CONSULTA N. 812.017
RELATOR: CONSELHEIRO SEBASTIÃO HELVECIO
Rejeição integral da LDO: anomalia
jurídica
DICOM TCEMG
EMENTA: CONSULTA — PREFEITO — PROJETO DE LDO — REJEIÇÃO INTEGRAL
PELO LEGISLATIVO — I. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA — OMISSÃO DO
LEGISLATIVO. — II. REPASSE DE RECURSOS DO EXECUTIVO AO LEGISLATIVO
— OBRIGATORIEDADE
1. Configura-se omissão do Poder Legislativo a rejeição integral do projeto de Lei
de Diretrizes Orçamentárias, inviabilizando, inclusive, a aprovação do orçamento
municipal.
2. O repasse de recursos do Executivo ao Legislativo é obrigatório, independentemente
da aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
RELATÓRIO
Trata-se de consulta protocolada nesta Casa sob o n. 02242822, encaminhada pelo prefeito de Serra dos
Aimorés, na qual se formulam duas indagações, conforme fls. 1:
Primeira: Na hipótese de rejeição da Lei de Diretrizes Orçamentárias pelo Poder Legislativo
Municipal, estaria o Senhor Prefeito Municipal obrigado a efetuar o repasse mensal à Câmara
dos Vereadores?
Segunda: A rejeição pelo Legislativo Municipal da Lei de Diretrizes Orçamentárias impede a
tramitação e a aprovação pela Câmara do orçamento municipal?
No despacho a fls. 4, encaminhei os autos à Coordenadoria e Comissão de Jurisprudência e Súmula, que
produziu o relatório a fls. 5-10, no qual afirma não haver registro de precedentes específicos deste Plenário
para resposta às indagações.
É o relatório.
PRELIMINAR
O subscritor da consulta, chefe do Poder Executivo municipal de Serra dos Aimorés, é autoridade legítima,
por excelência, à sua subscrição, nos termos do art. 210, I, do Regimento Interno (Res. n. 12/08). Versando
sobre matéria afeta à competência desta Casa, o questionamento é formulado em tese, atendendo ao disposto
no art. 212 do Regimento.
MÉRITO
Em síntese, o consulente indaga, frente à hipotética rejeição do projeto de lei de diretrizes orçamentárias
pelo Poder Legislativo, se subsistiria a obrigação do prefeito de efetuar o repasse mensal à Câmara dos
Vereadores e se estariam impedidas a tramitação e a aprovação da lei orçamentária anual.
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A questão é bastante complexa e merece ser enfrentada de forma sistematizada, para melhor visualização da
controvérsia subjacente.
Breves considerações sobre o orçamento
Desde a sua gênese, o orçamento surgiu como um instrumento de controle da sociedade sobre a
administração pública. Na Inglaterra do século XIX, foi com a prerrogativa de autorizar os gastos do rei
que surgiu o orçamento, dotado de função eminentemente de controle.
Assim, o orçamento passou a ser o produto da integração entre figuras do planejamento, da programação
e da execução1. Adotando essa sistemática, a Constituição da República de 1988 preceituou o necessário
encadeamento lógico e temporal entre o Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e
Lei Orçamentária Anual (LOA).
Com efeito, a Constituição Federal2 estabeleceu prazos de encaminhamento e de devolução para os
instrumentos orçamentários entre os Poderes Executivo e Legislativo, além de impor que cada projeto
obedecesse ao planejamento já traçado.
Em razão da natureza peculiar da LDO, a Constituição Federal em seu art. 166 estabelece um processo
legislativo especial para a sua aprovação. Seu encaminhamento pelo Poder Executivo ao Legislativo deve
ser feito até oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro, devendo ser apreciado e
devolvido pelo Poder Legislativo para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa.
A elaboração da LDO é a efetiva oportunidade de o Poder Legislativo participar ativamente, em conjunto
com o Executivo, da construção do plano de trabalho a ser concretizado por meio da LOA3.
Com a função precípua de fixar balizas para a elaboração da LOA, a LDO emerge como eficiente
instrumento de ação governamental. Sua aprovação pressupõe harmonia e entendimento entre os Poderes
e visa garantir a compatibilidade entre as linhas traçadas pelo PPA e a execução a ser prevista na LOA.
