesal Civil y Comercial em vigor dedicou-lhe a 4ª Secção do Capitulo IV (“Recursos”) do Título IV do Livro I: eram apenas três artigos (256 a 258), sob a rubrica “Apelación extraordinária ante la Corte Suprema”, remetendo o texto, salvo inovações em pontos secundários ao da Lei nº48. A Lei nº 23.772, de 5.4.1990, que modificou a redação dos arts. 280 e 285 do Código, trouxe significativa inovação: atribuiu à Corte Suprema competência para, de acordo com sua “sana discreción” repelir o recurso extraordinário “por falta de agravio federal suficiente o cuando las cuestiones planteadas resultarem insustanciales o carentes de transcendência”. Aproximou-se o regime, assim, do adotado para o certiorari norte-americano. Ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos e na Argentina, não houve discussões quanto à constitucionalidade do recurso extraordinário, muito embora a finalidade do instituto fosse a mesma, qual seja, manter a unidade de entendimento do direito federal 17. Segundo RAFAEL BIELSA18 “ se atribuye a la Corte Suprema, respecto de la Constitución, el papel de se defensora auténtica e independiente, por hacer sido creada com ese objeto, por la Constitución misma en su texto no hava instituído expressamente la competencia del alto tribunal para decidir en el recurso extraordinario como intéprete final”. Outro dado importante a ser destacado é com relação às diferenças existentes entre as competências legislativas dos estados-membros, nos Estados Unidos essa competência é mais ampla do que a das províncias da Argentina, e dos estados-membros do Brasil. Temos, aí, uma 16 MATOS PEIXOTO, op.cit.,pág.99. É oportuno afirmar-se que está compreendido no direito federal para efeitos de recurso extraordinário tanto as normas constitucionais como as normas as normas federais infraconstitucionais. 18 BIELSA, Rafael. La Proteccion Constitucional Y El Recurso Extraordinario. 2 ed. Buenos Aires: Roque Depalma, 1958. p.269. 17 conseqüência19 importante que não foi observada quando da importação do instituto: no Brasil, desde a criação do recurso extraordinário, a incidência de leis federais é mais ampla do que as leis estaduais, ocasionando um elevado número de recursos destinados ao Supremo Tribunal Federal, comprometendo, destarte, o acesso à justiça20. No Brasil, o recurso extraordinário21 surgiu com o Decreto nº848, de 24.10.1890, tendo como base o writ of error do direito norte-americano nos termos da seção 25 do Judiciary Act de 1789. A Constituição decretada pelo Governo Provisório, que não chegou a viger, estipulava, no art.58, §1.º, sob a inspiração do Judiciary Act, hipóteses em que caberia para o Supremo Tribunal Federal recurso contra as decisões de última instância das Justiças estaduais. No mesmo sentido dispôs o Dec. nº848, de 24.10.1890, que organizou a Justiça Federal, no seu art. 9°, parágrafo único. O remédio22 foi acolhido, depois, no art.59, §1.º, da Constituição de 1891, não se previa, ainda, nessa Constituição a hipótese de interposição do recurso – que até então não recebera a denominação extraordinário – em virtude de divergência jurisprudencial. A denominação “recurso extraordinário”, no entanto, somente se lhe aplicou no primeiro Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, passando à Lei nº221, de 20.11.1894, art.24, ao Dec. nº 3.084, de 5.11.1898, Parte III, arts.678, letra d, e 774, e a outros diplomas. Com e reforma constitucional de 1926, ampliaram-se as hipóteses de cabimento; uma das inovações, fadada a perdurar por muitos anos, foi a concessão do recurso com divergência de interpretação da mesma 19 MEDINA assinala que a adoção dos modelos norte-americano e argentino como fontes para criação do recurso extraordinário brasileiro deveria ter-se adequado às características do direito brasileiro, a fim de que fossem evitados os problemas atuais. 20 Observador das mazelas que comprometiam a atuação do Judiciário no exercício de sua função perante à sociedade, MAURO CAPPELLETTI e BRYANT GARTH realizam um estudo, que se materializa em meados da década de 70 na obra Acesso à Justiça. 21 MEDINA afirma que as premissas do recurso extraordinário - como hoje é concebido no Brasil- ainda guardam certas similaridades com as do writ of error norte-americano e, também, com as do recurso extraordinário argentino. 22 Ao receber o recurso do Decreto nº848, o art.59, §1.º da Constituição passou a ter a seguinte redação: “Das sentenças das justiças dos Estado em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a)quando se questionar sobre a validade ou aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela; b) quando se contestar a validade de leis e atos dos governos dos Estado em face da Constituição Federal e a decisão considerar válidos esses atos e essa leis impugnadas”. lei federal por dois ou mais tribunais locais (art.60, §1.°, letra c), caso em que ele poderia “ser também interposto por qualquer dos tribunais referidos ou pelo Procurador-Geral da República”. Tinha-se, destarte, um recurso extraordinário ex officio, com caráter facultativo. 2.2. TRAÇOS EVOLUTIVOS DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO: DA EMENDA DE 1926 À CONSTITUIÇÃO DE 1891 ATÉ A CONSTITUIÇÃO DE 1967, E EMENDA 1 DE 1969. As hipóteses de cabimento do recurso – que ainda não se denominava “extraordinário” –, com a reforma de 1926, foram assim delineadas: “Das sentenças das justiças dos Estados em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar sobre a vigência ou validade das leis federais em face da Constituição e a decisão do Tribunal dos Estados lhes negar aplicação; b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas; c) quando dois ou mais tribunais interpretarem de modo diferente a mesma lei federal, podendo o recurso ser também interposto por qualquer dos tribunais referidos ou pelo Procurador-Geral da República; d) quando se tratar de questões de direito criminal ou civil internacional” (art.60,§1°). A inclusão do disposto na alínea c, - interposição do recurso no caso de divergência entre julgados de tribunais diferentes – pode ser considerada a modificação essencial. Tendo em vista a finalidade do recurso, não poderia prosperar a divergência de decisões acerca de uma mesma lei federal. Há que se observar, contudo, que, ao se alegar diversidade entre a decisão recorrida e aquela que se indica em comparação, fatalmente se questionaria, ao menos indiretamente, conforme o entendimento de GARCIA MEDINA23 sobre a validade e vigência da lei federal. Sob esse prisma, a hipótese prevista na alínea d poderia ser incorporada à alínea a, do dispositivo constitucional citado. No entanto, a inclusão da alínea d teve, de toda sorte, sabor de novidade, à época, posto que o entendimento acerca do âmbito da alínea a era restrito, ou seja, permitia a interposição do recurso extraordinário apenas quando a decisão recorrida não reputasse vigente ou válida a lei federal. Caso não se tivesse questionado acerca da vigência ou validade da lei federal, a interpretação dada pelo Tribunal prevaleceria, não sendo cabível o recurso pela alínea a do permissivo constitucional. Contudo, se a interposição do recurso extraordinário não era possível quando em si mesma a decisão houvesse aplicado erroneamente a lei federal – de acordo com a alínea a – tal interposição seria possível se, ao alegar que a interpretação constante da decisão recorrida fosse equivocada, o recorrente invocasse outra decisão como paradigma, decisão esta, por sua vez, que tivesse decidido corretamente acerca da aplicação do direito federal. A Constituição Federal de 1934, no art.67, ao dispor sobre o recurso extraordinário24, além de ter conferido nome ao recurso, trouxe, ainda, como principal inovação a inclusão, na alínea a, da possibilidade de interposição do recurso quando a decisão fosse contrária à literal disposição de tratado ou lei federal. As demais hipóteses de interposição do recurso outrora previstas pela Emenda de 1926 passaram a constituir as alíneas (b, c e d), com alguns aperfeiçoamentos. 23 MEDINA, op. cit., pág.120. “Art.67. À Corte Suprema compete: (...) 2) julgar: (...) III – em recurso extraordinário, as causas decididas pelas justiças locais, em única ou última instâncias: a) quando a decisão recorrida for contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se haja questionado; b) quando se questionar sobre a vigência ou validade de lei federal em face da Constituição, e a decisão do Tribunal local negar aplicação à lei impugnada; c) quando se contestar a validade de lei ou ato dos governos locais em face da Constituição, ou de lei federal, e a decisão do Tribunal local julgar válido o ato ou lei impugnado; d) quando ocorrer diversidade de interpretação definitiva de lei federal entre as Cortes de Apelação de Estados diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou entre um destes tribunais e a Corte Suprema, ou outro Tribunal federal”. 24 A Constituição Federal de 1937 não trouxe qualquer modificação substancial ao recurso extraordinário, limitando-se a substituir a expressão “literal disposição de tratado ou lei federal”, da alínea a, pela expressão “letra de tratado ou lei federal”, não alterando, todavia, o seu conteúdo. A Constituição Federal de 1946, em seu art.101, inc.III, por sua vez, trouxe outras modificações25. Destaca GARCIA MEDINA26 que, embora, nas Constituições anteriores não houvesse menção expressa consistente na possibilidade de interposição do recurso extraordinário - quando a decisão recorrida fosse contrária a dispositivo constitucional-contudo, entendia-se que a referida competência estava implicitamente presente, mesmo que não mencionada diretamente pela Carta Magna. Com a modificação, o entendimento doutrinário restou consolidado na Constituição Federal. O cabimento do recurso extraordinário, nas Constituições de 1934 e 1937, quando a decisão fosse contrária à lei federal “sobre cuja aplicação se haja questionado”, a orientação, entretanto, de necessidade de questionamento não se repetiu na Constituição Federal de 1946. Parte da doutrina entendeu – com base nessa ausência de previsão - que havia sido dispensado o requisito do prequestionamento, entendimento, contudo, que não logrou prosperar. A jurisprudência, apesar de conflitante no início, acabou considerando que, apesar da norma constitucional não trazer expressamente a exigência do prévio questionamento, esta exigência encontrar-se-ia implícita, em face da natureza excepcional do recurso. 25 “Art.101, III, Constituição de 1946:Ao Supremo Tribunal Federal compete julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais ou juízes: a) quando a decisão for contrária a disposição desta Constituição ou à letra de tratado ou lei federal; b) quando se questionar sobre a validade de lei federal em face da Constituição, e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada; c) quando se contestar a validade de lei ou ato de governo local em face desta Constituição ou de lei federal e a decisão recorrida julgar válida a lei ou ato; d) quando na decisão recorrida a interpretação da lei federal invocada for diversa da que lhe haja dado qualquer dos outros Tribunais ou o próprio Supremo Tribunal Federal”. 26 MEDINA, op.cit., pág.122. A Constituição Federal de 1967, com a alteração da Emenda Constitucional 1, de 1969, não resolveu a controvérsia, pelo contrário, em seu art.119, inc.III, alínea b, suprimiu a alusão ao “questionamento” também da segunda hipótese de cabimento do recurso extraordinário prevista na Constituição Federal de 194627. Permaneceu, deste modo, ante o silêncio da Constituição Federal de 1967 a respeito, o entendimento jurisprudencial no sentido da necessidade do prequestionamento. Além disso, a Constituição Federal de 1967 restringiu o cabimento do recurso extraordinário, no que respeita à lei federal, à hipótese de a decisão recorrida negar-lhe vigência, e não quando houvesse contrariedade à lei federal. Pretendia-se, assim, de acordo com a doutrina da época, restringir as possibilidades de cabimento do recurso extraordinário, em virtude do acúmulo de processos no Supremo Tribunal Federal. Essa hipótese de cabimento, contudo, voltaria a ser modificada pela Constituição de 1988. 2.3. TENTATIVAS DE SUPERAÇÃO DA CRISE: a) Óbices regimentais Objetivando refrear o aumento excessivo do recurso extraordinário, o STF criou, via regimental, certos óbices, interpretando a regra então contida no art.119, §1.° da Carta 27 “Constituição Federal de 1946 (art.101, III, alínea b: “quando se questionar sobre a validade de lei federal em face da Constituição, e a decisão recorrida negar aplicação á lei impugnada” – grifou-se). A Constituição de 1967 assim cuidou do recurso extraordinário: “Art.119. Compete ao Supremo Tribunal Federal: (...) III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição ou de lei federal; ou d) dar à lei federal interpretação divergente da que lhe tenha dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal”. anterior (com redação da EC 7/77), onde se autorizava o STF a indicar as causas de que conheceria através do apelo extremo, “no regimento interno, que atenderá à sua natureza, espécie, valor pecuniário, ou relevância da questão federal” (salvo no tocante às alíneas ‘b’ e ‘c’ do art.119, III). Aprovado em sessão em 15.10.80, o RISTF dispôs em seu art. 325 as hipóteses em que não caberia recurso extraordinário, “salvo nos casos de ofensa à Constituição, manifesta divergência com ‘a Súmula’ do Supremo Tribunal Federal ou relevância da questão federal”. Com a Emenda Regimental n.2, de 4.12.85, a proposição desses óbices, que anteriormente era de forma negativa (“não caberá recurso...”), estendendo-se esse art.325 por onze incisos que contemplavam as hipóteses de cabimento do recurso. Pondera Theotonio Negrão28, a regra passou a ser a admissão do recurso extraordinário passou a ser a regra através da válvula de argüição de relevância (item XI do art.325 do RISTF); as demais hipóteses, contempladas nos incisos I a X constituíam-se em “exceção para um número muito reduzido de casos(...)”. Ad instar o que se deu com a argüição de relevância - a seguir exposto-, esses óbices regimentais têm hoje mero interesse histórico29, já que a atual Constituição não manteve – como o fizera a precedente – o poder “legiferante” do STF, para indicar as causas de que conheceria, via recurso extraordinário. Para GRECO FILHO30, a modificação mais substancial em relação à sistemática anterior é a da impossibilidade de serem estabelecidas restrições adicionais pelo Regimento Interno dos Tribunais Superiores, os quais devem interpretar o cabimento do recurso diretamente do texto constitucional. Na verdade, esse sistema possibilitava que, v.g., uma causa deixasse de ser conhecida pelo STF em função da matéria versada; daí, a 28 NEGRÃO, Theotonio. Técnica do Recurso Extraordinário no Cível. RT 602/11. A análise histórica desses institutos ganha importância, uma vez que a EC n°45 de 2004 inseriu a repercussão geral das questões constitucionais, passamos então a contar com um óbice constitucional para o conhecimento do recurso extraordinário. 30 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, v.2, 13. ed., São Paulo: Saraiva, 1999. 29 argüição de relevância ter surgido como um temperamento a esse sistema, possibilitando que uma causa, mesmo não estando elencada nos incisos I a X do art.325 do RISTF, pudesse ser admitida “quando reconhecida a relevância da questão federal” (inc. XI do art.325, com redação da ER 2/85). De toda sorte, o sistema dos óbices regimentais, não obstante permitido pelo art.119,§1°, da EC 1/69, jamais esteve isento à crítica de que se tratava de um mecanismo engenhoso para intrincar a propositura e a admissibilidade do recurso extraordinário, por modo a impedir que o STF sucumbisse ao peso de uma excessiva carga de trabalho31. É incontestável que às dificuldades processuais e procedimentais aderentes a um recurso de tipo excepcional, como é o caso do recurso extraordinário, os óbices regimentais conforme MANCUSO32, representam um plus na verdadeira “corrida de obstáculos” a que se sujeitavam os advogados para verem conhecido o apelo extremo. Além disso, as hipóteses elencadas nos incisos do art.325 do RISTF não eram auto-excludentes, sendo assim por vezes o recurso esbarrava em mais de um daqueles óbices. Provavelmente, os constituintes sensibilizados com esse quadro, preferiram suprimir a função legiferante subsidiária que o STF de certa forma vinha desempenhando no plano de seu Regimento Interno, por delegação da norma constitucional. Não nos parece se possa, exageradamente, reprovar a finalidade restritiva que os óbices regimentais desempenhavam no tocante à admissibilidade do recurso extremo: a Corte dispõe de 11 Ministros para conhecer de causas que ali afluem de todos os rincões do país, em competência originária, recursal-ordinária e recursal-extraordinária (hoje, respectivamente, 31 Assim, aduz Hugo de Carvalho Ramos Magalhães in “O recurso extraordinário no cível, seus pressupostos, condições e juízo de admissibilidade” RePro 49/224: “o STF, a princípio por uma jurisprudência pro domo, que não se harmonizava com o texto constitucional, afunilou, cerceou o ingresso do postulante ao recurso extraordinário e passo a passo, pretextando excesso de trabalho, acabou por reduzir ao mínimo as chances de se utilizar do apelo extremo”. 32 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 7 ed. São Paulo: RT, 2001. p.71. incisos I, II e III do art.102 da CF). Os fatos e números são eloqüentes de per si, autorizando a ilação de que aqueles óbices regimentais tenham sido, não uma causa, mas uma conseqüência da situação aflitiva representada pelo crescente acúmulo de serviço na Corte. De todo modo, cabe não perder de vista as inovações advindas na matéria recursal a partir da Lei 8.038, de 28.5.90, dita Lei dos Recursos. Nesta, o art.38 prevê que o Relator, tanto no STF, quanto no STJ, “decidirá o pedido ou o recurso que haja perdido seu objeto, bem como, negará seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou improcedente ou ainda, que contrariar, nas questões predominantemente de direito, Súmula do respectivo Tribunal” (art.38). Presentemente, com o advento da Lei 9.756, de 17.12.1998, esse expressivo rol de poderes processuais atribuídos ao Relator vieram reafirmados e em certo modo ampliados, como se extrai à leitura do art.557 do CPC, nova redação: “O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior”. É importante relembrar que no RISTF os poderes do Relator abrangem o de “julgar prejudicado pedido ou recurso que haja perdido o objeto” (art.21, IX), a par de poder “arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou improcedente e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do Tribunal, ou for evidente a sua incompetência”. A simples comparação entre esses dispositivos regimentais e o art.557 do CPC, na redação que lhe adveio com a Lei nº 9.756/98 evidencia que não é de agora que começou, dentre nós, esse movimento conducente ao aumento dos poderes do Relator. b) Argüição de relevância da questão federal no recurso extraordinário O instituto da argüição de relevância da questão federal tem a ver com o regime anterior do recurso extraordinário, regulado pela revogada CF de 1969. As hipóteses de cabimento do recurso extraordinário, contra decisões de tribunal de única ou última instância, estavam descritas no art.119, III da CF/196933. A CF de 1969 concedia competência legislativa ao STF para consignar, em seu regimento interno, quais seriam as causas que comportariam o recurso extraordinário a que se referia o CF 1969 art.119 III a e d mencionados, determinando à Corte Suprema que levasse em conta à natureza da causa, espécie, valor pecuniário e relevância da questão federal (CF/ 1969 art.119 §1.°). Antes da Emenda Constitucional n.1/69, que criou o parágrafo único no art.119, da CF de 1969, transmudando-se, posteriormente, em §1.°, as disposições regimentais sobre cabimento de recurso extraordinário eram por demais débeis, visto que o Excelso Pretório não detinha autorização legislativa para tanto. Editado o regimento interno, a partir de 1970, o STF procedeu a inúmeras modificações nesse estatuto, e, para efeito de restrição ao cabimento do recurso extraordinário, a mais importante foi a Emenda 3, de 12.6.1975. O art. 308 do RISTF foi alterando substancialmente com essa emenda, acrescentado-lhe vários incisos e parágrafos, disciplinando o cabimento do recurso extraordinário (nos limites da autorização constitucional) e o procedimento da argüição de relevância da questão federal, instituto criado pela referida emenda. A CF de 1969 adotou, posteriormente, de forma 33 Foi previsto o recurso extraordinário quando a decisão: a) contrariar dispositivo da CF ou negar vigência de tratado ou lei federal; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da CF ou de lei federal; d) der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja dado outro tribunal ou o próprio STF. expressa o instituto da relevância, inserido naquela Lei Maior pela Emenda Constitucional 7, de 13.4.1977 (CF/1969 119 §1.º). A competência normativa para prescrever restrições ao cabimento do extraordinário era privativa do STF, tolhendo o Congresso Nacional para a edição de leis ou outras normas a esse respeito exceção feita, obviamente, à emenda constitucional. Muitas críticas eram tecidas à competência conferida ao STF para legislar em matéria de recurso extraordinário. NELSON NÉRY JR34, não vislumbrava nisso causa que comprometesse a autonomia tripartite dos poderes, pois o único órgão apto a identificar as causas que mereciam e deveriam ser apreciadas em grau de recurso extraordinário era, sem dúvida, o próprio STF. Acresce salientar que era e é vedada pela CF a delegação de poderes, salvo quando a própria Constituição se utiliza desse expediente, como no caso. Além disso, essa competência extraordinária limitava-se ao âmbito do cabimento do apelo extremo somente nas hipóteses das letras a e d do inciso III do art.119 da CF de 1969. O STF havia indicado no art.308 do RISTF as restrições ao cabimento do recurso extraordinário, no direito regimental revogado; já no RISTF atual, com a redação dada pela Emenda Regimental 2, de 4.12.1985, o STF modificou a até então não mui simpática estratégia e, ao invés de indicar as restrições, procedeu à enumeração das hipóteses de cabimento, agindo, assim, positivamente com relação à competência que lhe fora outorgada pela CF de 1969. No art. 325 do RISTF, o STF, atendendo o comando do art.119 §1.°da CF/1969, estavam indicadas quais eram as hipóteses em que cabia o recurso extraordinário, enumerando-as casuisticamente em dez incisos, vale dizer, em numerus clausus. O décimo primeiro do referido artigo do regimento diz o seguinte: “XI – em todos os demais feitos, quando reconhecida a relevância da questão federal”. 34 NERY JR. Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6ªed. São Paulo: RT, 2004. p.99. Muito embora o STF tenha fechado as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário no regimento interno, deixou uma válvula de escape que se configurava como exceção ao não cabimento do apelo extremo: argüição de relevância da questão federal, a ser melhor analisada em capítulo próprio. Ocorre, todavia, que a argüição de relevância da questão federal não subsistia autonomamente. Para que se pudesse empregá-la, era preciso haver, já interposto, o recurso extraordinário. Na oportunidade em que o recorrente inferisse as razões do cabimento do extraordinário, argüiria a relevância da questão federal, em tema destacado, porém dentro do apelo extremo; ou seja, era em tudo dependente do recurso extraordinário. A atual Constituição Federal não manteve a possibilidade de “argüição de relevância da questão federal, criada pela Emenda Regimental 3, de 12.6.75 (consagrada pela EC 7/77), e que o art.327, §1.°, do RISTF, com a redação da Emenda 2/85, definia como aquela que “pelos reflexos na ordem jurídica, e considerados os aspectos morais, econômicos, políticos ou sociais da causa, exigir a apreciação do recurso extraordinário pelo Tribunal”. Inicialmente, questionou-se em sede doutrinária e jurisprudencial sobre a natureza jurídica da argüição de relevância. No entanto, posteriormente o tema pacificou-se no entendimento de que não se tratava de recurso, e mas de expediente que intentava obter o acesso desse apelo extremo no STF, nas hipóteses em princípio excluídas de seu âmbito. Atualmente, o incidente de argüição de relevância possui unicamente caráter histórico, já que a atual Constituição Federal não o manteve. E assim, conforme assinala MANCUSO35, a poeira do tempo desceu sobre essa que foi uma tentativa – válida, apesar dos pesares – de superar a crônica “crise do Supremo”, de que ora vamos tratando. Convém anotar que, conquanto sem a mesma configuração processual e o nomen júris de “argüição de 35 MANCUSO, op. cit.,p.68. relevância”, a EC nº45 de 2004 acrescentou a seguinte redação para o §3° do art.102 da CF: “No recurso extraordinário, o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, a fim de que o Tribunal, em procedimento a ser disciplinado em seu regimento interno, examine a admissão do recurso, somente podendo recusa-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”. Melhor estudo sobre essa questão será feito em capítulo próprio. c) Acréscimo do número de Ministros Ao longo de sua história, o STF apresentou diversificada composição numérica: sob o Império, com o nome de Supremo Tribunal de Justiça, havia dezessete “Juízes Letrados”. No regime consolidado pela Constituição Republicana de 1891, tínhamos quinze juízes. Eram onze seus Ministros na Carta de 1934, número que não foi alterado nas Constituições de 1937 e 1946. Em 1966, o Ato Institucional 2 aumentou esse número para dezesseis, o que ficou mantido na Carta de 1967. Já em 1969, o Ato Institucional n.6 reduziu a onze os Ministros do STF, quantidade que perdurou na EC 1/69 (art.118); e foi mantida na vigente CF de 1988 (art.101). Os doutrinadores divergiam quanto à necessidade do aumento, pelas mais diversas razões a seguir sintetizadas. Ao tratar da crise instaurada no STF face à enxurrada de recursos extraordinários, JOSÉ AFONSO DA SILVA36 afirmou que o “acúmulo de serviços no Tribunal Supremo do país provém, de dois fatos: primeiro, do pequeno número de Ministros de que ele se compõe, com a incumbência de decidir sobre questões de toda matéria jurídica nacional, exceção da eleitoral; segundo, da pletora de feitos que lhe encaminha o recurso extraordinário”. 36 SILVA, op. cit., p.418 São Paulo: RT, 1963. THEOTONIO NEGRÃO37, nos idos de 1974 afirmou que “ou se aumenta o número de juízes, ou se retira do STF a função que não lhe é essencial, que vem a ser a que respeita à uniformização do entendimento do Direito federal38”. Entendimento diverso é o do professor CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO39, para quem “a crescente opção pela singularidade no julgamento em diversas situações representa uma legítima tentativa de inovar sistematicamente na luta contra a lentidão dos julgamentos nos tribunais. Sabe-se que aumento do número de juízes não resolve o problema, como já não resolveu no passado remoto e próximo”. Nessa mesma linha MANCUSO40, adverte que se levarmos em conta que a chamada “crise do Supremo” remonta ao início do século, quando, naturalmente, era escasso o número de recursos extraordinários, se comparado com o que ocorre hoje, forçoso concluirmos que a causa verdadeira dessa crise deve ser outra que não o número – verdadeiramente reduzidode Ministros.”Conclui que a sobrecarga de processos no STF não se resolveria se o número de Ministros voltasse a se dezessete, como no Império: mais seis Ministros não resolveriam a sobrecarga. Se observarmos as competências do STF, não será difícil concluirmos que o acúmulo de serviço judiciário não deriva das causas41 de que ele conhece originariamente (CF, art.102, I e alíneas): muitas delas não são apresentadas amiúde; outras resolvem-se no chamado juízo de delibação, ou seja, de revisão sob o aspecto formal; em outras, cuida-se de julgamento de 37 NEGRÃO, Theotonio. “Uma nova estrutura para o Judiciário”. RT 639/242. Theotonio Negrão e José Afonso da Silva defendiam a criação de um tribunal, voltado para resolver essas questões que assolavam o STF, no dizer deste último doutrinador a função desse novel Tribunal Superior seria a de exercer as atribuições de órgão de cúpula e de composição das estruturas judiciárias. 39 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. Vol. II, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.p.1104. 40 MANCUSO, op.cit., pág. 76. 41 Do ano 2000 ao ano de 2005, foram distribuídos 462.664 processos no STF, sendo que 176.940 expressam a marca de recursos extraordinários. No que tange às ações originárias (art.102, I, n, da CF), de 1990 a 2005, temos um total de 993 distribuídas. 38 altas autoridades, por crimes comuns ou de responsabilidade. Descartamos, outrossim, que a origem desse acúmulo esteja nas causas que envolvem crimes políticos (CF, art.102, II, b), já que seu número não é particularmente expressivo. Quanto aos habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção denegados em última instância pelos Tribunais Superiores (CF, art.102, II, a), e bem assim, quanto às ações diversas no âmbito do controle interno da in/constitucionalidade de leis e atos do Poder Público (CF, art.102, parágrafos 1º. e 2º.; art.103 parágrafo 2º.), não obstante sua inconteste relevância no contexto jurídico-político nacional, não parecem compor um volume de processos tão significativo a ponto de adiar a marcha normal do serviço judiciário do STF. De concreto, e (ainda) atual, pois remanesce como causa mais palpável o próprio recurso extraordinário42, pelo notável volume de processos que através dele chegam ao STF. Portanto, o volume excessivo de recursos extraordinários aparece como principal fator dessa “crise do Supremo”. Na verdade, o aumento do número de Ministros antes não resolveu nem agora resolveria o problema, de modo que nesse ponto andou bem a atual Constituição, mantendo o número de onze; situação esta que não foi modificada com a reforma constitucional de 2004 (EC nº45). Aliás, segundo MANCUSO43 se a crise se extinguisse em função da quantidade de Ministros, a Corte Suprema norte-americana teria resolvido seu problema de sobrecarga judiciária com o célebre “Court-packing Bill”, que ampliava o número de vagas naquela Corte, inserindo-se no “new deal” do Presidente Franklin Delano Roosevelt. 42 José Afonso da Silva, Min. José Carlos Moreira Alves, Rodolfo de Camargo Mancuso são alguns dos que defendem que o que se convencionou denominar de “crise do Supremo Tribunal Federal”, é na verdade a “crise do Recurso Extraordinário”. 43 MANCUSO, op. cit., p.78. 2.4. A INOVAÇÃO FEITA PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988: REPARTIÇÃO DA COMPETÊNCIA ENTRE SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SURGE O RECURSO ESPECIAL. EM BUSCA DA SOLUÇÃO PARA A CRISE QUANTITATIVA DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO: A REPERCUSSÃO GERAL DAS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS NA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45 DE 2004. JOSÉ AFONSO DA SILVA, na obra clássica sobre recurso extraordinário, ao buscar uma solução para a “crise”44, alertava-nos para a necessidade da realização de uma reforma constitucional, no capítulo do Poder Judiciário Federal, cujo objetivo seria a redistribuição e redefinição de competências e atribuições dos órgãos judiciários da União. Vislumbrava, então, a criação de um órgão denominado Tribunal Superior de Justiça45. Posteriormente, em 1965, em Simpósio na Fundação Getúlio Vargas, juristas como Seabra Fagundes, Alcindo Salazar, Miguel Reale, Levi Carneiro, Caio Tácito, Frederico Marques, Caio Mário Pereira e outros, propugnaram pela instituição de uma corte para o julgamento dos recursos extraordinários em matéria não constitucional (vide relatório publicado na Revista de Direito Público e Ciência Política, na aludida Fundação, v. VIII, tomo 2). A Constituição da República de 1988 repartiu a matéria antes abrangida pelo recurso extraordinário; ficando a este reservada a suscitação de questões atinentes à própria Constituição Federal (art.102, III, letras a, b e c), ao passo as demais passaram a ser suscitáveis através de recurso especial, cujo julgamento se inclui na competência do então criado Superior 44 Em busca de um panorama mais detalhado das propostas do autor, cf. pág.454 e segs. A competência fundamental do Tribunal Superior de Justiça, entre outras, seria julgar, em grau de recurso, as causas decididas em única ou última instância pelos tribunais ou juízes estaduais, dos feitos da fazenda nacional e militares: a) quando a decisão recorrida fosse contrária à letra de tratado ou lei federal; b) quando se contestasse a validade de lei ou ato de governo local em face de lei federal, e a decisão recorrida aplicasse a lei ou ato impugnado; c) quando na decisão recorrida a interpretação da lei federal invocada fosse diversa da que lhe haja dado qualquer tribunal estadual, ou tribunal militar ou o Tribunal Federal de Recursos, ou divergisse de decisão por ele próprio proferida. 