Reclamação Trabalhista e alegação de dano extrapatrimonial por suposto
assédio moral em face da Administração Pública
Sávio de Aguiar Soares
Mestre e Doutorando em Direito Privado pela PUC Minas
Procurador do Estado de Minas Gerais na JUCEMG
Ocorre de terceirizados ingressarem no juízo trabalhista, pleiteando danos morais
em face da Administração Pública devido à suposta prática de assédio moral pelo agente
público a que se encontra subordinado.
No caso prático que a se alude de forma ilustrativa cujo trâmite se processou no
Vara do Trabalho do TRT da 3ª Região (sem referência aos envolvidos) o reclamante, em
síntese, alegou que sofria perseguição e assédio moral por parte de seu superior hierárquico,
tendo sido desviado de função ao labor como recepcionista. Desde o início da perseguição em
referência, em razão de tais fatos, o mesmo veio a necessitar de licenças médicas constantes,
sendo prescrito acompanhamento psicológico e psiquiátrico, com reflexos em sua integridade
física e moral.
Por sua vez, o dano moral classifica-se como lesão a interesses não patrimoniais,
surgindo quando a lesão atinge aqueles bens que têm um valor precípuo na vida do ser
humano, como a paz, a liberdade individual, a integridade física e a honra. Surge o dano
moral direto quando a lesão atinge o interesse da satisfação ou gozo de um bem jurídico
extrapatrimonial e o dano moral indireto quando a lesão tende a prejudicar a satisfação de
bens jurídicos patrimoniais.
Importante destacar que a Constituição da República Federativa do Brasil, ao
empregar a expressão "indenização" pelos danos morais, ateve-se à noção de compensação,
própria do instituto da responsabilidade civil, não havendo, portanto, qualquer menção a
um plus indenizatório a título de punição/desestímulo.
As sanções jurídicas que naturalmente têm função de punição/desestímulo são as
penas estabelecidas pelo Direito Penal. São as penas, estabelecidas por leis prévias, que
visam causar mal ao agente (função retributiva da pena) e prevenir outros ilícitos (função
educativa da pena). E são exatamente estas duas características: retribuição e educação, que
diferenciam a pena das demais sanções jurídicas, como a multa administrativa e a
indenização decorrente da responsabilidade civil.
Importa ressaltar que a responsabilidade civil do Estado no Direito Brasileiro
encontra fundamento na teoria do risco administrativo e não na do risco integral, admitindo,
assim, a existência de causas excludentes da responsabilidade.
De todo modo, somente há direito a ressarcimento se existente o dano. Desde que
efetivamente verificado, sua reparação é devida, encontrando proteção no texto constitucional,
como direito fundamental (artigo 5º, X, da CF/88), independente dos reflexos patrimoniais
advindos do referido dano.
O Prof. Yussef Said Cahali tece interessantes considerações acerca do conceito de
dano moral:
[...] é a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na
vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade
individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais
sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social
do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte
efetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca
direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral
puro (dor, tristeza, etc.) [...]. (Dano Moral. Editora Revista dos Tribunais. São
Paulo 1998, 2ª edição. p. 20). (grifo nosso).
O ônus da prova é de quem alega, cumprindo ao autor comprovar a ocorrência do
ato ilícito supostamente praticado pela Administração Pública, o dano causado e o nexo
causal entre o ato e o dano.
O que, em verdade, nessas hipóteses muitas vezes conseguiu exprimir o
reclamante são dissabores, decepções e desconforto.
CIVIL – DANO MORAL – NÃO OCORRÊNCIA.O MERO DISSABOR NÃO
PODE SER ALÇADO AO PATAMAR DO DANO MORAL, MAS SOMENTE
AQUELA AGRESSÃO QUE EXACERBA A NATURALIDADE DOS FATOS
DA VIDA, CAUSANDO FUNDADAS AFLIÇÕES OU ANGÚSTIAS NO
ESPÍRITO DE QUE ELA SE DIRIGE.” Recurso parcialmente conhecido e,
nessa parte, provido. (STJ – Resp 215.666/rj, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, 4ª
T. j. 21/06/2001, DJ 29/10/2001).
Destarte, o dano moral, sem prova convincente de suposto prejuízo à imagem e à
honra, como no caso em apreço, não se consolida para efeitos de ressarcimento, em especial
se o reclamante não demonstrou de forma robusta em que consistiram os supostos danos
morais.
Assim, para evitar abusos, somente afigura-se dano moral a dor, o
constrangimento e a humilhação intensos e que fujam à normalidade, interferindo de forma
decisiva no comportamento psicológico do indivíduo.
Nesse diapasão, mero dissabor ou irritação não é objeto de tutela pela ordem
jurídica. Do contrário, estar-se-ia diante da banalização do instituto da reparabilidade do dano
extrapatrimonial, que teria como resultado prático uma corrida desenfreada ao Poder
Judiciário, impulsionada pela possibilidade de locupletamento à custa dos aborrecimentos do
cotidiano. Tal prática, altamente censurável, deve ser repudiada, sob pena de fomento à
famigerada “indústria do dano moral”.
