Recurso Especial e Recurso Extraordinário – Aspectos Práticos 1. Ilan Goldberg2 Sumário: (i) Introdução; (ii) Exame de Admissibilidade Bipartido ou Desdobrado; (iii) O Esgotamento da Matéria Objeto do Recurso perante as Instâncias Ordinárias; Prequestionamento; (v) Vedação (iv) ao reexame de matéria fático-probatória – conseqüências; (vi) Conclusão. (i) Introdução: Das lições de Faculdade, pode-se recordar, sem maiores dificuldades, que os recursos de natureza extrema – gênero, dos quais são espécies os recursos extraordinário e especial, deverão ser interpostos em casos específicos, nos quais reste caracterizada a contrariedade ou a negativa de vigência3 a determinado dispositivo legal, seja ela de índole constitucional ou infraconstitucional. 1 Este artigo publicado na Revista Justilex, nº. 29, Maio 2004. Ilan Goldberg é advogado, pós-graduado em Direito Empresarial pelo IBMEC-RJ, Sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados – [email protected] 3 Utilizam-se estas terminologias – contrariedade e negativa de vigência – partindo do que consta do texto constitucional – arts. 102, inc. III, letra a, no que tange ao recurso extraordinário, e art. 105, inc. III, letra a, no que tange ao recurso especial – CRFB de 5.10.1988. 2 2 Havendo a contrariedade, em sentido abrangente (fazendo menção tanto à negativa de vigência quanto à contrariedade), ensina-se que os referidos recursos deverão ser acolhidos (conhecidos e providos), implicando, por conta disto, no reconhecimento da nulidade da decisão objeto do recurso – pela cassação da decisão recorrida, ou, conforme for o caso específico, por sua reforma. Contudo, o exercício da advocacia, notadamenteno âmbito dos Tribunais Superiores, revela que a correta interposição dos recursos em referência exige muito mais do que simples menção aos ensinamentos acadêmicos, sem que com isto se pretenda desprestigiá-los. O que se nota, partindo de súmulas e acórdãos provenientes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, além das decisões exaradas pelos órgãos competentes nos Tribunais de Justiça (Estaduais ou Federais) à realização do seu exame de admissibilidade, é que, primeiramente, o conhecimento e, a seguir, o provimento de recursos de natureza extrema ensejam, obrigatoriamente, na obediência a requisitos diversos, aliados às características inerentes a estas espécies recursais. A título exemplificativo, podem-se citar o exame de admissibilidade bipartido, o esgotamento da matéria objeto do recurso perante as instâncias ordinárias, o prequestionamento, a impossibilidade de revolvimento de matéria fático-probatória, etc., o que, necessariamente demanda estudo aprofundado por parte daquele que pretende obter êxito por esta via recursal. Neste trabalho, serão apresentadas nas linhas a seguir considerações sucintas a respeito de elementos que, hodiernamente, são suscitados em decisões proferidas pelos nossos Tribunais, como sendo de suma importância ao conhecimento e provimento dos recursos de natureza extrema, fazendo-se conveniente abrir um parêntesis com o objetivo de esclarecer que o exame aprofundando da matéria, por sua especificidade, demanda a realização de estudo aprofundando, traduzido no exame de vasta Doutrina aplicável, relacionada aos recursos no 3 Direito Processual Civil Brasileiro, sobretudo com relação aos recursos de natureza excepcional. (ii) Exame de Admissibilidade Bipartido ou Desdobrado: De maneira diferenciada dos demais recursos processuais brasileiros, o RE e o REsp apresentam como característica a necessidade de que se realize o seu duplo exame de admissibilidade, dividido entre o órgão responsável originalmente pela admissão dos mesmos às instâncias superiores (Presidência ou Vice-Presidência de Tribunal de Justiça Estadual ou Federal) e os próprios STJ e STF, que irão receber a demanda que lhes for apresentada pela via recursal convencional ou, caso seja reconhecida a inadmissibilidade dos mesmos, através dos agravos de instrumento, de que trata o art. 544 do CPC. Havendo decisão que declare a inadmissibilidade do recurso excepcional, convém frisar que o agravo de instrumento interposto em face desta decisão deverá exclusivamente atacá-la, ou seja, deverá enfocar os fundamentos pelos quais se entende quanto à sua ilegalidade. Os fundamentos que motivaram a interposição do recurso inadmitido não poderão, neste momento, ser objeto de enfrentamento pelo agravante, já que, caso o faça, estará incidindo no óbice constante da Súmula 1824 do STJ. (iii) O Esgotamento da Matéria Objeto do Recurso perante as Instâncias Ordinárias: Em decorrência da maior atribuição de poder concedida aos Relatores (art. 557 do CPC), conseqüência do elevado número de recursosmanejados sem adequada fundamentação, estes 4 Súmula 182 STJ: “É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada”. 