45 Tribunal de Justiça (art.105, III, letras a, b e c). Similar modificação insere-se no quadro geral de mudança de aspecto do Supremo Tribunal Federal, destituído de várias atribuições para centralizar-se essencialmente, ainda que não com exclusividade, no cumprimento das funções características de autêntica Corte Constitucional46. Os motivos que levaram o constituinte federal de 1988 à criação do Superior Tribunal de Justiça, e à extinção do Tribunal Federal de Recursos são conhecidos. Em última análise, a chamada ‘crise do Supremo Tribunal Federal’, pelo número de feitos sempre crescente e absolutamente excessivo, postos a cargo dos integrantes do Excelso Pretório. A par da matéria, em competência originária, derivada do exercício de sua função de Corte Constitucional, também uma multiplicidade de recursos provenientes de todas as partes de um país sob alto incremento demográfico e com várias regiões em acelerado processo de industrialização e de aumento do setor terciário da economia, acarretando sempre maiores índices de litigiosidade. Para ATHOS GUSMÃO CARNEIRO47, a instituição do Superior Tribunal de Justiça atendeu aos reclamos da dita crise do Supremo. Permitindo-se ao Supremo Tribunal Federal exercer sua missão maior, de custódia da Constituição Federal e órgão tutelar dos direitos e garantias individuais sem maiores tribulações. E, substituindo-se Tribunal Federal de Recursos – até então principalmente tribunal de 2º grau da Justiça Federal, por cinco Tribunais Regionais Federais, melhor aparelhados para servir como instância recursal ordinária das decisões dos juízes federais. 46 Verificamos na doutrina fortes reclamos para que o STF se concentre em analisar unicamente questões constitucionais, a fim de que fique caracterizada robustamente sua função de Corte Constitucional, podemos citar: Barbosa Moreira, Min. Moreira Alves, Mancuso, dentre outros. 47 CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno. 3ªed..Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.4. Desta feita, ao Superior Tribunal de Justiça, tribunal nacional, colocado acima dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais dos Estados, incumbia desempenhar, sem óbices regimentais, a tutela da legislação federal infraconstitucional, nos casos previstos na Lei Maior. Passados dez anos da criação do Superior Tribunal de Justiça, verificou-se que a enorme quantidade de recursos extraordinários dirigidos ao STF voltava a instituir a crise, que se estabeleceu nos anos 80. Em 1998, foram distribuídos 20.595 recursos extraordinários, num total de 50.273 processos distribuídos naquela Corte, ou seja, quase a metade dos processos com que se ocuparia era relativo aos recursos extraordinários. Embora não se permitisse a imposição de óbices regimentais ao seu conhecimento, a jurisprudência embasando-se em Súmulas continuou a exigir o prequestionamento como requisito de admissibilidade recursal. No entanto, nem mesmo tal artifício impediu a nova enxurrada48 de recursos extraordinários. Coube ao constituinte – uma vez que restrições à admissibilidade do recurso extraordinário não poderiam ser feita pela via infralegal – estipular mecanismo que desse caso à crise que se instalou com os mesmos contornos daquela que ocasionou a criação do STJ em 1988, é o que podemos concluir com a novidade trazida pela Emenda Constitucional nº45 de 2004, acrescentando o §3º ao art.102, o qual determina que o recorrente está obrigado a demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais ventiladas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. Conforme dito anteriormente, ao tratarmos da argüição de relevância em tópico sintético, resta dúvida ser essa repercussão seria a argüição de relevância reformulada. Entendemos que tal assunto merece ser abordado em capítulo próprio, por ser de importância 48 Em 1994, o número de recursos extraordinários distribuídos era de 14.984, já em 2003 tivemos um salto para a casa dos 44.478. cabal para o desenvolvimento deste estudo, o qual se ocupa do recurso extraordinário segundo a ótica do acesso à justiça; sendo desta feita, extremamente pertinente perquirir os meandros de sua admissibilidade. 3. O RECURSO EXTRAORDINÁRIO NA REPÚBLICA DE 1988 E SEUS ASPECTOS PROCEDIMENTAIS. CONSTITUIÇÃO DA 3.1. DETERMINANTES CONSTITUCIONAIS DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 3.1.1.Esgotamento prévio das instâncias ordinárias. O recurso extraordinário pressupõe um julgado contra o qual já foram esgotadas as possibilidades de impugnação nas várias instâncias ordinárias ou na instância única, originária; ou seja, só seriam exercitáveis contra “causas decididas” ou “decisões finais”, ambas expressões significando que não pode ser exercitado per saltum. Isso já provinha do sistema precedente à atual Constituição Federal, como se vê nas súmulas 281 e 282 do STF49. De fato, a Constituição precedente já dizia que o recurso extraordinário era interponível contra “causas decididas em única ou última instância” (art.119, III); análoga expressão encontramos no art. 102, III, do texto constitucional em vigor. Tal exigência se dá em virtude do STF ser órgão de cúpula judiciária, estendendo suas decisões por todo território nacional. Compreende-se, em tais circunstâncias, que a Corte Superior, somente deve pronunciar-se sobre questões constitucionais numa lide que esteja completamente dirimida nas instâncias inferiores. Quando os Tribunais da Federação derem a última palavra, conforme suas atribuições, entende-se que o interesse do recorrente depende de que já tenham sido experimentadas todas as possibilidades da impugnação que antes se lhe abriram. 49 Pela ordem: “É inadmissível o recurso extraordinário quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”; “É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”. Convém, ainda, ressaltar dois pontos; a) Nos Juizados Especiais50 e nas execuções fiscais51; desde que presentes os requisitos de admissibilidade, permite-se o manejo do recurso extraordinário contra decisões oriundas dessas instâncias que, malgrado componham o primeiro grau, se mostravam únicas, cumpre observar que o art.102, III, da CF, não utilizava a expressão “Tribunais”, como o faz em sede de recurso especial (CF, art.105, III); b) Não se aplica essa exigência do esgotamento para as ações autônomas de impugnação. 3.1.2. Impossibilidade de correção da injustiça do julgado recorrido. O Supremo Tribunal Federal não é mero Tribunal Superior, mas a Corte Suprema, incumbida de manter a unidade do direito constitucional. O recurso extraordinário não representa mais uma possibilidade de impugnação, pois se trata, nas palavras de MANCUSO52, “de remédio de cunho político-constitucional” que permite ao STF dar cumprimento à elevada missão de guarda da Constituição. (CF, art.102, caput) Ao aplicar o direito à espécie (RISTF, art.324), a Corte também provê sobre o direito subjetivo individual da parte; isso, contudo, aparece como um efeito “indireto” ou “reflexo” do provimento sobre o recurso, pois, conforme dito, a finalidade do recurso extraordinário é zelar pela unidade da Constituição. O recurso extraordinário exterioriza uma conotação bifronte, posto que o recorrente, ao demonstrar uma violação, oriunda do julgado recorrido, de um direito seu assegurado constitucionalmente, permite ao Supremo Tribunal Federal que, em provendo o 50 51 52 Lei nº 9.099/95, art.42. Lei nº 6.830/80, art.34. MANCUSO, op. cit., P.117. recurso, resolva a situação jurídica individual, e ao mesmo tempo preserva a integridade da ordem jurídica. A sucumbência por si só não basta para efeito de interposição do recurso extraordinário, é, atualmente, imprescindível a existência de questão constitucional, e, futuramente, com a edição da lei mencionada no §3º art.102, da Constituição Federal, será, também, exigida, a demonstração pelo recorrente da repercussão geral das questões constitucionais, inovação trazida pela EC nº45 de 2004. 3.1.3.Proibição do reexame da matéria fática. O recurso extraordinário não admite discussão de matéria de ordem fática, tal entendimento encontra-se disposto na Súmula 279 do STF. Por essa razão, muitas situações práticas são prontamente excluídas da apreciação do STF, tais como questões que demandem a reavaliação do quadro probatório53. É justificável tal exigência porque para o recurso extraordinário, o que realmente está em questão é o entendimento que se confere à norma constitucional, propugnando pela correta interpretação da mesma. 53 Ao tratar da aplicação do writ of certiorari, a Suprema Corte dos Estados Unidos editou a Rule 10, que elucida a questão quanto a erro de fato: Rule 10. Considerations Governing Review on Certiorari. Review on a writ certiorari is not a matter of right, but of judicial discretion. A petition for a writ of certiorari will be granted only for compelling reasons. The following, although neither controlling nor fully measuring the Court´s discretion, indicate the character of the reasons the Court considers:( a) a United States court of appeals has entered a decision in conflict with the decision of another United States court of appeals on the same important matter; has decided as important question in a way that conflicts with a decision by a state court of last resort; or has so far departed from the accepted and usual course of judicial proceedings, or sanctioned such a departure by a lower court, as to call for an exercise of this Court´s supervisory power; (b) a state court of last resort has decided as important federal question in a way that conflicts with the decision of another state court of last resort or of a United States court of appeals; (c) a state court or a United States court of appeals has decided an important question of federal law that has not been, but should be, settled by this Court, or has decided an important federal question in a way that conflicts with relevant decisions of this Court. A petition for a writ certiorari is rarely granted when the asserted error consists of erroneous factual or the misapplication of a properly state rule of law. Consoante EDUARDO ARRUDA54 “É evidente que não há questões exclusivamente de direito, pois a atividade jurisdicional é voltada, precipuamente, à aplicação do direito a hipóteses concretas. O que não se admite, pela via do recurso extraordinário, é a reavaliação do quadro fático, tal como este tenha sido entendido pelo tribunal local, o que, todavia, não impede a requalificação jurídica desses mesmos fatos”. Definir quando se está diante de questão puramente de direito, passível de ser discutida em sede de recurso extraordinário, ou se envolve a reapreciação de matéria fática, não é tarefa das mais fáceis. O STF, nesse caso, não deverá, em princípio, reavaliar o quadro fático, tal como este tenha sido definido pelo tribunal local. Como já se decidiu no STF55: “Os parâmetros fáticos a serem observados quando da apreciação de todo e qualquer recurso de natureza extraordinária são aqueles retratados no acórdão impugnado”. O erro de fato, para GLEYDSON KLEBER56 “não repercute em outros feitos, enquanto o de direito tem o condão de repercutir em outros feitos, servindo de paradigma para a solução de casos futuros”. Embora nem sempre todas as questões de direito venham a ser apreciadas em sede de recurso extraordinário, em virtude do caráter excepcional do mesmo, essa definição de erro de direito – ou podemos utilizar questão de direito - se aperfeiçoa com a imposição da demonstração da repercussão geral das questões constitucionais, analisada a seguir. 3.1.4. A repercussão geral das questões constitucionais. 54 ALVIM, Eduardo Arruda. Recurso especial e recurso extraordinário.in Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de acordo com a Lei nº10.352/2001. v.5 São Paulo: RT, 2002.p.152 55 STF – 2ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio, Ag. Reg. Em Rec. Ext. 208.965-6-SP, j. 25.05.1998. 56 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de.Questão de fato e de direito para fins de admissibilidade do recurso especial in Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de acordo com a Lei n° 10.352/2001, v.5 São Paulo: RT, 2002. Com o fito de dar efetividade à instância especial –STF- no que tange à interposição do recurso extraordinário, a Emenda Constitucional n.45/2004 estabeleceu um novo requisito de admissibilidade: a repercussão geral das questões constitucionais, que terá ainda de ser regulamentado por lei. Segundo MANTOVANNI CAVALCANTE57 não se pode “mais permitir que o dogma da liberdade de utilização do recurso excepcional seja traduzido como forma de acesso ao Judiciário (...)”. Embora a essa contundente crítica muito bem se insira na “crise quantitativa” que mais uma vez assola o Supremo Tribunal Federal, é necessário que os requisitos – que obstem o julgamento do recursos extraordinários – estejam em consonância com os postulados constitucionais, para que assim possamos sim falar em acesso à justiça perante o Supremo Tribunal Federal com o manejo do extraordinário, ou seja, uma acesso à justiça de qualidade, e não apenas formal.Um acesso à justiça nos termos da terceira vertente que é a do “enfoque do acesso à justiça”, que segundo CAPPELLETTI58 “(...) inclui os posicionamentos anteriores [1ª e 2ª onda]59, mas vai muito mais além deles, representando dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo”. Nos termos do §3.° que a Emenda acrescentou ao art.102 da Constituição, “o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso”. Ou seja, precisará demonstrar-se que o tema discutido no recurso possui uma relevância que transcende o caso concreto, revestindo-se de interesse geral, institucional, similar ao que já ocorria, no passado, quando vigorava no sistema processual brasileiro, o instituto da argüição de 57 CAVALCANTE, Mantovanni Colares. Recursos Especial e Extraordinário. São Paulo: Dialética, 2003.p.152. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet pág.31. Porto Alegre: Fabris, 1988. 59 A primeira onda se refere à assistência judiciária para os pobres e a segunda diz respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses “difusos”, especialmente nas áreas de proteção ambiental e do consumidor. 58 relevância60. Segundo LUIZ MANOEL GOMES JUNIOR, “na essência, este novo sistema é similar ao do certiorari na Suprema Corte dos Estados Unidos”61. O recurso, somente, poderá ser inadmitido, se dois terços dos membros do tribunal reputarem que a questão não tem relevância geral, assim sendo, a manifestação negando a existência de repercussão geral precisará advir do Plenário do STF, o qual reúne todos os seus membros. O relator isoladamente ou mesmo a Turma não estão autorizados a negar conhecimento ao recurso por esse fundamento. Se lhes parecer faltar a relevância geral, deverão enviar a questão ao Plenário. Porém deverá tal situação ser regulamentada por lei infraconstitucional62. Enquanto não advier tal regulamentação, o requisito em exame não é exigível. 3.2. ENQUADRAMENTO CONSTITUCIONAL DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 3.2.1. Contrariar dispositivo constitucional (art.102, III, a). 60 No último capítulo deste estudo, serão traçadas as peculiaridades de ambos institutos, a fim de que seja dada uma visão geral do que se imagina tenha o constituinte proposto para a admissibilidade do recurso extraordinário. 61 GOMES JUNIOR, Luiz Manoel. A repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. In RePro 119 p.98.. 62 Peter Raven-Hansen in Understanding Civil Procedure pág.431 exemplifica fatos que são considerados relevantes para o certiorari: “The United States Supreme Court’s rules, for example, list the following factors as relevant in granting certiorari: inter-circuit conflicts, conflicts between the courts of appeals and state courts of last resort, interstate conflicts on federal questions, conflict with Supreme Court decisions on federal questions, important and unsettled federal questions, and other federal rulings calling for the exercise of the Supreme Court’s power of supervision. The Supreme Court’s certiorari jurisdiction is thus highly discretionary, so discretionary that the Court has repeatedly stressed that its refusal to grant review by certiorari connotes little if anything about the correctness of the decision below”. A primeira hipótese de cabimento do recurso extraordinário consiste na contrariedade, por parte da decisão recorrida, a dispositivo constitucional (art.102, inciso III, alínea “a”, CF/88). Há dificuldade, contudo, em demarcar o que seja “contrariar”63. Haverá contrariedade64 ao texto constitucional quando a decisão recorrida desconhecer a regra esculpida na Constituição ou quando aplicá-la em situação inadequada. Para LUIZ MANOEL GOMES65, “situação que evidenciaria tal violação seria, por exemplo, quando o acórdão de segunda instância ou em sede de Recurso Especial, admitisse como válida e eficaz norma processual emitida por Estado Membro quando o inciso I do artigo 22 da Constituição Federal reserva competência exclusiva sobre a matéria para a União Federal. A contrariedade exigida pelo texto constitucional, de outro lado, deve estar presente de forma “direta e frontal”66, não podendo ser do tipo “reflexa”67. Em alguns casos, entretanto, há uma dificuldade para verificar se a violação é “direta”68. O Supremo Tribunal Federal tem entendido é que será reflexa a violação quando para se chegar a tal conclusão seja 63 Para EDUARDO ARRUDA in Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Civis 5, pág.147 a expressão “contrariedade” possui sentido bastante amplo, o que afasta, definitivamente, a incidência da Súmula 400. 64 Segundo GARCIA MEDINA, (Ob. Cit. pág.131)deve ficar claro que a negativa de vigência é, em princípio, violação mais grave do que contrariedade à norma jurídica. Desse modo, mesmo que não houvesse previsão expressa na atual Constituição Federal a respeito, cabível seria o recurso extraordinário na hipótese de negativa de vigência de norma constitucional. 65 JUNIOR, Luiz Manoel Gomes. A argüição de relevância – A repercussão das questões constitucional e federal. Forense:Rio de Janeiro, 2001.p.64. 66 “Se, para dar vulneração de regra constitucional, mister se faz, por primeiro, verificar da negativa de vigência de norma infraconstitucional, esta última é que conta, para efeitos do art.102, III, ‘a’, da Lei Maior” (STF – AgrReg. Nº 223.428, rel. Min. Néri da Silveira, j.14.12.1998 – DJU 09.04.1999). 67 Segundo julgado que teve como relator o Min. Celso de Mello no agravo de instrumento 125.934-SP (AgRg): “Todos sabemos que a orientação jurisprudencial desta Corte sobre o tema tem sido, invariavelmente, no sentido de que a ofensa oblíqua da Constituição, inferida de prévia vulneração de lei, não oferece trânsito ao recurso extraordinário”. 68 “A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento do extraordinário, há de ser frontal e direta. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica em relegar à inocuidade dois princípios básicos do Estado democrático de direito – o da legalidade e o do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais” (STF – RE n° 158215-4-RS, j. 30.04.1996, DJU 07.06.1996, p.19.830). necessário analisar textos infraconstitucionais69, o que viabilizaria o manejo do Recurso Especial, se o caso. Já a expressão “causas” deve ser compreendida em sentido amplo, abrangendo não somente o acórdão resultante do julgamento de apelação ou embargos infringentes, mas, igualmente, o acórdão proferido em sede de agravo de instrumento. Conclui MANTOVANNI CAVALCANTE70, que contrariar dispositivo da Constituição é, essencialmente, ofender norma Constitucional mediante a sua não aplicação ao caso concreto, quando deveria fazê-lo, ou com desvirtuamento do preceito constitucional, quando de sua utilização no julgado. 3.2.2.Tratado ou lei federal declarado inconstitucional (art.102, III, b). A hipótese da alínea b consiste no cabimento do recurso extraordinário em face de decisão que tiver declarado a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal. A sua finalidade específica, nesse caso, é assegurar a validade do direito objetivo federal. É sabido, que o sistema brasileiro comporta duas espécies de controle constitucionalidade dos atos normativos: ação direta de inconstitucionalidade e o controle incidenter tantum. Somente será admissível a aplicação do dispositivo ora comentando, no controle incidental de constitucionalidade, visto que o em abstrato, no caso de leis ou tratados federais, é exclusiva competência do Supremo Tribunal Federal. Não é relevante a razão pela 69 SANTOS, Fábio José Moreira dos. Ofensa direta e frontal à Constituição Federal como pressuposto de cabimento do recurso extraordinário segundo a jurisprudência do STF, in Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis v.5, pág.186 afirma: (...) passou-se a entender uniformemente, no âmbito do STF, que, em se constatando que a decisão recorrida por meio de recurso extraordinário, embora traga consigo e implique afronta à Carta Magna, antes decorre de violação de norma infraconstitucional, configura-se a situação de ofensa indireta e oblíqua à Constituição Federal, descabendo, destarte, o apelo máximo”. 70 CAVALCANTE, op. cit., p..81. qual a constitucionalidade foi reconhecida, mas sim, por si só, o reconhecimento da inadequação da norma com o texto constitucional. É suficiente, de qualquer sorte, a confirmação no acórdão de que a lei ou tratado federal seja incompatível com a Carta Política para permitir a admissão do Recurso Extraordinário71. 3.2.3. Julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição (art.102, III, c). A alínea c dispõe ser cabível recurso extraordinário quando a decisão recorrida “julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição” A hipótese é contrária a da alínea “b”, pois se alegou, aqui, a incompatibilidade da norma ou ato local frente a dispositivo constitucional e o acórdão interpretou que não estaria presente nenhuma inconstitucionalidade. Segundo MEDINA72, “se se afronta a Constituição Federal, aplicando-se lei local tida por inconstitucional, caberá recurso extraordinário”. O que se procura com tal hipótese de admissibilidade é “inteireza positiva” da Carta Política. 3.2.4. Julgar válida lei local contestada em face de lei federal (art.102, III, d). 71 MANTOVANNI, Ob. Cit. afirma que estaria, nesse caso, o recurso extraordinário funcionando como mecanismo de fiscalização do controle difuso de constitucionalidade, realizado nas instâncias ordinárias.p.83. 72 MEDINA, op. cit., p.138. A alínea d foi introduzida no inciso III do art.102 da Constituição para determinar que caberá recurso extraordinário contra acórdão que julgar válida lei local contestada em face de lei federal É que, no caso em tela, a controvérsia que se põe não concerne à legislação infraconstitucional. A disputa, em verdade, refere-se à distribuição constitucional de competência para legislar, pois se a lei local está sendo contestada em face da lei federal, é porque se sustenta que ela dispôs de matéria que, por demarcação constitucional, haveria de ser disciplinada pelo legislador federal. Já na hipótese da alínea b do inciso III do art.105, trata-se de cabimento de recurso especial contra acórdão que reputa válido ato de governo em face de lei federal. Neste caso, o problema é de mera legalidade: trata-se de saber se o ato infralegal respeitou a lei federal. Havia divergência, no sistema revogado, sobre o âmbito de incidência da redação anterior do art.105, III, b da Constituição Federal. Discutia-se se a decisão que julgava válida norma local em face de lei federal deveria dar ensejo a recurso especial ou recurso extraordinário, sendo entendida como questão federal ou questão constitucional. Isso porque, a rigor, a ordem hierárquica existente entre as normas federais, estaduais, distritais e municipais é instituída pela Constituição Federal.E a aplicação de norma do governo local em detrimento da lei federal é, sob esse prisma, violação à Constituição Federal, que determinou a hierarquia mencionada. Com a criação do Superior Tribunal de Justiça pela Constituição de 1988, conforme já visto e dando atribuição este Tribunal da responsabilidade pela manutenção da autoridade da lei federal, o tema passou a ensejar a interposição de recurso especial. O tema, no entanto, submetido à análise do Supremo Tribunal Federal, assim foi abordado pelo Min. Sepúlveda Pertence73: “Ora, se entre uma lei federal e uma lei estadual ou municipal a decisão optar pela aplicação da última por entender que a norma central regulou 73 STF – RE nº 117.809 QO– PR. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 14.6.1989. matéria de competência local, é evidente que a terá considerado inconstitucional, o que basta à admissão do recurso extraordinário pela letra “b” do art.102, II, da Constituição (...). Para essa concepção, a questão deve ser objeto de dois enfoques: 1.º) Se o tema em debate é relativo à competência atribuída pela Constituição Federal, e a aplicação da lei local implica negar validade à lei federal, por ser inconstitucional - e.g., quando a competência para legislar acerca da matéria é estadual – caberia recurso extraordinário pelo art.102, III, b, se antes da reforma constitucional (EC nº45), ou, atualmente, pela alínea d do mesmo dispositivo constitucional; 2.º) Se se afirma, porém que tanto a norma federal quanto a estadual são válidas, mas ao caso concreto se aplica a lei local, questionando-se apenas a compatibilidade entre as normas, cabe recurso especial pelo art.105, III, b. Esta orientação acabou sendo incorporada pela nova redação dos arts.102, III, alínea d e 105, III, b. A questão relacionada à validade de lei local contestada em face da Constituição é questão constitucional, razão pela qual, no caso, é cabível recurso extraordinário. A nova redação dos referidos dispositivos constitucionais, no entanto, poderá gerar dificuldades de interpretação, pois nem sempre será possível distinguir-se a violação da Constituição Federal da violação da lei federal. Não bastasse, outro elemento que pode obscurecer a aplicação do critério é o fato de que, para se distinguir entre as duas hipóteses previstas, o Tribunal dificilmente deixaria de investigar o mérito do recurso. O dispositivo constitucional ora comentado pode sugerir outra interpretação: a de que seria sempre cabível recurso extraordinário, se conflitassem lei local e lei federal, mesmo que não se discutisse sobre a validade de lei local. Bastaria, assim, que a lei federal fosse colocada em confronto com uma lei local para que se estivesse diante de questão constitucional, e não de questão federal. A prevalecer esta orientação, contudo, o Supremo Tribunal Federal se tornaria, também, órgão competente para definir a inteligência, isto é, o modo de interpretação da lei federal, o que diminuiria o âmbito da função do Superior Tribunal de Justiça no Direito brasileiro. 3.3.JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE 3.3.1.A admissibilidade de um recurso. 3.3.2. Pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário 3.3.2.1.Pressupostos genéricos. 3.3.2.1.1. Cabimento do recurso. É imperioso que o recurso esteja previsto na lei processual contra a determinada decisão judicial, e, ainda, que seja o adequado para aquela espécie. Temos, então, os dois fatores, a recorribilidade, de um lado, e a adequação, de outro, compõem o requisito do cabimento para a admissibilidade do recurso. Segundo NELSON NERY74, “a recorribilidade e a adequação precisam andar parelhas”, porque se, por exemplo, contra a sentença se interpuser o agravo, não terá sido preenchido o pressuposto do cabimento, gerando o “não conhecimento” do recurso. A interposição de um recurso inadequado não configura hipótese de nulidade. Os requisitos de admissibilidade podem ser comparados às condições da ação, porque ambos são requisitos necessários para o exame do mérito dos recursos e da ação, respectivamente. 74 NÉRY JR., op. cit.. p. 275. Além da recorribilidade da decisão, por meio de um recurso previsto pela lei processual, reclama-se, não obstante, para completar o requisito do cabimento, a adequação. O recurso interposto deve ser adequado para o tipo de decisão que se pretende impugnar. Caso inadequado, não será conhecido.E, ainda, em alguns casos, adverte NELSON LUIZ PINTO75 “quando se tratar de fundamentação vinculada, também ao conteúdo da decisão”. O recurso extraordinário consiste em meio excepcional de impugnação das decisões judiciais, não se representando um terceiro grau de jurisdição. Não se presta à correção de injustiças e se destina à proteção dos comandos emergentes da CF. Já que não se trata de recurso ordinário, para ser admitido está subordinado ao prévio esgotamento das instâncias recursais ordinárias. A Constituição prevê o cabimento desse recurso quando forem causas decididas em única ou última instância, o que traduz a necessidade de serem utilizadas todas as vias recursais nos órgãos inferiores, porque somente assim a decisão recorrível por RE será de última instância. Havendo a possibilidade de cabimento de recurso antes do RE, deve ser interposto a fim de que se esgote a recorribilidade nas instâncias ordinárias. Não se admite a interposição de recurso extraordinário per saltum, isto é, suprimindo-se um recurso ainda cabível na instância ordinária. Assim, de alguns acórdãos não unânimes proferidos no julgamento da apelação não se pode interpor RE, pois ainda seriam impugnáveis por embargos infringentes (CPC 530) V. Súmula 281 do STF. 3.3.2.1.2 Legitimidade. 75 PINTO, Nelson Luiz. Manual dos Recursos Cíveis. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.66. Temos como segundo pressuposto intrínseco de admissibilidade é o da legitimidade para recorrer. Podem interpor recurso as partes do processo76, o Ministério Público e o terceiro prejudicado pela decisão impugnada77. O juiz não foi incluído pela lei no rol dos legitimados a recorrer, porque o magistrado não pode, em nenhuma hipótese, interpor recurso. O impropriamente denominado “recurso ex officio” (CPC 475) não é, em verdade um recurso, mas sim condição de eficácia da sentença. É parte aquele que interveio no feito como autor ou réu, nele permanecendo até a sentença, na qual se encontra incluído. O litisconsorte é evidentemente parte, pois integra a relação processual em um dos pólos. Os intervenientes são partes com legitimidade para recorrer que ingressaram no processo como opoentes, denunciados da lide ou chamados ao processo. Se a nomeação à autoria é aceita pelo autor e pelo nomeado, este se torna réu, de sorte que tem legitimidade para recorrer como parte. O assistente qualificado (CPC 54) é considerado litisconsorte do assistido, parte principal, de modo que tem legitimidade para recorrer de forma autônoma e independente, pois a lide discutida em juízo é dele também. O assistente simples (CPC 50), que ingressa na lide alheia porque tem interesse na vitória de uma das partes, tem atividade subordinada á atividade do assistido, de sorte que somente poderá interpor recurso se o assistido assim permitir ou não vedar. O Ministério Público foi legitimado por lei para recorrer, quer tenha sido parte quer funcionado no processo como custos legis (CPC 499 §2º). Naturalmente, segundo NELSON 76 Afirma NELSON LUIZ PINTO, Ob. Cit, p.68 que essa legitimação recursal é individual, para todos os que foram partes, independentemente da quantidade de autores ou de réus no processo e da natureza do litisconsórcio que se houver estabelecido entre eles. 77 Conforme art.499 do CPC: “O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público”. NERY JR.78não há necessidade de o Ministério Público haver efetivamente funcionado nos autos como fiscal da lei para que se legitime a recorrer, como a primeira leitura do texto pode sugerir, mas basta a possibilidade fazê-lo. O CPC atribui legitimidade para recorrer ao terceiro prejudicado pela decisão. Determina, porém, a demonstração, pelo terceiro, do liame existente entre a decisão e o prejuízo que esta lhe causou. Entende-se terceiro quem não foi parte no processo, quer porque “nunca o tenha sido, quer haja deixado de sê-lo em momento anterior àquele em que se profira a decisão”. Os auxiliares do juízo em geral não possuem legitimidade para recorrer, pois não são nem parte nem terceiro prejudicado. O que se discutiu em juízo não lhes diz respeito. Caso o pronunciamento judicial puder lhes causar algum prejuízo, poderão discutir a matéria em ação autônoma, ficando tal discussão vedada no processo em que funcionaram na qualidade de auxiliares. A testemunha não tem, também, legitimidade recursal. Em todos os recursos deve ser obedecido o requisito da legitimidade para recorrer, para que sejam conhecidos e se possa resolver-lhes o mérito.Quando o mérito do recurso, porém, for a própria legitimidade para a causa, não se pode inadmitir sob o fundamento da falta de legitimidade. 3.3.2.1.3. O interesse em recorrer. O terceiro e último requisito intrínseco de admissibilidade é o interesse em recorrer. 