Sendo assim, se o superior hierárquico do reclamante a submeteu a algum
constrangimento, e se tal fato foi suficiente para violar os seus direitos personalíssimos,
compete ao reclamante tal prova, nos termos dos artigos 818 da CLT e 333, inciso I, do
CPC.
A simples submissão da reclamante às ordens emanadas pelo superior
hierárquico não é suficiente para qualquer condenação do Poder Público, dados os
poderes diretivo e disciplinar.
Por sua vez, o reclamante ao fazer dois pedidos de compensação por dano
moral, considerando o suposto assédio moral sofrido incide em duplicidade, o que acarreta bis
in idem, posto que o assédio moral é espécie do gênero dano moral. Senão vejamos:
ASSÉDIO MORAL E DANO MORAL. GÊNERO E ESPÉCIE. O assédio moral é
uma das espécies do dano moral. O dano moral é gênero. Nem todo dever de
indenizar por danos morais é decorrente de assédio moral. O assédio moral tem
pressupostos muito específicos, tais como: conduta rigorosa reiterada e pessoal,
diretamente em relação ao empregado; palavras, gestos e escritos que ameaçam, por
sua repetição, a integridade física ou psíquica; o empregado sofre violência
psicológica extrema, de forma habitual por um período prolongado com a
finalidade de desestabilizá-lo emocionalmente. Se existir uma conduta ilícita do
empregador, de forma isolada, seja durante a execução do contrato, seja na rescisão
contratual, gera direito à indenização por dano moral, mas não decorrente de
assédio moral. O assédio moral, via de regra, não se consubstancia na prática de um
ato único do empregador, ainda que contrário a direito. Isto não significa que não
exista o dever de indenizar e nem o dano moral. O que não se pode é jogar
situações díspares em uma vala comum (RO 00456-2007-061-03-00-8; TRT 3ª
região; DATA DA PUBLICAÇÃO: 15/11/2007; ÓRGÃO JULGADOR: Sexta
Turma; RELATOR: Convocado João Bosco Pinto Lara). (grifo nosso).
Ademais, apenas para argumentar, em casos de configuração de efetivo
assédio moral, no que pertine ao quantum indenizatório, a indenização deve ater-se à
extensão do dano, sem extrapolar o real prejuízo sofrido pela vítima, seja ele material ou
moral.
Conforme preceitua o Novo Código Civil (Lei 10.406 de 10/01/2001) ao tratar
do tema da responsabilidade civil (Parte Especial, Livro I, Título IX), segundo o qual a
natureza de ressarcimento/compensação da indenização corresponde a referido instituto:
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. (grifo nosso).
Destarte, para a comprovação do dano moral derivado de assédio moral é
indispensável a ocorrência de ofensa a algum dos direitos da personalidade do indivíduo.
Esses direitos são aqueles inerentes à pessoa humana e caracterizam-se por serem
intransmissíveis, irrenunciáveis e não sofrerem limitação voluntária, salvo restritas exceções
legais (art. 11, CC/2002). A título de exemplificação, são direitos da personalidade aqueles
referentes à imagem, ao nome, à honra, à integridade física e psicológica.
Nessa linha de intelecção, a Lei Complementar nº 116, de 11 de janeiro de
2011, do Estado de Minas Gerais, que dispõe sobre a prevenção e a punição do assédio moral
na Administração Pública Estadual o que representa o relevante marco legal para reprimir
abusos de autoridade e medidas exorbitantes eventualmente praticamente por agentes públicos
estaduais.
CONCLUSÃO
1. É indispensável que o ato apontado como ofensivo seja suficiente para,
hipoteticamente, adentrar na esfera jurídica do homem médio e causar-lhe prejuízo
extrapatrimonial. De modo algum pode o julgador ter como referência, para averiguação
da ocorrência de dano moral, a pessoa extremamente melindrosa ou aquela de
constituição psíquica extremamente intolerante ou insensível.
2. Conforme preleciona a melhor doutrina, o pedido de indenização deve ser
amoldado à razoabilidade, tendo em conta a extensão e natureza dos fatos, a capacidade
financeira das partes envolvidas, o ato ilícito e o fator profilático.
3. Demais disso, a fixação do valor da indenização a título de danos morais
deve ter por base os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando-se em
consideração, ainda, a finalidade de compensar o ofendido pelo constrangimento indevido que
lhe foi imposto e, por outro lado, desestimular o responsável pela ofensa a praticar atos
semelhantes no futuro. Em se tratando de indenização por danos morais, a incidência da
correção monetária e juros moratórios inicia-se da data da prolação da decisão que fixa o
quantum indenizatório, uma vez que, a partir daí, o valor da condenação torna-se líquido.
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