4 poderão decidir a questão que lhes for submetida através de decisão monocrática que, se não for objeto do recurso tratado pelo § 1º, art. 557 do CPC, transitará em julgado. Para que seja viável a interposição dos recursos excepcionais em circunstâncias tais como a ora enfocada, faz-se necessário que pelo órgão colegiado responsável pelo julgamento seja emitido pronunciamento a respeito da questão objeto da decisão por parte do Relator, ou seja, deverá a Câmara ou Turma julgadora decidir através de todos os seus membros, a fim de que se atenda a requisito necessário à viabilidade do recurso de natureza extrema. Rodolfo de Camargo Mancuso, em Recurso Extraordinário e Recurso Especial, ed. RT, 7ª edição, São Paulo, pg. 99, ensina que: “A explicação dessa exigência está em que o STF e o STJ são órgãos da cúpula judiciária, espraiando suas decisões por ot do o território nacional. Em tais circunstâncias, compreende-se que as Cortes Superiores apenas devam pronunciar-se sobre questões federais (STJ) ou constitucionais (STF) – que podem ser até prejudiciais – numa lide que esteja totalmente dirimida nas instâncias inferiores. Se os Tribunais da Federação darão a última palavra, de acordo com suas atribuições, compreende-se que o interesse do recorrente depende de que já tenham sido experimentadas todas as possibilidades de impugnação que antes se lhe abriram”. A questão ora enfocada é objeto das Súmulas 281 5 do STF. (iv) Prequestionamento: Da etimologia da palavra, pré (anterior) questionar importa em, no contexto jurídico, obter do órgão julgador o pronunciamento expresso com relação às matérias constitucional e/ou federal discutidas. 5 Súmula 281 STF: “É inadmissível o recurso extraordinário quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”. 5 Noutras palavras, tem-se como verdadeiro dever imposto à parte que deseje recorrer às Cortes Superiores a necessidade de que as questões de Direito em discussão tenham sido objeto de pronunciamento por parte do órgão julgador de Segunda Instância (Tribunal ou Conselho Recursal6, conforme for o caso), sob pena de não haver possibilidade de que se possa conhecer do RE e/ou REsp. (Neste exato sentido, confira-se o que dispõem as Súmulas 2827 do STF e 211 8 do STJ). Esclarecendo, para que determinada matéria possa ser considerada prequestionada, não basta que a parte tenha formulado requerimento em seu recurso de apelação ou em qualquer outro expediente processual. É preciso que, de forma clara, seja pelo órgão julgador colegiado emitido pronunciamento quanto à questão constitucional ou infraconstitucional suscitada, sob pena de que, caso isto não ocorra, não ser possível o acolhimento do recurso extremo. Neste sentido, caso, por exemplo, seja regularmente formulado requerimento por determinada parte visando o pronunciamento de Tribunal sobre questão de Direito e, proferido o acórdão, verifique-se o ‘silêncio’ do órgão julgador quanto à apontada questão, deverá a arte valer-se da oposição dos embargos declaratórios, com o objetivo de, então, forçar o prequestionamento da matéria que deixou de ser expressament e examinada. Neste exato sentido, o verbete sumular 98 do STJ - “Embargos de declaração manifestados com o notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório” e 356 do STF – “O ponto omisso da decisão, 6 Afirma-se Tribunal ou Conselho Recursal considerando-se que as decisões proferidas pelos Conselhos Recursais (órgãos integrantes dos Juizados Especiais Cíveis e Federais), compostos por Juízes de Primeira Instância, desafiam a interposição de recurso extraordinário, ao passo que somente as decisões (acórdãos) proferidas por Tribunais de Justiça (Estaduais e/ou Federais) ensejam a interposição do Recurso Especial. 7 Súmula 282 STF: “É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”. 8 Súmula 211 STJ: “Inadmissível recurso especial quando à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo”. 