2 O NEGÓCIO, UM FENÔMENO JURÍDICO
1. O fenômeno jurídico.
O fenômeno é o acontecimento perceptível pelo ser. Russ apresenta como "o que se manifesta ou
aparece aos sentidos ou à consciência. Segundo Lalande "o que aparece à consciência, o que é
percebido, tanto na ordem física corno psíquica.".
O fenômeno jurídico é tudo do que resultam efeitos com eficácia para gerar, conservar, alterar ou
extinguir direitos e, ou, obrigações. O mesmo que fato jurídico na sua acepção ampla.
Poderão
eles ser acontecimentos naturais, como decorrerem da ação
do homem.
Independentemente da causa, eles produzem situações, das quais há repercussões de naturezas jurídicas
na vida de pessoa ou pessoas.
O fato é jurídico, quando produz efeitos que transitam na órbita do direito e por assim acontecer
é qualificado como fato jurídico. Reale tem que ao se referir a fato como alguma coisa que venha antes
ou que esteja de maneira externa ao Direito e que seja origem deste não há referência ao fato jurídico,
este como “um fato juridicamente qualificado” corresponde a um “evento ao qual as normas jurídicas já
atribuíram determinadas conseqüências, configurando-o e tipificando-o objetivamente. Nada mais
errôneo do que confundir fato com fato jurídico”. Diz que deve ser constatado que o fato é “dimensão”
fundamental do direito, assim da maneira como a teoria tridimensional o identifica, apenas como uma
de suas dimensões. Tem-se que o direito vem ao mundo do fato e a ele se reserva “obedecendo sempre
certas medidas de valor consubstanciadas na norma”. Não havendo a aceitação dessa diferença e
afirma-se que os fins são fatos naturais, psicológicos, econômicos, sociais, etc., o direito como um todo
reduz-se a mero fato, da forma como acontece com as teorias empiristas de Alf Ross, Karl Olivecrona e
Pontes de Miranda, os quais confundem o fato com o fato jurídico.
O fato jurídico, em seu sentido lato, compreende todas as formas de manifestações, como o ato
jurídico e o negócio jurídico.
Estritamente o fato jurídico restringe o seu significado para os acontecimentos que são
manifestações da natureza e que assim acontecem independentemente da vontade do homem.
Sílvio Rodrigues leciona que fatos jurídicos "...em seu sentido amplo, engloba todos aqueles
eventos, provindos da atividade humana ou decorrentes de fatos naturais, capazes de ter influência na
órbita do direito, por criarem ou transferirem ou conservarem, ou modificarem, ou extinguirem relações
jurídicas". Acrescenta que os atos da natureza, possíveis de produzirem relações jurídicas, são
denominados de fatos jurídicos em sentido estrito.
Friedrich Karl von Savigny, apud Lopes em relação a fato jurídico, em seu sentido amplo,
expressa que "são os acontecimentos, em virtude dos quais as relações de direito nascem e se
extinguem". Este autor coloca os fatos como naturais e os que dependem da vontade humana.
Rubens Limongi França registra que o fato jurídico é fundado no direito objetivo, dando causa à
relação jurídica, podendo colocar determinado objeto sob o poder de certo sujeito. Esse poder é o que
se chama de direito subjetivo.
Está muito bem delineado que a manifestação de vida é um fato. Tudo são fatos. O jurídico é um
atributo que se adiciona para qualificar, quando ele influencia uma situação ou uma relação que ocorre
no âmbito do direito. Importa sob diverso prisma, salientar as noções de fato jurídico e fato jurígeno,
uma vez que, segundo alguns autores, o fato jurígeno está situado entre o fato bruto ou simples e o fato
jurídico, tendo-se o que já foi inserto em norma de direito, assim. produzindo conseqüências no mundo
jurídico.
O fato jurígeno seria o evento volitivo ou natural, em decorrência da importância os homens
assumem uma posição crítica e valorativa que termina com a instauração de regra ou regras que
objetivam impedir, assegurar ou simplesmente regulamentar o fato em referência e seus efeitos.
Estabelecida a regra, o fato passaria de jurígeno a jurídico.
Os fatos que decorrem da vontade humana a doutrina tem-nos classificado como atos. Se tais
ações situam-se na órbita das normas jurídicas, são classificados como jurídicos.
Tem-se, assim, postos os fenômenos jurídicos como fatos e atos jurídicos.
França define que "ato jurídico é toda manifestação lícita da vontade, que tenha por fim criar,
modificar, extinguir uma relação de direito".
Fábio Maria Mattia dispõe o ato jurídico como o gênero, ato jurídico em sentido amplo, onde se
encontram o ato jurídico lícito e o ilícito. O ato jurídico lícito compreende o ato jurídico em sentido
estrito e o negócio jurídico.
O ato ilícito é aquele que é praticado de forma contrária, em desatenção, ao que está prescrito no
ordenamento jurídico. É aquele "que viola direitos de outrem, ou lhe causa prejuízo, por ação
voluntária, imprudência ou negligência, gerando a obrigação do agente de reparar o dano por ele
causado. Lopes leciona que "a violação da lei constitui um dos elementos do ato ilícito, os quais se
completam com a culpa ou o dolo do seu autor, com o dano resultante do fato lesivo e com a relação
de causalidade entre o fato e a lesão."
Wald registra como ato ilícito a "ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência que
viola direito ou causa prejuízo a outrem", acrescentando que o ato ilícito faz supor uma relação jurídica
violada em sua origem e a conseqüente responsabilidade que representa a obrigação de indenizar o
resultado danoso, em decorrência do descumprimento do dever jurídico que existe na relação jurídica.
O descumprimento do dever pelo sujeito que se situa no pólo passivo da relação jurídica resulta em
lesão do direito do sujeito que se situa no pólo ativo, o qual terá a possibilidade de recorrer ao Estado,
para conseguir a prestação que lhe é devida e a reparação indenizatória do prejuízos conseqüentes do
inadimplemento.
O ato ilícito tem potencialidade para ser causador de instabilidade nas relações jurídicas. Ele
desatende o direito objetivo e afronta o direito subjetivo. A despeito destes aspectos negativos ele é
sempre substância que gera direitos e obrigações. É um fenômeno dependente da vontade humana.
Diniz ensina que ato ilícito é "o praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito
subjetivo individual. Causa dano a outrem, criando o dever de reparar tal prejuízo. Logo, produz efeito
jurídico, só que este não é desejado pelo agente, mas imposto pela lei".
O ato ilícito, como ato, importa em ação ou omissão motivada por um fator psíquico e, ou,
volitivo, que resulta em dano de alguém.
Destacam-se no ato ilícito os elementos que são, causa e resultado, sendo que este é sempre o
dano causado a alguém. O elemento volitivo querer, querer o resultado, importa no dolo, na atitude
dolosa, embora o estado psíquico, que independente da vontade, em razão de imperícia, negligência ou
imprudência também imprima a ilicitude ao ato. Evolutivamente nas concepções foi sendo também
consideradas as circunstâncias de risco que geram danos, independentemente dos fatores volitivos e
psíquicos referidos, já que considerados os malefícios de forma objetiva, tão somente em razão do
evento. Formas estas postas e consideradas atos ilícitos que Gusmão define como "todo o ato ou fato
que, imputável a alguém, transgride o disposto no direito positivo, sendo, assim, vedado e punido por
este".
O ato jurídico lícito é todo o fato resultante da vontade do agente e cujos efeitos são de acordo
com o que está prescrito por norma legal.
Rodrigues leciona que aos atos lícitos e decorrentes da vontade do agente a lei confere os efeitos
objetivados por este. Afirma ele que “a liceidade do procedimento vai permitir o alcance dos efeitos
almejados pelo agente”.
É importante que se identifique neste fato jurídico, serem os efeitos dele prescritos no
ordenamento jurídico. É isto a sua marca definidora, o elemento caracterizador da espécie, do ato
jurídico em sentido estrito.
Mattia conceitua o ato jurídico em sentido estrito como aquele que produz efeitos jurídicos, sem
explicitar que sejam os pretendidos pelos interessados. Afirma que a conseqüência jurídica decorre da
força da lei.