Com respeito à LOA, a Constituição prevê, em seu art. 166, § 8º, caso rejeitado o projeto, que os recursos
“sem despesas correspondentes poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou
suplementares, com prévia e específica autorização legislativa”.
Diferentemente, quanto à LDO, tamanha a sua relevância programática, o ordenamento jurídico não
cogita a possibilidade de sua não aprovação. Com efeito, a Carta Maior chega a vedar a interrupção da
sessão legislativa sem que a aprovação do projeto ocorra: “a sessão legislativa não será interrompida sem a
aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias” (CR/88, art. 57, § 2º).
O Poder Legislativo tem a prerrogativa de emendar o projeto da LDO nos limites previstos na Constituição
e interpretados pelo STF na ADI-1050-MC, Ministro Celso de Mello, DJ de 23/04/2004.
A não aprovação da LDO, portanto, consiste em anomalia jurídica, configurando grave omissão do Poder
Legislativo e inaceitável renúncia de seu poder-dever de representar a sociedade na formulação de políticas
públicas, bem como de exercer o controle externo do Executivo.
1
2
3
MOTTA, Carlos Pinto Coelho; FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Responsabilidade fiscal: Lei Complementar n. 101 de 04/05/2000. 2. ed. rev.,
atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 98.
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 35, § 2º.
AGUIAR, Afonso Gomes. Direito financeiro: a Lei n. 4.320. 3. ed. 2ª reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
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Revista TCEMG|abr.|maio|jun.|2013| PARECERES E DECISÕES
A sistemática orçamentária evoluiu muito desde então, e o caráter meramente autorizativo de outrora
evoluiu para a função de planejamento. O orçamento passou a servir à necessária associação e alocação de
recursos de acordo com os objetivos estabelecidos pelo Estado, tornando possível a formulação e a execução
de políticas públicas.
CONSULTA N. 812.017
Alinho-me à doutrina que considera inadmissível o Poder Legislativo rejeitar integralmente o projeto de Lei
das Diretrizes Orçamentárias, como a do constitucionalista Alexandre de Moraes: “não há possibilidade do
Congresso Nacional rejeitar integralmente o projeto de Lei das Diretrizes Orçamentárias.”4
Esta Casa, em resposta às Consultas n. 43.829 (Conselheiro substituto Frederico Pardini, Sessão de
04/02/1992) e n. 43.660 (Relator Conselheiro Fued Dib, Sessão de 09/04/1991), reafirmou que a sessão
legislativa municipal também não poderá ser interrompida sem a aprovação do projeto da LDO, que não
pode ser recusado.
Nesse momento, é importante ressaltar que o cronograma da atividade legiferante/orçamentária não se
presta ao interesse do Executivo ou do Legislativo, nem tampouco a interesses político-partidários, mas sim
à sociedade, verdadeira titular do poder estatal.
Feitas essas considerações, passo ao exame pontual dos questionamentos.
Do repasse ao Legislativo
O repasse de recursos feito pelo Poder Executivo ao Legislativo é tratado substanciosamente pelo art. 29-A,
§ 2º, da Constituição, que fixa parâmetros à atuação do prefeito neste particular, sob pena de incorrer em
crime de responsabilidade.
Percebe-se, então, que a figura do repasse materializa um mecanismo de preservação do princípio da
independência entre os Poderes, elemento basilar do Estado Democrático de Direito.
No processo legiferante cujo repasse é ponto culminante, importante papel desempenha a lei orçamentária
anual, que quantifica os montantes mínimos a serem transferidos pelo chefe do Executivo municipal, na sua
função de instrumento de fixação da despesa pública. Consequentemente, ainda no que se refere ao repasse,
sobreleva-se a relevância da lei de diretrizes orçamentárias, norma diretamente condicionante da elaboração
da LOA.
Depreende-se, ainda, do caput do art. 29-A, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 25/2000, que
o montante arrecadado pelo Município — em receita tributária e transferências constitucionais — será base
de cálculo para o repasse do duodécimo à Câmara Municipal, servindo as alíquotas arroladas nos incisos
que se seguem como limite máximo.
Embora fixada na LOA, na prática, a atribuição de valores à Câmara não se dá necessariamente em estrita
consonância com a receita estimada, uma vez que deve guardar proporcionalidade com a receita efetivamente
realizada, diante da possibilidade de frustração da expectativa de arrecadação.