6 sobre a qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”. Mesmo cumprindo a parte o ser dever legal, qual seja, opondo os competentes embargos declaratórios, em diversas circunstâncias o órgão colegiado responsável pela prolação do acórdão apresenta entendimento consistente da manutenção do posicionamento anterior à oposição dos declaratórios, frustrando, com isto, o objetivo deduzido pelo embargante. Nestas condições, verifica-se que, mesmo diante da tentativa por parte daquele que opõe os declaratórios, este não alcança a sua finalidade, impossibilitando, com isto, a apresentação do recuso extremo ante à inexistência do prequestionamento. Solucionando esta questão, nossa jurisprudência firmou entendimento no sentido de que deverá a parte recorrente, em face do não acolhimento dos seus embargos declaratórios, recorrer ao STJ alegando a negativa de vigência ao dispositivo inserto no art. 535 do CPC e, ao STF, alegando a contrariedade ao que dispõe o art. 5º, inc. LV da CRFB de 5.10.1988 – princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal. Nesta linha, confira-se nota extraída da obra Código de Processo Civil e Legislação Processual Civil em Vigor, de Theotônio Negrão, ed. Saraiva, São Paulo, 2003, 35ª edição, pg. 1924: “Embargos declaratórios. Omissão. Uma vez constatado o silêncio sobre matéria de defesa, impõe-se o acolhimento dos declaratórios. Persistindo o órgão julgador no vício de procedimento, tem-se a transgressão ao devido processo legal no que encerra garantia assegurada, de forma abrangente, pela Carta da República, art. 5º, inc. LV” (STF – 2ª Turma, RE 184-104-PE, rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.12.97, deram provimento, v.u., DJU 27.3.98, séc. 1e, p. 18, em). 7 Merecem destaque, ainda, as figuras dos prequestionamentos implícitos e explícitos. Enquanto que este se relaciona à manifestação por parte do órgão julgador a respeito tanto das matérias postas em julgamento quanto dos dispositivos legais aplicáveis, aquele se relaciona apenas à manifestação do órgão julgador a respeito das questões legais discutidas, sendo desnecessária a manifestação expressa quanto aos dispositivos legais enfocados. No que diz respeito ao entendimento dominante no âmbito do STJ e do STF quanto à espécie de prequestionamento que se afigura necessária, tem-se que, de forma acertada, as decisões vêm sendo adotadas no sentido de que o prequestionamento implícito se afigura suficiente ao preenchimento do requisito com vistas ao conhecimento do recurso em questão. E. D. Moniz de Aragão, citado por Gleydson Kleber Lopes de Oliveira em Recurso Especial, ed. RT., São Paulo, 2002, pg. 256, comenta que: “O problema de clareza traz à nota o chamado ‘préquestionamento implícito’, cuja caracterização gera dificuldades. Tem-se admitido como tacitamente pré-questionado tema a cujo respeito o Tribunal emitira julgamento, embora sem referir a norma legal incidente. Mas parece que em tais casos o problema nem se apresenta, pois, se alguma questão fora julgada, mesmo que não seja mencionada a regra de lei a que está sujeita, é óbvio que se trata de matéria ‘questionada’ e isso é o quando basta” (Préquestionamento, RF 328/43). (v) Vedação ao reexame de matéria fático-probatória – conseqüências: A título exemplificativo, suponha-se que se esteja diante de ação de natureza condenatória (demanda na qual se formule pedido indenizatório), cuja instrução processual tenha demonstrado a lesão aos direitos do requerente (lesado) e o conseqüente dever de indenizar por parte do requerido (lesante). A sentença, nest a hipótese, condenaria o lesante a indenizar o lesado, obrigando-o a arcar com o pagamento de determinada verba indenizatória. Inconformado com o teor desta sentença, o requer ido (lesante) interpõe recurso de apelação 8 cível ao Tribunal de Justiça, que, ao julgar este recurso, reforma a sentença originalmente proferida, diante do conhecimento e provimento do recurso de apelação. O quadro, neste momento, passa a ser de inconformismo por parte do lesado, diante de interpretação diversa adotada pelo órgão julgador de segunda instância. Haveria possibilidade, nestas condições, ou melhor, estar-se-ia diante de hipótese na qual a interposição de recurso extremo afigurar-se-ia cabível? Respondendo a esta indagação e, demonstrando o entendimento uníssono perante os Tribunais Superiores, tem-se que o reexame de material fático-probatório é absolutamente vedado, sendo exatamente neste sentido os enunciados constantes das Súmulas 279 9 e 45410 do STF, além do que dispõe a Súmula 711 do STJ. Na prática forense, diversos são os casos concretos que ex-surgem no dia-a-dia dos profissionais do Direito em que, não obstante haver material probatório favorável à parte vencida, esta, em virtude da vedação ora comentada, encontra-se impossibilitada de reverter o quadro