Chega-se enfim ao fenômeno jurídico denominado de negócio jurídico, fato que decorre da ação
humana. O elemento volitivo, a vontade declarada, é fator relevante na sua composição e, agora, ela
será determinante acerca dos efeitos que do fato decorrerão. As vontades declaradas dos sujeitos vão
prescrever os efeitos. A doutrina debruça-se sobre o que chama de princípio da autonomia da vontade.
O negócio jurídico, segundo Rodrigues, corresponde a uma concessão permitida pela ordem jurídica ao
indivíduo com capacidade de ter vontade, gerar relações válidas e em conformidade com “a ordem
social”.
O negócio jurídico é a expressão da vontade que tem por objetivo um efeito de natureza prática e
que possua por fim um escopo que resolva os interesses do agente. Ele é fato que regulamenta
interesses privados. O seu traço característico é a regulamentação da autonomia privada, da autonomia
do particular. Conforme se observa em Rodrigues.
O negócio jurídico apresenta-se como o regramento de interesses particulares, efetivado pelos
sujeitos, a fim de que estes, observando o ordenamento jurídico, usufruam dos efeitos por eles
pretendidos.
Diniz afirma que a ordem jurídica possibilita a cada um dos indivíduos realizar negócios jurídicos,
produzindo efeitos. Registra que os negócios, em seus espaços, contém a autonomia privada, de maneira
que eles regulam, nos limites a lei, os seus interesses particulares.
Autonomia privada da vontade é entendida como o poder de autodeterminação da pessoa no
âmbito do Direito. De acordo com Soibelman ela representa o poder individual de criar, modificar ou
extinguir direitos para usar, dispor, gozar “faculdades e direitos subjetivos”.
Lisboa define negócio jurídico como “todo evento decorrente da vontade humana, que se
consubstancia em um conjunto de atos jurídicos dependentes entre si, dispostos pêlos negociantes em
uma ordem temporal lógica, para a obtenção do resultado ou interesse pretendido pelas partes”.
As relações jurídicas são dependentes dos fenômenos jurídicos, os quais são causas dos seus
nascimentos, conservação, modificação ou extinção. Fenômenos esses, os fatos jurídicos na sua ampla
acepção, são pressupostos das relações jurídicas.
2. O negócio jurídico e suas formas.
A vida em suas manifestações apresenta-se em múltiplas formas, todas condicionadas às
necessidades que a realidade tende suprir. O direito também se apresenta em tantas expressões, quanto
consegue a capacidade cognitiva do homem.
O negócio jurídico que é forma concebida pelas pessoas, na dinamicidade da vida vai assumindo
formas múltiplas permitidas pelo ordenamento. São formas que materializam as relações jurídicas.
Gusmão classifica os negócios jurídicos em unilaterais, bilaterais, solenes ou formais e não solenes,
mortis causa e inter vivos, gratuitos e onerosos, de simples administração e de extraordinária
administração, causais e abstratos, coletivos. Lopes coloca-os como unilaterais e bilaterais, complexos,
formais e causais, comutativo e aleatório, a título gratuito e a título oneroso, solenes e não solenes,
pessoais e patrimoniais, de simples disposição e de administração, constitutivos e declarativos.
Rodrigues expõe a seguinte divisão: unilaterais e bilaterais, onerosos e gratuitos, causa mortis e inter
vivos, solenes e não solenes. Diniz classifica-o como gratuitos e onerosos, solenes e não solenes,
patrimoniais e extrapatrimoniais, unilaterais e bilaterais, inter vivos e mortis causa, constitutivos e
declarativos, principais e acessórios, de disposição ou de simples administração. Lisboa apresenta uma
extensa enumeração: unilateral e bilateral, plurilateral, inter vivos e causa mortis, oneroso e gratuito,
formal e informal, principal e acessório, instantâneo e de duração, causal ou material e abstrato ou
formal, consensual e real, patrimonial e extrapatrimonial, de disposição ou de simples administração,
constitutivo e declarativo, intersubjetivo, individual plúrimo, individual homogêneo, coletivo, difuso,
com efeitos sobre terceiro individual, com efeito sobre interesses individuais plúrimos, com efeito sobre
interesses individuais homogêneos, com efeito sobre interesses coletivos, com efeito sobre interesses
difusos.
Essa enumeração de classificações pode-se tornar muito mais extensa se forem compilados todos
os estudiosos que dedicaram atenção a tal fenômeno jurídico. Esta exposição é apenas uma amostragem
de que as realidades apresentam-se em múltiplas versões e a capacidade subjetiva da pessoa faz com
que elas sejam exteriorizadas conforme a concepção pessoal de cada. Observa-se que o tempo propicia
a dinamicidade e a mudança das formas dessas realidades negociais. Lisboa percebe o negócio jurídico,
acompanhando a evolução dos fenômenos jurídicos em razão da massificação dos interesses e da
descaracterização da individualidade ante as situações múltiplas, coletivas e de difusas.
As pessoas, vivendo em novas circunstâncias, passam ter outras necessidades que até então
inexistiam. A tecnologia, decorrente da apreensão de novos conhecimentos nos ramos das ciências
exatas, passou a fornecer meios de vida que ainda não eram disponíveis. O homem passou ter acesso ao
suprimento do que se sente carente de uma forma mais eficaz e dentro de um tempo menor. A
velocidade e a precisão passaram ser a marca caracterizadora destes novos tempos. O aumento da
população trouxe também o crescimento numérico das relações. Assim novas formas de relacionamento
e a massificação dos interesses mostraram a realidade de novos tipos de negócios jurídicos, onde a
vontade autônoma que une as partes começou ceder espaço para um interesse maior que é o interesse
social. O interesse que decorre da necessidade passou a ter uma conexão com a idéia de pluralidade,
esta que decorre da pluralidade de individualidades, sejam homogêneas ou coletivas transindividuais,
chegando mesmo até mesmo a perda dessa identidade determinada em razão de situações difusas, onde
o social assegura a legitimidade dos interesses.
Em meio a todas essas novas circunstâncias, as novas necessidades geram novos interesses, os
quais produzem novos negócios que mostram relações jurídicas diferenciadas.
Já está repetida a idéia de que o fenômeno jurídico pressupõe a relação jurídica. Assim há atos
jurídicos em acepção ampla que propiciam o estabelecimento, a conservação, a transformação ou a
extinção da relação jurídica processual. São os negócios jurídicos processuais, os quais se identificam
com o princípio da disponibilidade.
O pedido de prestação jurisdicional é ato de vontade privada, cujo exercício é manifestação de
direito subjetivo, através da qual o autor busca colher efeitos da submissão do réu a sua pretensão.
Julgada procedente ter-se-á declarada a certeza da aplicação do direito objetivo. A resistência do réu
também é ato de vontade que se respalda no direito subjetivo da parte acionada.
Soibelman registra que negócio jurídico processual é manifestação de vontade que causa efeitos
jurídicos de natureza processual. São chamados de “atos de disposição ou de causação, nos quais as
partes regulam os seus interesses, dispõem de seus direitos processuais, renúncia, desistência, transação,
suspensão da instância, etc”.
O negócio jurídico processual é fenômeno jurídico que tende a estabilidade da relação jurídica de
direito material. Busca a declaração da certeza do direito e através da qual é dado fim à lide.
Marques faz seu magistério, registrando que “ato processual intencional ou negócio jurídico
processual, é o ato de causação, ou dispositivo, em que o respectivo efeito é plasmado pela vontade do
sujeito que o pratica”.
Carnelutti inseriu, nos seus ensinamentos, que “negócio é, então, um interesse ou um grupo de
interesses a respeito do qual, no conflito com um ou mais interesses alheios, se coloca a exigência do
cumprimento de um ato para sua tutela conforme o direito {negotium, de nec otium)”.