78 NERY JR., op. cit.,p.309. O interesse em recorrer está atrelado à idéia de sucumbência79, aquele, que tenha sofrido gravame – seja total ou parcial – com a decisão que pretende impugnar, preenche os requisitos necessários para a configuração daquele interesse. O recorrente precisa ter necessidade de interpor o recurso, como único meio para conseguir, naquele processo, o que pretende contra a decisão impugnada. Se a vantagem puder ser obtida sem interposição do recurso, não estará configurado o requisito do interesse recursal. No que tange à utilidade, a ela estão ligados os conceitos mais ou menos sinônimos de sucumbência, gravame, prejuízo entre outros. E é a própria lei processual que fala em parte vencida, como legitimada a recorrer (CPC 499). Verificar-se-á sucumbência quando o conteúdo da parte dispositiva da decisão judicial discorda do que foi requerido pela parte no processo (sucumbência formal) ou quando, independentemente das pretensões deduzidas pelas partes no processo, a decisão judicial a colocar a parte ou terceiro em situação jurídica pior daquela que tinha antes do processo,ou seja, quando a decisão produzir efeitos desfavoráveis à parte ou ao terceiro (sucumbência material), ou ainda, quando a parte não obteve tudo aquilo que poderia dele ter obtido. Nota-se que a sucumbência é aferível com base na soma de vários critérios distintos. A conformidade da decisão com os requerimentos formulados pelas partes não basta, por si só, para indicar a sucumbência. Deve o recorrente, por conseguinte, pretender alcançar algum proveito do ponto de vista prático, com a interposição do recurso, sem o que não terá ele interesse em recorrer. 79 Nesse sentido: Nelson Luiz Pinto, ob. cit. Pág.69, Nelson Nery Jr. ob. cit. pág.315 , Mantovanni Colares Cavalcante, ob.cit. pág.92. A sucumbência deve ser aferida sob ângulo estritamente objetivo, ou seja, sob critérios objetivos de verificação do gravame ou prejuízo. Não basta, pois, a simples “afirmação” do recorrente de que sofrera prejuízo com a decisão impugnada. É necessário que o gravame, a situação desvantajosa, realmente exista, já que o interesse recursal é condição de admissibilidade do recurso. Quanto aos fundamentos, não se poderá declarar inadmissível um recurso por ser infundado. É suficiente a alegação do recorrente, de que se sentiu subjetivamente injustiçado, para que o tribunal superior deva necessariamente, se o juízo de admissibilidade houver sido positivo, examinar o recurso pelo seu mérito. O recurso interposto apenas contra fundamento da decisão não pode ser conhecido, pela ausência do interesse em recorrer. Esta é a regra geral, preconizada pela doutrina e jurisprudência. Este entendimento se estabilizou no STF, com as súmulas 283 e 29280.O entendimento exarado na súmula 292 foi melhor explicitado por outro que lhe sucedeu, o STF 52881. 3.3.2.1.4. A inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer. 80 Diz o STF 283: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”. Do mesmo modo, o STF 292 é do seguinte teor: “Interposto o recurso extraordinário por mais de um dos fundamentos indicados no art.101, III, da Constituição [de 1946], a admissão apenas por um deles não prejudica o seu conhecimento por qualquer dos outros”. 81 Segundo a súmula 528 STF:“Se a decisão contiver partes autônomas, a admissão parcial, pelo Presidente do Tribunal a quo, de recurso extraordinário que sobre qualquer delas se manifestar, não limitará a apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente de interposição de agravo de instrumento”. A conjugação dos dois enunciados (ns. 292 e 528) faz com que seja aplicada ao recurso extraordinário a regra do CPC 515 §2º, que trata dos limites objetivos do recurso de apelação. Assim, se houver mais de um argumento na petição inicial ou na contestação, e o juiz acolhe somente um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento de toda a matéria alegada como fundamento da pretensão ou defesa da parte. Quanto ao recurso extraordinário ocorre o mesmo: recebido o apelo extremo interposto com base em vários fundamentos, todos eles poderão ser examinados pelo STF, ainda que o tribunal a quo o haja recebido somente por um deles. Ao lado do cabimento, da legitimidade para recorrer e do interesse recursal, encontramos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, que são: regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, tempestividade e o preparo. A verificação de algum dos fatos que ensejam a extinção ou impedem o poder de recorrer faz com que o recurso por ventura interposto não seja conhecido, proferindo-se, portanto, juízo de admissibilidade negativo. Tais fatores nada têm a ver com a decisão que se pretende impugnar em si mesma considerada, portanto colocamos a inexistência deles como requisito extrínseco de admissibilidade dos recursos. Os fatos extintivos do poder de recorrer são a aquiescência à decisão e a renúncia ao recurso82; os impeditivos do mesmo poder são a desistência do recurso ou ação, o reconhecimento jurídico do pedido, e renúncia ao direito sobre que se funda ação. A presença de qualquer deles no processo, do ponto de vista prático, faz com que o recurso seja inadmissível, não conhecível. Esta é, portanto, a razão de serem chamados pressupostos negativos de admissibilidade dos recursos. 3.3.2.1.5 Tempestividade83 Para ser admissível, o recurso deve ser interposto no prazo fixado em lei. Não sendo exercido o poder de recorrer dentro daquele prazo, verificar-se-á a preclusão e, via de conseqüência, formar-se-á a coisa julgada. Temos, no caso, de preclusão temporal. 82 Segundo Nelson Nery Jr. op. cit. p.395: “A renúncia ao recurso não se confunde com a renúncia ao direito material que se discute em juízo. A figura de que tratamos tem como objeto o exercício do direito de recorrer e não a res in iudicium deducta”. 83 A tempestividade do recurso, ou sua interposição dentro do prazo legal, constitui um dos requisitos de admissibilidade que deverá ser analisado pela autoridade competente para admitir o recurso. O prazo recursal pode ser comum ou particular. Na sucumbência recíproca, o prazo é comum, ao passo que, verificando-se sucumbência total de uma das partes, o prazo para a outra recorrer é particular. Ao ser proferido o ato judicial, em tese – verificando uma das hipóteses do art.535 do CPC- pode ser impugnado por embargos de declaração. O prazo é comum – nesse último caso - pois qualquer das partes ou interessados pode interpor embargos declaratórios. Escoado o prazo para embargos, o prazo será particular se vencida totalmente apenas uma das partes. O art.508 do CPC unifica os prazos da maioria dos recursos do código, dispondo como sendo de 15 (quinze) dias o prazo para a interposição e resposta dos recursos de apelação, embargos infringentes, recurso ordinário, recurso extraordinário, recurso especial e embargos de divergência. A interposição dos recursos pode ser pela forma adesiva apelação, embargos infringentes, recurso especial e recurso extraordinário: (CPC 500 II) devem sê-lo no prazo de 15 (quinze) dias, contados da data da intimação de que houve recurso da parte contrária (CPC 500 I). 3.3.2.1.6. Preparo O recurso para que possa ser conhecido precisa do preparo, que consiste no pagamento prévio, a ser feito pelo recorrente, das custas relativas ao seu processamento. Estas são fixadas no âmbito da Justiça Federal por lei federal, e no âmbito das Justiças estaduais por leis dos respectivos estados. O caput do art.511 do CPC84, modificado pela Lei 8950/94, exige que o recorrente, quando da interposição do recurso, prove o pagamento do preparo e do porte de retorno dos autos, quando for o caso. No sistema processual civil brasileiro, estabeleceu-se a regra do preparo imediato, válida para todos os recursos, porque instituto de teoria geral dos recursos, ocupando, estrategicamente, a parte geral dos recursos do CPC. Segundo a regra do preparo imediato, o recorrente precisa comprovar, no ato da interposição do recurso, o pagamento do preparo e do porte de retorno. Já que a lei fixa o momento no qual deve estar comprovado o preparo, exercido o direito de recorrer sem a referida comprovação, verificar-se-á preclusão consumativa relativamente ao preparo, ou seja, o recorrente não poderá mais juntar guia comprobatória do pagamento, mesmo que o prazo recursal não se tenha esgotado. Ou seja, sua falta do ato da interposição resulta em inevitável deserção85. 3.3.2.1.7.Regularidade Formal A lei determina a observância pelo recorrente da forma segundo a qual o recurso deve revestir-se. Por exemplo, exige-se que o recorrente alinhe as razões de fato e de direito que fundamentam o pedido de nova decisão (CPC 514). Outros dispositivos legais fazem referência à regularidade formal de maneira mais sucinta. A constante, porém, segundo NELSON NERY 84 Este é o teor da norma: Art.511. “No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigida pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção”. 85 Anota JOAO CARLOS PESTANA DE AGUIAR in Recursos Extraordinário e Especial; pág.72 “(...), sendo ínfimo tal valor faltante (em parcos centavos), mais razoável será sua dispensa, consoante jurisprudência consolidada”. JR.86 “é que há exigência de que o recurso seja motivado, isto é, de que o recorrente leve ao órgão ad quem as razões de seu inconformismo”. A exigência formal, para o recurso extraordinário, é a de seja interposto mediante petição que conterá: “I – exposição do fato e do direito; II – a demonstração do cabimento do recurso interposto; III – as razões do pedido de reforma da decisão recorrida” (CPC 541 caput). O recurso extraordinário possui forma vinculada, sendo assim, deve obedecer aos pressupostos formais constitucionais e regimentais para que seja conhecido pelo STF. O recurso extraordinário ao ser interposto, obrigatoriamente, o recorrente deverá indicar o dispositivo ou alínea que o autorizem, dentre os casos previstos na CF 102 III, a,b,c e d e 121 §3º. Dada a forma vinculada desse recurso, não tem aplicação aqui o princípio iura novit curia, cabendo ao recorrente indicar precisamente o artigo em que fundamenta seu recurso extraordinário. No sistema anterior, na redação originária (de 1973) dos arts.541 a 546 do CPC, o recorrente interpunha o recurso e justificava o cabimento do apelo extremo. O recorrido era intimado para contrariar o cabimento do recurso. Apenas após ser admitido o recurso extraordinário é que o recorrente era intimado para oferecer as razões do recurso (ex-CPC 543). Com a revogação, pela LR 26, das normas do CPC sobre recurso extraordinário, o sistema procedimental do RE foi modificado, suprimindo-se a duplicidade de fases, que foram reduzidas a uma só. O recorrente, no RE, deverá, na mesma oportunidade em que deduz a petição de interposição do recurso, demonstrar os fatos e o direito, justificar o cabimento do recurso, apresentar as razões do seu inconformismo e o pedido de nova decisão, no prazo de quinze dias (LR 26 I a III). 86 NERY JR. op. cit.,p. Tal sistemática foi repetida pelos novos arts.541 a 546 CPC, reintroduzidos no Código pela Lei 8950/94. O recorrente deve proceder na forma acima indicada (CPC, art. 541), podendo recorrer no prazo de quinze dias (CPC, art. 508). Após o recebimento da petição do recurso extraordinário na secretaria do tribunal a quo, o recorrido será intimado para, também no prazo de quinze dias, apresentar suas contrarazões (CPC, arts. 542 e 508). Com o término desses prazos, os autos serão conclusos ao presidente do tribunal a quo para, em decisão fundamentada (CF art.93 IX), no prazo de quinze dias, admitir ou não o recurso (CPC 542 §1º). Caso seja inadmitido, caberá agravo de instrumento para o STF, no prazo de dez dias (CPC 544). 3.3.2.2. Pressupostos específicos Podemos apontar como pressupostos específicos do recurso extraordinário: Decisão de única ou última instância e a demonstração de incidência das hipóteses de cabimento, arroladas no art.102, III, da Constituição Federal. A Constituição Federal estabelece que caberá recurso extraordinário em face de causas decididas em única ou última instância, estando nessa previsão o aspecto mais relevante desse recurso, que é – conforme demonstramos anteriormente- o da necessidade de esgotamento das instâncias ordinárias, considerando que em tais instâncias deve haver o julgamento pleno da causa, ao passo que na instância especial é limitada a apreciação de questões surgidas ao longo do processo. Por conta dessa exigência, surgem os debates acerca do prequestionamento, cuja exigência tem-se demonstrado conflitante, em virtude das inúmeras teorias quanto à sua forma de exigir. Tais discussões mereceram um capitulo no presente trabalho, a fim de que sejam demonstradas quais as teorias sobre o assunto, e como está sendo efetivado o manejo do mesmo. Quanto à noção de causa para o fim de interposição do recurso extraordinário, durante algum tempo questionou-se acerca da possibilidade de se ingressar com recurso extraordinário contra decisões interlocutórias, pois a Constituição Federal determina que aquele recurso é devido em relação às causas de única ou última instância, gerando-se a idéia de que tais meios de impugnação somente seriam devidos em se cuidando de decisão final, já que estas seriam verdadeiramente as tendentes a solucionar a causa. Prevaleceu a interpretação de que a Constituição, quando se referiu ao termo causa, na verdade está afastando do âmbito do controle do recurso extraordinário as decisões de cunho não jurisdicional, de modo que qualquer decisão judicial, ainda que de índole interlocutória, desde que represente a última ou única instância em relação ao que ali se decide, pode ser atacada por recurso extraordinário. Em se tratando de recurso extraordinário interposto contra decisão interlocutória, necessariamente o recurso será processado sob a forma retida nos autos87, em face da visão instrumental do processo, pois muitas vezes o recurso extraordinário dirigido contra a decisão interlocutória perde seu sentido diante da decisão resultante do julgamento final da causa, seja através de sentença ou acórdão. 3.3.3. O desdobramento condicional do juízo de admissibilidade: O recurso extraordinário deve ser interposto perante o presidente ou vicepresidente do tribunal recorrido, tribunal no qual será feito, inicialmente, o juízo de admissibilidade do recurso. 87 Destinou-se no presente tópico 5, tratando sobre o recurso extraordinário retido. Apenas no caso de admissão, o processo será enviado ao Supremo Tribunal Federal, onde, novamente, será realizado um juízo de admissibilidade, sem qualquer vínculo como aquele emanado do tribunal recorrido. MANCUSO88 denomina-o de “sistema de admissibilidade desdobrado ou bipartido”, no se verifica um desdobramento condicional do juízo de admissibilidade, com a previsão de etapas sucessivas e que existirão a depender da atitude do recorrente, as quais são exercidas pelas duas instâncias, no caso a ordinária (através do presidente ou vice-presidente do tribunal cujo acórdão está sendo atacado) e a especial (através do Supremo Tribunal Federal). Na instância especial, temos, dois órgãos envolvidos, que são o relator e o colegiado, e cada um agirá de acordo com a situação gerada pelo recurso. 3.3.3.1. O primeiro juízo de admissibilidade: tribunal recorrido. Caberá ao presidente ou vice-presidente do tribunal de onde emanou o acórdão cuja reforma se almeja, em decisão fundamentada, realizar o juízo de admissibilidade do recurso extraordinário. Esse juízo de admissibilidade poderá ser positivo, ocasionando a remessa do recurso ao Tribunal encarregado de julgá-lo; ou será negativo, resultando na permanência do processo na instância ordinária, com a conseqüente viabilização da incidência de todos os efeitos sobre o acórdão recorrido, entre eles o da coisa julgada; caso não seja interposto o recurso cabível contra a referida decisão. Havendo juízo negativo de admissibilidade no tribunal recorrido, é possível questionar tal decisão através de agravo de instrumento específico de que cuida o art.544 do 88 MANCUSO, op.cit.. p.70. Código de Processo Civil, daí dizer que esse juízo de admissibilidade é condicional, uma vez que dependerá da atitude do recorrente a sua imutabilidade ou não. O presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido poderia adentrar no mérito do recurso extraordinário, avaliando os pressupostos específicos de admissibilidade, ou se lhe restaria unicamente verificar os pressupostos genéricos, sejam intrínsecos ou extrínsecos, tais como a tempestividade, a regularidade formal, preparo, etc. BARBOSA MOREIRA89 defende com acerto que “não compete ao presidente (ou vice-presidente) examinar o mérito do recurso extraordinário, nem lhe é lícito indeferi-lo por entender que o recorrente não tem razão: estaria, ao faze-lo, usurpando a competência do Supremo Tribunal Federal; a praxe contrária, muito difundida, não encontra apoio em lei, a despeito de possíveis vantagens de ordem prática”. Para MANTOVANNI CAVALCANTE90, “não se pode esquecer que esse sistema que permite ao juízo recorrido o exame de mérito do recurso extraordinário prestigia as instâncias ordinárias, pois o juízo negativo de admissibilidade, se não sofrer ataque mediante agravo de instrumento específico, será decisão definitiva da causa, emanada da própria instância ordinária”. Para aqueles que defendem a dita possibilidade, afirmam que há igualmente outros argumentos demonstradores da correção dessa amplitude do juízo de admissibilidade do tribunal recorrido, que configura verdadeira delegação precária de competência, e um deles é exatamente a possibilidade de controle da referida decisão, com o uso do agravo de instrumento específico. MANTONVANNI91 não vê também qualquer incompatibilidade em se transitar no próprio mérito quando do exame da admissibilidade do recurso extraordinário, pois neste há que 89 MOREIRA,José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro.19 ª edição Rio de Janeiro: Forense, 1997. p.164. 90 CAVALCANTE, op. cit.,p.123. 91 IDEM, op. cit., p.125. se entrar no mérito para decidir se é o caso de conhecimento do recurso”, porque há o pressuposto específico de admissibilidade em tais meios de impugnação, que consiste em proceder à análise da incidência de uma das hipóteses de cabimento constitucionalmente delineadas, e isso só é possível ingressando no mérito. 3.3.3.2. O segundo juízo de admissibilidade: relator do recurso. Caso o tribunal a quo emane juízo positivo de admissibilidade, o processo seguirá ao Supremo Tribunal Federal responsável pelo julgamento do recurso extraordinário, onde será realizado um novo juízo de admissibilidade – positivo ou negativo -, sem qualquer vinculação com aquele proferido na instância ordinária. O Supremo Tribunal Federal ficará condicionado ao juízo positivo de admissibilidade no tribunal recorrido somente no que diz respeito à oportunidade de examinar o recurso. Se na instância inferior o juízo de admissibilidade fosse negativo, e se a parte prejudicada não interpuser o agravo de instrumento específico para tanto, a questão não poderá ser levada àquele. Já tendo sido proferido juízo positivo, necessariamente o recurso seguirá ao Supremo, que passa a ter a oportunidade de sobre eles se manifestar, livres de quaisquer influências decorrentes da fundamentação do primeiro juízo de admissibilidade. O processo será encaminhado a um relator ao chegar ao STF que deverá submeter o feito ao órgão colegiado, desde que não verifique a presença de uma das hipóteses que exige julgamento singular. Atualmente, prepondera a regra de restrição de julgamento do colegiado, visto que nos casos de recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do respectivo tribunal ou de tribunal superior, o próprio relator negará seguimento ao recurso. E nas situações em que a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, ou de tribunal superior; bem como se o confronto for com jurisprudência dominante dos mencionados tribunais, o relator dará provimento do recurso, mediante decisão singular. Embora a Lei disponha que o relator poderá dar provimento ao recurso, nas situações ali definidas, entenda-se como “autorizado está o relator”. Ou seja, quando presentes os requisitos legais, deve o relator utilizar-se do provimento singular, não se trata de decisão discricionária submeter ou não ao colegiado a questão, quando incidente uma das hipóteses autorizadas do provimento. Entender, diversamente, tornaria infrutífera a mudança trazida pela Lei n°9.756/98, já que, deixando a critério do relator a submissão de questão ao colegiado, no caso em que a decisão recorrida estiver em desacordo com matéria sumulada ou entendimento dominante firmado pelo Supremo Tribunal Federal, tal opção implicaria a extensão do recurso à fase de apreciação do colegiado que se buscou eliminar na Lei. Discricionário ou não, esse poder do relator aplica-se ao recurso extraordinário, logo o relator exerce um segundo juízo de admissibilidade, que pode vir a ser definitivo, se contra sua posição monocrática não houver a interposição do agravo inominado de que cuida o §1º do art.557 do Código de Processo Civil. Surge, então de imediato, tão logo o recurso extraordinário chegue ao Supremo Tribunal Federal, um segundo juízo de admissibilidade, no instante em que o relator entenda que não é o caso de submeter a questão ao colegiado, e profira decisão monocrática examinando os pressupostos genéricos e específicos do cabimento do recurso. Consoante MANTONANNNI92, “(...)o relator pode sepultar de vez o recurso extraordinário ao constatar que a decisão recorrida não é de única ou última instância – inclusive avaliando a presença do prequestionamento – bem como ao perceber que o recurso não se enquadra nas hipóteses constitucionalmente previstas”.Nesse último caso, haverá de ser analisado, oportunamente, o próprio mérito do recurso, pois como dito, no recurso extraordinário o conhecimento da impugnação recursal pressupõe o perfeito enquadramento das hipóteses autorizadora do seu manejo, de modo que somente se conhece do recurso ao se constatar a violação à Constituição. 3.3.3.3. O terceiro juízo de admissibilidade: colegiado do Tribunal competente para o julgamento do recurso. Conforme visto, há um primeiro juízo de admissibilidade, realizado pelo presidente ou vice-presidente do tribunal inferior, cujo acórdão foi impugnado pelo recurso extraordinário, e o caráter definitivo desse juízo fica condicionado ao que é feito em seguida ao seu pronunciamento. Caso negativo o juízo de admissibilidade no tribunal inferior, caso não haja interposição de agravo de instrumento específico, torna-se definitivo. Se positivo o primeiro juízo de admissibilidade, faz-se a remessa do recurso ao Supremo Tribunal Federal, onde o relator profere um segundo juízo de admissibilidade. Do mesmo modo, no caso de juízo negativo de admissibilidade emanado do presidente ou vicepresidente do tribunal recorrido, e ao ser interposto o agravo de instrumento específico, o relator examinará o agravo e de tal recurso poderá até mesmo ser possível a apreciação do próprio recurso extraordinário. 92 CAVALCANTE, op.cit.,p..126. No segundo juízo de admissibilidade, feito pelo relator monocraticamente, caso não se utilize o agravo inominado contra essa decisão poderá vir a ser definitivo.Caso seja interposto o referido agravo, caberá ao colegiado o juízo permanente de admissibilidade. Temos uma terceira via de admissibilidade, que é aquela emanada do colegiado encarregado do julgamento do recurso extraordinário, verificando-se o juízo de admissibilidade definitivo, uma vez que terá de ser superada essa barreira para que o colegiado analise se é o caso ou não de provimento do recurso extraordinário. Diante da atual restrição de exame do colegiado de questões já consolidadas pro súmula ou entendimento dominante, a tendência é cada vez mais o colegiado não exercitar esse juízo de admissibilidade, ficando a cargo do relator a tarefa de filtragem do recurso extraordinário, isso depois de superado o rigoroso e necessário – já que prestigia as instâncias ordinárias – coador processual do tribunal recorrido. 3.3.4. Os poderes do relator na análise dos juízos de admissibilidade e de mérito. Interpretação e alcance do art.557 do CPC. O juízo de admissibilidade e o juízo de mérito, regra geral, devem ser feitos pelo órgão ad quem, no entanto, a lei atribui ao órgão a quo, a possibilidade de realizar o juízo de admissibilidade do recurso num primeiro momento. Por isso, ante a ausência de qualquer dos requisitos de admissibilidade da apelação (v.g., interesse em recorrer), o juiz poderá indeferir o seu processamento93. Todavia, em tais casos, permite-se à parte que se sinta prejudicada o direito de recorrer àquele órgão que, naturalmente, deveria analisar se estavam ou não presentes os 93 Art.518 CPC requisitos do recurso94. Em situações mais restritas tem-se verificado em relação ao mérito do recurso. Também aqui a lei vem sendo modificada para possibilitar ao próprio órgão, que proferiu a decisão recorrida, modificar o seu conteúdo. Fala-se, no caso, em juízo de retratação, atualmente presente no agravo e na apelação (neste caso, na excepcional hipótese do art.296 do CPC). Ocorria, anteriormente, somente em relação à diversidade de instâncias, na medida em que se permitia ao órgão a quo manifestar-se em relação à admissibilidade e ao mérito dos recursos. Verifica-se, no entanto, a possibilidade do relator95, monocraticamente, ser dotado poderes, de modo que a apreciação de um recurso pelo órgão colegiado seja dispensada ou, no mínimo, adiada. Diz-se, no caso, segundo GARCIA MEDINA96 “que o relator atua como “portavoz”, de modo que sua decisão “representaria” aquilo que seria decidido, caso o recurso fosse submetido à apreciação do órgão colegiado”. O art.557 do CPC possibilita ao relator do recurso conhecer ou não o recurso, dar ou negar provimento ao mesmo. O relator poderá dar provimento ao recurso quando a decisão recorrida tiver acolhido tese jurídica contrária àquela adotada por súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal97; poderá, também, negar provimento ao recurso manifestamente improcedente, ou, que adote tese oposta à de súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal ou do Supremo Tribunal Federal. Contra a decisão pode ser interposto agravo98, não ficando, por isso mesmo, absolutamente vedado ao julgamento do órgão colegiado, cabendo ao agravante, ao postular a reforma dessa decisão, demonstrar que a 94 Cabe no caso agravo de instrumento, contra essa decisão do relator no juízo de admissibilidade, nos termos do art.523, §4º, CPC. 95 O disposto no art.557 do CPC é reflexo desta tendência. 96 MEDINA, op. cit.,p.147. 97 Nesse mesmo sentido Nelson Luiz Pinto op. cit. p.230. 98 CPC, art.557,§1.º jurisprudência do Tribunal não é aquela afirmada pelo relator, ou, ainda, que essa jurisprudência contraria a orientação do Supremo Tribunal Federal. Embora o regime do art.557 do CPC se aplique a todos os recursos, seu emprego dar-se-á de modo diverso, nas instâncias ordinária e extraordinária. Deve-se ter em vista que o critério estabelecido pelo referido preceito legal para se negar provimento ao recurso diz respeito à “jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal”. Quanto ao recurso extraordinário, o relator somente poderá adotar o comando do art.557 do CPC, baseando-se apenas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista que não há “Tribunal Superior" ao mesmo. 3.4. PROCESSAMENTO 3.4.1. Regularidade formal e demonstração de cabimento. No que tange à regularidade formal do recurso extraordinário, verifica-se que o art.541, inc. I, do CPC exige “a exposição do fato e do direito”. A referência à exposição do fato pode dar ensejo a alguns embaraços, porque não cabe recurso extraordinário – conforme dito com o objetivo de se discutir questões exclusivamente fáticas. Habitua-se conjugar os vocábulos fato e direito, na norma jurídica, para designar o fundamento da pretensão. É neste sentido, segundo MEDINA99, que deve ser compreendida a expressão do art.541, inc. I, do CPC. Atividade mais elaborada reside na “demonstração do cabimento do recurso interposto” (CPC, art.541, inc. II). Não se trata de se averiguar se o recurso merece ou não ser provido, mas, sim, se se verificam as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário (CF, 99 MEDINA, op. cit.,.p.157. art.102, inc.III). Na maioria das vezes, expressa a demonstração na alegação de violação a preceito constitucional, na indicação de que o tema constitucional foi cuidado pela decisão recorrida e de que se trata de decisão de única ou última instância. Nos casos de error in procedendo- particularmente-, porém, nem sempre tal circunstância se verifica. É que a decisão pode ter sido omissa, hipótese em que se faz necessário o manejo dos embargos de declaração. Nas hipóteses em que ocorre vício de atividade com violação à norma constitucional, e não sendo cabíveis embargos de declaração, o recurso extraordinário será cabível desde logo. É o que ocorre, por exemplo, na hipótese de julgamento extra ou ultra petita. Apesar da violação ter surgido no próprio acórdão, “com surpresa para as partes”, não há, neste caso, previsão legal para os embargos de declaração, razão pela qual é contrária à norma do art.535 do CPC a exigência de interposição de embargos de declaração, na hipótese. Afirma-se, entretanto, que tem prevalecido orientação jurisprudencial contrária ao que ora se defende, concepção que não temos por juridicamente correta, data máxima vênia. Deve o recorrente alegar violação a preceito constitucional, porém, haverá situações, no entanto, em que não se terá violado propriamente uma regra escrita, mas, sim, um princípio jurídico. Considerando-se que os princípios jurídicos são norma jurídica, pode ser argüida a violação a um determinado princípio através da interposição de recurso extraordinário. O recorrente, neste caso, deverá demonstrar que se trata efetivamente de um princípio jurídico, o qual teria sido violado pela decisão recorrida. Neste caso, nem sempre será possível a indicação de um dispositivo constitucional, tendo em vista os princípios que, embora possam ser percebidos diante dos problemas que cercam a resolução de litígios, não ganham, necessariamente, expressa referência legislativa. A exigência é a de que fique satisfatoriamente caracterizada a questão constitucional, e com a edição de lei regulamentando o §3º do art.102, que se trate de relevante questão constitucional, de modo que a alegada violação à Constituição da República seja determinada com exatidão. A indicação da norma que se reputa violada facilita em muito a atividade do órgão julgador do recurso. Não se poderá dizer estar ausente o requisito, contudo, quando, embora declinando a questão com precisão, indica-se dispositivo constitucional errado. Conforme JOSÉ AFONSO DA SILVA100, “fundamentação que se deve exigir é a jurídica e não a legal”. Não é suficiente apenas a referência genérica aos dispositivos constitucionais que supostamente tenham sido violados. Mais que isso, deve-se caracterizar o porquê da violação alegada. 3.4.2. Modo de interposição e os reflexos da Lei n°10.352/2001. O recurso extraordinário, consoante o art.541, caput, do CPC, deve ser interposto perante o presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido. Entende-se por “tribunal recorrido”, o contido no art.102, inc. III, da Constituição Federal. No caso do recurso extraordinário, porém, seu cabimento se dá em face de qualquer decisão de única e última instância, inclusive, por exemplo, as proferidas pela turma recursal do juizado especial cível. Em semelhante situação o recurso será dirigido ao presidente da turma recursal do juizado especial, que, verificando o cabimento do recurso extraordinário, deverá determinar seu processamento e encaminhamento ao Supremo Tribunal Federal. A decisão do presidente órgão recursal do juizado especial cível que não admite o recurso extraordinário é suscetível de impugnação pelo agravo referido pelo art.544 do CPC, analisado adiante, agravo este que não poderá ser obstado pelo órgão a quo. Segundo o caput do art.541 do CPC, o recurso extraordinário deve ser interposto perante o presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido. O art.542, caput, do CPC por sua 100 SILVA, op.cit.,.,p.339. vez, determina que a petição de recurso deve ser recebida pela secretaria do tribunal. O modo de interposição101 não foi regulado pelo dispositivo legal em questão, que se contenta, como se viu, com o encaminhamento da petição ao presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido. Com a edição da Lei n° 10.352/2001, a questão deverá ganhar novos contornos, pois segundo a redação dada ao art.547, parágrafo único, do CPC por aquela lei, “os serviços de protocolo poderão, a critério do tribunal, ser descentralizados, mediante delegação a ofícios de justiça de primeiro grau”. O preceito legal em questão, ao que parece, deve se aplicar também ao recurso extraordinário, seja em razão dos argumentos expendidos retro, seja porque a disposição segundo a qual tais recursos devem ser protocolados junto à secretaria do tribunal consta, também, do CPC, ora reformado. Ademais o caput do art.542 também foi alterado pela Lei 10.352/2001, excluindo-se a expressão “e aí protocolada”, que constava nesse preceito legal. Considerando-se, além disso, que lei posterior revoga disposições anteriores incompatíveis com a nova regulamentação, o art.542, caput, do CPC deverá ser lido em consonância com a nova redação do art.547, parágrafo único, do mesmo Código. 