Nesse passo, caso não aprovada a LOA — por consequência da não aprovação da LDO, conforme hipótese
aventada pelo consulente —, a determinação da base de cálculo do repasse à Câmara Municipal não sofrerá
alteração, devendo ser utilizada como base a receita efetivamente realizada, observado, claro, o limite do §1º
do indigitado art. 29-A da CR/88.
A consequência real da ausência de LOA será, em tese, a falta de autorização legislativa para que o Poder
Executivo efetue a despesa, sob pena de violação de princípio orçamentário básico.
A solução está na abertura de créditos adicionais, sem os quais o repasse ficará prejudicado.
Como bem anota a Comissão de Jurisprudência e Súmula, a fls. 7, as Consultas n. 785.693 (Relator Conselheiro
Eduardo Carone Costa, Sessão de 16/02/2011); n. 734.906 (Relator Conselheiro Simão Pedro Toledo, Sessão
de 22/08/2007) e n. 606.167 (Relator Conselheiro Eduardo Carone Costa, Sessão de 07/06/2000), reafirmam
a obrigatoriedade dos repasses à Câmara e a impossibilidade de redução dos valores transferidos, a não ser
4
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 623.
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que motivadas por queda de arrecadação e acobertadas por autorização legislativa, sob pena de configuração
de crime de responsabilidade, nos termos do art. 29-A da Constituição.
Da Lei Orçamentária Anual
Embora, como dito, represente inquestionável aberração jurídica o eventual insucesso na aprovação da LDO,
configura a hipótese inarredável óbice à tramitação e aprovação da LOA, em respeito ao encadeamento das
leis orçamentárias traçado pela Constituição Federal, devendo, nesses casos, a execução orçamentária seguir
o rito do art. 166, § 8º, da CR/88 citado.
Essa possibilidade restitui ao Poder Legislativo uma de suas prerrogativas mais importantes
— qual seja, a de apreciar, discutir, votar, aprovar ou rejeitar qualquer tipo de projeto de lei.
Não se nega — antes, se reconhece e se afirma — que é sumamente inconveniente a rejeição
da proposta orçamentária. É preciso lamentar o que acontece com frequência no âmbito
municipal, em que vereadores, por puro capricho ou espírito de vindita, rejeitam propostas de
orçamento do prefeito. A rejeição assim não é exercício de prerrogativa: é irresponsabilidade
de quem não tem espírito público, e jamais será estadista. A rejeição só deve ser praticada em
situação extrema de proposta distorcida, incongruente e impossível de ser consertada por via
de emendas, dadas as limitações para estas.
[...]
A Constituição dá a solução possível e plausível dentro da técnica do direito orçamentário: as
despesas, que não podem efetivar-se senão devidamente autorizadas pelo Legislativo, terão que
ser autorizadas prévia e especificadamente, caso a caso, mediante leis de abertura de créditos
especiais.
A não aprovação da LDO e a consequente inviabilização da aprovação da LOA, portanto, reitero, consiste
em anomalia, configurando grave omissão do Poder Legislativo, especialmente quando se pressupõe que
haja a existência de um plano estratégico instrumentalizado no PPA, no qual são estabelecidas, de forma
regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas para as despesas de capital e outras decorrentes, além dos
programas de duração continuada, aprovados para o período compreendido entre o 2º ano do mandato do
prefeito até o 1º ano do mandato subsequente.
Conclusão: diante do exposto, respondendo especificamente aos dois questionamentos apresentados,
concluo que a rejeição da lei de diretrizes orçamentárias, em tese:
1) não influi na obrigatoriedade de o Executivo efetuar os repasses ao Poder Legislativo, que deverão
ser efetuados na forma prevista na Constituição;
2) impede a aprovação da lei orçamentária anual, em razão da sistemática orçamentária, que faz da lei
de diretrizes orçamentárias seu pressuposto lógico e jurídico.
Nestes termos, é como voto.
A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na Sessão do dia 06/03/2013, presidida pela Conselheira Adriene
Andrade; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Wanderley Ávila, Conselheiro Sebastião Helvecio,
Conselheiro Cláudio Terrão, Conselheiro Mauri Torres e Conselheiro José Alves Viana. Foi aprovado o voto do relator,
Conselheiro Sebastião Helvecio. Vencido o Conselheiro Cláudio Terrão.
5
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros. 2007.
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A propósito da aplicação deste dispositivo constitucional, José Afonso da Silva5 afirma que
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