A relação jurídica de direito processual está caracterizada pela sua natureza pública onde o
princípio inquisitivo ou da autoridade oficial imprime marca bastante saliente e possui o forte
contrapeso do princípio dispositivo, pois somente o sujeito do conflito, pode provocar a máquina
estatal. Até mesmo as provas, somente as partes podem livremente propor, uma vez que a iniciativa do
juiz deverá ser fundamentada, ou seja, justificada. A declaração da certeza será ato de puro poder, o
poder público jurisdicional, mas os limites daquela terão sido previamente demarcados pela vontade
particular da parte autora. Então se tenha que há, na relação jurídica processual, fenômenos que
pressupõem a sua constituição, seu desenvolvimento, sua transformação e sua extinção, existem como
fatos de vontade e cujos efeitos são queridos pelas partes e eles estão consoantes com o ordenamento
jurídico, são assim, em números expressivos, negócios jurídicos processuais.
Os negócios jurídicos processuais podem pressupor a relação jurídica, como podem ser origem da
sua conservação, da sua transformação, da sua extinção.
3. A declaração de vontade e a realidade do negócio jurídico.
Vontade é a disposição psíquica do querer. As aspirações do indivíduo manifestam-se como
vontades. David Hume, apud Russ, construiu a assertiva de que vontade é "a impressão interna que
sentimos e de que temos consciência , quando engendramos cientemente em novo movimento de nosso
corpo ou nova percepção de nosso espírito". Carneluttiexpressa que a vontade é “a foz do pensamento”
ou “o pensamento na sua foz”. Este assevera que “vontade, de fato, é a zona, ou melhor, será dizer, a
fase do ciclo psicológico, em que o pensamento se apresenta com a tensão necessária para fazer a sua
descarga sobre o mundo exterior”.
O negócio jurídico é o fenômeno gerado pela declaração da vontade das partes que regulam os
seus interesses, para atingir os efeitos pretendidos que são consoantes às disposições do ordenamento
jurídico. Então se tem a declaração de vontades das partes como fator estrutural do fenômeno. São as
manifestações das vontades das partes que direcionam o negócio, assim funcionam como forças ínsitas
do fato a dar destino à relação jurídica.
Antônio Junqueira de Azevedo entende que não é elemento do negócio jurídico a vontade. O
negócio é a declaração de vontade. A existência deste inicia com esta, por isso afirma que “o processo
volitivo anterior não faz parte dele”.
A transposição da vontade para o mundo exterior do indivíduo exige um engenho representativo
das idéias. Isto é fator de risco para a exatidão do real. Assim se terá em plano íntimo um querer e
exposto em símbolos a sua representação. Esta, a declaração, corresponderá ou não aquele, o querer.
Tudo dependerá da eficácia com que a parte comunica-se.
Há a considerar a forma de manifestação da vontade, o consentimento, a qual pode se dar de
maneira expressa, ou seja, por palavras orais ou escritas, até mesmo por outros sinais que as partes
tenham por convencionado. Pode também a declaração ser de forma tácita, ou seja, embora não haja a
manifestação expressa, os comportamentos da parte induzam a exteriorizar o querer. Lopes registra
que "a manifestação da vontade pode ser estudada, em primeiro lugar, quanto ao meio de que o
declarante se serve para realizá-la. Sob esse ponto de vista, temos a declaração expressa e tácita, a que
outros denominam mais apropriadamente de declaração direta e indireta".
O consentimento é expressão que pode exarar a idéia de acordo de vontades, exprimindo assim a
formação bilateral do negócio jurídico. Consentimento também pode expressar a declaração de vontade
de cada um dos sujeitos da relação contratual. Gomes diz que se afirmar “mútuo consentimento” é cair
em redundância.
O silêncio dá a impressão de que ele importa em ausência de declaração, em falta de manifestação
da vontade, no entanto não é um entendimento que reproduza situações reais, uma vez que, devido às
circunstâncias bem definidas, este pode importar numa forma de declaração de vontade. Isto acontece
nos contratos, quando lá está registrado que no silêncio das partes, até um determinado termo, isso
importará na renovação das obrigações e condições do negócio. Diniz afirma que "até mesmo o silêncio
é fato gerador de negócio jurídico, pois em certas circunstâncias indica um comportamento hábil para
produzir efeitos jurídicos".
O silêncio não faz parte da natureza da declaração, já que esta se identifica como forma de
comunicação, a qual não existe em estado de inércia. No entanto, em determinadas circunstâncias ele
pode corresponder a uma vontade positiva.
Lopes registra “os juristas divergem. Entendem que o silêncio é incapaz de atuar como elemento
suficiente de manifestação da vontade, enquanto outros emprestam-lhe todo valor, e finalmente outros
que lhe dão um valor em função das circunstâncias”. Lopes entende que não há nenhum obstáculo para
reconhecer o silêncio como forma de manifestação de vontade, considerando, no entanto, que a boa fé é
essencial para a interpretação.
Há negócios jurídicos em que a sua formação depende de que a manifestação da vontade de uma
das partes chegue à outra a quem se dirige. Enquanto, em outros, basta que apenas uma delas, tenha
efetivado a sua declaração. Os primeiros são denominados de receptícios, v.g., a compra e venda, os
outros são os não receptícios, como o testamento. Nas circunstâncias dos negócios não receptícios, o
silêncio não é forma de manifestação. Ele se constitui na maneira natural em que tais tipos de negócios
formam-se, já que dispensável a manifestação da outra parte.
As formas de manifestações, as declarações em espécies, são aspectos externos que encerram
subjetivismos. Como tais que são, necessitam tomar aspectos explícitos, que se revelem de forma
objetiva. O ato que busca transportar do mundo interior da parte para o conhecimento externo é a
interpretação. Busca-se uma realidade, porém nem sempre esta corresponde ao que foi pretendido pela
vontade interpretada. Nesta ação muitas vezes há interesses que direcionam a interpretação. Esses
interesses podem estar ou não comprometidos com aspectos subjetivos ou objetivos do negócio.
Lopes registra que a vontade e a sua manifestação constituem-se em um só elemento essencial do
negócio jurídico. Para isso é indispensável que sejam elas sejam harmônicas. Faz surgir questão se
houver divergência entre elas. Com base nessa divergência, duas teorias discutem a questão: a teoria da
vontade que se funda no Código Civil francês, que prega a predominância do elemento psíquico, da real
vontade pretendida pelo sujeito da relação contratual; a teoria da declaração que sustenta que o que
importa no ato jurídico são os fatos materiais da declaração e não o querer interno, devendo ser
considerado na interpretação desse o interesse social, a eqüidade e a boa fé.
Teorias foram construídas, para justificar métodos de interpretação das vontades. Lopes refere as
teorias da vontade, da declaração, da responsabilidade e a do affidamento ou crença. A primeira
valoriza o elemento psíquico, aquilo que o declarante pretendeu, a segunda, aquilo que foi concebido de
acordo com a equidade e boa fé, resulta do declarado, a terceira tende a detectar se a responsabilidade
por essa divergência cabe ser imputada ou não ao declarante, para se ter o negócio como válido ou não
e a última procura encontrar uma situação intermédia entre a teoria da declaração e a da vontade interna
do emissor da vontade. Rodrigues cita a teoria da vontade real, formulada por Savigny que valoriza o
querer do indivíduo. Refere também a teoria opositora desta, a da declaração, que busca resguardar a
estabilidade dos negócios, desprezando o interesse do emissor da vontade. Refere a teoria da
responsabilidade, a qual vincula à declaração o emitente, tenha ele querido ou não o que dela resulta, se
responsável pelo desacordo. A teoria da confiança objetiva preservar os interesses daquele a quem a
declaração dirige-se, desde que este esteja agindo de boa fé. Lisboa expõe a teoria subjetiva que
investiga a vontade real das partes e a teoria objetiva que busca a identificação do significado das
declarações. Enquanto a primeira destas aferra-se ao conteúdo intrínseco da manifestação, o querer, a
segunda toma como parâmetros a boa fé, a eqüidade, a conservação do negócio, o equilíbrio entre as
prestações a que se obrigam as partes.