3.4.3. O agravo de instrumento do art. 544 do CPC. O agravo de instrumento interposto ao Supremo Tribunal Federal, em virtude da não-admissão de recurso extraordinário (art.544, com redação dada pelas Leis n° 8.950/94 e n°10.352/01), traz peculiaridades, que o distingue dos agravos de instrumentos interpostos contra decisões de primeiro grau e dirigidos aos Tribunais estaduais ou aos Tribunais Regionais Federais. 101 Se via fac-simile, pelo correio ou, até, através do “protocolo integrado”. Tratava o art.544, §1°, na redação da Lei n° 8.950/94, das peças processuais102 que obrigatoriamente deviam compor o instrumento, sob pena de não-conhecimento do agravo. Cumpre, ainda, mencionar que o ‘acórdão recorrido’, a que alude a regra do § 1º do art.544, “compreende não só o acórdão que julgou o recurso interposto na origem, como também a decisão dos embargos de declaração que o integra”103. Essa exigência foi reiterada no Ag. Reg. No Ag. Inst. n° 371. 423, afirmando-se vedada a juntada tardia, no agravo interno, da cópia do aresto proferido nos embargos declaratórios104 Além do mais, tanto o STF 105como o STJ exigem que conste do instrumento cópia da guia de recolhimento do preparo do recurso extraordinário106. Em tais agravos, conforme o ‘antigo’ art.544, §2°, “distribuído e processado o agravo na forma regimental, o relator proferirá decisão”. Veio, então, STF com a Resolução n°140, de 1° de fevereiro de 1996, determinando, sob o impacto das exigências pragmáticas, que o agravo deve ser apresentado perante a Presidência do tribunal de origem, pois na hipótese não estaria ocorrendo “as inspirações teleológicas de diversas das inovações ditadas pela Lei n° 9.139/95 à disciplina do agravo contra as decisões interlocutórias de primeiro grau”. 102 As peças eram cópias do acórdão recorrido, da petição de interposição do recurso extraordinário cujo seguimento foi denegado, das respectivas contra-razões, da certidão de sua intimação às partes e das procurações outorgadas aos procuradores do agravante e também do agravado. Quando a sentença é adotada como parte integrante do acórdão, obrigatório é também o seu translado. 103 4ª Turma, Ag. Reg. No Ag. Inst. 342.468, j. 06.03.2001, DJU de 07.05.2001, p.155. 104 4ª Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Jr., ac. de 29.05.2001, DJU de 24.09.2001, p.319; e ainda no Ag. Inst. n° 478.603, Min. Luiz Fux, Dec, de 03.01.2003, DJU de 11.02.2003, p.223. 105 O Supremo Tribunal Federal passou a exigir ‘cópia das peças necessárias à verificação da tempestividade do recurso extraordinário indeferido’ (e o fez com efeito retroativo, isto é aplicando a nova exigência também aos agravos ‘anteriormente’ interpostos!). 106 STF, AgReg. no Ag. 280.191 e no Ag. 303.756, rel. Min. Nelson Jobim, em 02.10.2001, Inf. STF nº224 – outubro de 2001. Com o objetivo de regularizar tal situação, a Lei n°10.352, de 26.12.2001, deu nova redação107 ao artigo 544. Note-se que algumas dessas alterações seguiram a linha da citada Resolução do STF, enquanto outras buscam simplificar a apresentação do recurso, como a proposta de dispensa de autenticação das cópias das peças do processo, tornando-as de responsabilidade do próprio advogado. Estes agravos serão isentos de custas e despesas, até porque tais emolumentos já terão sido satisfeitos quando da apresentação do recurso extraordinário, cujo seguimento foi denegado pela Presidência do tribunal de origem. Em se cuidando de recurso dirigido ao STF, a tempestividade é considerada segundo a data de apresentação da petição na Secretaria do tribunal onde foi proferida a decisão impugnada, não podendo ser utilizado o sistema do “protocolo integrado”, válido apenas no âmbito das instâncias ordinárias. Logo, protocolizada no tribunal de origem a petição de agravo de instrumento, o agravado será, conforme a mencionada Resolução, intimado para oferecer resposta no prazo de 10 dias, ficando facultada a sua instrução com cópias das peças processuais que entender convenientes. O agravo será, a seguir, remetido ao tribunal ad quem. 107 “Art.544........................................................................... §1° O agravo de instrumento será instruído com as peças apresentadas pelas partes, devendo constar obrigatoriamente, sob pena de não conhecimento, cópias do acórdão recorrido, da certidão da respectiva intimação, da petição de interposição do recurso denegado, das contra-razões, da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado. As cópias das peças do processo poderão ser declarada autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal. §2° A petição de agravo será dirigida à presidência do tribunal de origem, não dependendo do pagamento de custas e despesas postais. O agravado será intimado, de imediato, para no prazo de (10) dez dias oferecer resposta, podendo instrui-la com cópias das peças que entender conveniente. Em seguida, subirá o agravo ao tribunal superior, onde será processado na forma regimental. ...................................................................................................................” A Presidência do Tribunal de origem108 não poderá impedir a remessa do agravo de instrumento, ao STF, contra sua decisão denegatória de seguimento ao RE, ainda que considere intempestivo o apelo, ou deserto, ou manifestamente mal preparado ou defectivo o instrumento109. No Supremo Tribunal Federal, interposto agravo de instrumento da decisão denegatória de seguimento de recurso extraordinário (art.544, caput), a competência para julgá-lo é do relator e não do órgão colegiado. Logo, compete ao relator, por força da lei, proferir não apenas decisão relativa aos pressupostos de admissibilidade do recurso não admitido ou do próprio agravo, como, ainda, poderá decidir o mérito do recurso extraordinário. Contra a decisão monocrática é admissível um novo recurso (art.545), antes inominado, hoje apontado consoante ATHOS GUSMÃO CARNEIRO110, “como agravo, mais propriamente como agravo ‘interno’”. E continua: “esta ampliação dos poderes do relator, foi motivada pela necessidade de limitar os recursos a serem julgados em sessão, tendo-se em vista o desmedido aumento do volume de processos, sem o correspondente aumento no quantitativo dos magistrados.” Segundo CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO111, “a crescente opção pela singularidade do julgamento em diversas situações representa uma legítima tentativa de inovar sistematicamente na luta contra a lentidão do julgamento nos tribunais. Sabe-se que o aumento do número de juízes não resolve o problema, como já não resolveu no passado remoto e próximo. É preciso inovar sistematicamente”. 3.5. RECURSO EXTRAORDINÁRIO RETIDO. 108 Nesse sentido Nelson Nery Jr. in Código de Processo Civil Comentado 6 ed pág.919. A orientação o Supremo Tribunal Federal, como se vê, v.g., das Reclamações n. 645, rel. Min. Luiz Gallotti, de 25.09.1997, onde reafirmada a obrigatoriedade de remessa do agravo, sob pena de usurpação de competência do tribunal de destino. 110 CARNEIRO, op. cit.,248.. 111 DINAMARCO, op. cit.,p.252. 109 3.5.1. A constitucionalidade do §3° do art.542 do CPC. Uma rápida análise do §3º do art.542 do CPC deixa a impressão de que a intenção do legislador foi a de criar um óbice à admissibilidade do recurso extraordinário. Determinandose que ficará retido o recurso extraordinário na hipótese que enuncia, realmente, a remessa do recurso extraordinário ficará condicionada à realização de uma “reiteração”, pela parte, no prazo do recurso extraordinário cabível contra a “decisão final”, ou no prazo para a apresentação das contra-razões. Assim, a parte que tiver interesse em ver julgado seu recurso extraordinário retido, deverá reiterá-lo no prazo que tiver para recorrer contra a decisão final. Tal procedimento, em virtude da falta de previsão na Constituição Federal, poderia vir a ser considerado inconstitucional. Porém, a doutrina112 não entende dessa forma, tendo em vista que o procedimento criado pelo novo §3º do art.542 do CPC não modificou as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário. Pelo contrário, as hipóteses nas quais, segundo a Carta Magna, cabe recurso extraordinário continuam previstas na Constituição e somente podem ser modificadas por emenda, conforme se deu com a Emenda Constitucional nº45, que acrescentou mais uma hipótese de cabimento do recurso extraordinário no art.102, III. Foi a forma de interposição de tais recursos que sofreu modificação, assunto não tratado na Constituição Federal, e sim por lei federal, principalmente pelo Código de Processo Civil. Não se impede a admissão do recurso, em tal caso; apenas se retarda a sua apreciação. Ademais, não se instituiu nova espécie de recurso extraordinário pela parte, ou seja, não há violação a Constituição Federal, mais uma vez. É suficiente a sua “reiteração” no prazo para apresentação do recurso ou das contra-razões. Destaque-se: não há necessidade de 112 Nesse sentido Athos Gusmão Carneiro e José Miguel Garcia Medina. interpor recurso extraordinário contra o acórdão que julgou a apelação, para que se possa julgar o recurso retido: basta que, no prazo do recurso extraordinário, se “reitere” o recurso retido. Há uma diferença substancial113 entre os regimes do recurso extraordinário retido e do agravo retido. No caso deste último, a parte deverá requerer expressamente o julgamento do agravo “nas razões ou na resposta da apelação”114. Logo, o agravo retido somente será conhecido se houver apelação e, ainda, se nas razões de apelação ou nas contra-razões de apelação o agravante requerer, expressamente, o julgamento do agravo. Nos termos do art.542, §3.º, do CPC, não há necessidade de interpor outro recurso, para provocar o julgamento do recurso extraordinário retido115. Já NELSON LUIZ PINTO116 opôs interessantes críticas: “(...) no caso dos recursos especial e extraordinário, não vemos como um mero requerimento, dirigido a qualquer juiz ou tribunal, poderá ter o condão de levar o conhecimento do recurso retido ao tribunal superior. Restaria ainda indagar: em que prazo deve essa reiteração ser feita? Qual o recurso cabível contra seu indeferimento?” Ao nosso ver, haveria inconstitucionalidade, se, à semelhança do que ocorre com o agravo retido, o §3.º do art.542 exigisse o requerimento expresso de julgamento do recurso extraordinário retido no recurso extraordinário interposto contra a decisão final. Isso porque nem sempre será cabível recurso extraordinário em face do acórdão que julga a apelação. Não havendo questão constitucional, não caberá recurso extraordinário; se o acórdão versar apenas 113 De acordo com Barbosa Moreira, in O Novo Processo Civil Brasileiro, pág.167, “ao contrário do que se dá no agravo, jamais tem relevância, aqui, a vontade do recorrente. Se é caso de retenção, ex vi legis, nada importa que o recorrente preferisse a subida imediata do recurso. Os tribunais devem zelar pelo cumprimento da norma, barrando a marcha do recurso extraordinário retido, até a oportunidade própria”. 114 cf.art.523,§1.º, do CPC 115 Nesse sentido GARCIA MEDINA, TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO. 116 PINTO, op. cit., p.217. questões de fato, ou apenas direito municipal, p.ex., não caberá recurso extraordinário, e assim por diante. NELSON LUIZ PINTO117, a esse respeito, expõe que “o legislador (leia-se: os tribunais superiores, mentores da modificação em apreço) quis efetivamente que o recurso retido somente viesse a ser apreciado caso fosse interposto, em face da decisão final da causa, novo recurso extraordinário”. Diversamente da orientação preconizada pelo autor citado, pensamos que, embora possa até ter sido a intenção do legislador fazer com que os recursos retidos somente fossem reiterados por via de outro recurso extraordinário, conforme o caso, interposto contra a decisão final, pensamos que, uma vez fixados os contornos do procedimento na lei, é a esta que se deve seguir, e não ao que o legislador quis. E não há, no dispositivo legal que regula a matéria, determinação no sentido de que seja, necessariamente, interposto recurso extraordinário contra a decisão final. De todo modo, pensamos que a exigência de interposição de recurso extraordinário contra a decisão final é orientação que contraria a letra do art.542,§3.º, do CPC, o que levaria, então, como quer o mencionado autor, à inconstitucionalidade do instituto. Sob esse prisma, não se vê, salvo melhor juízo, inconstitucionalidade no disposto no §3.º do art.542 do CPC. De igual modo, não há violação ao princípio do duplo grau de jurisdição. É que, como já tivemos a oportunidade de observar, esse princípio comumente esgota-se na instância local. O recurso extraordinário, por sua vez, não se presta a corrigir qualquer vício porventura existente na decisão recorrida. Cabe, apenas e tão-somente, quando houver questão constitucional na decisão recorrida, decisão esta de “única ou última instância”. O recurso extraordinário retido poderá vir a ser julgado, se o reiterar a parte, oportunamente. 117 PINTO, op. cit., p.218. Uma última e importante questão se apresenta, relativamente ao recurso extraordinário retido.Como é sabido, o processamento do recurso extraordinário é bastante demorado. Se interposto na forma retida, o eventual julgamento do recurso extraordinário se retardará mais tempo ainda, pois somente será apreciado pelo Tribunal de cúpula se houver reiteração “no prazo para a interposição do recurso contra decisão final, ou para as contrarazões”, como afirma o §3.º do art.542 do CPC. 3.5.2. Procedimento 3.5.2.1. Cabimento Ficará retido o recurso extraordinário, conforme dispõe o art.542, §3º, do CPC quando interposto contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar ou embargos à execução. O dispositivo deve ser entendido como aplicável ao recurso extraordinário interposto contra o acórdão que julgar agravo de instrumento. A referida disposição não se aplica, ao nosso ver, ao recurso extraordinário interposto contra acórdão que julgar agravo retido, pois este mesmo acórdão, a teor do que dispõe o art.523, caput, do CPC, julgará, também, a apelação118. O acórdão que julga a apelação é a “decisão final” a que se refere o §3.° do art.542 do CPC. Evidentemente, se nesse caso (do julgamento do agravo retido) se aplicasse o regime de retenção ao recurso extraordinário, não haveria oportunidade de reiteração posterior. O §3.° do art.542 do CPC faz referência ao “processo de conhecimento, cautelar ou embargos à execução”. Por conseguinte, a disposição tem aplicabilidade a todas as 118 No mesmo sentido JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, ob. Cit. pág.179 e TERESA ARRUDA LVIM WAMBIER, Anotações a respeito da Lei 9.756, de 17 de dezembro de 1998, cit., p.582. modalidades de processo de conhecimento comum (ordinário ou sumário) ou especial, bem como ao processo cautelar. Verifica-se que o dispositivo legal em análise omitiu o processo de execução, indicando que o recurso extraordinário cabível contra acórdão que julgar agravo oriundo do processo executivo tramitarão pelo modo tradicional, devendo ser encaminhados ao Tribunal ad quem competente, não se sujeitando ao regime de retenção. Embora o processo de execução se extinga, necessariamente, através de uma sentença (cf. art.795 do CPC), portanto apelável, a prática tem demonstrado que a interposição de apelação contra tais sentenças não se dá com freqüência. Se tivesse sido obrigado o regime de retenção para o recurso extraordinário quando, outrossim, fosse interposto em face de acórdão que julgasse agravo de instrumento proveniente de processo de execução, para possibilitar o julgamento do recurso extraordinário retido, a parte deveria, obrigatória e necessariamente, apelar, apenas para “provocar” surgimento de uma “decisão final”. Obviamente, tal situação macularia o princípio da economia processual. 3.5.2.2. Contraditório Determina o §3.° do art.542 do CPC que o recurso extraordinário “ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte (...)”. O recurso é somente interposto, no entanto não é processado, e fica aguardando eventual reiteração da parte, após o pronunciamento da decisão final. Não estabelece o §3.° do art.542 do CPC se há, ou não, necessidade de se mandar intimar a parte contrária para se manifestar sobre o recurso retido assim que este seja interposto, ou, se tal intimação deve se dar somente depois da reiteração do recurso, pela parte. Salvo melhor juízo, entende MEDINA119 a intenção da modificação legislativa em questão foi a de diminuir a quantidade de recursos extraordinários em trâmite no Supremo Tribunal Federal. Diante dessa suposição, é possível inferir que a jurisprudência deverá tender no sentido da não-realização imediata da intimação do recorrido, aguardando-se eventual reiteração do recurso. Essa solução não implicaria em violação do princípio do contraditório (CF, art, 5.º, inc. LV)120, porque o recorrido terá oportunidade de apresentar contra-razões do recurso posteriormente, defendendo-se de modo satisfatório.Além disso, não havendo reiteração, o recurso retido sequer será processado, razão pela qual não se pode pensar em prejuízo para o recorrido, em tal situação. Tal procedimento iria de encontro a um inconveniente prático que talvez prejudique sua adoção, pois, se o recorrido for intimado somente depois da reiteração (o que poderá ocorrer muito tempo depois da interposição do recurso extraordinário retido), terá prazo de quinze (15) dias não só para responder (ou seja, apresentar contra-razões) como também para apresentar recurso adesivo (cf. art.500, inc. II). De tal sorte, enquanto uma das partes interpõe o recurso “principal” após ser intimada da decisão, a outra parte poderá apresentar recurso adesivo muito tempo depois. A solução inversa frustraria assinala MEDINA121, “ao menos em parte, o escopo da modificação sob comentário”. Intimando-se o recorrido para apresentar sua resposta de imediato, instaurar-se-ia um debate perante o Tribunal local, o que não é desejado pela modificação legal versada. 119 MEDINA, op. cit.p.182. Um melhor estudo sobre o princípio do contraditório foi realizado pelo professor Nelson Nery Junior in Princípios do processo civil na Constituição Federal. 121 MEDINA, op. cit., p.182. 120 3.5.2.3.“Decisão final” De acordo com o §3.° do art.542 do CPC, o recurso extraordinário retido “somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões”. Decisão final, segundo MEDINA122, tem o mesmo significado da expressão “decisão de única ou última instância”, constante da Constituição da República no art.102, inc. III. Não é diferente a opinião de ARRUDA ALVIM123, que, escrevendo a respeito, diz que “a decisão objeto do recurso extraordinário – e agora de recurso especial - havia e há de ser final ou definitiva, ou, em outras palavras, representar o pensamento necessariamente final da Justiça local, o que, a seu turno, significa que teria de ter havido esgotamento dos recursos possíveis de serem interpostos na instância local (...)”. 3.5.2.4.Oportunidade e forma de “reiteração” do recurso retido Determina o §3.º do art.542 do CPC determina que o recurso extraordinário adesivo apenas será apreciado se o reiterar a parte, ou seja, deve a parte repetir, o recurso já interposto, ou simplesmente cabe à parte requerer o seu julgamento? Conforme o art.523, caput, do CPC, no caso do agravo retido, que “o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação”. Não existe, nesse caso, necessidade de reiteração, pois a petição de agravo já está nos autos, que 122 MEDINA, op. cit.. p.183. O Recurso especial na Constituição Federal de 1988 e suas origens, in Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.), Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário, pág.26. 123 simplesmente sobem ao Tribunal competente para julgamento da apelação e, por conseqüência, do agravo retido. A retenção, no caso do recurso extraordinário se dá nos autos do agravo de instrumento, que em princípio, ficam apensados aos autos da causa, ou são remetidos de imediato ao órgão ad quem, à espera de uma futura e eventual “reiteração”, como aduz o §3.º do art.542 do CPC. Caso essa reiteração tiver que ser realizada nos autos nos quais estiverem o recurso extraordinário, entende MEDINA124 “que basta, para que se considere preenchido o requisito ora analisado, que a parte simplesmente requeira o julgamento do recurso até então retido. Entendemos que o simples requerimento é suficiente, pois o recurso em questão já estará retido nos autos. Nesse sentido, esse requerimento teria a finalidade de ratificar o recurso interposto, que será processado a partir de então. Não é necessário interpor recurso contra a decisão final para se reiterar o recurso retido. É suficiente que, no prazo do recurso cabível contra a decisão final, a parte requeira o julgamento do recurso retido125. Há que se registrar, porém, que a questão não é pacífica na doutrina. Caso a parte, não obstante, outrossim, interponha recurso contra a decisão final, e sendo este admitido, deverão ser encaminhados juntamente com o recurso extraordinário que estava retido, obviamente após o processamento deste último. 3.5.3.Meios de impugnação da decisão que determina a retenção 124 MEDINA, op. cit., p.185. No mesmo sentido Medina Ob. Cit. pág.185; Teresa Arruda Alvim Wambier in Anotações a respeito da Lei 9.756, de 17 de dezembro de 1998, cit., p.582; Athos Gusmão Carneiro, Ob. Cit., pág.125. Em sentido contrário: Rodolfo de Camargo Mancuso, Ob. Cit. p.258. 125 Quando busca uma providência jurisdicional urgente, e a escolha do procedimento determinado pelo art.542, §3.°, do CPC for suscetível de lesar a pretensão do recorrente, haverá negativa de prestação jurisdicional126. Nessas circunstâncias, a imposição irrestrita do regime de retenção ao recurso extraordinário violaria o disposto no art.5.°, inc. XXXV, da CF. O regime de retenção tem de ser afastado em tais situações, permitindo-se o recurso pela sistemática tradicional. Caberá ao recorrente, portanto, ao interpor o recurso extraordinário, requerer que o mesmo seja encaminhado de imediato ao órgão ad quem, não permanecendo retido nos autos. A jurisprudência, porém, não é tranqüila acerca da recorribilidade do pronunciamento do presidente do tribunal local que determina a retenção do recurso extraordinário127. Aqueles que reconhecem a possibilidade de impugnação da decisão – que determinou a retenção- não chegaram a uma única conclusão de qual seria o mecanismo adequado, no caso. Já se ventilou o uso de mandado de segurança, mas o instrumento aceito com predileção pelos membros do Superior Tribunal de Justiça é, sem dúvida alguma, a medida cautelar. 3.6. UTILIZAÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR COM O FIM DE SUSPENDER OS EFEITOS DA DECISÃO RECORRIDA NA PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 126 Nesse sentido MEDINA Ob. Cit. pág. 186. No julgamento do Mandado de Segurança 6909-DF, o tema foi discutido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Afirmou-se, nos debates, que “a decisão do relator determinando que o recurso especial fique retido na Secretaria da Corte não tem natureza jurisdicional”. 127 O art.8º, I, do RISTF prevê a competência do Plenário e das Turmas para o julgamento de medidas cautelares. E, ainda, o art.21, IV, incluiu dentre as atribuições do relator “submeter ao Plenário ou Turma, nos processos de competência respectiva, medidas cautelares necessárias à proteção do direito suscetível de grave dano de incerta reparação, ou ainda, destinas a garantir a eficácia da ulterior decisão da causa”. Afirmou o Min. Moreira Alves128 que “petição dessa natureza, na pendência de recurso extraordinário, não constitui propriamente ação cautelar, mas, sim, requerimento de cautelar nesse próprio recurso – embora processado em autos diversos por não terem ainda chegado a esta Corte – e requerimento que deve ser processado como mero incidente do recurso extraordinário em causa”. Ainda na relatoria da PETQO-1863-RS, o Min. Moreira Alves negou medida cautelar, com amparo no art.800, parágrafo único, do CPC, para dar efeito suspensivo ao recurso extraordinário que ainda não tenha sido objeto do juízo de admissibilidade do tribunal de origem. Entendeu não ser aplicável o disposto no parágrafo único do art.800 do CPC ao recurso extraordinário129. Já a maioria da doutrina130 entende em sentido oposto, afirmando pela admissão de cautelar com base no artigo 800, parágrafo único do CPC. A concessão de efeito suspensivo ao recurso extraordinário, no Supremo Tribunal Federal, apenas tem sido deferida “em situações de absoluta excepcionalidade, e uma vez proferido o necessário juízo positivo de admissibilidade ao recurso extraordinário”. Convém dizer, considera-se “vedada a sua concessão naquelas hipóteses em que o apelo extremo tenha 128 STF, PETQO-2246-SP, 1ªTurma, j. 13.03.2001, DJU 04.05.2001 Segundo Mário Helton Jorge in Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos 6 pág:418, a jurisprudência adota regras processuais de seu regimento interno, de natureza cautelar, mas sem regras procedimentais específicas, contrariando o posicionamento da doutrina. 130 Nesse sentido Athos Gusmão Carneiro, José Miguel Garcia Medina, Teresa Wambier e José Carlos Barbosa Moreira. 129 sofrido juízo negativo de admissibilidade na instância a quo, ainda que interposto nos termos do art.28 da Lei n°8.038/90, agravo de instrumento para a Suprema Corte”131 Com maior motivo, o Pretório Excelso considera incabível medida cautelar que, interposta originariamente no STF, “busca conferir efeito suspensivo a recurso extraordinário sequer interposto, porque ainda não publicado o acórdão a que visa impugnar”132 Desponta, então, a questão: quem, antes da decisão de admissão do RE, decidirá quanto à concessão de medida cautelar, mormente quando as circunstâncias do caso concreto revelarem sua real urgência? Entende-se, no Supremo Tribunal Federal, que a concessão de provimento acautelatório em favor do recorrente, antes do juízo positivo133 de admissibilidade do RE, teria o condão, em virtude da ‘hierarquia funcional’, de impedir que o Presidente do tribunal de origem negasse admissão ao apelo extremo. Conseqüentemente, para suprir esta lacuna que pode ocasionar danos irreparáveis em casos que sejam relevantes os fundamentos do recurso extraordinário, o Pretório recomenda a atribuição da competência ao Presidente do tribunal ‘ a quo’ para conceder ou não a providência cautelar e, se a conceder, essa concessão vigora, se o recurso extraordinário vier a ser admitido, até que o STF a ratifique, ou não134 STF’, n°185, abril de 2000; Pet. n°2.484, rel. Min. Celso de Mello, j.24.10.2001, DJU de 07.11.2001). 131 STF, PET. 1.315, de 18.07.1997, Min. Celso de Mello, DJU de 06.08.1997, p. 35.243; PET. 914, Min. Néri da Silveira, DJU de 27.06.1994; RTJ 116/428, rel. Min. Francisco Rezek. 132 Petição 1.774, dec. de 13.08.1999, Min. Celso de Mello, DJU de 24.08.1999, p.17. 133 Segundo EDUARDO ARRUDA, a admissão da cautelar antes mesmo do tribunal a quo, por sua presidência, emitir juízo de admissibilidade sobre recurso interposto, parece ser a melhor soução, já que entre o momento da interposição do recurso e a sua apreciação quanto à admissibilidade, não raro transcorrerem alguns meses, que podem colocar em risco a própria admissibilidade do recurso. 134 STF, Pet. n° 1.181, rel. Min. Moreira Alves, j. 14.12.1999, DJU de 11.02.2000; Pet. n°1.903, rel. Min. Néri da Silveira, j.01.03.2000; Pet. n°1.863, rel. Min. Moreira Alves; Pet. n°2.484, rel. Min. Celso de Mello, j.24.10.2001, DJU de 07.11.2001. Acreditamos ser inconstitucional entendimento de que não caberia medida cautelar para atribuir efeito suspensivo ao recurso extraordinário retido, em virtude de eventual obstáculo procedimental criado pela adoção do regime de retenção. Tendo em vista que deve ser resguardado o direito da parte diante de perigo iminente. 4. A UTILIZAÇÃO DO PREQUESTIONAMENTO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO NA PERSPECTIVA DO ACESSO À JUSTIÇA. 4.1. NOÇÕES PRELIMINARES. A exigência do prequestionamento foi expressa desde a Constituição de 1891, no art.59, III, ‘a’,135. O entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal era no sentido da necessidade de prévio questionamento da lei federal na instância local. Sendo assim, caso não se verificasse o prequestionamento – então idealizado como o questionamento realizado pelas partes – decidir-se-ia pelo não-conhecimento do recurso extraordinário. Conforme aponta AUGUSTO CORDEIRO DE MELLO136, excetuada a Constituição de 1946, as demais exigiam a condição de ter havido questionamento a respeito da aplicação da lei federal e “que a decisão da justiça local lhe tivesse sido contrária”. O emprego do termo prequestionamento despontou na jurisprudência para ratificar a incumbência da parte em provocar o surgimento da questão federal ou constitucional perante a instância inferior. Segundo a letra do art.59, III, ‘a’ da Constituição de 1891, verificávamos claramente a existência de dois momentos distintos: no primeiro, questionava-se sobre a validade de tratado ou lei federal; no segundo, a decisão recorrida era contrária à validade de tratado ou lei 135 Dispunha: “... quando se questionar sobre a validade de leis, ou aplicação de tratados ou leis federais, e a decisão for contra ela” 136 MELLO, Augusto Cordeiro de. O processo no Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964. v.II, p.709 federal. As Constituições que se seguiram traziam as mesmas regras, o que só veio a ser modificado a partir da Carta Política de 1946. O entendimento sobre o conceito de prequestionamento evoluiu posteriormente, verificaram-se manifestações jurisprudenciais afirmando que há prequestionamento quando a decisão recorrida tiver adotado entendimento explícito sobre o tema de direito federal. Logo, consoante esse entendimento, o prequestionamento estaria na decisão recorrida, não representando anterior postulação das partes perante o grau inferior. Posteriormente, esses entendimentos foram conjugados, havendo atualmente na jurisprudência decisões que se manifestam no sentido de que o prequestionamento é “a manifestação da parte na instância inferior somada à decisão de referida instância”. Na Carta Outorgada de 1967/69, embora a expressão “questionar” não tenha constado, o Pretório Excelso manteve expressamente as referidas Súmulas 282 e 356, em decisão plenária nos ERE 96.802, ac. de 12.05.1983, sendo relator o Min. Alfredo Buzaid, cujo voto contém farta remissão histórica e de direito comparado. Tais argumentos valem com relação à vigente Constituição de 1988, que também omite a expressão “questionar” no art.102. É indispensável, para a admissibilidade do extraordinário, que a questão haja sido objeto de decisão, nas palavras de EDUARDO RIBEIRO DE OLIVEIRA137, “a prévia alegação pela parte não tem a ver com isso”. Concluindo que essa condição, necessária para viabilizar o recurso extraordinário, “é de sua índole, derivando dos termos em que constitucionalmente previstos. Se assim é, não deve ser dispensada, pena de ofensa à Constituição”. Logo, a ausência da expressão “questionar” não ocasionaria prejuízos quanto à necessidade de exigência do prequestionamento. 137 OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro de. Prequestionamento. in Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de acordo com a lei n° 9.756/98. São Paulo: RT, 1997. p.201. Há, na jurisprudência, diversas concepções acerca do que se deve entender por prequestionamento. Podemos assinalar a existência de três entendimentos138: a) presquestionamento considerado como manifestação explícita do Tribunal recorrido sobre determinado tema;139 b) prequestionamento entendido como debate anterior à decisão recorrida, logo pode ser considerado como ônus atribuído à parte;140 c) a junção das duas correntes citadas, ou seja, prequestionamento como prévio debate acerca do tema de direito constitucional, seguido de manifestação expressa do Tribunal a respeito141. Tais concepções são, de certa forma, difundidas em sede doutrinária, existindo aqueles que defendem que o prequestionamento decorre simplesmente de pronunciamento do Tribunal a quo acerca do tema de direito constitucional (entendimento com o qual comungamos), e aqueles que se manifestam no sentido de que o prequestionamento é a 138 Nesse sentido GARCIA MEDINA, ob. cit. p.202. Esse é o entendimento dominante no STF. “O Tribunal a quo não se manifestou explicitamente sobre os temas constitucionais tidos por violados” (AI 517683 AgR/RS, rel. Min.Eros Grau); “A ausência de efetiva apreciação do litígio constitucional, por parte do Tribunal de que emanou o acórdão impugnado, não autoriza – ante a falta de prequestionamento explícito da controvérsia jurídica – a utilização do recurso extraordinário” (AI 461480 AgR/ PE, rel. Min.. Celso de Mello); “Tem-se como configurado o prequestionamento da matéria veiculada no recurso quando consta, do acórdão impugnado, a adoção de entendimento explícito a respeito” (RE 104899-9/RS, rel. Min. Marco Aurélio); “O prequestionamento não resulta da circunstância de a matéria haver sido empolgada pela parte recorrente. A configuração do instituto pressupõe debate e decisão prévios pelo Colegiado, ou seja, emissão de juízo sobre o tema. O procedimento tem como escopo o cotejo indispensável a que se diga do enquadramento do recurso extraordinário no permissivo constitucional, e se o Tribunal de origem não adotou entendimento explícito a respeito do fato jurígeno veiculado nas razões recursais, inviabilizada fica a conclusão sobre a violência ao preceito evocado pelo recorrente” (AGRAG 277.229/RJ, rel. Min. Marco Aurélio). 