que lhe é exposto perante as Cortes Superiores, sobretudo porque estas não se prestam para examinar a justiça ou a injustiça do que foi decidido originalmente, sob o aspecto subjetivo do caso trazido a julgamento. Rodolfo de Camargo Mancuso 12, assenta que: “E assim, assiste razão a José Afonso da Silva, quando afirma: “O Recurso Extraordinário, entretanto, não visa fazer justiça subjetiva, justiça às partes, a não ser indiretamente, tanto que não tem cabimento por motivo de sentença injusta; é certo que a parte, ao servir-se dele, quer ver reformada a decisão desfavorável, e nisto está o seu caráter eminentemente processual; e o Supremo Tribunal, ao julgá-lo, exerce função jurisdicional, mas com a finalidade diverso dos outros órgãos jurisdicionais”. 9 Súmula 279 STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário” Súmula 454 STF: “Simples interpretação de cláusulas contratuais não dá lugar a recurso extraordinário” 11 Súmula 7 STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. 10 9 Mediante a demonstração do dispositivo infraconstitucional ou constitucional violado pela decisão recorrida será possível, com efeito, obter-se a reforma de eventual decisão injusta, fazendo-se necessário grifar, no entanto, que o fundamento técnico capaz de fazer com que determinado recurso extremo seja objeto de acolhimento não estará relacionado, via de regra, à justiça ou à injustiça da decisão, mas à contrariedade e/ou negativa de vigência ao(s) dispositivo(s) legal(is) em foco. Ainda no que se refere a casos práticos, não pretendendo esgotar as possibilidades, já que, por óbvio, isto representaria texto deveras extenso, vale apresentar alguns comentários quanto à impossibilidade de que, no âmbito dos Tribunais Superiores, cogite-se de simples reexame (exame) de cláusulas contratuais como fundamento para que seja acolhido recurso extraordinário e/ou especial. Partindo-se da premissa de que a interpretação de determinado contrato carece de que se examine a intenção das partes contratantes, tem-se como certo que eventual RE ou Resp, manejado com base no exame de determinada cláusula contratual, ‘esbarrará’ no que proíbem as Súmulas antes citadas, particularmente no que assenta a Súmula 454 do STF. Nesta linha de raciocínio, pode-se extrair conclusão no sentido de que no âmbito dos Tribunais Superiores o exame de material fático-probatório é absolutamente vedado, sendo coerente afirmar que a interposição de recursos extremos com fundamento no exame de fatos e/ou provas afigura-se temerária, sendo previsível o seu insucesso. (vi) 12 Conclusão: Ob. Cit., pg. 118/119. 10 Ao interpor determinado recurso de apelação, a parte recorrente tem ao seu dispor o efeito devolutivo amplo, o que significa afirmar-se que todas as questões de fato e direito discutidas perante a primeira instância poderão ser objeto de enfrentamento na segunda instância, ou seja, não haverá qualquer impedimento a que se examinem as provas (depoimentos, laudos, etc.), tudo com o objetivo de que se chegar à solução juridicamente adequada, aplicando-se o Direito ao caso concreto. De maneira totalmente diferente apresentam-se os recursos de natureza extrema. Neste trabalho, pretendeu-se demonstrar que não se pode enxergar no STF e no STJ nova instância revisora, da mesma categoria dos órgãos julgadores de segunda instância. A parte que desejar recorrer às Cortes Superiores deverá, desde o início da demanda, ou seja, na própria peça inicial ou na defesa, fazer expressa menção às questões de Direito que, às suas vistas, poderão conduzir o julgador à prolação de decisão que lhe seja favorável. Por mais que isto não seja obrigatório, ou seja, por mais que possa a parte suscitar a questão de direito na esfera de seu recurso de apelação, afigura-se aconselhável a busca pelo prequestionamento desde os momentos iniciais da demanda, a fim de que sejam preenchidos os rígidos requisitos exigidos pelo nosso ordenamento jurídico. De nada adiantará à parte recorrente suscitar a questão legal após a prolação do acórdão pelo órgão julgador de segunda instância já que, em circunstâncias tais como a presente, estar-se-á diante de pós-questionamento e não de prequestionamento. Apresentadas estes argumentos, reitera-se que neste trabalho foram apresentadas breves considerações com relação à interposição de recursos especiais e extraordinários, sendo absolutamente certo que a leitura de Doutrina atualizada, aliada à jurisprudência, tornam-se essenciais para que seja possível compreender-se a especificidade desta matéria.