Os tempos atuais trouxeram os fenômenos da massificação e da difusão. Isto prioriza critérios
objetivos, os quais procuram assegurar os interesses transindividuais e de hipossuficientes que se
avolumam às vezes até mesmo de forma difusa. A grande disparidade de condições financeiras entre as
partes, a imposição de negócios estandardizados, as alterações de situações econômicas face às
contingências de mercado, mediante influências internacionais e de política governamental interna nos
Estados. Tudo isto faz com que haja uma preocupação com um interesse maior que o privado, o social,
haja uma tendência para a publicisação das relações privadas, onde o negócio jurídico tome feições
diferenciadas e a vontade individual perca parte da sua importância.
Marcos Bernardes de Mello registra que a verificação de que, na atualidade, os negócios tomam
constituições que não se adéquam às suas concepções modelares e em razão de tal, surgem os
defensores da idéia de que a categoria do negócio jurídico não corresponde mais a atual realidade da
sociedade. É uma realidade atual as novas concepções de vida, as novas formas de comportamento do
homem na sociedade, em razão da evolução da tecnologia e do aumento populacional. O mundo
tornou-se massificado e isso fez com que as relações de negócio perdessem as marcas da
individualidade, sendo característica desta a impessoalidade, já que não é incomum a presença da
máquina, substituindo o homem. Isso tudo fez necessário a presença do Estado, regulamentando as
relações e diminuindo a liberdade de contratar, tão a gosto do liberalismo. A interferência do Estado na
economia e na vida do homem em sociedade, como nas relações trabalhistas, na produção e desfrute de
bens, tais como a moradia, alteraram a forma das relações jurídicas.
O intervencionismo público acontece através do ordenamento jurídico que tem inserido, em seu
contexto, normas jurídicas que tenham por objeto interesses sociais. Essas normas procuram direcionar
os interesses privados, para que sejam satisfeitas as necessidades dos indivíduos, interagindo com o
restante da sociedade. Assim as relações jurídicas de direito material, ao possuírem vínculos que unem
as suas partes, estabelecem liames com o contexto social. Isto ocorre não só em razão da
homogeneidade de múltiplas relações similares, também por que estas acontecem, vinculando
pluralidades de sujeitos numa mesma relação jurídica. Afora isso há a ocorrência de fenômenos jurídicos
que criam situações comuns para uma multiplicidade de pessoas, muitas das vezes, não particularizadas,
estando dispostas em situações denominadas difusas. Tudo isso faz com que os próprios indivíduos
sintam-se impotentes para enfrentar essas situações que se agigantam ante a particularidade de cada
indivíduo e por isso exigem ou permitem que o Estado intervenha, para assegurar a estabilidade dessas
relações jurídicas que nascem em decorrência de negócios diferenciados pela massificação e pela
difusão. A intervenção estatal acontece em razão da inserção, no ordenamento jurídico, de normas
legais, postas para direcionar a vinculação dos interesses às satisfações de necessidades individuais de
forma comprometida com interesses sociais.
Uma vez completado o contrato entre um sujeito da relação jurídica, denominado de fornecedor e
outro sujeito, o consumidor, esse acordo necessita produzir os efeitos avençados. A nova ordem jurídica
exige que se respeite um novo princípio direcionador dos comportamentos daqueles sujeitos, o qual é o
princípio da eqüidade contratual, que aponta para o equilíbrio dos direitos e dos deveres nos contratos,
com o fito de se atingir a denominada justiça contratual. Um novo diploma legal, o Código de Defesa do
Consumidor, veda a disposição de qualquer cláusula que represente um abuso, como aquela que
assegure vantagens desproporcionais ao fornecedor de bens ou serviços ou que viole a necessária noção
boa fé ou eqüidade. Considere-se que o princípio da eqüidade, do equilíbrio contratual, é cogente e
busca atender interesses relativos à ordem pública, não prevalecendo sobre esta a autonomia da vontade.
As situações supra, são conseqüências de vontades expressas com liberdade relativizada, uma vez
que o ordenamento condiciona as pessoas a assim negociarem. A autonomia da vontade continua a
existir, porém matizada com os interesses sociais e se assim os sujeitos não tiverem o querer, a sua
interpretação ocorrerá adequada aos direitos da personalidade e à função social do contrato.
4. O negócio jurídico e a norma legal.
"Para a aquisição, transferência, modificação ou extinção de um direito, não basta a manifestação
da vontade do sujeito de direitos. É preciso ainda que seja intencional e conforme a lei.". É a lição de
Gomes. A conformidade com a norma legal é requisito que aparece na complementação da definição
do jurista citado. Antônio Junqueira Azevedo, adotando uma concepção objetiva define o negócio
jurídico como "todo o fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento
jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência,
validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide".
Usando metodologias diversas para enfrentar a empreitada de definir o negócio jurídico, ambos
juristas registram a subordinação do fenômeno à norma legal. Azevedo e Bernardes de Mello tripartem
o fato jurídico em planos. Como foi referido antes, há a colocação do negócio jurídico, como eles
expressam, no plano de existência, quando fazem a análise de elementos constitutivos, os quais são
indispensáveis para que o fenômeno seja considerado como real, um fato jurídico. O plano da eficácia
dispõe este em relação aos efeitos produzidos e que podem ser aproveitados pelas partes. Em meio a
esses planos elaboram eles uma digressão acerca do plano da validade, a respeito do qual Bernardes de
Mello assevera que neste plano "somente têm passagem os atos jurídicos stricto sensu e os negócios
jurídicos, por serem os únicos sujeitos à apreciação da validade".
A validade é uma tributo que o negócio necessita possuir, quando adentra no mundo jurídico,
correspondente ao estado de ser conforme com as normas de direito.
Apesar dessas considerações vamos encontrar fatos como um casamento putativo, onde o
fenômeno sendo examinado sob os prismas dos planos, mostra um fato existente, eficaz, porém
inválido, já que a higidez inexiste em razão da inobservância à norma legal. Esta invalidade será fator
desestabilizador da relação jurídica, seja ela de natureza material ou processual. Embora o negócio
jurídico possa inexistir, e aí teremos o nada jurídico, possa ser ineficaz, e para nada servirá, a sua
invalidade apresenta situações concretas de relações jurídicas anômalas que tolhem as acepções de
direitos justamente pretendidos.
A norma jurídica não define os efeitos do fenômeno, mas tem o condão de validar a pretensão da
parte que é sujeito da relação jurídica onde o negócio está estabelecido. Bernardes de Mello ministra
que o mundo jurídico é constituído pelos fatos jurídicos, os quais são as conseqüências da ocorrência
da regra de direito em cima do suporte fáctico, quando especificado no mundo dos fatos. Conclui ele
que a norma legal é que identifica o fato jurídico em razão da sua incidência. Cria o mundo jurídico,
permitindo que se originem as relações jurídicas, mediante geração da sua eficácia, em razão de direitos
e deveres respectivos, pretensões e obrigações correspondentes, ações, exceções e outras espécies
eficaciais.
A pessoa tem a disponibilidade da sua liberdade limitada pelo ordenamento jurídico. As normas
legais são marcos, que dispostos, conferem ao indivíduo uma maior ou menor área de disposição da sua
autonomia. Essa maior ou menor amplitude dependerá das naturezas das ações e das disposições das
normas acerca daquelas. Aqui haverá um equilíbrio entre os interesses privados e os interesses do
grupo, estes oficializados pela disciplina imposta pelo ordenamento jurídico. Assim se compreende a
definição legal ou a possibilidade de gozo de uma liberdade para se pretender efeitos de fenômenos
jurídicos que decorram da vontade das pessoas. A liberdade para se pretender os efeitos situar-se-á
numa maior ou menor amplitude consentida pelo ordenamento jurídico e assim se concebe o ato e o
negócio jurídico. Não há uma permissibilidade ilimitada, para que os sujeitos pretendam o que bem
queiram, indiferentes aos interesses das demais pessoas e do próprio grupo.
O fato jurídico emerge em meio à vida, como um acontecimento natural e em decorrência de
causas naturais ou em razão de práticas humanas. As normas jurídicas estão postas previamente, de
forma objetiva, dispostas para direcionar as condutas e os interesses das pessoas. Aquelas pré existem a
estes, portanto são fatores extrínsecos e condicionantes. E, dentro da metodologia de Azevedo e
Bernardes de Mello, validam o fato jurídico.