140 “Alegou-se violação de textos constitucionais. Mas quer ao contestar a ação, quer ao apelar, não suscitou, a recorrente, tema constitucional e dele não cuidaram a sentença e o acórdão. Inadmissível, assim, o extraordinário, nesse ponto pela falta de prequestionamento” (STF, RE 79163/SP, rel. Min. Rodrigues de Ackmin); “Quanto ao tema pertinente à alegada ofensa ao princípio da legalidade inscrito no art.153, §2.º, da CF/69, nada há a apreciar nesta sede, eis que tal matéria, porque sequer suscitada pela agravante perante as instâncias ordinárias, deixou de constituir objeto do necessário prequestionamento, tanto que nem mesmo foi ventilada no acórdão recorrido” (RE 141.731-6 – AgRg/DF, rel. Min. Celso de Mello). 141 “A configuração jurídica do prequestionamento decorre de sua oportuna formulação em momento procedimental adequado. Não basta, no entanto, só argüir previamente o tema de direito federal para legitimar o uso da via do recurso extraordinário. Mais do que a satisfação dessa exigência, impõe-se que a matéria questionada tenha sido efetivamente ventilada na decisão recorrida. Sem o cumulativo entendimento desses pressupostos, além de outros igualmente imprescindíveis, não se viabiliza o acesso á via recursal extraordinária” (AgRgAI 134175-1, rel. Min. Celso de Mello); “Não basta só argüir previamente o tema de Direito Federal para legitimar o uso da via do recurso extraordinário. Mais do que a satisfação dessa exigência, impõe-se que a matéria questionada tenha sido efetivamente ventilada na decisão recorrida. Sem o cumulativo atendimento desses pressupostos – para não referir outros igualmente imprescindíveis – não se viabiliza o acesso à via recursal extraordinária” (AI 133.690-1-AgRg/SP, rel. Min. Celso de Mello). 139 manifestação ou provocação das partes, anterior à decisão recorrida, no sentido de tornarem controverso determinado ponto atinente ao direito constitucional142, havendo, inclusive, nessa corrente, opiniões no sentido de que a questão constitucional deve estar presente desde a petição inicial. Não podemos deixar de registrar as opiniões contrárias em relação à exigência do prequestionamento, segundo GALENO LACERDA143 “a simples exigência de prequestionamento é inconstitucional”, em virtude de ofensa direta ao preceito imperativo do art.102, III. Concluindo-se, portanto, que a doutrina e a jurisprudência não chegaram a um conceito único para o prequestionamento, nem mesmo quanto à constitucionalidade de sua exigência, dificultando a exata compreensão do instituto, seja na prática, seja nas discussões acadêmicas. Anota MEDINA144, que aparentemente, no entanto, o dilema é recente, porque no início da vigência do recurso extraordinário, no direito brasileiro, não havia controvérsia a respeito. Conforme dito, segundo a determinação da Constituição de 1891, encontrávamos duas situações distintas: surge, em primeiro plano, a questão federal ou constitucional; depois a decisão recorrida é exarada contrariamente à lei federal ou à Constituição. Não há, nesse sentido, qualquer censura à Súmula 282 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe ser inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada. O entendimento passou a ser o seguinte: 1.°) a parte deve obrigatoriamente provocar o surgimento 142 Trata-se do entendimento majoritário. Nelson Nery Junior e Rosa Maria: “Prequestionar significa provocar o Tribunal inferior a pronunciar-se sobre a questão constitucional, previamente à interposição do RE” (Código de Processo Civil Comentado, p.202, nota 18 ao art.102 da CF); 143 LACERDA, Galeno. Críticas ao prequestionamento. São Paulo: RT, v.87, n.758. p.81. 144 MEDINA, op. cit., p.206 da questão (a questão federal deverá ter sido suscitada); 2.°) a decisão recorrida deve ter manifestado entendimento expresso a respeito (a decisão recorrida deve ventilar a questão federal). Entretanto, não se determinou em qual dos dois momentos ocorreria o prequestionamento: se com provocação das partes, se com a decisão recorrida ou através da conjugação dos dois momentos. O debate acerca do conceito de prequestionamento surgiu, segundo MEDINA145, em decorrência da “falta de determinação precisa do alcance do termo ‘questão federal’”, vinculado muitas vezes, à letra da lei (v.g. “quando se questionar sobre a validade (...) e a decisão recorrida for contra ela”). Tem-se entendido, todavia, que somente surge a questão se as partes tiverem debatido a respeito. Não é esse nosso entendimento, porque acreditamos que a questão federal pode surgir quando da decisão do magistrado, temos, assim, a questão constitucional. Mas, o que vem a ser questão? Para NELSON NERY JR.146, “tecnicamente, questão é o ponto que se tornou controvertido”, ou seja, o fundamento da causa se dá por um ponto comum de fato ou de direito. Em se tratando de recurso extraordinário, é obrigatória a observância de uma questão constitucional, ou seja, não é toda e qualquer matéria que enseja a interposição daquele, e, com a EC n°45 de 2004, é imprescindível que essa questão seja dotada de repercussão geral, para que seja admissível o recurso extraordinário. Note-se que o termo questão não se aplica somente quando há contestação de ponto alegado por alguma das partes, mas também quando o próprio juiz tenha suscitado dúvida sobre determinado ponto. Destarte, haverá questão federal ou questão constitucional sempre que o juiz aplicar a lei federal ou a Constituição à hipótese, seja em decorrência de as partes terem 145 146 MEDINA, op. cit., p.207. NERY JR., Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 6 ed. São Paulo: RT, 2002. p.347. controvertido acerca de determinado ponto, tornando-o questão a ser resolvida pelo órgão julgador, seja quando o próprio órgão julgador identificar o ponto, colocá-lo em dúvida e sobre ele resolver. Vê-se, pois, que o importante é que a questão tenha sido resolvida pelo juiz, seja ou não em virtude de provocação da parte. O próprio vocábulo questão deve ser entendido como discutir, fazer questão, controverter, para efeitos de recurso extraordinário, é importante que a questão constitucional esteja presente na decisão recorrida. Para aqueles que entendem ser imprescindível o debate entre as partes, a soma da palavra questionar ao termo pré – cuja idéia é de antecedência, antecipação– resulta na configuração do ato de discutir ou controverter, antecipadamente, acerca de algum assunto. Ora, se a questão constitucional deve estar na decisão recorrida, logicamente o prequestionamento deve ocorrer, para essa corrente, antes da decisão recorrida, porquanto essa decisão é que poderá ser alvo do recurso. Segundo essa ótica, a necessidade da verificação da questão constitucional sempre existiu, independentemente da presença do termo “questionar” ou “ter-se-questionado” nas Constituições brasileiras. Não se pode dizer, por isso, segundo MEDINA147, “que o prequestionamento ocorre na decisão recorrida, pois o prequestionamento há que ocorrer, necessariamente, antes da decisão recorrida”. Por outro lado se quando da decisão recorrida, sem que tenha havido provocação das partes, der-se o surgimento da questão constitucional, e sobre ela decidir, poderse-ia dizer que teria havido, prossegue o doutrinador “ocorrência equivalente àquela decorrente do prequestionamento provocado pela parte”, já que, como visto, a questão (ponto controvertido), pode surgir tanto em decorrência da controvérsia erigida pelas partes litigantes, quanto em função de manifestação do próprio juiz. Data máxima vênia, sustentamos que para a configuração do 147 MEDINA, op. cit., p.207. prequestionamento não é necessária a provocação das partes, posto que em se tratando v.g. de questões de ordem pública incumbe ao juiz verificá-las de ofício, daí teremos sobre esse ponto uma causa decidida, conforme exigência constitucional para o cabimento do recurso extraordinário. Embora, acreditemos que aquele posicionamento (anterior provocação das partes) seja importante para a viabilização do contraditório sobre determinada questão, entendemos que o acesso à justiça é que deve ser privilegiado em detrimento àquele princípio constitucional. Logo, o surgimento da questão constitucional, que decorre do prequestionamento deve ser vista sob o prisma do mais amplo acesso à justiça, haja vista que a exigência constitucional refere-se à configuração de “causas decididas”. Se realizada a atividade das partes em momento anterior à decisão, satisfeito estará o princípio do contraditório, mas se o juiz colocar em questão determinado ponto que não tenha sido objeto pelas partes, e estas não tenham mais oportunidade processual para o debate, não há porque se negar o direito ao sucumbente de interpor o recurso extraordinário, haja vista que se está diante de uma causa decidida. A questão constitucional deve estar presente na decisão recorrida, e poderá surgir mesmo que ausente provocação de qualquer das partes. De acordo com essa ótica – para aqueles que sustentam a caracterização do prequestionamento como debate anterior entre as partes -, o prequestionamento não seria essencial para a interposição do recurso extraordinário, desde que a questão constitucional surja no acórdão recorrido. Com muita propriedade, afirma NELSON NERY JR.148 que “o prequestionamento é apenas um meio para instar-se o juízo ou tribunal de origem a decidir a questão constitucional que se quer ver apreciada pelo STF no julgamento do RE” sendo assim para esse doutrinador, “o prequestionamento não é verdadeiro requisito de admissibilidade do recurso extraordinário”, posto que o verdadeiro requisito de admissibilidade 148 Ainda sobre o prequestionamento – Os embargos de declaração prequestionadores, in Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais, v.4, p.863-864. do RE é o cabimento, que só ocorrerá “quanto às matérias que tenham sido efetivamente ‘decididas’ pelas instâncias ordinárias” (CF 102 III); tendo em vista que causa ‘decidida’ é a manifestação específica do requisito genérico de admissibilidade denominado cabimento do recurso. “O prequestionamento é apenas meio para chegar-se a esse fim”. A questão constitucional, por determinação da Constituição Federal, obrigatoriamente deverá fazer-se presente na decisão recorrida. Com o surgimento da questão constitucional é que o prequestionamento se aperfeiçoa como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, pois não basta que as partes tenham se manifestado sobre determinado ponto, sem que tenha efetivamente decisão sobre o mesmo. Para aquele que entendem ser o prequestionamento o prévio debate entre as partes, o surgimento da questão constitucional, convém ressaltar, é posterior à ocorrência do prequestionamento, que ocorre antes da decisão que se pronuncia a respeito da mesma.Entenda-se que o prequestionamento não se resume à atividade das partes, mas conforme dito também decorrerá da atuação do magistrado. Dessa forma, entendemos ser correto, afirmar que o prequestionamento se dá na decisão recorrida, pois seu início dar-se-á em virtude da atividade das partes (petição inicial, contestação, apelação, entre outras) ou segundo a atuação do magistrado, gerando uma causa decidida. Como bem anota TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER149, a expressão “prequestionamento”, anteriormente, fazia alusão à atividades das partes, porque, afinal, são as partes que “questionam”, “passou a significar a exigência de que da decisão conste essa discussão entre houve entre as partes sobre questão federal”. 149 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Sobre a necessidade de cooperação entre os órgãos do Judiciário para um processo mais célere – Ainda sobre o prequestionamento in Direito Processual: Inovações e Perspectivas.São Paulo: Saraiva, 2003. p.429. 4.2. PREQUESTIONAMENTO CONSIDERADO COMO MANIFESTAÇÃO DO ÓRGÃO JURISDICIONAL RECORRIDO SOBRE A QUESTÃO CONSTITUCIONAL OU PREQUESTIONAMENTO ENTENDIDO COMO MANIFESTAÇÃO DAS PARTES PERANTE O ÓRGÃO JURISDICIONAL RECORRIDO? Desde o início de sua aplicação, o prequestionamento era entendido como mera criação dos Tribunais Superiores, chegando, até mesmo, a ser tachado de inconstitucional por esmerada doutrina. É da lavra de ALCIDEZ DE MENDONÇA LIMA150 contundentes críticas ao prequestionamento, pois “acima do eventual congestionamento dos órgãos judicantes está o final de fazer justiça(...)”. O recurso extraordinário tem por fim possibilitar ao Supremo Tribunal Federal o controle de constitucionalidade, conforme dito. O legislador constitucional, ao invés de se omitir a respeito ou simplesmente deixar prevista a possibilidade de criação de tal recurso, preferiu ir além, criando o recurso extraordinário e delimitando-lhes as hipóteses de cabimento e requisitos. É, na Constituição, que está inserida a norma reguladora da competência recursal do Supremo Tribunal Federal, assim como a norma que discrimina as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário, como corolário, tais normas, embora sejam substancialmente processuais, tornam-se formalmente constitucionais. Tais normas constitucionais-processuais possuem a característica inerente às outras normas constitucionais, ou seja, a rigidez constitucional. Essa rigidez constitucional impõe maior dificuldade para sua modificação do que para alteração das demais normas jurídicas. Sendo assim, para a modificação de normas relativas 150 LIMA, Alcides de Mendonça. Prequestionamento. Porto Alegre: Ajuris, v.20, n.57. p.229 ao recurso extraordinário, é imprescindível um processo legislativo específico, mais difícil que o necessário para criação e alteração das leis infraconstitucionais. Conclui-se, pois, que, leis inferiores não podem criar, modificar ou extinguir a competência do Supremo Tribunal Federal. O mesmo se diga em relação às hipóteses de cabimento do referido recurso, taxativamente estipuladas na Carta Magna, e que não podem ser ampliadas ou restringidas. A estipulação de um mecanismo que preste à triagem dos recursos extraordinários só pode ser feita através de emenda à Constituição, o que foi seguido pelo constituinte ao elencar a repercussão geral das questões constitucionais –inserida com a EC n°45/04 (Reforma do Judiciário) - como mecanismo apto à seleção daqueles. O recurso extraordinário tem seus pressupostos e fundamentos dispostos na Constituição Federal, ao contrário do que acontece com a maioria dos recursos. Não se afirme, contudo, que as normas constantes de leis inferiores, não sejam aplicáveis ao recurso extraordinário, no entanto a aplicação dessas normas ao recurso extraordinário não pode contrariar o preceito constitucional. E o que vem a ser “decisão judicial de única ou última instância”? Quando se está diante de decisão sobre questão constitucional para efeitos de interposição do recurso extraordinário? Refere-se o art.102, III da Constituição Federal às “causas decididas em única ou última instância”, “quando a decisão recorrida” se encartar numa das alíneas do mencionado dispositivo constitucional. Quanto ao vocábulo “causa”, entendemos que a Constituição Federal adotou o termo em sentido amplo, tanto para abordar a decisão que julgue a lide quanto às decisões ditas terminativas, assim como o qualificativo “decididas” acrescentado ao vocábulo “causas”, não enseja entendimento diverso, pois, o recurso extraordinário versa sobre questões constitucionais, não importando se relativas ao mérito ou não. Para o cabimento dos recursos extraordinário o que deve ser levado em conta, nos termos do texto constitucional, é que a questão constitucional esteja presente na decisão recorrida, ou seja, que a questão tenha sido efetivamente julgada. Destaca o permissivo constitucional tal aspecto pelo menos em duas vezes: além de enunciar que o respectivo Tribunal é competente para julgar em recurso extraordinário “as causas decididas”, ratifica que o recurso será cabível quando a “decisão recorrida” se encartar numa das alíneas dos arts.102, inc. III. Conseqüentemente, aquilo que não tiver sido objeto de decisão não pode ser objeto do recurso, face à ausência de prequestionamento. Se a questão constitucional não tiver sido objeto de decisão recorrida não ensejará o conhecimento do recurso extraordinário, convém ressaltar que tal regra aplica-se, inclusive, às hipóteses discriminadas nos arts.267, §3.º, e 301, §4.º, do CPC Determina, ainda, a Constituição Federal que tais decisões sejam proferidas “em única ou última instância”, sendo assim determina a Carta Magna que seja a decisão recorrida definitiva, ou seja, considerada como a última decisão “possível de ser proferida na instância local, levando ao necessário esgotamento dos recursos ordinários, aqui compreendidos quaisquer recursos”. Conforme visto, essa imposição constitucional se justifica pelo fato do Supremo Tribunal Federal não ser órgão destinado a mera revisão de fatos, ou de justiça da decisão. Tais questões deverão ser totalmente resolvidas nas instâncias inferiores, esgotando-se todos os recursos possíveis. Foi dito que para o cabimento do recurso extraordinário é imprescindível que se verifique, na decisão recorrida, questão constitucional,mas qual o conceito de questão constitucional? Quais são os seus limites? Para a sua caracterização é imprescindível a menção expressa da norma violada? A Constituição de 1891 referia-se à hipótese de cabimento do recurso quando se questionasse sobre a validade ou a aplicação dos tratados e leis federais. Com a Constituição de 1946 essa situação veio a se modificar, pois se deu a exclusão do vocábulo “questionar” para a hipótese de violação da lei federal em face da Constituição. A Constituição Federal de 1967 foi além, suprimindo a expressão “questionar” também na hipótese respeitante à validade da lei federal. A atual Constituição Federal, de igual sorte, também não contém o vocábulo “questionar” em nenhuma das hipóteses de cabimento do recurso extraordinário. Alude-se, no máximo, à hipótese de a decisão recorrida “contrariar” dispositivo da Constituição Federal (art.102, III, a) e ainda à hipótese de se julgar válida lei ou ato de governo local “contestado” em face da Constituição (art.102, III, c). Sendo assim, ao invés da expressão “questionar”, utilizada na introdução do recurso extraordinário, passou-se, gradativamente, a empregar os termos “contrariar” e “contestar”, para as hipóteses de cabimento do recurso. Em face da ausência da expressão na Carta Magna, é de se indagar se a exigência da presença da questão constitucional na decisão recorrida é constitucional ou não. Quando da vigência da Constituição Federal de 1946, a doutrina, atrelando a exigência do prequestionamento à existência do termo “questionar”, entendeu que esse requisito havia sido suprimido. Porém esse entendimento, como se viu, não foi adotado pela jurisprudência, sob o fundamento de que a exigência de tal questionamento estaria “implicitamente” prevista na Constituição Federal, de modo que só se conheceria do recurso se a aplicação da lei federal tivesse sido questionada no curso da demanda, e que sobre ela a decisão recorrida tivesse se pronunciado. Tal argumento, embora tenha sido suficiente a ensejar a superação da controvérsia, não esclareceu, segundo MEDINA151, o que se deve entender por “questionar”. Ao contrário, ao manifestar-se no sentido de que tal exigência era implícita, o Supremo Tribunal foi além da simples interpretação da Constituição Federal, pois com esse entendimento afirmava que, apesar de a Constituição Federal não o exigir expressamente, a questão federal deveria estar sempre presente, em virtude da natureza excepcional do recurso extraordinário. Consoante a jurisprudência surgida na vigência da Constituição de 1946 era necessário que as partes controvertessem acerca do tema federal, e ainda, que a decisão recorrida julgasse a matéria. Satisfeito estaria, assim, o requisito relativo à existência da questão federal controvertida. E o que se entende por questão? Questão é um ponto acerca do qual surgiu uma controvérsia e que, para decidir a lide, o órgão judicante resolve cada uma das questões surgidas, escolhendo entre os pontos que lhe pareçam procedentes. Note-se que, dentro da concepção sedimentada pela doutrina acerca do conceito de questão, há necessidade, para seu surgimento, de impugnação da parte acerca do ponto erigido pela outra. Em outras palavras, dá-se tal situação quando uma parte contesta a afirmação de fato ou de direito da outra. Sendo assim, no conceito de questão encontramos a contestação. Segundo essa concepção, o vocábulo “contestação”, que substitui o termo “questionar” existente nas Constituições anteriores, não afastou a necessidade da presença da questão federal. Isso porque, uma vez tendo uma das partes apresentado os fundamentos da demanda, ou da defesa (ponto), surgirá a questão se a outra parte contestar, tornando o ponto controverso. Entendemos, ainda, 151 MEDINA, op. cit., p.227. que a questão poderá surgir, em virtude, também, da atuação do magistrado e não apenas da atividade conjugada das partes. Pode o juiz suscitar a dúvida, e resolvê-la na decisão. Se tratar-se de questão de direito, correspondente à dúvida quanto à pertinência de alguma norma constitucional, à interpretação de seu texto, apresentar-se-á questão constitucional, ensejadora do recurso extraordinário. Aplica-se mesmo raciocínio em relação às hipótese de cabimento do recurso extraordinário quando a decisão contrariar a Constituição (CF, art.102, III, a ): ou tal decisão resultou de questão oriunda de atividade das partes, que controverteram a respeito; ou resultou de atividade do próprio órgão julgador, que identificou o ponto, tornou-o duvidoso e sobre ele decidiu. Antes da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, acreditava-se que, para o cabimento do recurso extraordinário, havia de estar presente a questão federal: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”, enuncia a Súmula 282 do STF. Desse modo, denominava-se questão federal aquela que ensejava o cabimento do recurso extraordinário. Com a Constituição de 1988, apesar de o antigo recurso extraordinário ter-se bipartido entre os recursos especial e extraordinário, a denominação foi mantida por alguns doutrinadores, que apenas acrescentaram à mesma os termos constitucional e infraconstitucional, caso se trate de recurso extraordinário ou recurso especial, respectivamente. Há aqueles, por sua vez, que utilizam a expressão questão constitucional quando se trata de recurso extraordinário, e questão federal, quando de recurso especial. Convém afirmar que nem toda questão de direito enseja o cabimento do recurso extraordinário, pois conforme visto, há que estar presente uma questão constitucional em se tratando de recurso extraordinário. Para o cabimento do recurso extraordinário exige-se que a decisão recorrida viole a Constituição Federal. Ainda que possa atribuir à chamada valoração da prova a conotação de uma questão de direito, mister seria se estivesse essa questão vinculada a um tema constitucional, para que tivesse cabimento o recurso extraordinário, no regime da Constituição de 1988. Ainda no que respeita à configuração de questão constitucional, um assunto tem causado controvérsia doutrinária e jurisprudencial, trata-se de saber se é necessário que o dispositivo constitucional que se afirma violado deve ser expressamente mencionado da decisão recorrida, ou se basta, para a configuração da questão constitucional, que a matéria relativa ao preceito constitucional tenha sido levantada e discutida, mesmo que não se mencione determinação constante em lei. Ou seja, é possível constatar a contrariedade à Constituição se a decisão recorrida não mencionar a norma que se reputa violada, no recurso extraordinário. É evidente que em havendo, na decisão recorrida, indicação expressa da norma, a identificação da questão constitucional torna a tarefa mais fácil. Porém não se deve entender que somente há erro se o juiz declarar explicitamente que está contrariando a norma. Além do mais, apesar de todos os pronunciamentos judiciais deverem ser fundamentados (CF, art. 93, inc. IX), nem sempre essa fundamentação se expressa nos dispositivos corretos, ou seja, o órgão judicial pode decidir, mas não fundamentar tal decisão em norma expressa, que seria a corretamente aplicável ao caso. Além disso, pode ocorrer que a decisão venha fundamentada em norma diversa da que, a rigor, deveria reger a situação sub judice, e que a norma violada sequer tenha sido lembrada pelo julgador. Noutra situação, também é possível, o órgão julgador, supondo aplicar corretamente a lei, chegando, até mesmo, na fundamentação, a dar-lhe sentido correto, aplica-a, ao final, erroneamente, divergindo até mesmo de sua própria fundamentação. Manifestou-se a doutrina, na vigência da Constituição Federal anterior, no sentido de que a decisão recorrida deveria examinar a quaestio iuris à luz dos dispositivos legais pertinentes e, expressamente, contrariá-los, esse entendimento, no entanto, que não era pacífico na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Superior Tribunal de Justiça passou a preterir tal exigência, entendimento este que, depois, passou a ser acolhido pelo Supremo Tribunal Federal. Este é o entendimento correto ao nosso sentir. Se o recurso extraordinário tem a finalidade de assegurar a inteireza do direito constitucional, bem como sua aplicação uniforme, não poderia se esquivar de tão importante função com base em tal exigência. Para o cabimento do recurso extraordinário é importante que a decisão recorrida aprecie tema relativo à Constituição, mesmo que não indique os preceitos violados. Na jurisprudência não há, no entanto, entendimento uniforme quanto a esta orientação. Corrente minoritária manifesta-se, em sentido inverso, exigindo que o dispositivo que se julgue violado deva ser expressamente indicado na decisão recorrida. Pode ocorrer, ainda, que a decisão recorrida analise de modo equivocado a norma jurídica, dando-lhe conteúdo e alcance que não possui, violando-a, explicitamente,no entanto aplique corretamente à hipótese em julgamento norma diversa da mencionada. Quando a decisão recorrida, no caso em tela, é mantida por pelo menos um dos fundamentos, mesmo havendo recurso, a reforma da decisão em relação ao fundamento erroneamente invocado pelo julgador não mudaria o resultado do provimento. O fundamento invocado corretamente por si só é suficiente para sustentar a validade da decisão e, por isso, não deve ser admitido o recurso excepcional constitucional. Nesse sentido, a Súmula 283 do STF corretamente enuncia que “é inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”. É necessário ressaltar que é insuficiente a simples referência, pela decisão recorrida, a qualquer dispositivo legal, pois importa identificar a análise do tema recorrente da aplicação do dispositivo legal, no julgado.É o que os Tribunais entendem por demonstração explícita da violação. Sendo assim, devem as instâncias ordinárias resolver, expressamente, as questões suscitadas pelas partes, não bastando a simples menção ao artigo que se reputa violado, sendo insuficiente, também, a simples alusão aos fundamentos da sentença apelada. Segundo EDUARDO RIBEIRO DE OLIVEIRA152, “o prequestionamento entendido como a necessidade de o tema, objeto do recurso, haver sido examinado pela decisão atacada, constitui conseqüência inafastável da própria previsão constitucional, ao estabelecer os casos em que cabíveis extraordinário (...). Não há nenhum amparo legal ou constitucional, entretanto para sustentar que a admissibilidade de tais meios de impugnação se vincule a provocação da parte, antes do julgamento”. Conforme anteriormente, o prequestionamento realizado pelas partes não é imprescindível à admissibilidade do recurso extraordinário, haja vista que nem sempre é possível, materialmente, que ocorra. A Constituição Federal condiciona a admissibilidade do recurso citado à presença de questão constitucional na decisão recorrida, não fazendo referência acerca da necessidade de questionamento prévio, decorrente de atividade das partes em grau inferior, provocando o surgimento da questão perante o Tribunal a quo para que aí seja julgada. Ressaltou-se, ainda, que o prequestionamento não é apenas importante, mas imprescindível em certos casos, em que o Tribunal não poderá julgar matéria, caso não haja provocação da parte em decorrência da aplicação do princípio dispositivo. Com base nessa afirmativa, resta, pois, determinar a natureza jurídica do instituto. 152 OLIVEIRA, op. cit.,p.249. Prevalece o entendimento, na doutrina, de que o prequestionamento é um dos requisitos necessários para o cabimento dos recursos extraordinários. Nas palavras de EDUARDO RIBEIRO DE OLIVEIRA153 “não é de causar espécie haja dissenso quanto ao verdadeiro significado desse pressuposto de admissibilidade do extraordinário”. Chega-se a afirmar, dentro desta concepção, que, não havendo, na letra da Constituição, determinação no sentido da necessidade do prequestionamento, este estaria implicitamente previsto pela mesma. Há quem discorde de tal ponto de vista, por acreditar que sequer norma infraconstitucional pode criar óbices à admissibilidade do recurso extraordinário, quanto mais a jurisprudência, mesmo que solidificada em súmulas154; em segundo lugar, porque não há na Constituição Federal, expressa ou implicitamente, referência ao questionamento prévio, pelas partes, perante a instância inferior. Entendem, assim, que o prequestionamento não é uma das condições de admissibilidade do recurso extraordinário, porque não há previsão na Constituição, e ainda porque a jurisprudência não pode impor, sem previsão Constitucional tal requisito. Entendemos que apesar da omissão da Constituição a respeito, o prequestionamento se impõe, porque decorrente da natureza extraordinária do recurso extraordinário. O recurso extraordinário tende a ser peculiar em virtude das diversas circunstâncias específicas que os informam, como por exemplo, as hipóteses de cabimento de tal recurso são estipuladas na Constituição, razão pela qual não cabe de qualquer decisão, bem como não é voltado à correção de qualquer erro. Segundo entendemos abalizados na melhor doutrina, a imposição do prequestionamento como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário é decorrente de 153 OLIVEIRA, op. cit., p.245. Com a súmula vinculante a situação modificar-se-á, em prol da celeridade dos julgamentos e da uniformização jurisprudencial. . 