A maior ou menor amplitude da liberdade, como a pessoa dispõem-se para o fenômeno jurídico, é
uma conseqüência do contexto histórico em que se situa o grupo, e por conseqüência, a pessoa. Na
conformidade da apreensão do direito, assim se terão estas ou aquelas normas jurídicas que serão as
delineadoras dos atos ë dos negócios jurídicos, imprimindo uma maior ou menor importância para os
interesses públicos ou privados, ou, para ambos, numa relativação destes.
Bernardes de Mello procura situar essas situações exemplificando com o ato processual,
atribuindo-lhe a natureza de ato jurídico stricto sensu, ou negocial, ou misto. Refere então a petição
inicial, afirmando que esta tem em si o elemento de comunicação de vontade, que é o querer voltado
para a obtenção da resolução do conflito, o elemento de comunicação de conhecimento, que são suas
assertivas para o juízo, nessas circunstâncias, na petição. No entanto, o mais importante é a declaração
de vontade que faz e, mediante o que, instala o ato jurídico de direito público. Apesar de existir um
domínio do elemento negocial pela declaração de vontade, existem em seu âmbito atos jurídicos stricto
sensu de comunicação de vontade e de comunicação de conhecimento. A homologação feita para a
transação extrajudicial é um ato integrativo de eficácia processual que lhe dá a mesma natureza da
transação judicial. Bernardes de Melo complementa asseverando que o juiz, quando recebe a petição
inicial e manda que se proceda a citação do réu, realiza um ato stricto sensu.
5. A vontade negocial e as situações conflituosas.
A matéria é controvertida, já que dissentem os estudiosos acerca de ser a vontade elemento
integrante do negócio jurídico. Azevedo afirma que o que integra o negócio é a declaração e não a
vontade. No entanto é exatamente na análise da vontade e da declaração que se encontram as situações
que apresentam relações jurídicas desestabilizadas.
As situações apresentam-se com diversidades múltiplas.
Entenda-se que o aspecto da subjetividade seja um fator que possa concorrer para as
instabilidades, até mesmo com naturalidade. As concepções dos fatos são próprias de cada pessoa que
os identificam de acordo com a sua capacidade de apreender a realidade. Cada um possui as suas
naturais limitações de apreensão e isso difere uma pessoa da outra. Essas situações possuem
potencialidades para gerar conflitos.
Apesar disso a questão acerca das divergências entre a vontade e a declaração é posta sob
aspectos de teorias subjetivas ou de teorias objetivas. Por elas se discorre, se é prevalente a real
vontade das partes ou o que a declaração registra ou o que esta importa no contexto social, como já foi
posto anteriormente. M. S. D. Neves Pereira registra que a idéia de declaração negocial, ou declaração
de vontade, possibilita privilegiar o aspecto externo da declaração, a aparência da vontade, ou permite
que se tenha em destaque aquilo que não se enxerga, elemento interno, a vontade real. A primeira
situação apresenta uma noção objetivista, a segunda, uma noção subjetivista ou voluntarista.
Cariota Ferrara apud Vicente Rao, por este registrado, aquela ministra sobre a discordância entre
a vontade e a sua manifestação. Assevera que das inúmeras situações anômalas da vontade, estas podem
ser situadas em dois grupos: um relativo à ausência da vontade de declaração; outro correspondente a
ausência de vontade do conteúdo da declaração. No primeiro encontram-se situações relativas a
violência física, a falsidade, a incapacidade natural. No segundo estão as situações em que o agente quer
declarar e declara determinada vontade, mas não quer o conteúdo da declaração. Exemplifica as
situações do primeiro grupo como, quando alguém exterioriza determinado comportamento, não
desejando expressar uma vontade ou desconhecendo que esse comportamento possa ser entendido ou
ter valor de uma manifestação de vontade. Também em situações em que ocorra erro na forma material
de expressão da vontade. Em relação ao segundo grupo elucida mediante as declarações produzidas por
gracejo, ou para fins didáticos, ou em representação teatral ou situações similares. Também quando
ocorre a reserva mental, o erro, o dissenso.
Gomes assevera que "o negócio jurídico é perfeito quando a vontade é declarada de maneira lícita,
livre e consciente, isto é, de acordo com a lei, sem pressões físicas e morais e com correta percepção da
realidade".
Lisboa leciona que“defeito do ato ou do negócio jurídico é todo o vício que torna imperfeita a
manifestação de vontade do sujeito de direito. É a desconformidade ou irregularidade da exteriorização
da vontade humana que torna o ato ou negócio defeituoso, sujeito à declaração judicial de nulidade ou
de anulabilidade”.
No magistério de Wald o ato jurídico, sendo uma declaração de vontade, está sujeita a ser
deturpada na sua formação ou na sua manifestação. Nessas circunstâncias podemos constatar os vícios
de vontade que podemos determiná-los em aqueles originados de uma representação errada do
declarante ou vícios de vontade derivados da divergência entre a vontade formada e a sua forma
manifesta. Salienta a discordância entre a vontade e a sua manifestação nos casos de erro impeditivo,
erro na manifestação da vontade, de reserva mental, omissão intencional ou simulação. Acrescenta que
existe imperfeição na formação da vontade, quando dos casos de erro, dolo, coação. Podendo ser
considerada, embora os fundamentos sejam diferentes, a fraude contra credores.
A primeira questão que se pode provocar é inquirir-se: nessas situações transcritas o processo
volitivo foi despertado e desenvolveu-se no mundo interior do indivíduo? Pode-se até aprofundar mais
a investigação: houve uma atenção despertada? Havia alguma necessidade? Nasceu algum interesse?.
Com isto se perquire, se a vontade existiu. Antes mesmo de se dar atenção à manifestação da vontade,
como alguns pretendem, à declaração.
Evidentemente que esta concepção está priorizando o homem e analisa-se o fenômeno pelo seu
início.
É viável conceber-se a existência de um negócio jurídico sem vontade?
Para aqueles que sustentam que a vontade não é elemento integrante do negócio e sim, tão
somente, a declaração, esse raciocínio parece autorizar que se responda positivamente. Ressalve-se,
outra questão é admitir-se, ou não, ser possível excluir-se a vontade dos elementos integradores do
negócio jurídico. O entendimento desta controvérsia passa pela concepção do direito, como forma
natural de apreensão e descoberta parcial da realidade ou como forma positivada pelo homem.
Existindo a declaração de vontade o negócio objetivamente existirá. Poderá se questionar, se essa
declaração é o representativo de uma manifestação de vontade, ou, se ela é o representativo de uma
vontade. Na primeira circunstância a questão é se a declaração corresponde ao que a pessoa
manifestou, na segunda, a questão é, se existiu a vontade. Naquela a declaração pode não ser fiel à
manifestação que houve, enquanto na segunda hipótese a declaração é postiça, porque a vontade não
existiu.
!!! ??? ... Silva Pereira assevera que o negócio jurídico é “a mais alta expressão do subjetivismo,
se atentarmos em que o ordenamento jurídico reconhece à atividade volitiva do homem o poder criador
de efeitos no mundo do direito”. Em decorrência de muitos estudiosos identificarem o negócio jurídico
com a declaração de vontade, isso foi motivo para controvérsias e discussões. Para alguns não é o
suficiente uma declaração da vontade para produzir o negócio jurídico, uma vez que o ordenamento
jurídico exige, algumas vezes, que haja uma pluralidade de emissões ou exige procedimento que a
complemente, como: a remessa ou o consentimento de um terceiro. Há outros que discutem acerca da
investigação do fator volitivo. Assim, duas correntes de idéias formaram-se, a da teoria da vontade e os
partidários da teoria da declaração. Os partidários desta entendem que não há a necessidade de
perquerir o subjetivismo do agente, sendo o suficiente a análise da declaração. Por isso qualquer que
for esta, obriga o seu emissor. Silva Pereira entende que é a vontade é um antecedente necessário para
o negócio jurídico. Portanto é necessário que ela seja explicitada, divulgada, por uma manifestação, de
modo a fazê-la sair do mundo interior para o exterior.