154 tradição do direito brasileiro, tendo em vista que as primeiras Constituições que versaram sobre o tema explicitavam tal requisito. Há quem entenda em sentido contrário, que esse argumento não pode prevalecer por pelo menos duas razões. Primeiramente, porque, mesmo que se admitisse que a imposição do prequestionamento decorresse de tradição constitucional, esta não foi observada pela atual Constituição Federal – o que, de resto, sucedeu também as Constituições advindas a partir de 1946. Além disso, consoante temos afirmado no decorrer do trabalho, mesmo na vigência da Constituição de 1891 e das que se seguiram, que mencionavam a necessidade de questionamento prévio, deveria ser admitido o recurso extraordinário quando a questão federal surgisse na decisão recorrida independentemente de provocação das partes. Isso porque a questão pode surgir não somente em decorrência de controvérsia das partes sobre determinado ponto, mas também quando o próprio juiz torna determinado ponto controverso. Conclui-se, pois, que o prequestionamento, enquanto atividade realizada pela partes, é condição de admissibilidade do recurso extraordinário. O prequestionamento, conforme visto, é fenômeno que pode iniciar-se perante o órgão a quo, onde será a “causa decidida”. Pode ocorrer, todavia, que, mesmo de não tendo havido menção das partes acerca da questão constitucional, o Tribunal se manifeste a respeito (jura novit cura), aplicando a Constituição, ou, ainda, conheça de questão de ordem pública, embora de não ter havido manifestação das partes. Entendemos que a existência de questão constitucional redundará na ocorrência do prequestionamento, haja vista a verificação de “causas decididas”, para efeitos de interposição de recurso extraordinário. Há quem entenda que, nesse caso, temos somente, questão constitucional, mas não terá havido prequestionamento. Pode, ainda ocorrer, que a matéria, embora possa ser conhecida de ofício pelo magistrado, não poderá sê-lo em qualquer grau de jurisdição, pois não tendo sido questionada nas razões ou nas contra-razões de apelação, não seja, também, conhecida pelo Tribunal. Se interposto o recurso extraordinário, o mesmo não será conhecido, e dirá o Tribunal que o não conhecimento se deu pela ausência de prequestionamento. O Tribunal, na verdade, deixará de conhecer o recurso em virtude de não haver, na decisão recorrida, questão constitucional. O fundamento da exigência do prequestionamento decorre da natureza do recurso extraordinário. Embora o prequestionamento seja algo pertinente à instância ordinária, onde o tema constitucional deverá ser agitado, é requisito cuja verificação é imprescindível ao conhecimento do recurso extraordinário. A necessidade da presença de questão constitucional na decisão recorrida, que caracterizará o prequestionamento é que dá ao recurso a característica de extraordinário. O prequestionamento, de acordo com o exposto nos itens precedentes, tem por objeto a questão constitucional, para efeitos de admissibilidade do recurso extraordinário, de modo a levá-la ao conhecimento do juiz ou Tribunal, para que estes sobre ela se manifestem. Manifestando-se o juiz ou Tribunal, a respeito da questão constitucional, caberá recurso extraordinário, pois só então estarão presentes os requisitos estipulados na Constituição. Para alguns autores não se confundem, pois, o prequestionamento realizado pelas partes com a questão constitucional, pois esta, conquanto não tenha sido objeto do prequestionamento, poderá ter sido objeto da decisão de única ou última instância, o que será suficiente para a admissibilidade do recurso extraordinário. Acreditamos que a atividade das partes não encerra toda a essência do prequestionamento, posto que imprescindível para a configuração do mesmo é existência de questão constitucional. A postulação da parte, em sede ordinária, contudo, será obrigatória para que a questão constitucional possa ser objeto de julgamento. Não havendo tal postulação, não poderá o juiz a quo ou o Tribunal a quo manifestar-se acerca da questão constitucional, a não ser que se trate de matéria conhecível ex officio ou que, em virtude de lei, fique devolvida ao Tribunal ou ao juiz apesar de não haver manifestação expressa do recorrente a respeito. Nesse sentido corretamente decidiu o Supremo Tribunal Federal que “está preclusa a questão constitucional que poderia ter sido suscitada perante o Tribunal local, e não o foi para dar margem à admissibilidade do recurso extraordinário concomitantemente com a do recurso especial”. Esta sempre foi a orientação adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Por isso, apesar de tal circunstância não se ligar diretamente à admissibilidade do recurso extraordinário, deverá a parte provocar o surgimento da questão constitucional, para que haja julgamento, a respeito, apto à apresentação do recurso. Nestes termos, o prequestionamento quando realizado pelas partes deverá ser suficiente a ensejar a manifestação do Tribunal acerca da questão constitucional. Não há regra legal acerca do modo através do qual deverá se dar a questão constitucional, mesmo porque, em certos casos, a questão pode ser reconhecida pelo juiz independentemente de provocação expressa pelas partes. A questão, contudo, deverá ter sido formulada, mesmo que não se apresente o dispositivo constitucional supostamente violado. O prequestionamento pode decorrer da manifestação das partes, perante o órgão judicante para que este se manifeste sobre a questão constitucional, determinando o cabimento do recurso extraordinário em relação a tal pronunciamento. No entanto, pode ser que o prequestionamento se dê na própria decisão recorrida por atividade do magistrado, ao tornar controvertido determinado ponto, v.g. questões de ordem pública, surgindo, assim, questão constitucional viabilizadora do prequestionamento. Teremos, aí, conforme dito a existência de “causa decidida”. Para aqueles que entendem ser o prequestionamento restrito a anterior debate entre as partes, o prequestionamento deve ocorrer, necessariamente, antes da decisão recorrida, e não depois. Não é esta, contudo, nossa opinião, tendo em vista que em não havendo oportunidade processual, pois quando a questão constitucional surgir na decisão recorrida, deve ser adotada uma interpretação ampla para o conceito de prequestionamento, como forma de privilegiar o acesso à justiça. Entendemos ser essa a melhor posição, tendo em vista que a Reforma do Judiciário trouxe mecanismo, cujo fim é de verificar a relevância da questão para o conhecimento do recurso extraordinário. A Constituição Federal de 1988, no que tange ao prequestionamento, estipulou que a interposição do recurso extraordinário dar-se-ia quando existissem “causas decididas”, sendo assim a leitura que deve ser dada ao requisito deve estar em consonância com o exigido constitucionalmente. O prequestionamento, em regra, não ocorre na decisão recorrida, por ser da normal “marcha processual” que as partes controvertam sobre determinado ponto. Na decisão recorrida, sempre, deverá estar refletida a questão constitucional, apta a ensejar o cabimento do recurso extraordinário. Há aqueles que afirmam que em decorrência da aplicação do princípio dispositivo, o órgão julgador somente se pronuncia sobre as matérias prequestionadas, ou seja, aquelas levantadas pelas partes perante referido órgão, ressalvadas as situações em que a manifestação acerca da questão constitucional decorre do próprio julgamento. Não é esse nosso entendimento, posto que tal posição restringiria o postulado constitucional de cabimento do recurso extraordinário em “causas decididas”, logo em havendo decisão sobre determinado ponto, originando uma questão constitucional, satisfeito estará o requisito do prequestionamento. Por outro lado, afirmamos que após decisão recorrida, não é possível a ocorrência do prequestionamento, pois, conforme dito, é necessário que a decisão objeto do recurso extraordinário traga uma questão constitucional, ou seja, que sobre determinado ponto tenha o órgão a quo se manifestado explicitamente, conforme tem decidido o Supremo Tribunal Federal. Não é lícito ao recorrente invocar fundamento constitucional novo, que não tenha sido apreciado na decisão que se pretende reformar. As partes podem, perante instância ordinária, levantar determinada questão constitucional, prequestionando-a, portanto, caso o juiz ou Tribunal não venham conhecer da referida questão, mantendo-se omisso, entende-se nesse caso, por não existir questão constitucional na decisão recorrida, não cabe recurso extraordinário, apesar de ter havido prequestionamento, segundo a jurisprudência sumulada podem as partes lançar mão de embargos de declaração, com a finalidade de provocar o órgão prolator da decisão embargada para que este supra a omissão. Vê-se, pois que há nesse caso, efetiva omissão do órgão julgador, o qual não apreciou questão posta em debate, e para que o prequestionamento seja realizado efetivamente é imprescindível que a questão constitucional seja posta na decisão. O prequestionamento, contudo, não ocorreu em sua totalidade antes do pronunciamento da decisão, a qual foi omissa. O prequestionamento ocorrerá nos embargos de declaração interpostos com vistas de suprir uma omissão, embora não seja essa a finalidade precípua daqueles, o seu julgamento poderá vir a fazer surgir a questão constitucional, e aí sim teremos satisfeito o requisito do prequestionamento. Uma vez interposto o recurso de embargos de declaração, e, ainda assim, persistindo a omissão, caberá recurso especial por violação ao art.535 do CPC. Aponta-se, no caso, vício de atividade, cabendo a cassação da decisão recorrida. Vê-se, pois, que o prequestionamento terá ocorrido nos embargos de declaração, porquanto o vício terá surgido na própria decisão, sem relação com o conteúdo da questão constitucional ou federal prequestionada. Nas hipóteses em que o órgão prolator deve se manifestar ex officio, e não o faz, cabem, de igual modo, embargos de declaração com o fim de se provocar o suprimento de omissão. Teremos, então, o prequestionamento com os embargos de declaração, haja vista que com o julgamento explícito da questão, satisfeito estará o prequestionamento com o surgimento da questão constitucional, caso os embargos não sejam conhecidos a jurisprudência, privilegiando o direito fundamental ao acesso à justiça, entende que ocorreu prequestionamento ficto, viabilizando, desse modo, a interposição do recurso extraordinário. 4.3. PREQUESTIONAMENTO E QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA. Problema capcioso é saber como se coloca a exigência do prequestionamento em face de questões de ordem pública, que devam ser conhecidas ex officio pelo juiz. É o que se passa com a maioria das preliminares de contestação, conforme se extrai do §4.º do art.301 do CPC. Afigura-se-nos que, mesmo nesses casos, faz-se necessário o prequestionamento, para que a questão possa ser objeto de recurso extraordinário. A jurisprudência e a doutrina, todavia, se têm inclinado pelo entendimento de que mesmo matérias suscetíveis de serem conhecidas de ofício dependem de prévio prequestionamento para serem objeto de recurso extraordinário. Ou seja, é imprescindível que essas questões sejam exteriorizadas – decididas- em uma questão constitucional. Insista-se no quanto foi dito anteriormente no sentido de que o requisito do prequestionamento encontra, em última análise, sua razão de ser na própria Constituição Federal, logo até mesmo para as matérias de ordem pública será o requisito exigido. Em sentido contrário, defende MANCUSO155 que, “(...) questões de ordem pública que, por sua natureza, não precluem e são suscitáveis em qualquer tempo e grau de jurisdição, além de serem cognoscíveis de ofício, e, bem assim em tema de condições da ação e 155 MANCUSO, op. cit.,. p.216. de pressupostos – positivos e negativos – de existência de validade da relação jurídica processual (CPC, art.267, §3°), o quesito do prequestionamento pode ter-se por inexigível, até mesmo em homenagem à lógica do processo e à ordem jurídica justa”. Seguindo esse mesmo entendimento NELSON LUIZ PINTO156 afirma que, “relativamente às questões de ordem pública, que, por disposição legal, devem ser conhecidas e decretadas até mesmo ex officio em qualquer tempo e grau de jurisdição (art.267, §3.º), que são, essencialmente, os vícios positivos de existência e de validade do processo, bem como a presença de pressupostos processuais negativos, deve ser dispensado o requisito do prequesitonamento (...) Mais adiante, afirma: “As condições da ação e os pressupostos processuais devem, necessária e obrigatoriamente, ser objeto de exame ex officio por qualquer juiz ou Tribunal, antes de se adentrar o julgamento do mérito, independentemente de ter havido ou não requerimento das partes. Assim, pode-se dizer que essas matérias de ordem pública estariam, por força de lei, implicitamente prequestionadas em toda e qualquer decisão de mérito”. Com muita propriedade MEDINA157 entende que, “a possibilidade de conhecimento ex officio das matérias discriminadas nos arts.267, §3.º, e 301, §4.º, do CPC só atingiria o recurso extraordinário se existisse, na Constituição Federal dispositivo com conteúdo semelhante.” E afirma: “as matérias que, nas instâncias ordinárias, podem ser conhecidas de ofício, em virtude da aplicação das disposições processuais mencionadas, não podem ser conhecidas ex officio em sede de recurso extraordinário. E mais: não constando a matéria na decisão recorrida, mesmo que haja provocação da parte quando da interposição do recurso extraordinário, ainda assim não será possível o conhecimento da matéria pelo Tribunal ad quem”. 156 157 NELSON LUIZ PINTO. Recurso Especial para o STJ. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 182. MEDINA, op. cit.,p.220. Acreditamos que, embora, as matérias de ordem pública consoante o §4.° do art.301 devam ser conhecidas de ofício pelo magistrado, deve prevalecer, neste caso, específico do recurso extraordinário a regra do art.102, III, cuja exigência é de que se trate, para efeitos de cabimento daquele, de causas decididas. Inferimos, daí, a exigência constitucional do prequestionamento. Se a matéria não foi ventilada, ocasionando o surgimento de questão federal, não estaria satisfeito esse requisito de admissibilidade específico do recurso extraordinário. 4.4. AS SÚMULAS 282 E 356 DO STF. Antes da Lei nº9.756/98, as súmulas já desempenhavam o papel de apontar a orientação jurisprudencial adotada pelos Tribunais. A partir da EC nº 45, abriu-se a possibilidade de ser atribuída força vinculante. No que tange ao prequestionamento, temos como súmulas de maior aplicabilidade as de números 282 e 356 do STF, acreditamos que às mesmas tornar-se-ão vinculantes em virtude de sua larga aplicação nos julgados158. 4.4.1. Súmula 282 A Súmula 282 do Supremo Tribunal Federal foi editada em 16.12.1963, cujo teor: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”. 158 Nesse sentido: “Se a questão constitucional não foi suscitada oportunamente no recurso interposto perante o Tribunal de origem, são ineficazes e tardios embargos de declaração opostos para fins de prequestionamento. Incidência das Súmulas 282 e 356 desta Corte”.(RE 412633 AgR/SP rel. Min. Eros Grau); “Recurso extraordinário: descabimento: alegada violação do art.37, §6.° da Constituição – fundamento do RE – não discutida pelo acórdão recorrido, nem objeto de embargos de declaração, não admitido pela jurisprudência do Tribunal o chamado ‘prequestionamento implícito’ –Súmulas 282 e 356” (AI 518862 AgR/ RN rel. Min. Sepúlveda Pertence); AI 180996 AgR/SP rel. Min. Sepúlveda Pertence; “Ausência de prequestionamento do tema constitucional. Não oposição dos embargos de declaração. Súmulas 282 e 356 do STF”.(AI 459314 AgR/RJ rel. Min. Gilmar Mendes). A edição da referida súmula é resultado de interpretação literal do disposto no art.101, inciso II, alíneas “a” e “b”, da Constituição Federal de 1946. Referido preceito constitucional dispunha ser cabível o recurso extraordinário “quando a decisão for contrária a disposição desta Constituição ou à letra de tratado ou lei federal” (alínea “a”) e “quando se questionar sobre a validade de lei federal em face da Constituição e a decisão recorrida negar aplicação á lei impugnada” (alínea “b”). Constata-se, pois, a menção a dois momentos distintos: o questionamento, pelas partes, acerca do tema constitucional ou federal e a manifestação da decisão recorrida acerca do tema questionado. Impende ressaltar que a jurisprudência da época159, embora não descuidasse da atividade realizada pelas partes na instância local, determinava para o cabimento do recurso extraordinário a violação à norma constitucional ou federal pela decisão recorrida; tendo em vista, que a questão poderia surgir com surpresa para a partes. Muito mais acertada era essa posição, posto que uma vez existente esse elemento surpresa, mesmo assim seria cabível o recurso extraordinário. A Constituição Federal de 1988 não fez qualquer referência àquela manifestação anterior das partes, no entanto esta tem sido exigida pela jurisprudência, tendo em vista que é importante o prequestionamento realizado pelas partes, porque tem a finalidade de provocar a manifestação do Tribunal acerca da questão constitucional. Conforme havíamos afirmado anteriormente, para a admissão do recurso extraordinário não é imprescindível que as partes tenham debatido acerca da questão constitucional, pois pode haver situações em que o surgimento da questão se dê em virtude da atividade do magistrado. Para aqueles que entendem ser imprescindível a atividade realizada pelas partes perante o Tribunal local, afirmam que se as partes não tiverem prequestionado em razões 159 RE 18194, rel. Min. Luis Galotti; RE 26036, rel. Min. Edgar Costa. recursais, não se poderá exigir, em princípio, que ocorra manifestação judicial a respeito, salvo em se cuidando de matéria de ordem pública, a qual deverá ser apreciada ex officio pelo órgão jurisdicional. Embora não seja necessária a menção expressa do dispositivo constitucional violado na decisão recorrida, para fins de cabimento do recurso extraordinário; a decisão recorrida, contudo, deverá ter abordado expressamente o tema de direito constitucional, decidindo a respeito. Cumpre assinalar que não é suficiente a menção ao dispositivo constitucional que se acredita infringido na decisão recorrida, posto que é necessário que se dê a interpretação desse dispositivo e sua aplicação no julgamento em questão. Face o exposto, acreditamos que embora seja desnecessária a menção ao dispositivo constitucional, o Tribunal local deve enfrentar de forma expressa a questão, sem que para tanto seja imprescindível a postulação pelas partes. Entendemos, ainda, que o manejo dos embargos de declaração só se presta quando efetivamente existir omissão, não se prestando, contudo, se o Tribunal decidiu acerca de uma questão que não foi posta pelas partes, mas intrínseca ao processo, satisfez o requisito “causas decididas” imposto pelo art.102, III, da CF para o cabimento do recurso extraordinário. 4.4.2. Súmula 356 Conforme dito, para o cabimento do recurso extraordinário a decisão recorrida deverá apreciar, explicitamente, questão constitucional, configurando a exigência constitucional “causa decidida”. Se mesmo havendo postulação das partes, a decisão for omissa não será cabível o recurso extraordinário, por não estar sendo cumprida a exigência do art.102, III da CF. Caso seja omissa a decisão acerca da questão constitucional prequestionada, incumbe à parte interpor embargos de declaração, requerendo a integração da decisão, em conformidade com o art.535, II, do CPC. Em 16.12.1963, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 356. segundo a qual “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”. Formou-se corrente jurisprudencial, no STF, a partir da interpretação dessa súmula segundo a qual interpostos os embargos declaratórios, cabível será o recurso extraordinário, independentemente do resultado do julgamento dos embargos, é que a jurisprudência denomina de prequestionamento ficto160. A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, caso sejam opostos e o Tribual a quo se recusa a suprir a omissão, afirmando-a inexistente, não se pode exigir mais nada da parte. Sendo assim, deve-se entender estar satisfeito o requisito do prequestionamento, posto que a parte não pode ficar prejudicada, nem seu acesso à justiça ser tolhido. Deve-se ter em vista que a Constituição exige para o cabimento do recurso extraordinário, que exista questão constitucional na decisão recorrida, ou seja, em uma causa decidida deverá estar presente questão constitucional. A interposição de embargos de declaração objetiva provocar a integração da decisão, mas isso quando efetivamente há omissão. 160 “Recurso extraordinário: prequestionamento e embargos de declaração. A oposição de embargos declaratórios visando à solução de matéria antes suscitada basta ao prequestionamento, ainda quando o Tribunal a quo persista na omissão a respeito” (RE 399035 AgR rel. Min. Sepúlveda Pertence); “RE: Prequestionamento: Súmula 356. O que, a teor da súmula 356, se reputa carente de prequestionamento é o ponto que, indevidamente omitido pelo acórdão, não foi objeto de embargos de declaração; mas, opostos esses, se, não obstante, se recusa o Tribunal a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte, permitindo-se-lhe, de logo, interpor recurso extraordinário sobre a matéria dos embargos de declaração e não sobre a recusa, no julgamento deles, de manifestação sobre ela”. (RE 210.638, 1ª T., Pertence, DJ 19.6.98). Dispõe a súmula em análise que não pode ser objeto de recurso extraordinário o ponto que foi omitido pela decisão, não obstante a interposição de embargos de declaração, Não se poderá, face o exposto, admitir a interposição de recurso extraordinário com base em questão ventilada nos embargos, porém não analisada no acórdão. Há autores que entendem que a orientação jurisprudencial admitindo a interposição do recurso extraordinário contra o acórdão, sem atentar para o resultado do julgamento dos embargos contraria não só a Constituição Federal, como, também, a própria Súmula do Supremo Tribunal Federal. Prossegue o dileto autor, afirmando que restam violados dois dispositivos constitucionais: o art.5°, inc. LV e o art.93, inc. IX, pois decisão que viole tais dispositivos constitucionais em virtude de ser omissa incorre em error in procedendo, devendo ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal, a fim de que outra seja proferida em seu lugar. Em que pese referida técnica empregada, entendemos que tal posição não se harmoniza com a regra do art.5°, inc. LXXIII (a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação), pois determinar a anulação do acórdão omisso para que se profira outro, que se preste à interposição do recurso extraordinário é alongar uma trajetória processual que poderia ser abreviada. E ainda se o STF que é o maior interessado em fazer valer a regra da Súmula 356, admite essa possibilidade de julgamento do recurso extraordinário, mesmo restando omisso o acórdão dos embargos, é porque privilegiou um bem maior no processo que é o direito do litigante em ver julgada a matéria posta. Não pode a parte ser prejudicada pela omissão do Judiciário, se fez de tudo para provocar o surgimento da questão constitucional, como bem alerta JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI161 “é de suma relevância que o processo civil disponha de mecanismos aptos a realizar a função institucional que lhe toca, qual seja a de assegurar ao jurisdicionado que tenha razão praticamente tudo aquilo que, porventura, tenha direito de receber”. 4.5. SÍNTESE DAS DIVERSAS QUESTÕES ANTERIORMENTE POSTAS ACERCA DO PREQUESTIONAMENTO Conforme visto qualquer fenômeno que se relacione com questão constitucional a doutrina e a jurisprudência têm compreendido como prequestionamento. Examinamos nos itens precedentes os principais aspectos desse fenômeno, convém, nesta oportunidade, revisarsinteticamente- as bases de cada uma delas, a fim de que seja traçada uma melhor compreensão. Vejamos, então, tais aspectos. No curso do processo, deve a questão constitucional ter sido posta, o mais precocemente possível. Se posta em primeiro grau de jurisdição, deverá sobre ela o juiz decidir. Naturalmente, nesse momento a questão se mostra, ainda de forma rudimentar, porque em regra as partes não vislumbram a necessidade de levar a causa à Suprema Corte. Os fundamentos jurídicos argüidos pelas partes devem ser apreciados pela sentença, a fim de serem identificados pelo Tribunal local, havendo elementos que devem ser levantados ainda em primeiro grau. A parte deverá apelar contra os fundamentos da decisão, ademais o juiz – nem os advogados – é obrigado a conhecer todas as leis que informam nosso ordenamento jurídico. Deve-se diligenciar para que todos os fundamentos jurídicos tenham sido 161 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo. São Paulo: RT, 1997. p64. apreciados pela decisão, para que possam ser argüidos, perante o Tribunal local, nas razões ou contra-razões de recurso. Apesar de superada a idéia de que o artigo da Constituição deva ser indicado de modo expresso, é de todo conveniente que se faça notar, com o máximo de exatidão possível, os lindes da questão constitucional. O acontecimento e sua relação com a norma jurídica, ou a interpretação mesma da norma, devem ser colocados de modo preciso, devendo ficar claro que ali se encontra um elemento fundamental para a resolução da lide. Fica mais fácil a identificação da questão constitucional, quando se está diante de uma regra jurídica expressa, que se encontra escrita em algum diploma legal, não se aplicando tal afirmação em se tratando de princípios jurídicos. Neste ponto, é necessário demonstrar que o princípio em questão tem, efetivamente, tal natureza, e que sua violação importa em violação do próprio sistema constitucional. O Tribunal local, de todo modo, deve dispor todos os elementos jurídicos, com base nos quais a lide há de ser resolvida, a não ser que esteja diante de objeções (processuais ou materiais), que, por sua natureza, devem ser apreciadas ex officio pelo órgão jurisdicional, em boa parte dos casos se estará diante de matérias que dependem, para seu conhecimento, de provocação das partes. O Tribunal terá de resolver a quaestio iuris sido suscitada pelas partes, à semelhança do que já deverá ter feito o juiz. Convém anotar, entretanto, que a atividade a ser realizada pelos juízes que compõem o Tribunal nem sempre corresponde, qualitativamente, àquela realizada pelo juiz que proferiu a sentença, em primeira instância. Quando o processo que é submetido à apreciação do órgão recursal, em princípio, já sofreu o embate dos argumentos das partes e a apreciação de um juiz. Almeja-se de um processo que esteja em fase semelhante, que se encontrem bem definidas aquelas questões jurídicas fundamentais, das quais se podem extrair, com exatidão, as regulações jurídicas que haverão de incidir no caso, daquelas outras que, embora incidam reflexamente, não contribuem, substancialmente, para a resolução da lide. A questão constitucional deverá ser resolvida à luz das normas invocadas ou de outras, que talvez incidam com mais propriedade no caso, isso porque nem sempre a norma jurídica trazida pelas partes, assim como nem sempre o juiz que proferiu a sentença terão utilizado a regra jurídica mais apropriada. Porém, quando os fatos estão bem descritos, não gerando dúvidas, cabe ao órgão recursal ordinário aplicar-lhe o direito de forma a solucionar a questão de modo juridicamente adequado, mesmo que este seja distinto daquele que até o momento alimentava a controvérsia. Para a configuração do requisito, não basta a simples indicação do dispositivo legal, posto que o que importa é que o tema seja enfrentado à luz da norma ou complexo de normas que incidem no caso. Enfim, o tema jurídico deve poder ser identificado com facilidade. Levantada uma questão, pode ser que a mesma não seja apreciada pelo Tribunal local, sendo assim, sobre esse ponto controvertido sobre o qual não houve decisão, impõe-se, então, o manejo dos embargos de declaração, a fim de se proporcionar a adequada integração da decisão recorrida. Percebam que houve omissão judicial apta a ensejar a oposição dos embargos declaratórios, caso a questão tivesse surgido no acórdão do Tribunal local, sem a possibilidade da interposição de outro recurso que não seja o extraordinário, conforme dito, entendemos não ser cabível os embargos de declaração, posto que não houve omissão no julgamento, e muito menos, obscuridade ou contradição, aptas a legitimarem a oposição dos embargos. A questão voltará à baila, na petição de interposição do recurso extraordinário, como questão principal do recurso, ao contrário do que havia ocorrendo no decorrer do processo, quando a mesma era apenas realçada como um argumento. Como já fora observado, o recurso extraordinário volta-se basicamente à resolução da interpretação da questão jurídica, que se mostra controvertida. Incumbirá ao recorrente indicar, explicitamente, a questão que deve ser resolvida pelo Tribunal, não se admitindo indicação genérica do preceito normativo supostamente violado. Deve, ainda, o recorrente demonstrar, à luz da norma constitucional que estipula as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário, que a questão jurídica foi apreciada pela decisão recorrida. Ratifica-se, como se disse, que a quaestio iuris deve constar na decisão recorrida, a teor do que impõe dispositivo constitucional que regula a matéria. Em decisão recente a Min. ELLEN GRACIE do STF, como relatora do agravo de instrumento n° 375011162, admitiu a possibilidade de conhecimento do recurso extraordinário, sem que fosse imprescindível a configuração do prequestionamento. Ou seja, estamos diante de decisão em que dada a ausência de prequestionamento dos dispositivos constitucionais tidos por violados, a Corte não se recusou a prosseguir no julgamento. Admitiu a Relatora que o Supremo Tribunal Federal, em recentes julgamentos, vem dando mostrar de que o papel do recurso extraordinário na jurisdição constitucional está em processo de redefinição, de modo a conferir maior efetividade às decisões. Ainda nos referindo àquela decisão, manifestou-se a Corte no sentido de haver uma flexibilização no conceito de prequestionamento, nos processos cujo tema de fundo foi definido pela composição plenária da Suprema Corte, objetivando assim impedir a adoção de soluções diferentes em relação à colegiada. Vê-se, pois, que o STF em sua missão de guardar a 162 Foi tratado, nessa lide, o caso de inúmeros servidores do Município de Porto Alegre, sendo que alguns saíram vitoriosos, a despeito da inconstitucionalidade das leis municipais nas quais se basearam sua pretensão. Isso porque estaríamos diante de uma situação anti-isonômica, em que entre dois funcionários que trabalhem lado a lado e exerçam iguais atribuições, existe diferença de vencimento, pelo fato de um deles restar vencedor na demanda, em virtude de falta de prequestionamento da matéria constitucional suscitada no RE da municipalidade, enquanto que ao outro, em cujo processo estava atendido tal requisito de admissibilidade do apelo extremo, aplicou- se orientação do Supremo Tribunal Federal e rejeitou-se sua pretensão. inteireza da Constituição, deixa de seguir até mesmo o esculpido na Carta Magna, com relação ao recurso extraordinário, pois afasta a necessidade de que prequestionamento seja invocado, em se tratando de causa decidida, mais vale a orientação do que já fora adotado para a matéria no âmbito daquela. Admitir um recurso extraordinário, em situações como a descrita, mesmo quando ausente o prequestionamento é visar acabar com as distorções e uniformizar o entendimento 163 quanto aquela determina matéria. Temos, aí, flagrante aplicação do prequestionamento em conformidade com o tão almejado acesso à justiça, onde foram dispensadas as formalidades impeditivas de se chegar ao mesmo. Afinal, uma das vertentes mais expressivas das preocupações processualistas contemporâneos, conforme KAZUO WATANABE164 “ é a da efetividade do processo como instrumento da tutela de direitos”. 4.6. PREQUESTIONAMENTO “PREQUESTIONAMENTO FICTO” E IMPLÍCITO EMBARGOS E DE EXPLÍCITO. DECLARAÇÃO “PREQUESTIONADORES”. A análise doutrinária e jurisprudencial do prequestionamento nos revela uma classificação que o divide em ficto, implícito e explícito. A expressão prequestionamento implícito foi extraída da jurisprudência do STF165 para designar a presunção de que, para decidir 163 CRUZ E TUCCI, op. cit., p.122, afirma que há uma preocupação generalizada e universal coma constante falta de resultado do processo judicial, fator esse que propicia uma verdadeira crise de legitimidade e que, por isso, culmina repercutindo na esfera dos direitos fundamentais, Nesse cãs, temos o acesso á justiça como direito fundamental do indivíduo. 164 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2000. p.19. 165 “Recurso extraordinário: descabimento:alegada violação do art.37, §6.°, da Constituição – fundamento do RE – não discutida pelo acórdão recorrido, nem objeto de embargos de declaração, não admitido pela jurisprudência do Tribunal o chamado ‘prequestionamento implícito’ (AI 180996 AgR/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence); “Recurso extraordinário: descabimento: dispositivos constitucionais tidos por violados não discutidos pelo acórdão recorrido, ao qual não foram opostos embargos de declaração, não admitido pela jurisprudência do Tribunal o chamado “prequestionamento implícito” (AI 349125 AgR/MG, rel. Min. Sepúlveda Pertence); “Prequestionamento implícito. Inadmissibilidade. Diz-se prequestionada a matéria quando a decisão impugnada haja emitido juízo explícito a desta ou daquela maneira, o acórdão recorrido, embora omisso quanto à sua fundamentação, adotou de modo implícito esta ou aquela interpretação da Constituição. Embora, exija-se que a fundamentação deva ser explícita, entendemos que essa análise implícita não caracterize omissão, posto que foi apenas uma forma do juiz fundamentar sua decisão. No entanto, rendemo-nos ao lecionado pela jurisprudência, quanto à necessidade de fundamentação explicitando a questão constitucional, haja vista que a Constituição foi clara ao exigir para o recurso extraordinários que se tratem de causas decididas, e, para uma melhor identificação daquela faz-se imperioso uma fundamentação explícita. Há uma preocupação em torno do prequestionamento implícito, o qual ocorre quando a questão jurídica discutida em 1° grau e na sentença, mas descuidada no acórdão, que implicitamente a recusou. Deve a questão ser reavivada por embargos de declaração ao quais, segundo PESTANA DE AGUIAR 166 “sendo desatendidos pelo colegiado competente, poderá o acórdão respectivo ser atacado por recurso especial ou extraordinário. Nessa circunstância, poderá ser o recurso provido, com nulificação do acórdão para a Turma ou Câmara do Tribunal de origem reapreciar os embargos, no que diz respeito ao prequestionamento implícito desprezado”. O que importa, ao nosso ver, é que a questão constitucional emerja da decisão recorrida, ainda que implicitamente. Nesse tocante, devem ser desprezados os exageros de indicação expressa do artigo de lei, como medida apta a aperfeiçoar o prequestionamento, é oportuno, ainda, ressaltar a ausência de necessidade de oposição dos embargos declaratórios, para tornar explícito aquilo de que de modo implícito, está contido no acórdão recorrido. respeito do tema, inclusive mencionando o dispositivo constitucional previamente suscitado nas razões do recurso submetido à sua apreciação” (RE 412633 AgR/ SP, rel. Min. Eros Grau). 166 PESTANA DE AGUIAR, op. cit.., p.50. Foram afastados os formalismos, admitindo o prequestionamento implícito, com a dispensa da indicação expressa do artigo de lei violado e dispensando, ainda, a necessidade de interposição de embargos declaratórios para tornar explícito o que, de modo implícito, está contido no acórdão recorrido. Como atestar que se trata de prequestionamento implícito? Diante da incerteza quanto à sua configuração deve o advogado interpor embargos de declaração. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, foi no sentido de que “o prequestionamento implícito consiste na apreciação, pelo tribunal de origem, das questões jurídicas que envolvam a lei tida por vulnerada, sem mencioná-la expressamente”. E, é justamente nestes termos, que o Superior Tribunal de Justiça tem admitido o prequestionamento implícito. Para LUÍS FERNANDO LODI167 em relação ao prequestionamento implícito não deve existir “restrição quanto à matéria para aceitação do mesmo, sempre, obviamente, obedecendo ao caso concreto; desde que a matéria exista nos autos e tenha sido abordada no decisum, ainda que não tenha servido de fundamentação para o mesmo, estará a matéria prequestionada, não dependendo da interposição de embargos declaratórios”. Para fins e efeitos de recurso extraordinário, podemos distinguir os embargos de declaração em duas espécies168: a) aqueles que apenas se propõe a esclarecer dúvidas, obscuridades e contradições, conforme o art.535 do CPC, dos julgados, e; b) os que se destinam a abordar, de maneira clara, questões constitucionais que o acórdão do Tribunal local não decidiu, para fins de cabimento do recurso extraordinário169. 167 LODI, Luís Fernando Balieiro. Dos Embargos Declaratórios Prequestionadores in Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de acordo com a Lei 9.756/98 coord. Teresa Arruda Alvim Wambier e Nelson Ney Jr. pág.450 168 Nesse sentido: MONTEIRO, Samuel. Recurso Extraordinário e Argüição de Relevância. São Paulo: Hemus, 1987, pág.45. 169 Segundo Eduardo Ribeiro de Oliveira in Prequestionamento, pág.251, nesse segundo caso não há desvio das finalidades próprias dos embargos de declaração. É pertinente a observação de ATHOS GUSMÃO CARNEIRO170, ao esclarecer que no tocante à interposição de embargos de declaração, cujo objetivo seja prequestionar a questão, “é atualmente tranqüilo que para tanto os embargos só se prestam se, antes de proferido o acórdão embargado, o recorrente já suscitara a questão constitucional, e a respeito manteve-se todavia omisso o aresto”; logo os embargos não se prestam, portanto, para suscitá-la originalmente, inovando a matéria. Nos embargos de declaração prequestionadores, o embargante dirá, expressamente, na petição de interposição destes embargos, que a finalidade daquele é de prequestionar todas as questões federais (no caso do Recurso Especial) e constitucionais (para efeitos de interposição de Recurso Extraordinário). Esclareça-se, todavia, que não é essa a finalidade precípua daqueles, a jurisprudência foi que confirmou a utilização dos embargos declaratórios prequestionadores através de decisões reiteradas nesse sentido, e, posteriormente, com a edição de súmulas. Ainda que a questão constitucional tenha sido convenientemente prequestionada na apelação, de modo claro e direto, e o acórdão do tribunal local não tenha abordado a questão prequestionada, ocorre a não ventilação dessa questão omitida. Nesse caso, o oferecimento dos embargos declaratórios é obrigatório, a fim de que seja suprida a omissão do tribunal local, além do que estarão sendo cumpridas as exigências das Súmulas 282 e 356 do STF.171 Caso a parte não oponha os embargos de declaração, a matéria ficará preclusa, tornando-se inviável o RE, assinalava SAMUEL MONTEIRO172, quando da égide da Constituição anterior que “ainda que a argüição de relevância seja acolhida ou o Ministro-Relator 170 CARNEIRO, op. cit.,. p.37. MONTEIRO, op. cit. p.49. 172 IDEM, p.50. 171 do STF dê provimento ao agravo de despacho denegatório do RE, ou ainda, dê provimento ao agravo regimental , para a subida desse RE. Ele não poderá ser sequer conhecido (...)” Conforme EDUARDO RIBEIRO DE OLIVEIRA173 caso os embargos não tenham sido “requeridos para suprir falta de manifestação das partes, mas para levar o tribunal a suprir omissão, evidentemente desnecessária sua apresentação se o tema foi versado no julgado, ainda que a propósito nenhum pronunciamento tenha havido”. É pacífico no STF que não são cabíveis embargos de declaração para suscitar questões que não foram previamente levantadas, exatamente porque nesse caso não há omissão a ser sanada. Ou seja, somente devem os embargos de declaração versar sobre questões já suscitadas, mas não apreciadas174. Tem entendido o STJ ser imprescindível que os embargos de declaração sejam acolhidos na Corte de origem, a fim de que seja “sanada a possível omissão constante do v. acórdão embargado”. Assim sendo, no caso do órgão julgador “persistir na omissão, rejeitando os embargos, deve a parte veicular no recurso especial a ofensa às regras pertinentes e não insistir na violação aos preceitos legais relativos ao mérito da causa, sem que sobre eles haja o tribunal a quo emitido juízo explícito” (STJ, 1ª Turma, rel. Min. César Rocha, REsp. nº 58.775, DJU de 17.04.1995; 1ª Turma, REsp. n° 100.095, DJU de 19.05.1997, p.20.574). Já , no STF, colhemos outra orientação, a qual se atém aos termos, a contrario sensu, da Súmula 356. Assim, no recente julgamento do RE 219.934, de que foi relator o Min. Octavio Gallotti, recurso este afetado ao plenário da Corte, o tribunal, por maioria (vencido o Min. Marco Aurélio, que adotava a orientação dominante no STJ) considerou prequestionada matéria constitucional pela só interposição dos embargos declaratórios, rejeitados pelo tribunal de 173 174 OLIVEIRA, op. cit., p.255. AGRAG – 265938/RJ, AGRAG-288688/SP, AGRRE- 264966/DF. origem, “como decorre, a contrario sensu, do verbete 356 da Súmula do STF – ‘o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”. Vencido o Min. Marco Aurélio, que adotava a orientação dominante no STJ. Conclui-se, pois, que atualmente temos dois sistemas quanto aos embargos de declaração opostos a acórdão alegadamente omisso: o do Supremo Tribunal Federal, expresso na Súmula 356, e o do Superior Tribunal de Justiça, revelado na Súmula 211. De acordo com o primeiro, considera-se não prequestionada a questão sobre a qual não foram opostos embargos declaratórios; se, todavia, tais embargos foram manifestados, e ainda que o tribunal de segundo grau se recuse a suprir a omissão (v.g., por considerá-la inexistente), como objeto de (virtual) prequestionamento. É o chamado prequesdtionamento ficto. Já o Superior Tribunal de Justiça fixou posição através da Súmula 211175. O Min. Eduardo Ribeiro176 justifica tal diretriz: se irrelevante o resultado dos embargos de declaração, se os mesmos são interpostos para ‘simplesmente cumprir um ritual’, se considerado admissível que o ponto omisso continue não sendo enfrentado pelo tribunal de origem, “por que ter-se como inarredável o pedido de declaração”? Nos últimos tempos o que se tem verificado é a proliferação dos embargos aclaratórios ditos prequestionadores, com diminuto risco da cominação da multa. Presenciamos, face o exposto, o estímulo aos litigantes para a apresentação, quando menos por prudência, de embargos declaratórios (freqüentemente desnecessários), com manifesto aumento do trabalho nos tribunais de segundo grau. 175 “Súmula 211. Inadmissível o recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo”. 176 OLIVEIRA, op. cit., p.30. Para SAMUEL MONTEIRO177, “a tentativa da parte omissa de prequestionar as questões de direito federal, as ofensas à Constituição Federal, somente nos embargos declaratórios, equivale a tentar “ressuscitar” o que já está morto”, entende, nesse caso, que a omissão, salvo prova escrita em contrário, gera culpa grave do advogado, com a conseqüente obrigação de indenizar. Data máxima vênia, não foi esse o quadro que se caracterizou ao longo dos anos, dada às imprecisões quanto ao conceito de prequestionamento conforme expusemos, e da impossibilidade da parte ser prejudicada em virtude das discussões doutrinárias e jurisprudenciais. O que nos propusemos a fazer neste capítulo foi estudar o prequestionamento, segundo a necessidade do recurso extraordinário fazer valer o acesso à justiça, através de julgamentos de qualidade, que não afrontem a possibilidade e capacidade humanas. De que adiante termos elencado, na Constituição Federal, essa espécie recursal se, nem ao menos, terem os advogados noção de como o requisito do prequestionamento se aperfeiçoa. Mas, também de que adianta um recurso cujo caráter é excepcional ser interposto sem que seja observada tal característica, e ao invés de mantê-la, aquele se torna ordinário, posto que todos dele se utilizam, sem nem ao menos atentar para a relevância da causa? A essas questões entendemos que uma leitura do prequestionamento, segundo a ótica do acesso à justiça, tende a fornecer as respostas. Um conceito de prequestionamento nos termos do que proposto pela Constituição, porém, segundo, principalmente, ao direito fundamental que todo cidadão tem de acessar à justiça. No capítulo a seguir, tratamos de outro requisito específico de admissibilidade do recurso extraordinário, o qual combinado com o prequestionamento proporcionará às partes, aos advogados e, ainda, à comunidade jurídica em geral a utilização do recurso extraordinário consoante o postulado do acesso à justiça, assegurando, ademais, aos litigantes uma duração 177 MONTEIRO, op. cit.,p.52. razoável do processo; pois, conforme será visto, busca-se a relevância da causa para que seja viabilizado o recurso extraordinário, caso assim o seja, a próxima etapa será a de verificar se estamos diante de causas decididas, sendo assim se o requisito do prequestionamento está satisfeito. 5. A BUSCA DO CRITÉRIO RELEVANTE PARA A SATISFAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA NO STF: REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL NA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. A preocupação dos estudiosos e dos aplicadores do direito com a outorga de uma tutela jurisdicional ágil e eficiente não é recente, pois mais do que prezar pela obediência às formas e ao procedimento, busca-se uma solução célere para o litígio existente. Diversas são as causas que congestionam os tribunais, que vão desde o aumento da procura pelos serviços prestados pelo Poder Judiciário, até a irresignação exacerbada pelo Poder Público178 em suas várias esferas. Neste estudo, enfatizamos o congestionamento do STF, situação que vem se prolongando embora o constituinte tivesse imaginado na criação do STJ uma solução, em virtude dos inúmeros recursos extraordinários que são interpostos. Em 1986, a ao escrever sobre a situação em que se encontrava o Supremo Tribunal Federal, em vista do número exacerbado de processos, CARLOS EDUARDO LENZ179 apontou a relevância da questão federal como “a única solução satisfatória para a crise que atinge STF”. Ressalta o dileto autor, que “muitas são as críticas imputadas à adoção do critério discricionário como forma de resolver a crise do Supremo, das quais são as mais freqüentes: que as decisões da Corte sobre o acolhimento ou não da relevância não sejam motivadas e a grande margem de subjetivismo da fórmula discricionária”. 178 Remetemos o leitor à leitura da obra O Poder Público em Juízo de Cássio Scarpinella Bueno, onde são traçadas linhas gerais acerca da (in) efetividade do processo e o Poder Público. 179 LENZ, Carlos Eduardo Thompson. A Relevância da Questão Federal e a Crise do STF. Revista dos Tribunais ano 75: Setembro, 1986. p.31. Contrapondo-se à referida opinião, ALCIDES DE MENDONÇA LIMA180 relembra que o expediente foi tão acremente censurado, “por sua falta de índole democrática”, que acabou desaparecendo na Constituição Federal de 1988. E complementa, “é incrível como a medida vigorou por quase vinte anos, sem ninguém saber, a rigor, seu conceito e precisar quando era cabível, ou não”. O fato é que, embora a Constituição de 1988 tenha imaginado, no STJ, a solução do problema quantitativo que assolava o STF, presenciamos, no decorrer de quase duas décadas, a questão se agravar, sem que se pudesse contar com mecanismo – não nos esquecendo do prequestionamento, é claro- hábil a filtrar a subida dos recursos extraordinários, a fim de preservar a real índole da Corte. Visando resolver esse e tantos outros problemas que rondam o Judiciário, no dia 8 de dezembro de 2004, foi promulgada a EC nº 45 – Reforma do Poder Judiciário -. Entre as várias alterações no Texto Constitucional, será objeto de estudo, nesta sede, o §3.º do art.102 da CF, que trata da repercussão geral das questões constitucionais, para fins de cabimento do recurso extraordinário. Entendemos tratar-se de instituto análogo à argüição de relevância, o qual sofreu modificações para melhor se adaptar à realidade do Estado Democrático de Direito. Convém, no entanto, ressaltar que para uma melhor compreensão faz-se imperioso um estudo aprofundado e comparativo entre ambos, a fim de ratificarmos nossa posição. Nos termos do §3.° que a Emenda acrescentou ao art.102 da Constituição, “o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso”. Ou seja, precisará demonstrar que o tema discutido tem uma relevância que transcende aquele caso concreto, revestindo-se de interesse geral, que segundo TERESA WAMBIER181 é “semelhante ao que já ocorria no passado, quando vigorava no sistema processual brasileiro, o 180 LIMA, Alcides de Mendonça. Argüição de Relevância da Questão Federal. Revista de Processo, ano 15. p.118. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil. 3 ed. São Paulo: RT, 2005. p.97. 181 insituto da argüição de relevância”. E complementa: “entendemos ser bastante elogiável a reintrodução de sistemática semelhante à da antiga argüição de relevância, em vigor até antes da CF de 1988”. 5.1. CONCEITO No direito norte-americano, a principal via de acesso do litigante à Suprema Corte é a petition for certiorari182, ou seja, trata-se de requerimento pela qual se pleiteia que a Corte reexamine causa julgada por tribunal inferior. Conforme BARBOSA MOREIRA183, “somente a ‘federal question’ é objeto da cognição da Corte”, limitando sensivelmente o âmbito de sua atuação, podendo-se afirmar que, essencialmente, a Suprema Corte norte-americana é uma corte constitucional. Considerando que a apreciação do certiorari é completamente discricionária, incumbe àquela avaliar a importância do assunto apresentado para que assim se proceda ao julgamento, segundo anota WENDY COLLINS184, dentre 5.000 casos apresentados à Suprema Corte, nesta situação, apenas 200 foram analisados no mérito185. No direito estrangeiro tem sido adotado tal espécie de “filtro” como, por exemplo, no novo Código de Processo Civil japonês. Na essência, este novo sistema – repercussão geral -é 182 Anota PERDUE, Wendy Collins. Civil Procedure – Cases, Materials, and Questions. p.856 Second Edition que, tradicionalmente, a Suprema Corte norte-americana se utiliza de dois mecanismos “appeal and certiorari”. Teoricamenre a diferença entre ambas “is that appellate jurisdiction, where applicable, is available as a matter of right, wherea s certiorari review is entirely discretionary. In practice, however, the Court treats appellate jurisdiction as if it were discretionary. In 1988, Congress abolished virtually all of appellate jurisdiction of the Court”. 183 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Suprema Corte Norte-Americana: Um modelo para o mundo? in Temas de Direito Processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004.p.242. 184 COLLINS, op. cit., p.856 Second Edition.. 185 Para Wendy Collins “Parties seek Supreme Court review in over 5,000 cases each year. The Supreme Court declines to review most of these and reaches the merits in fewer than 200 cases a year. In deciding which cases to accept for review, the Court relies on the unwritten "Rule of Four", under which certiorari is granted upon the vote of four justices. In deciding whether to grant certiorari, error below is one factor. The Court also considers the importance of the issue presented, whether there is a split among the circuits on the issue, and whether the issue of interest to the Court is squarely presented by the case or is entangled in factual states law disputes”. similar ao do certiorari na Suprema Corte dos Estados Unidos. No direito argentino, com a alteração do art.280 do Código Processual Civil e Comercial da Nação, resultou igualmente acolhido o sistema, com o nome iuris de ‘gravedad institucional’186. Conforme dito existia um instituto, no regime constitucional pátrio anterior, que permitia a seleção de demandas nas quais se debatiam assuntos relevantes, de modo que o STF somente analisava, em sede de recurso extraordinário, as matérias que pela sua natureza, pelas partes envolvidas ou pela sua repercussão, justificassem o apelo extremo. Para alguns autores187, era preciso a adoção de expediente análogo à argüição de relevância, o que somente poderá ser implementado por emenda constitucional, já que a a lei ordinária não pode estabelecer restrições ao cabimento do RE e do REsp. Tal entendimento foi adotado substancialmente pela EC nº45 de 2004 que inseriu no contexto jurídico pátrio a reprecussão geral das questões constitucionais, com os mesmo fins do antigo instituto. Modernamente, defende-se a conveniência de que os tribunais supremos tenham poderes discricionários para selecionar os casos ou os problemas jurídicos de que devem se ocupar, admitindo-se que cuidem, somente, dos que apresentem especial importância, como se dá, por excelência, com a questão jurídica que ‘na sua referência ao caso concreto seja susceptível de generalização a uma multiplicidade indeterminada de casos e da qual se deva esperar um contributo para a unidade e o progresso do direito’. Na realidade, o interesse de justa decisão do caso concreto, ‘não jusitificaria só por si, a abertura de uma terceira instância’. E o Tribunal Supremo eventualmente funciona como essa terceira instância, limitadamente às questões de direito. Porém, ao mesmo tempo, o Tribunal 186 Nesse sentido Luiz Manoel Gomes Junior, A Repercussão Geral da Questão Constitucional no Recurso Extraordinário.Revista de Processo 119.p.98. 187 Nesse sentido Nelson Nery Jr., Teoria Geral dos Recursos, pág.98. São Paulo: RT, 2004. Supremo cumpre, além dessa, uma função específica, embora dela seja, no fundo, incindível: assegura a unidade do direito, orientando a jurisprudência no seu conjunto para tornar o direito mais claro e moderno: torna-se, pois, o ‘intérprete das novas necessidades e dos novos problemas da prática jurídica’; conjugando ‘a estabilidade com a continuidade’, assimilando ‘novos critérios jurídicos’ e ‘reconstituindo com eles a unidade jurídica’. Cumpre afirmar que o novo instituto jurídico-constitucional repercussão geral não é um “recurso”, tendo em vista que não se concebe sua existência de forma autônoma, além do que a sua finalidade não é obter per se a reforma da decisão impugnada, mas sim a admissão do recurso extraordinário, havendo uma vinculação indissociável entre ambos, de modo que somente será determinada irresignação tida como dotada de repercussão geral se analisado o seu objeto – razões recursais -, em função dos motivos em que se procura demonstrar a repercussão das matérias debatidas na causa. MANOEL GOMES JR.188 entende que o instituto da repercussão é um pressuposto recursal específico, ou seja, “determinado recurso extraordinário somente poderá ser analisado em seu mérito se a matéria nele contida apresentar o que se deva entender como dotada de repercussão geral”. Se ausente a repercussão geral, fica impossibilitada qualquer incursão no mérito do recurso. No passado, a argüição de relevância permitiu ao Supremo a definição das causas excluídas da incidência do recurso extraordinário, levando em conta sua natureza, espécie ou valor, sem qualquer limitação expressa. A dose de arbítrio, por conseguinte, foi excessiva, pois se considerarmos que o Supremo será o único juiz de seus próprios critérios, nenhum outro Poder existindo capaz de apreciá-los ou revê-los, exceto emenda constitucional. 188 JUNIOR, Luiz Manoel Gomes. A Argüição de Relevância – a Repercussão das Questões Constitucionais e Federais, pág.27. Rio de Janeiro: Forense, 2001. A revigoração de tal expediente foi introduzida na Reforma do Poder Judiciário, através do art. 102 da CF/88 passará a vigorar com o seguinte §3°. “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-la pela manifestação de dois terços de seus membros.” É inquestionável que a opção adotada na EC nº45 de 2004 foi a reutilização da arguição de relevância, no entanto observando determinados procedimentos, consubstanciados na existência de um Estado Democrático de Direito, para dar a necessária legitimação ao instituto. Para MANOEL GOMES JR.189 embora o termo indicado no texto constitucional tenha sido o de “repercussão geral”, “na verdade, não afasta a utilidade de se manter a antiga denominação do instituto, mesmo porque os efeitos e os objetivos são os mesmos”. Decidir determinada questão é relevante implica, obrigatoriamente, a consideração de toda uma problemática de valores, ou seja, a indagação dos pressupostos axiológicos e teleológicos que diretamente a informaram e que fincam suas raízes em todo o complexo sócioeconômico vigente. Para grande parte da doutrina o interesse público presente na demanda é que levaria ao entendimento de que a questão é relevante, torna-se imprescindível que a solução adotada vá além dos limites do processo em que proferido projetando-se na vida social. Acentua ARRUDA ALVIM 190 que “a relevância é um sistema de filtro que permite afastar o âmbito dos trabalhos do Tribunal a causas que não têm efetivamente maior importância e cujo pronunciamento do Tribunal é injustificável”. 189 GOMES JUNIOR, op. cit, p. 29. ALVIM NETTO, José Manuel de Arruda Alvim. A argüição de relevância no recurso extraordinário. São Paulo: RT, 1988. p.40. 190 A verdade é que não será a arguição de relevância utilizada nos mesmos moldes que no passado, posto que a decisão deverá ser fundamentada a teor do artigo 93, inciso IX, da CF/88. Não se estará mais diante de uma decisão discricionária e sem fundamentação do Judiciário, ademais lei regulará a repercussão, dando-lhe cunho mais democrático. Conclui-se, se tratar a repercussão de um sistema de filtro 191, idêntico, sob o ponto de vista substancial, ao sistema da relevância, que faz com que ao STF cheguem, exclusivamente, questões cuja importância transcenda à daquela causa em que o recurso foi interposto. 5.2. NATUREZA JURÍDICA DA ARGÜIÇÃO/REPERCUSSÃO GERAL DAS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS Parte da doutrina192 conceitua o instituto como uma excludente de admissibilidade do recurso, ou seja, o mesmo somente pode ser admitido se presente a relevância. Daí falar-se em pressuposto prévio de admissibilidade. Em voto, já se manifestou nesse sentido o Min. EVANDRO LINS E SILVA193, para quem “a relevância é uma pré-condição ou pré-requisito do recurso. Pode haver negativa de vigência da lei ou de decisão divergente de interpretação do próprio STF e a causa não ser considerada relevante, a ponto de exigir a correção extraordinária”. Adverte LÚCIA HELENA FERREIRA FONTOURA194 que a arguição “não é recurso em si mesma195, nem admite interposição em separado: integra o recurso extraordinário, dele é parte e somente como tal pode ser deduzida”. 191 Nesse mesmo sentido Teresa Wambier. Cf. CORRÊA, Ana Maria. O Recurso Extraordinário e a Argüição de Relevância da Questão Federal. p.199. Revista de Informação Legislativa nº75, 1982. 193 RT 485/11. 194 FONTOURA, Lúcia Helena Ferreira Palmeiro. Juízo de Admissibilidade e Argüição de Relevância da Questão na Emenda Regimental n.° 2/85 do STF,. Revista Ajuris Ano XIII. Porto Alegre, 1986.p.76. 192 Entendemos ser mais acertada a posição de J.J. CALMON DE PASSOS196 ao classificá-la como um requisito de admissibilidade, tendo em vista que o objetivo do instituto é permitir (ou não) a admissibilidade do recurso extraordinário. Esclarece, no entanto, SAMUEL MONTEIRO197 “a finalidade da argüição de relevância não era a de influir no julgamento do recurso extraordinário, seja para não conhece-lo, ou para lhe dar provimento, mas permitir que o argüente visse subir o seu apelo extremo e julgado por uma das Turmas do STF”. Ao tecer colocações sobre o instituto no seu regime anterior, NELSON NERY JR.198, entendeu que à primeira vista era possível enquadrar a argüição de relevância como um recurso, porém sua existência não se dava de forma autônoma, tendo em vista que para sua utilização era necessário que o recurso extraordinário tivesse sido interposto, logo nas palavras do mestre, poderia ser considerada como “pressuposto especialíssimo para o cabimento do recurso”, ou seja, era um pressuposto prévio, pois deveria ser examinado antes de qualquer outro requisito de admissibilidade, genérico ou específico, do recurso extraordinário. Não concordamos com a posição do prof. Nelson Nery Junior no ponto em que afirma que a arguição deve ser analisada em primeiro lugar, porque em se tratando de requisito de admissibilidade deve ser analisada junto com os demais, não possuindo primazia, trata-se, no entanto, de requisito de admissibilidade específico, porque próprio ao recurso extraordinário. Para MANOEL GOMES JR.199 “até mesmo por uma questão de economia processual e necessidade de agilizar os procedimentos recursais, que aqueles pressupostos objetivos devam ser 195 Nesse mesmo sentido José Adriano Marrey afirmou que arguição de relevância da questão federal não constitui um recurso em si e nem mesmo fundamento autônomo para o recurso, mas uma exceção ou ressalva às hipóteses em que o mesmo for incabível. 196 PASSOS, J.J. Calmon de. Da Argüição de Relevância no Recurso Extraordinário. Revista Forense 259/12. p.13. 197 MONTEIRO, Samuel. Recurso Extraordinário e Argüição de Relevância (Com a emenda regimental nº02/85),. São Paulo: Hemus, 1987.p.149. 198 NÉRY JR., op. cit., p. 100. 199 GOMES JR. op. cit.,p.31. sempre analisados em primeiro lugar”, em especial, a tempestividade, seguida da legitmidade recursal do recorrente, do interesse e da adequação. SÉRGIO BERMUDES200 afirma que não se trata a argüição de recurso como um “procedimento recursal específico” e que estaria “destacado” do então recurso extraordinário. Não nos parece possível a argüição ser julgada sem uma leitura do próprio recurso interposto, pois uma coisa está interligada a outra. A questão será relevante com a verificação do que é tratado e do que se almeja com a apresentação da irresignação apresentada no recurso extraordinário. Entendemos que, atualmente, seja a argüição de relevância/repercussão geral das questões constitucionais um requisito de admissibilidade específico, ou seja, sua ausência impede a análise do mérito, mas não que seja o primeiro que deva ser analisado. Parece-nos que a tempestividade seja sempre o primeiro requisito objeto de verificação, posto que o mais simples de atestar, o que prestigia a celeridade processual, evitando a perda de tempo que uma análise de argüição ou mesmo adequação levaria. O fato é que, pela redação da EC n°45/04, cabe ao STF mediante a manifestação de dois terços dos seus membros apreciar a existência ou não de repercussão geral, cumpre ressaltar que a análise dos demais requisitos genéricos de admissibildade, como é o caso da tempestividade, serão analisados, num primeiro momento, pelo órgão a quo, o qual não tem competência para se manifestar acerca da existência ou não daquele requisito específico. 5.3. NATUREZA DA DECISÃO 200 BERMUDES, Sérgio. Da Argüição de Relevância no Recurso Extraordinário, p.38, Rio de Janeiro: Forense, 1976. Importante verificar no estudo da argüição de relevância/repercussão geral qual a natureza da decisão que analisa tal instituto. Sob o regime anterior201, alguns defendiam que o acolhimento, ou não, da argüição de relevância teria uma conotação política: “julgamento em tese da relevância ou não da questão federal é antes um ato político do que, propriamente ato de prestação jurisdicional e isso porque não se decide o caso concreto, mas apenas se verifica a existência ou não de um interesse que não é do recorrente(...)”. Tratar-se-ia de um interesse superior ao do recorrente, por ser o interesse de se possibilitar ao Tribunal Supremo do País a manifestação sobre a questão jurídica que é objeto daquele caso concreto, mas que transcende a ele, pela importância jurídica, social, econômica ou política da questão mesma em julgamento, abstraídos os interesses concretos das partes litigantes. É, inclusive, em virtude desse caráter político proveniente do julgamento em tese que se explica e se justifica a circunstância de se admitir que a arguição de relevância fosse acolhida ainda quando a maioria do tribunal se manifeste pela sua rejeição, e desde que essa maioria se forme com o mínimo de 4 votos e 11 possíveis. Nesse mesmo sentido o Min. SYDNEY SANCHES202 afirmou que “o julgamento de relevância de uma questão federal não é atividade jurisdicional, é ato político no sentido mais nobre do termo”, sendo assim, visto por esse ângulo, ato político que é viabiliza critérios de conveniência. Envolve a instituição da argüição de relevância a outorga de um poder político ao Tribunal que apreciará as causas marcadas por importância social, econômica, institucional ou jurídica. 201 Quando, então, denominava-se argüição de relevância. SANCHES, Sydney. Argüição de Relevância da Questão Federal, p.259. São Paulo: Revista dos Tribunais Ano 77, vol.627. 202 Conforme dito, dado o cunho democrático que se conferiu à repercussão geral, bem como a necessidade de expressa fundamentação dos atos decisórios (artigo 93, IX, da CF/88), não se pode ter a decisão como um ato político e sim eminentemente jurisdicional, é inconcebível que a decisão acerca de a questão ter ou não repercussão geral se dê em sessão secreta, como ocorria com a argüição de relevância. Anteriormente, como se tratava de ato de natureza legislativa, dispensava-se a fundamentação da decisão e a publicidade da mesma. Eram os Ministros que estabeleciam as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário no regimento interno do STF, haja vista que dentre os incisos do art.325, havia o XI que dispunha que o recurso extraordinário seria cabível “em todos os demais feitos, quando reconhecida a relevância da questão federal". Segundo TERESA WAMBIER203, “tal era a indisposição que esta sessão secreta causava, que a comunidade jurídica, operadores e estudiosos do direito, ao invés de enxergarem na argüição de relevância uma saída, viam nela uma restrição”. Devem constar do próprio recurso extraordinário os argumentos que devem levar o tribunal a entender que a questão possui repercussão geral, a análise dar-se-á quando do juízo de admissibilidade, em sessão pública. Se o relator entender que o recurso não deve ser admitido, pois ausente repercussão geral, tal decisão competirá ao Pleno, devendo votar nesse sentido dois terços de seus membros para que a decisão seja de inadmissibilidade. 5.4. O CONCEITO DE RELEVÂNCIA Como demonstrar que o tema é relevante? 203 WAMBIER, op. cit.,p..104. Segundo o dicionário AURÉLIO204, considera-se relevante aquilo “grande valor, conveniência ou interesse; importante”. Há aqueles que entendem205 que o critério do que é relevante estava regimentalmente delineado no Regimento Interno do STF, no art.325, incisos I a X, no entanto, temos em mente que argüir a relevância de uma questão federal perante o Supremo Tribunal Federal significa submeter a um juízo prévio de admissibilidade seu valor, sua conveniência ou interesse, sua importância206. O §1.º do art.327 do RISTF/80, na redação da ER n.2/85, dispunha: “Entende-se relevante a questão federal que, pelos seus reflexos na ordem jurídica, e considerando os aspectos morais, econômicos, políticos ou sociais da causa, exigir a apreciação do recurso extraordinário pelo Tribunal. Para SAMUEL MONTEIRO207 a questão federal é considerada relevante, pois nela se destacam os aspectos jurídico e moral, subsumidos num atentado à ordem jurídica vigente, “dado ao nítido caráter de subversão do regime jurídico, com reflexos que extrapolam o simples abuso de autoridade e de poder (...)”. Sobressai, ainda, quando da análise da relevância, sua consideração sob o ângulo do interesse público que reveste a causa, capaz de assegurar soluções adequadas das questões de interesse nacional. Ou seja, num contexto genérico, a causa será relevante quando traz, em si mesma, um interesse público ou encerra uma garantia fundamental do cidadão208. Entende-se que 204 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o Dicionário da Língua Portuguesa, pág.1737. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 205 Nesse sentido escreveu Arruda Alvim ainda sob a égide da Carta Constituicional anterior. 206 Essa discricionariedade quanto à aferição da relevância desaparece com a promulgação da EC n° 45 de 2004 instituidora da repercussão geral das questões constitucionais, pois lei regulamentará o instituto, não podendo ser rejeitada, caso não se obtenha dois terços dos votos do Pleno. 207 MONTEIRO, op. cit.,p.153. 