França dispõe como elementos do ato jurídico, compreendendo também o negócio jurídico:
agente capaz, objeto lícito e consentimento dos sujeitos.
Rodrigues registra que ato jurídico, fazendo-o no sentido amplo, "é o ato lícito da vontade
humana capaz de gerar relações na órbita do direito". Entende-se que o consentimento é a vontade em
estágio mais avançado, quando esta já é reconhecida pela outro sujeito que com ele concorda, com ele
consente. Consentimento corresponde às vontades qualificadas pelas manifestações correspondidas.
São vontades amalgamadas. São vontades acordadas. A vontade é a essência do ato, do negócio. A
vontade pode estar ausente ou pode estar declarada de maneira desconforme com a manifestação. Pode
até a manifestação estar declarada diversamente da vontade sentida.
Tem-se que o negócio desprovido de vontade é um ato, em sentido amplo, inexistente. Inexiste
por que lhe falta um elemento e assim não chegou a se constituir. Exemplo desta situação é o
casamento celebrado sem o consentimento de um dos nubentes.
Lisboa ministra que "ato inexistente é o ato que, embora presente no mundo fático, não possui
qualquer interesse para o direito. É mero fato ou acontecimento que não produz qualquer efeito
jurídico, ante a ausência de elementos essenciais de sua existência perante o ordenamento jurídico".
Entende que é desnecessário o pronunciamento judicial para que o reconheça como tal.
O ato nulo é aquele que maculado por um vício essencial torna-o ineficaz, ou seja, sem
possibilidades de produzir efeitos legítimos. Vícios que descaracterizem a vontade, a sua manifestação
ou a declaração, exigirão intervenção jurisdicional que resolva relação jurídica instabilizada. O erro ou
a ignorância, o dolo e a coação são denominados de vícios de consentimento, os quais representam
uma discrepância entre a vontade e a declaração.
Denominam-se vícios sociais, os atos que apresentam uma desconformidade entre a declaração de
vontade e o ordenamento jurídico, havendo o intento de impor prejuízos a terceiras pessoas.
Enquadram-se nesta situação, a simulação e a fraude contra credores. Lisboa apresenta a figura da
fraude à lei. Fraus legis que corresponde à obtenção de resultado proibido pela ordem jurídica.
Neves Pereirarefere o Código Civil português, relativo ao artigo 251 e registra que "o erro-vício
consiste no desconhecimento ou conhecimento inexato de um evento essencial para a celebração do
negócio. Portanto o erro-vícío situa-se no processo formativo da vontade negocial ou do sentido
negocial”.
Lopes discorre, afirmando que o erro implica na ausência de concordância entre a vontade
interna e a vontade declarada.
Silva Pereira ensina que sendo o erro o mais elementar dos vícios de consentimento ele ocorre
"quando o agente, por desconhecimento ou falso conhecimento das circunstâncias, age de um modo
que não seria a sua vontade, se conhecesse a verdadeira situação...".
Gomes assevera que erro "é uma falsa representação que influencia a vontade no processo ou na
fase de formação. Influi na vontade do declarante, impedindo que se forme em consonância com a
verdadeira motivação".
Bernardes de Mello afirma que “o erro se caracteriza por uma falsa representação psicológica da
realidade”. A vontade que foi explicitada é resultado do erro, de maneira que a pessoa que a expressou,
se tivesse ciência da realidade, não a teria exposta e o teria feito com um significado diverso.
O erro é a prática de ato jurídico sob a consciência de uma realidade falsa, a que o agente supõe
verdadeira, de maneira a emitir uma declaração cujo conteúdo seria diverso, se ele estivesse realmente
consciente. A doutrina acrescenta que o erro deve ser a respeito de aspectos substanciais do negócio,
sendo que não o afetará ser ele for relativo a circunstâncias acidentais, de qualidades secundárias acerca
das pessoas ou do objeto. Também exige que o erro seja plausível para uma pessoa diligente, aquela que
age com as cautelas comuns, seja um erro escusável.
Dissentem os estudiosos acerca da possibilidade de ser admitido como erro, vício de vontade,
aquele que incidir sobre o conhecimento de uma norma jurídica ou a sua má interpretação. As doutrinas,
alemã, francesa e belga, admitem não haver distinção entre o erro de fato e o erro de direito. Mais
recentemente a italiana incorporou-se a essa tendência. Parte da doutrina brasielira, postada em
Espínola, Lopes, Silva Pereira, Diniz, admite o erro de direito desde que seja o motivo único ou
principal da realização do negócio e nem importe em não aceitação de norma legal.
Lisboa imprime "a ignorância acerca de uma lei abrange o erro de direito, que pode acarretar a
nulidade relativa da obrigação se foi causa determinante do ato ou do negócio jurídico". No entanto,
mais adiante registra: "entendo que o erro de direito não permite a anulação do ato do negócio jurídico,
pois prevalece o princípio de inescusabilidade da lei, anteriormente abordado".
Em meio a tantos movimentos onde se elegem soluções que visam a satisfação do coletivo,
prevalecendo valores publicísticos, observa-se que no trato do erro, relativo ao lapso quanto ao direito,
predomina e instala-se como doutrina, jurisprudência e, agora, instituto legal, a acepção de que sendo
ele determinante para a realização do negócio, considera-se a real vontade da pessoa e fornece-se,
positivamente, fundamento para o decreto de anulação. É uma constatação de uma busca de equilíbrio
entre o particular, a pessoa, e o público, o social.
Enquanto o erro é uma ciência equivocada, a ignorância é a total ausência de conhecimento. Os
diplomas legais tratam-nos sob as mesmas disposições, uma vez que têm por equiparados os seus
efeitos jurídicos.
O dolo e definido como o proceder astucioso, utilizado para induzir alguém a realizar um ato, que
o é prejudicial e beneficia ao autor do dolo ou a terceiro. Neves Pereira ensina que "o dolo consiste no
erro do declarante, causado, mantido ou não esclarecido, por comportamento consciente de outrem".
Apud Lopes, Clóvis Beviláqua assim o define: "o artifício ou expediente astucioso, empregado para
induzir alguém à prática de um ato jurídico, que o prejudica, aproveitando ao autor do dolo ou a
terceiro". Gomes assim expressa o dolo: "consiste em manobras ou maquinações feitas com o propósito
de obter uma declaração de vontade que não seria emitida se o declarante não fosse enganado. E a
provocação intencional de um erro".
O dolo é o ilícito civil que leva alguém a emitir uma manifestação de vontade envolvido em erro,
razão pela qual realiza um negócio que não o faria se consciência tivesse da realidade. Assim esse
elemento essencial do negócio, a vontade, é despertada em circunstâncias falsas, criadas artificiosamente
e com o intuito de causar prejuízo. Prejuízo este de ordem material ou no mínimo moral, já que envolve
a pessoa em engano. Assim a vontade manifesta pelo sujeito enganado não é real, é viciosa. Não é real
em razão de que a situação imaginada por quem a emite não existe, portanto ela é emitida para uma
circunstância que inexiste. Considere-se ainda que o prejuízo do enganado, corresponde a vantagem do
outro sujeito, o autor do dolo, ou o beneficiado por ação maliciosa de terceiro.
A doutrina coloca o dolus bonus e o dolus malus, afirmando que é comum nos negócios existir
uma certa sedução de uma e outra parte, com o fito de concluir o negócio por meio da obtenção de
uma manifestação de vontade favorável. No primeiro não há uma deliberação de auferir uma vantagem
indevida, nem de causar prejuízos ao sujeito contrário. Isto somente ocorre na segunda hipótese. Dolo
essencial ou acidental, se ele, o primeiro, é determinante ou não para a realização do negócio. Dolo
acidental é o que é irrelevante para a concretização do negócio, pois este teria sido realizado, embora
de forma diferente. O dolo recíproco há quando ambos sujeitos agem com a intenção de obter
vantagem, mediante o prejuízo de outro. Nessas circunstâncias nenhum dos partícipes pode alegar
aquilo que seria a sua própria torpeza. Ainda há que ser registrada a omissão dolosa, que ocorre,
quando o sujeito silencia sobre circunstância que, se sabida pelo sujeito contrário, seria motivo para a
não realização do negócio.
Diniz define a coação que seria "qualquer pressão física ou moral exercida sobre a pessoa, os bens
ou a honra de um contratante para obrigá-lo ou induzi-lo a efetivar um negócio jurídico". Lisboa a
apresenta como "o mal injusto, grave e iminente, causado à vítima, mediante violência física ou moral".
Rodrigues expõe definição de Henri Capitant: "é toda pressão exercida sobre um indivíduo para
determiná-lo a concordar com um ato". Silva Pereira diz que há coação quando "ao invés de usar
manobras e maquinações, pode alguém proceder com violência, forçando a declaração de
vontade".Gomes registra que "a coação é uma das espécies da violência. Quem pratica negócio sob
coação emite declaração de vontade que não corresponde à sua vontade real".
Toda a vez que alguém emite uma declaração de vontade em razão de circunstâncias que a
forcem assim agir e que é contrária ao que realmente deseja, ter-se-á uma declaração de vontade
destoante do seu real querer. Uma pessoa pode se sentir forçada a agir de forma contrária a sua
vontade, em razão de uma ação violenta que pela força corporal a subjugue, ou, por uma forma
também violenta, mas que influencie o seu espírito pelo temor a um mal que possa prejudicar a pessoa,
ou a honorabilidade, do agente ou de pessoas da sua família. Chamam à primeira de coação absoluta,
vis absoluta, à segunda de coação moral, a vis compulsiva. Exige-se que a ameaça seja séria e injusta e
que o coagido não tenha procedido em razão de simples respeito, denominado de temor reverencial. O
mal deve ser iminente. Iminente é a situação que tem o coagido em condição de não poder evita-lo,
seja com os seus próprios recursos, seja através da autoridade pública, Essa ameaça deve ser atual e
inevitável.
Alguns autores asseveram ser espécie de dolo, outros afirmam ser forma de simulação, a
denominada reserva mental. Lisboa a define como "a declaração não pretendida em seu conteúdo que
tem por finalidade enganar o seu destinatário". É questão jurídica, quando causar prejuízo ao
declaratário ou a terceiro, "...a emissão de uma intencional declaração não querida em seu conteúdo,
tampouco em seu resultado, pois o declarante tem por único objetivo enganar o declaratário". É a lição
de Diniz.
Denomina-se lesão o fato que resultem em alguém conseguir, a seu favor, uma vantagem
indevida, resultado de se valer de uma situação caracterizada pela inexperiência, futilidade, ou,
necessidade, da outra parte, causando-lhe prejuízos. Rodrigues define esta situação, fazendo o seguinte
registro:"A lesão é o prejuízo que um contratante experimenta quando, em contrato comutativo, não
recebe, da outra parte, valor igual ao da prestação que forneceu.". Lisboa a define como "a obtenção de
vantagem indevida, mediante o aproveitamento da situação de inexperiência, leviandade ou premência
da vítima, acarretando-lhe prejuízo, em prol do agente ou de terceiro".
Situação jurídica semelhante ao da lesão é, quando a vontade é manifestada em condições onde a
vítima está, pelas circunstâncias que a envolvem, com o seu psiquismo debilitado, a sua razão é fraca, o
seu raciocínio desenvolve-se perturbadamente, é o denominado estado de perigo. É a situação na qual a
vítima se encontra que a obriga a realizar negócio jurídico contendo prestação que lhe é onerosa, para
se livrar de risco iminente à vida ou à saúde.
Há simulação quando um ato ostensivo dissimula vontades diferentes das manifestadas.
Referindo-se a doutrina tradicional Custódio da Piedade Ubaldino Miranda manifesta que "a
divergência entre a vontade real e a declarada é provocada de comum acordo entre as partes; estas se
conluiam para o efeito e todo o procedimento se destina a enganar terceiros". A simulação ocorre
quando as partes manifestam uma vontade diferente da sua vontade real, visando a aparentar um
negócio jurídico que não corresponde à realidade. Gomes formula esta definição: "a simulação existe
quando em um contrato se verifica, para enganar terceiro, intencional divergência entre a vontade real e
a vontade declarada pelas partes". Silva Pereira ensina que "consiste a simulação em celebrar-se um ato,
que tem aparência normal, mas que, na verdade, não visa ao efeito que juridicamente devia produzir.
Como em todo o negócio jurídico, há aqui uma declaração de vontade, mas enganosa". Rodrigues
expõe que, segundo definição de Beviláqua, simulação é "uma declaração enganosa da vontade,
visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado". Lisboa define-a como "a declaração ou a
prática aparentemente regular, na qual o agente objetiva resultado diverso daquele que normalmente se
produziria, para benefício próprio ou de terceiro".
É a vontade e a declaração, as quais envolvem a questão da simulação de negócios. Mais do que
nas demais figuras de vícios, a vontade tem importância fundamental, já que ela é objeto do ilícito, a
qual não é expressa. Consta da declaração aquilo que é posto para disfarçar o verdadeiro objetivo, este
que será causa de prejuízos de uma terceira pessoa e benefício das partes.
Considera-se a simulação, do latim, simulatio, fingimento ou artifício, como absoluta, quando o
objetivo pretendido é contrário ao que prescreve o ordenamento. O objeto declarado não é o realmente
desejado. É situação equivalente a uma simulação absoluta o caso do senhorio que forja a venda do
imóvel para obter a desocupação do imóvel pelo inquilino. Ela é relativa, quando o fato simulado é
verdadeiro, mas o que é falso, é o fim objetivado, como no caso da venda efetivada para propiciar à
aquisição por pessoa a quem a lei proíbe. Esta situação também caracteriza a frau legis ou fraude à lei.
A fraude contra credores, segundo Bernardes de Mello "é todo o ato de disposição de bens,
créditos e direitos, a título gratuito ou oneroso, praticado por devedor insolvente, ou por ele tornado
insolvente, que acarrete redução de seu patrimônio, em prejuízo de credor preexistente". Diniz a define
como "a prática maliciosa, pelo devedor, de atos que desfalcam o seu patrimônio, com o escopo de
colocá-lo a salvo de uma execução por dívidas em detrimento dos direitos creditórios alheios". Na
seqüência esta mestra arrola circunstâncias caracterizadoras, arroladas na jurisprudência dos tribunais,
como: a) ser o crédito anterior ao ato fraudulento; b) que o ato fraudador seja causa de prejuízos; c)
que tenha havido a intenção de fraudar, presumível pelo estado de insolvência; d) que a prestação
jurisdicional recuperatória possa ser proposta contra o devedor insolvente, contra a pessoa que com ele
realizou o negócio fraudulento, ou contra terceiros adquirentes do bem que tenham se havido com má
fé.
A doutrina e a jurisprudência têm se debatido entre caracterizar esta situação como caso de
nulidade ou de ineficácia jurídica. A primeira que aponta a possibilidade de restituir a situação ao
estado anterior ao ato fraudulento, enquanto, na segunda, o ato permanece na situação posta pelo
procedimento fraudulento, mas viabiliza aos credores dispor do bem para os atos executivos. Nesta
situação não há a rescisão do negócio fraudador, mas ele não possui oponibilidade para os atos que
buscam a satisfação das obrigações inadimplidas. Considera-se que a fraude operada contra credores é
ato ineficaz em relação aos credores fraudados.
A tendência atual da jurisprudência em relação a atos que se constituam em fraude contra
credores é preservar atos de boa fé. Para isso é exigível além do dano, do prejuízo aos credores,
também o é a consciência da fraude, denominada de consilium fraudis. É necessário que o adquirente
do bem tenha conhecimento que o ato importa em prejuízo para os credores.