208 Nesse sentido Evandro Lins e Silva, RT 485/11. essa relevância será apreciada, sobretudo do ponto de vista do interesse público209. Nessa mesma linha, DORESTE BAPTISTA210 leciona que “quando o interesse no seu desate seja maior fora da causa do que, propriamente, dentro dela”, e lembra que “o conceito de importância está relacionado com a importância das questões para o público, em contraste com sua importância para as partes interessadas”. Entendemos mais adequado o conceito é o de JOSÉ ADRIANO MARREY NETO211, para quem questão federal relevante é aquela “(...) cujo reflexo não se faça sentir estritamente dentro do âmbito do processo em que está sendo debatida”. De acordo com esse entendimento será relevante, v.g., a matéria de direito cuja decisão puder apresentar repercussões sociais, ou, então, aquela que envolva discussão de norma de ordem pública. Para MANOEL GOMES JR.212, será relevante a questão, “(...) quando o resultado do julgamento possa ter consequências além das partes litigantes, seja pela possibilidade daquele entendimento ser aplicado em outros litígios, (...)” ou, “seja pela necessidade do Tribunal uniformizar determinada exegese (...)”. A existência da argüição de relevância, no regime anterior, tinha precipuamente o objetivo de evitar o julgamento de causas “menores”, fazia-se, então, a crítica de que a relevância se limita às questões menores, não se estendendo às causas consideradas de maior vulto ou de elevado valor patrimonial, pois para estas, há uma presunção de importância, permitindo-se o seu exame e julgamento pelo STF com o só preenchimento dos pressupostos do recurso extraordinário. 209 Esta é a posição de Raul Armando Mendes, ao afirmar ser relavante a questão federal todas as vezes que a tese da controvérsia transcender o interesse de qualquer das partes para, então, situar-se no âmbito do interesse público. 210 BAPTISTA, N. Doreste. Da Argüição de Relevância no Recurso Extraordinário, Pág. 84, Rio de Janeiro: Forense, 1976. 211 NETO, José Adriano Marrey. Recurso Extraordinário – Argüição de relevância da questão federal, pág:24, Revista dos Tribunais, vol.604. 212 GOMES JUNIOR, op. cit., p.38. No regime democrático atual, onde a igualdade jurídica, real e não apenas formal, deve ser privilegiada, não se admite a adoção de tal tipo de critério, especialmente pelo seu caráter relativo e subjetivo, tendo em vista que o conteúdo econômico de certa demanda varia de pessoa para pessoas, pois um bem que não possua alto valor para um, pode ser todo o patrimônio de outro. Embora existam dificuldades quando da ratificação do que seja “relevante”, não é por bem dizermos que a inovação deve ser tida como inconstitucional, ou mesmo concebê-la como forma de negar-se o acesso à justiça, pois não se pode esqueçer que antes de ser apresentada qualquer tipo de irresignação em sede de Recurso Extraordinário, o litigante já teve a sua postulação, analisada em primeira e segunda instâncias, em regra onde é certo que a tutela jurisdicional que lhe foi prestada. Como bem aponta a doutrina213 a argüição de relevância indica um modo pensar tópico, através do qual se viabiliza a percepção mais completa de todas as possíveis hipóteses que se constituam, e se possam constituir em questões ou causas federais relevantes. Porém, a regra flexível em que se preveja o que é relevante, exige, a avaliação do caso concreto. Segundo tal aspecto, é proporcionada a recepção de uma gama intensa de casos que venham a surgir, que sejam intrinsecamente relevantes, mas cuja configuração específica o legislador não concebeu, a nível de texto explícito. Dada a dificuldade em se estabelecer os limites para o que se entenda por relevante CARLOS EDUARDO LENZ214, alerta-nos que não há uma definição rigorosa, absoluta, do que vem a se constituir a relevância da questão federal, e complementa 213 214 Nesse sentido Arruda Alvim LENZ, op. cit., p.31. “essencialmente, a relevância da questão federal é apurada da sua repercussão no interesse público, em contraposição ao interesse exclusivamente privado das partes”. Conclui TERESA WAMBIER215 que “no sistema anterior havia como que uma relevância pressuposta nas causas em que se verificava a ofensa ao direito objetivo, ou seja, só pelo fato de ter havido ofensa ao direito em tese, a questão seria relevante. Hoje, no que diz respeito à ofensa à CF, é necessário um plus: não é qualquer questão que se considera como tendo repercussão geral, só pela circunstância de ter sido ofendido o texto, mas a questão deve gerar repercussão em si mesma”. 5.5. OS REFLEXOS GERAIS DE NATUREZA ECONÔMICA, POLÍTICA, SOCIAL E JURÍDICA Quais são os reflexos gerais de natureza econômica, política, social e jurídica no contexto da adoção de medidas cujo critério seja o da “relevância”? Quais os parâmetros que podem ser utilizados pela Corte para se chegar a uma questão relevante? Anota SYDNEY SANCHES216, na égide da Constituição anterior, encontrou a Corte um meio-termo, a fim de que as decisões fossem fundamentadas segundo os acolhimentos das argüições de relevância, o que se deu mediante verbetes217. Através destes, era possível ter a exata dimensão dos reflexos que referidas decisões surtiam na economia, política, sociedade e na seara jurídica. 215 WAMBIER, op. cit., p.98. SANCHES, op. cit. p.262. 217 Apenas exemplificativamente, cabe citar alguns desses verbetes: N. 1: Critério de reajustamento de prestação de mutuário do SFH. Relevância econômico-social; N. 2: Honorários de defensor dativo de réu pobre em processo crime. Relevância jurídica; N. 10: Necessidade de vistoria em quebra de peso de carga em transporte marítimo. Relevância econômica; N. 16: Competência adminsitrativa para fiscalização de poluição ambiental. Relevância jurídico-social e N. 24: Salário mínimo como fator de reajuste de benefício da previdência privada. Relevância sóciojurídica 216 Determina o §3.º do art.102 da CF que a causa em julgamento tenha uma repercussão geral da questão constitucional, ou seja, reflexos que transcendam ao normal ou à rotina,possuindo importância econômica, política, social ou mesmo jurídica. Surge um primeiro aspecto salutar, qual seja a repercussão geral somente apenas ser exigida em sede de recurso extraordinário, jamais no recurso especial218. Conforme dito considera-se relevante a causa cujo reflexo não se faça sentir estritamente dentro do âmbito do processo em que está sendo debatida. Consiste, por exemplo, na matéria de direito cuja decisão puder apresentar repercussões sociais, ou, então, aquela que envolva discussão de norma de ordem pública, ou, ainda, aquela atinente à interpretação e aplicação de dispositivos básicos de nosso direito. Aponta MANOEL GOMES JUNIOR219 que se dará repercussão em determinada causa/questão quando os reflexos da decisão a ser prolatada não se limitarem tão somente aos litigantes mas, também, a toda uma coletividade. “Não necessariamente a toda coletividade (país), mas de uma forma não individual”. É possível sistematicamente apontar alguns exemplos220: a) Reflexos econômicos: a decisão possui potencial de criar um precedente outorgando um direito que pode ser reivindicado por um universo considerável de pessoas, como é o caso, v.g. de alteração nos critérios para considerar a correção monetária dos salários de determinada categoria. Vê-se que, embora não tenha abrangido toda uma coletividade universal, abrangeu determinada categoria. 218 Ao tecer comentários acerca da introdução de mecanismo aferidor de relevância para a admissibilidade de recursos, MANOEL GOMES afirmava – antes da promulgação da EC n°45 de 2004 – que deveria ser tal mecanismo concebido tanto para o recurso extraordinário, quanto para o especial, no entanto não foi essa a tese que prevaleceu. 219 RePro pág.99. 220 V. Manoel Gomes Junior in RePro pág. 100. b) Na hipótese da presença de relevante interesse social, o qual se vincula ao conceito de interesse público em seu sentido lato, ligado a uma noção de “bem comum”. É o caso, por exemplo, do aumento das mensalidades escolares, bem como questões vinculadas ao Programa do Crédito Educativo. c) Reflexos Políticos: quando a decisão alterar a política econômica ou alguma diretriz governamental de qualquer das esferas de Governo (Municipal, Estadual ou Federal); d) Reflexos sociais: incidem quando a decisão vir a alterar a situação fática de várias pessoas. A regra é que sempre, nas ações coletivas, em princípio, haverá repercussão geral a justificar o acesso ao STF, considerando a amplitude da decisão, claro, se a questão possuir natureza constitucional. e) Reflexos jurídicos: Considera-se relevante a matéria deduzida no recurso extraordinário todas as vezes que for contrária ao que já decidido pelo STF, ou estiver em desacordo com a jurisprudência dominante ou sumulada. Se o papel do STF é uniformizar a interpretação da Constituição, decisões contrárias ao seu entendimento não podem ser alteradas. Embora, com a adoção da súmula vinculante tal situação tende a ser solucionada por esta outra via, sem que seja necessário interpor recurso extraordinário para aquele fim. BARBOSA MOREIRA221 enumera, com base na experiência do direito alemão e austríaco, algumas situações nas quais a relevância estaria caracterizada: a) Quando a questão for capaz de influir concretamente, de forma generalizada, numa grande quantidade de casos, à guisa de exemplo temos as questões relacionadas a tributos federais. 221 MOREIRA, José Carlos.Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999.p.547. b) Se a decisão tiver a finalidade de conferir unidade e aperfeiçoamento ao direito, temos aqui hipótese de delimitação da incidência de dispositivo que regule o direito aos recursos, ou mesmo discussão sobre os limites constitucionais das tutelas de urgência. c) Quando a decisão tenha imediata importância jurídica ou econômica para número mais amplo de pessoas ou para mais extenso território da vida pública. Um caso recente foi a possibilidade de alteração do índice dos contratos de leasing pactuados em dólar norteamericano. d) Decisão cuja conseqüência seja intervenção do legislador com o fito de corrigir o ordenamento jurídico positivo ou de lhe suprir lacunas. A correta compreensão quanto à legitimidade de políticas públicas em determinadas situações onde haja um grande número de feitos, bastando citar a questão da correção monetária das contas do FGTS. 5.6. ASPECTOS PROCESSUAIS QUANTO À TRAMITAÇÃO No regime anterior a argüição de relevância era argüida na própria petição do recurso Extraordinário, em capítulo final, separado, destacando-se todos os pontos considerados relevantes pelo argüente e comprovando a relevância. Estava, ainda, sujeita a preparo, como qualquer recurso, na forma processual vigente, perante o Tribunal local onde ela é oferecida, devendo o argüente pagar as custas, despesas com cópias para formação do instrumento e portes de remessa ao STF e retorno, no prazo determinado no despacho que manda processá-la. A falta de preparo acarretava a sua deserção, cabendo, porém, agravo de instrumento para o STF. Como ficou a repercussão geral das questões constitucionais, terá os mesmos aspectos processuais da argüição de relevância? Cumpre ressaltar primeiramente que o processamento da repercussão geral deverá ser regulamentado em sede de legislação ordinária, no entanto alguns parâmetros já podem ser apontados, ainda que a título de especulação. Em primeiro lugar, a decisão no sentido de acolher, ou não, a alegação de repercussão geral deverá ser em sessão pública, restando vedado o julgamento secreto, tal como ocorria no regime anterior da argüição de relevância e tão duramente criticado, dada a falta de índole democrática conforme dito. Chegou ser afirmado que o sigilo das decisões do conselho na apreciação das argüições de relevância não deve ser absoluto, porque os atos judiciais, na sua complexidade, envolvem faculdades irrestritas, ou seja deviam ser observada além da publicidade, a consulta das partes aos autos e o pedido de certidões, por seus advogados, atos que podem invadir a esfera, mesmo discricionária, dos tribunais, porque têm por base direitos públicos subjetivos e de caráter político, matéria constitucional dogmática. A repercussão geral deverá ser apresentada em capítulo destacado no recurso extraordinário, nunca em peça autônoma (salvo determinação legal em sentido contrário), sob pena de caracterizar-se a preclusão consumativa quanto às demais alegações realizadas posteriormente – razões recursais propriamente ditas -, com o não-conhecimento do recurso. Não apresentado qualquer argumento no sentido de demonstrar a repercussão geral, é o caso de nãoconhecimento do recurso. Deve haver motivação expressa, inclusive em decorrência da regra do art.93, IX, da CF/88. Origina-se a obrigatoriedade da motivação de duas razões básicas: uma de ordem técnica e a outra de ordem política. A primeira baseia-se no fato de que, visando a conhecer o conteúdo preciso de certa decisão, deve a mesma ser motivada. A ausência do motivo não impossibilita saber porque houve a escolha de um ou de outro argumento, inviabilizando eventual discordância ou recurso da parte. Quanto à ordem política, cumpre observar que face à caracterização do Estado de Direito pela garantia de seus cidadãos com a sujeição dos Poderes ao comando da lei, não há como a mesma ser ignorada, sendo que a obrigatoriedade da motivação é imperativo constitucional (art.93, IX, da CF/1988).222 Consoante PIERO CALAMANDREI223 “a fundamentação das sentenças é certamente uma grande garantia de justiça, quando consegue reproduzir exatamente, (...), o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à conclusão”. O recurso extraordinário apenas poderá ser inadmitido, se dois terços dos membros do tribunal considerarem que a questão não tem relevância geral. Logo, a manifestação negando a existência de repercussão geral precisará provir do Plenário do STF, que reúne todos os seus membros. O relator isoladamente ou mesmo a Turma não poderão negar conhecimento ao recurso por esse fundamento224. Quando lhes parecer faltar a relevância geral, terão de remeter a questão ao Plenário. Quanto à possibilidade de sustentação oral, inexiste obstáculo fático para a mesma, até porque o procurador da parte irá analisar não apenas a presença ou não, da repercussão geral, mas de igual forma de toda a matéria debatida, pois mencionado requisito nada mais é que parte de um único instituto que é o recurso extraordinário. Da igual sorte que inexiste uma sustentação oral para os pressupostos e requisitos recursais e outra para o mérito, não há obstáculo de natureza fática – não se podendo ignorar que 222 Nesse sentido TERESA WAMBIER assinala que a justificativa para que a decisão acerca da argüição de relevância fosse proferida em sessão secreta e desprovida de fundamentação era a de que não se tratava de ato jurisdicional, mas de ato cuja natureza era legislativa. 223 CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. (Tradução: Eduardo Brandão) São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.175. 224 V. Teresa Wambier, ob. cit. Pág.98. tal direito encontra-se positivado (art.7º, IX, da Lei 8.906/1994 – Estatuto dos Advogados) – a impedir exercício de tal faculdade (sustentação oral). No que se refere à aplicação do art.557 do CPC, para rejeitar ou acolher a alegação de repercussão geral, não entendemos ser viável face a dois motivos: a) decisão por expressa determinação legal somente pode ser prolatada em sessão pública; e b) há o direito à sustentação oral. A doutrina225 critica essa opção constitucional, que ao procurar diminuir os julgamentos, acabou criando uma barreira burocrática. Se o art. 557 do CPC autorizava o julgamento do mérito do recurso – inclusive em recurso extraordinário – por que não um pressuposto recursal ser julgado com fundamento em tal dispositivo. Está se diante de uma verdadeira contradição, pela qual o relator pode julgar o mérito do recurso, provendo-o ou não, mas não poderá, monocraticamente, decidir se está presente o pressuposto da repercussão geral. No passado sempre foi um critério seguro a verificação dos casos nos quais o STF considerou relevantes visando obter certa previsibilidade. Quando observados os requisitos próprios de interposição de recurso extraordinário, poder-se-á, com fulcro no mesmo critério de similitude, invocar precedente de argüição de relevância, já acolhida, para se estabelecer a comparação das hipóteses, com vistas à demonstração, tanto mais especialmente quando se manifeste a possibilidade conducente a se concluir até mesmo pela ‘própria identidade’. Embora exista essa possibilidade, não se pode esqueçer da necessidade de, nessa invocação, buscar-se, através de argumentos, evidenciar uma identidade de razão jurídica, também em nível de relevância. Com toda certeza tal tarefa ficará mais facilitada quando preexistirem diversos precedentes, atribuindo ser aquela questão ou causa relevante. 225 Nesse sentido MANOEL GOMES JUNIOR, RePro, pág.107. Surge, assim, nova indagação: estaria impedida a sustentação oral. Pode-se afirmar que tal direito pode ser assegurado em sede de eventual agravo regimental contra a decisão do relator (art.557, §1º, do CPC), ou na hipótese de a parte, expressamente, requerer tal direito antes da decisão, alegando que irá apresentar fatos ou argumentos novos de modo a justificar o acolhimento de sua alegação e modificar o entendimento até então adotado pelo tribunal. Temos ainda de outro lado, a proibição de a análise quanto à presença de repercussão geral não ser objeto de decisão pelo presidente do tribunal a quo quando do juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, pois, conforme dito, a questão deve ser decidida em sessão pública, não há como ser efetivada quando da prolação da decisão que admite, ou não, o recurso extraordinário. Incumbe ao presidente do tribunal a quo verificar a presença de todos os pressupostos e requisitos para a admissibilidade do recurso extraordinário, no entanto não poderá adentrar em sede de repercussão geral. Há aqueles que consideram tal sistemática insustentável, sob o ponto de vista que se a parte não aceitasse a decisão, seria possível a utilização do recurso respectivo (agravo de instrumento). O presidente do tribunal a quo poderá analisar se presente a violação à Constituição, mas não se a questão repercute de forma geral. Convém colacionar a advertência de JOSÉ ADRIANO MARREY NETO226 “a questão federal não prequestionada tal como intuitivo, não serve de suporte para a argüição de relevância, do mesmo modo que a existência de fundamento outro, suficiente e inatacado, para a decisão recorrida tornará inócua a discussão da tese enfocada, mantida a decisão recorrida, que também não ensejará o recurso extraordinário se tiver dado interpretação razoável à questão federal em debate, ainda que não a melhor”. 226 MARREY NETO, op. cit., p.26. E quando a norma o §3.º do art.102 da CF/1988 deve ser aplicado? Nos acórdãos prolatados antes da entrada em vigor da alteração legislativa pode-se exigir tal pressuposto? Entendemos que o requisito da repercussão somente pode ser exigido após a regulamentação do instituto através de lei ordinária e para os acórdãos publicados posteriormente, sob pena de violação a um direito adquirido processual. Por fim, não custa relembrar que a inovação só será exigível depois de sua regulamentação por lei infranconstitucional, e, conseqüentemente, com sua entrada em vigor, determinando as condições e circunstâncias em que o requisito examinado deverá incidir. Surge questão importantíssima a ser resolvida no plano da efetividade do processo e do acesso à justiça de qualidade, que consiste em saber se tendo o Pleno do STF decidido no sentido de uma determinada questão não possuir repercussão geral, poderá o recurso não ser conhecido em julgamento efetivado pelas turmas, e não pelo Pleno? Ou seja, àquelas decisões proferidas pelo Pleno do STF é possível que seja atribuída força vinculante? Acreditamos, ainda, ser positiva a resposta, como forma de privilegiar o acesso à justiça e à efetividade do processo, já que a finalidade do instituto em análise é preservar a função de Corte Constitucional, não reduzindo o STF a 3ª ou 4ª instância. Lastreados no entendimento da doutrina, acreditamos que em havendo jurisprudência firme do Pleno no sentido de que dada questão não tem repercussão geral, conforme TERESA WAMBIER227 “recursos extraordinários que veiculem questões jurídicas idênticas poderão ser rejeitados por uma das turmas do STF ou até pelo próprio relator do recurso (...)”. Há quem entenda de modo contrário, como é o caso do 227 WAMBIER, op. cit., p.105. eminente prof. LÊNIO STRECK228, para quem “trocar a democracia e a independência dos juízes pelo desafogo dos processos é um preço exageradamente alto a ser pago por todos nós.” Embora muitas dúvidas venham a surgir quanto à aplicação do instituto, é certo que tal mudança veio em boa hora, em face da situação em que se encontra o Supremo Tribunal Federal, viu-se que a quantidade de recursos extraordinários interpostos, à espera de julgamento, retiram daquela Corte a possibilidade de exercer com presteza sua função de Corte Constitucional. O paralelo feito entre a argüição de relevância e a repercussão geral da questão constitucional, teve por fim demonstrar as melhorias que o constituinte fez ao instituto, não apenas mudando sua nomenclatura, mas modificando determinados aspectos que não estavam em consonância com o Estado Democrático de Direito. Imprescindível que para o STF sejam reservadas aquelas matérias, cujo interesse justifique o julgamento, daí a necessidade da lei ordinária – aludida no §3.° do art.102 – fornecer os parâmetros tanto para os Ministros como para a comunidade jurídica em geral, a fim de que a publicidade e a transparência pautem a aplicação desse novo instituto, que, primordialmente, atenderá não somente aos ditames do acesso à justiça e da efetividade do processo, mas, também, ao disposto no inciso LXXVIII do art.5º, que assegura aos litigantes o direito fundamental da razoável duração processo, assim como os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Em suma, entendemos que a introdução da repercussão geral das questões constitucionais a qual influenciará no cabimento do recurso extraordinário, deu-se observando os moldes do que fora proposto por NÉLSON NÉRY JR.229 quando afirmou que restrições ao 228 STRECK, Lênio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. pág.275 229 NÉRY JR. Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5 ed. Pág.169. São Paulo: RT, 1999. p.169. cabimento do recurso extraordinário só poderiam ser estabalecidas por emenda constitucional, “a exemplo do que ocorria no sistema constitucional revogado com o expediente de relevância da questão federal”. Embora, nosso objetivo tenha sido traçar um paralelo entre a repercussão e a argüição, é oportuno afirmarmos que não se trata de repristinação do instituto, entendemos que o legislador partiu de um lugar comum, ou seja, valeu-se do expediente anterior (argüição), configurando esse novo instituto sem as deficiências do anterior. Considerações Finais No Brasil, o recurso extraordinário, cuja origem é norte-americana, surgiu com o Decreto nº848, de 24.10.1890, tendo como base o writ of error do direito norte-americano nos termos da seção 25 do Judiciary Act de 1789. A Constituição decretada pelo Governo Provisório, que não chegou a viger, estipulava, no art.58, §1.º, sob a inspiração do Judiciary Act, hipóteses em que caberia para o Supremo Tribunal Federal recurso contra as decisões de última instância das Justiças estaduais. No mesmo sentido dispôs o Dec. nº848, de 24.10.1890, que organizou a Justiça Federal, no seu art. 9°, parágrafo único. O remédio foi acolhido, depois, no art.59, §1.º, da Constituição de 1891, não se previa, ainda, nessa Constituição a hipótese de interposição do recurso – que até então não recebera a denominação extraordinário – em virtude de divergência jurisprudencial. A denominação “recurso extraordinário”, no entanto, somente se lhe aplicou no primeiro Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, passando à Lei nº221, de 20.11.1894, art.24, ao Dec. nº 3.084, de 5.11.1898, Parte III, arts.678, letra d, e 774, e a outros diplomas. Com e reforma constitucional de 1926, ampliaram-se as hipóteses de cabimento; uma das inovações, fadada a perdurar por muitos anos, foi a concessão do recurso com divergência de interpretação da mesma lei federal por dois ou mais tribunais locais (art.60, §1.°, letra c), caso em que ele poderia “ser também interposto por qualquer dos tribunais referidos ou pelo Procurador-Geral da República”. Tinha-se, destarte, um recurso extraordinário ex officio, com caráter facultativo. Em vistas de debelar a crise que se instalava no Supremo, em virtude da quantidade de recursos extraordinários, cogitaram-se tentativas de superação da crise, as quais podemos assinalar os óbices regimentais, argüição de relevância da questão federal no recurso extraordinário e o acréscimo do número de Ministros. Nenhuma destas tentativas surtiu o efeito esperado. Então, em 1988, o Superior Tribunal de Justiça foi criado. O recurso extraordinário foi bipartido, ficando as matérias infralegais afetas ao novo tribunal superior, enquanto que as questões constitucionais permaneceriam sob a guarda do Supremo Tribunal Federal. Após mais de uma década da criação daquele tribunal, permanece a situação de instabilidade no Supremo Tribunal Federal com relação ao número de recursos extraordinários interpostos, frente à massa humana disponível para julgamento. Coube ao constituinte, novamente, buscar instrumentos para desacelerar a quantidade daqueles recursos, a solução encontrada foi a repercussão geral das questões constitucionais, inserida pela emenda constitucional n°45 de 2004. Merecendo, pois, oportunamente, destaque os aspectos procedimentais e constitucionais desse recurso, para que se possa entender a razão de serem colocados obstáculos a seu julgamento, sem que seja violado o direito fundamental de acesso à justiça. Para que seja cabível o recurso extraordinário é imprescindível o esgotamento prévio das instâncias ordinárias, tendo em vista que a Constituição da República de 1988 determina que se trate de “causa decidida”. Ademais, não se presta o recurso extraordinário à correção da injustiça do julgado recorrido, e, em sede recurso extraordinário é proibido o reexame de matéria fática. Conforme dito, com a emenda constitucional n°45 de 2004, a repercussão geral das questões constitucionais foi acrescentada como condição para o cabimento do recurso extraordinário. Atenção especial foi dada na presente pesquisa a dois requisitos de admissibilidade impostos para o cabimento do recurso extraordinário, quais sejam, o prequestionamento e a repercussão geral das questões constitucionais. Embora o primeiro não esteja explicitamente consignado no texto constitucional, a jurisprudência tem ratificado sua exigência, na estrita observância das súmulas 282 e 356 do STF. Quanto à sua exigência, apesar de existirem vozes contrárias a esse respeito, a dúvida maior em relação ao requisito é acerca do seu conceito. Há, na jurisprudência, diversas concepções acerca do que se deve entender por prequestionamento. Três são os entendimentos: a) presquestionamento considerado como manifestação explícita do Tribunal recorrido sobre determinado tema; b) prequestionamento entendido como debate anterior à decisão recorrida, logo pode ser considerado como ônus atribuído à parte; c) a junção das duas correntes citadas, ou seja, prequestionamento como prévio debate acerca do tema de direito constitucional, seguido de manifestação expressa do Tribunal a respeito. Em decorrência do explicitado constitucionalmente, e, a fim de que seu conceito esteja em consonância com o acesso à justiça, o prequestionamento deve ser considerado como manifestação explícita do Tribunal, não sendo imprescindível o debate entre as partes em momento anterior à decisão recorrida, nem a menção ao dispositivo violado, pois o que deve constar na decisão recorrida – realizado um julgamento explícito – é a questão constitucional. Para a caracterização da questão constitucional, o debate entre as partes não representa condição de sua viabilidade, pois determinado ponto poderá ensejar uma questão constitucional quando posto em destaque na decisão pelo magistrado. Convém, ainda, ressalvar que em se tratando de questões de ordem pública, estas não poderão ser conhecidas de ofício em sede de recurso extraordinário, em virtude da ausência de prequestionamento, ou, mais propriamente, em razão de não haver questão constitucional àquele respeito. Há casos, entretanto, reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal em que foi dispensada a exigência, em virtude da redefinição pela qual está passando o recurso extraordinário na jurisdição constitucional brasileira, que deverá sempre privilegiar o acesso à justiça e a efetividade do processo, dotando o processo de meios suficientes para abreviar, com cautela, seu tempo de duração, tornando-o menos dispendioso. Mais do que a dispensa, temos uma verdadeira flexibilização do conceito de prequestionamento, visando a sociedade e a justiça. Em virtude dos novos tempos acerca do prequestionamento, não prospera a utilização dos embargos declaratórios prequestionadores, sem que tenha realmente havido omissão por parte do órgão julgador quando instado a se manifestar sobre determinado ponto. É sabido que as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração estão designadas no Código de Processo Civil exaustivamente, logo a jurisprudência não poderia acrescentar outras hipóteses, posto que é indispensável o crivo do legislador. Se a questão constitucional é decorrente de atividade do magistrado, sem a anterior provocação das partes, não serve os embargos declaratórios prequestionadores como meio idôneo para provocar o surgimento do prequestionamento, porque em verdade o mesmo já ocorreu devido à presença, na decisão recorrida, de causa decidida, trazendo em seu bojo uma questão constitucional. O outro requisito específico de admissibilidade do recurso extraordinário é a repercussão geral das questões constitucionais, inserida no texto constitucional pela emenda n° 45 de 2004. Possui o mesmo objetivo- embora não estejamos diante de repristinação constitucional - da revogada argüição de relevância, no entanto teve o legislador o cuidado de serem abolidas as mazelas que acabaram fazendo esta não prosperar no passado, como por exemplo, o seu julgamento dar-se em sessão secreta, sem que ao final, fossem as decisões fundamentadas. Vê-se, pois, a falta de índole democrática do instituto revogado, buscou o constituinte revigorar o expediente sem os mesmos vícios, porque não se estará mais diante de uma decisão discricionária e sem fundamentação do Judiciário, ademais lei regulará a repercussão, dando-lhe cunho mais democrático. Cumpre afirmar que o novo instituto jurídico-constitucional repercussão geral não é um “recurso”, tendo em vista que não se concebe sua existência de forma autônoma, além do que a sua finalidade não é obter per se a reforma da decisão impugnada, mas sim a admissão do recurso extraordinário, havendo uma vinculação indissociável entre ambos, de modo que somente será determinada irresignação tida como dotada de repercussão geral se analisado o seu objeto – razões recursais -, em função dos motivos em que se procura demonstrar a repercussão das matérias debatidas na causa. Conforme dito, dado o cunho democrático que se conferiu à repercussão geral, bem como a necessidade de expressa fundamentação dos atos decisórios (artigo 93, IX, da CF/88), não se pode ter a decisão como um ato político e sim eminentemente jurisdicional, é inconcebível que a decisão acerca de a questão ter ou não repercussão geral se dê em sessão secreta, como ocorria com a argüição de relevância. Anteriormente, como se tratava de ato de natureza legislativa, dispensava-se a fundamentação da decisão e a publicidade da mesma. Eram os Ministros que estabeleciam as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário no regimento interno do STF, haja vista que dentre os incisos do art.325, havia o XI que dispunha que o recurso extraordinário seria cabível “em todos os demais feitos, quando reconhecida a relevância da questão federal". Finalmente, embora seja da competência exclusiva do Pleno o julgamento da repercussão geral da questão constitucional, em havendo jurisprudência firme daquele no sentido de que dada questão não tem repercussão geral, os recursos extraordinários que veiculem questões jurídicas idênticas poderão ser rejeitados por uma das turmas do STF ou até pelo próprio relator do recurso. Apesar de que muitas dúvidas venham a surgir quanto à aplicação da repercussão, é certo que tal mudança veio em boa hora, em face da situação em que se encontra o Supremo Tribunal Federal, demonstrou-se que a quantidade de recursos extraordinários interpostos, à espera de julgamento, retiram daquela Corte a possibilidade de exercer com presteza sua função de Corte Constitucional. REFERÊNCIAS AGUIAR, João Carlos Pestana de. Recursos Extraordinário e Especial. Rio de Janeiro: Editora Espaço Jurídico, 2004. ARAGÃO, E. D. Moniz de. Estatística Judiciária. REPRO 110 ABR/JUN-2003. ALVIM, Eduardo Arruda. Recurso especial e recurso extraordinário. Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis v.5. São Paulo: RT, 2002. ALVIM NETTO, José Manuel de Arruda. A argüição de relevância no recurso extraordinário. São Paulo: RT, 1988. BALEEIRO, Aliomar. O Supremo Tribunal Federal, Esse Outro Desconhecido. Rio de Janeiro: Forense, 1968. BAPTISTA, N. Doreste. 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