Theodoro Júnior registra que o Código Civil posicionou-se em relação à fraude contra credores
no seu âmbito. Também o fez a lei de falências em relação ao comerciante. O ordenamento possui uma
posição na qual não prescreve a revogação, como ato nulo ou anulável, tem-no como ineficaz
relativamente à massa. As conseqüências da fraude em relação aos devedores do falido são as de
subordinar o bem adquirido pelo terceiro à execução coletiva que é processada contra o alienante. Há
que se observar a ocorrência do eventus damni. O que seja o prejuízo do credor que se materializa em
face da insolvência do devedor, havendo o desvio do bem em disputa. Participação do terceiro que
adquire o bem desviado, mediante a consciência de que o faz com prejuízo ao credor ou credores do
alienante. Independe se o ato atacado foi praticado de forma onerosa ou como mero ato de disposição.
A fraude contra credores é aquela situação, em que a vontade dos sujeitos que integram o
negócio, tem como objetivo, alcançar um desiderato que resulta em prejuízo para terceiros, credores
daquele, que por este ato, tem o patrimônio diminuído. As vontades dos sujeitos contrariam o interesse
geral, objetivado pelo ordenamento jurídico.
É oportuno que se diferencie a fraude contra credores da fraude à execução. Lisboa afirma que
ela é uma espécie do gênero. O gênero é a primeira. Distinga-se, no entanto, a fraude contra credores é
um instituto de direito material. A fraude à execução é um instituto de direito instrumental. Alguns
estudiosos querem que a primeira seja menos grave que a fraude à execução, uma vez que atenta
contra o exercício jurisdicional. O momento do ato que frauda o credor no segundo instituto referido
acontece no desenvolvimento de uma relação jurídica processual. Nesta situação a resolução da fraude
não necessita de ação revocatória. A ineficácia que decorre da fraude à execução pode até ocorrer em
procedimento de embargos de terceiro, não havendo precisão da ação pauliana.
O ordenamento jurídico constitui-se de parâmetros objetivos que delineiam as condutas das
pessoas. Estas tendem satisfazer necessidades. As consecuções dependem da emanação das vontades,
as quais se manifestam e constam de declarações que, para terem o reconhecimento da ordem geral,
necessitam estar adequadas àquele, o ordenamento.
Como foi desenvolvido, o sentido de harmonia é necessário para que o fenômeno jurídico exista,
produza os efeitos necessários e seja reconhecido pelo ordenamento. As relações jurídicas de forma
pressuposta dependem de fatos que preencham esses requisitos. A vontade como essência do ato
jurídico será fator determinante para a higidez do negócio e da relação. A sua manifestação e
conseqüente declaração que não sejam equivalentes ou que se apresentem em descompasso com a
ordem legal é causa primeira da instabilidade da relação jurídica.
6. A transmutação do negócio jurídico.
A caracterização política ideológica dos institutos pode propiciar que a análise destes venha
acentuar a percepção subjetivista que o analista tenha acerca de um tema. Assim o negócio jurídico tem
sido apresentado como um fenômeno decadente, próprio de uma era onde o liberalismo individualista
marcou os interesses de grupos sociais e econômicos. Afirmam por isso que o negócio jurídico está no
seu ocaso, já que ora os valores sociais predominam e estabelecem-se como imperativo de sociedades
modernas, onde a massificação dos interesses é fator preocupante.
Gomes deixa registrado o seu entendimento de que ele raciocinando em termos teóricos e práticos,
faz, juízo seu, que a manutenção da espécie negócio jurídico é oferta de prestígio ao retrocesso. A sua
manutenção no Código Civil é fora de propósito, pois isso não passa de tentativa vã para resguardar,
por a salvo, valores que agonizam e que são referente ao capitalismo. Essa persistência trata-se de um
saudosismo pandectista, que apenas serve de maneira anacrônica a uma ordem social já superada.
Essa concepção dá a entender que o cultor do direito tem-no como coisa acabada que nasce, vive
e morre. Concepção esta que destoa da vida, materializando-a no espaço e no tempo. Em verdade as
pessoas sim, são entes materiais limitados que nascem vivem e morrem, a vida não, ela está e sempre
esteve, enquanto os homens chegam e partem. Aqueles que possuem uma maior capacidade de
apreensão contribuem para com os demais, expondo porções de vida até então não concebidas. O
direito é assim. Como a vida necessita que o homem apreenda-o e exponha o que até então não havia
competência para identificá-lo. Nada pode ser estático, tudo é dinâmico e necessita adaptar-se a
realidades novas. Novas porque vão se constituindo descobertas recentes. O antigo deve rejuvenescer-se
para não desaparecer em meio a aspectos novos da realidade e mesmo que se torne arcaico, não mais
supra necessidades, é sempre um parâmetro para novas soluções, embora a transmutação que adapta,
seja o natural exemplo da vida. Wald, citando Georges Ripert, transcreve "o nosso Direito atual é uma
curiosa mistura de instituições do antigo Direito e daquelas que são exigidas por um novo regime. É
uma obra de conciliação". Entende este autor que não é necessário que prepondere o conservadorismo,
pois este impede que a sociedade avance e se adéqüe aos tempos novos, nem é permissível um
radicalismo destruidor que não queira permitir a continuidade das instituições. Situações de transição,
são momentos para reflexão e construção do jurista. As soluções devem ser relativizadas, mediante a
ponderação de valores da ética, das realidades econômicas e sociais. Em meio ao antagonismo, num
mundo onde prepondera a teoria da relatividade, no campo do Direito deve se buscar o equilíbrio entre a
justiça e a segurança, com predomínio da ética e plena percepção dos princípios econômicos.
O negócio jurídico, seja de direito material, seja de direito processual, é uma porção da realidade,
cada vez mais integrante e participativa das relações jurídicas e dotado de plena capacidade de
adaptação aos novos tempos, uma vez que acompanha ao ordenamento que vai dotando-se, pouco a
pouco, de normas compatíveis com a vida contemporânea. Assim o rejuvenescimento do complexo de
normas jurídicas condiciona o negócio jurídico à reciclagem que necessita para se adaptar. Tanto como
a idéia de liberdade necessita ater-se de que ela não é um valor ilimitado e incondicional, já que os
indivíduos não são tão indivíduos, já que vivem de forma inter-relacionada.
Fala-se de crise: crise do direito, crise do negócio jurídico, crise das relações jurídicas. As crises
são resultados de comportamentos reacionários que não compreendem e reagem à realidade dinâmica
da vida e que esta é eterna porque consegue transmutar-se a cada instante, para viver uma nova face da
realidade. Morre tudo aquilo que se torna estático e reage às necessárias metamorfoses que asseguram
a perenidade.
Cláudia Lima Marques refere que numa sociedade, por alguns denominada de pós-moderna, onde
prevalece o consumismo e tem por característica a massificação e a tendência de um comportamento
individualista, estabelece-se uma crise sociológica. Esses fenômenos são incitantes à ciência do direito.
Principalmente que esses fenômenos convivem com um ceticismo de que o direito possa oferecer
soluções aos problemas desta época. A valorização dos serviços, do lazer, do abstrato, do transitório
apontam a inadequação do contrato tradicional e impulsionam para esforços que apresentem novos
conceitos, nova jurisprudência, uma visão mais atualizada dos princípios regedores do direito civil.
Nisto há uma forte inclinação para a publicização desses preceitos tão classicamente privados, mediante
uma aproximação acentuada ao direito público e uma busca imediata dos direitos fundamentais do
cidadão. Há uma busca de uma nova racionalidade, caracterizada por uma insistente desdogmatização
do direito. São fenômenos contemporâneos à globalização e a perda da individualidade moderna,
concomitante a uma preocupação com os direitos humanos.
O negócio jurídico, fruto da vontade da pessoa, como esta continua e continuará a existir e com
isso sendo origem ou razão de conservações, alterações ou extinções de relações jurídicas, propiciando
situações que assegurem a estabilidade ou condicionem às partes a alcançarem a re-estabilização das
relações jurídicas. Evidentemente que essas se estabelecerão de forma balizada a um ordenamento
jurídico dotado de normas que descubram a vida em seu momento mais recente.