DECISÃO DO CADE – UMA AGRESSÃO AO DIREITO
Por : João Carlos de Camargo Eboli
Os incisos XXVII e XVIII do Art. Quinto da Constituição Federal determinam,
respectivamente, que (i) aos autores pertence o direito exclusivo de autorizar a
utilização de suas obras e que (ii) a criação de associações independe de autorização,
sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento. Ressalte-se que tais
dispositivos constam do Capítulo da Carta Magna que trata dos direitos e deveres
fundamentais, inserto no Título pertinente aos direitos e deveres individuais e
coletivos. Mas o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) acaba de
passar como um rolo compressor por cima dessas máximas constitucionais. Vem de
ser publicada a decisão do referido Órgão, vinculado ao Ministério da Justiça, no
processo administrativo motivado por representação da ABTA – Associação Brasileira
de Televisão por Assinatura, que congrega um dos segmentos de usuários mais
resistentes ao pagamento dos direitos autorais de execução pública. Além de
condenar as associações efetivas que integram e mantêm o ECAD pela prática de
cartel, o CADE impôs às mencionadas entidades e ao próprio ECAD multas
astronômicas, superiores a R$ 5.000.000,00 por associação, sem o menor critério de
razoabilidade e proporcionalidade. Tais penalidades poderão, se prevalecerem,
determinar o fim das atividades de um sistema protecionista bem sucedido (a
crescente arrecadação atesta isso), que vem sendo aperfeiçoado em nosso País há
40 anos. No cerne da decisão, o CADE determina a adequação do ECAD e das
associações a uma série de medidas administrativas que, caso mantidas, importarão
no término da gestão coletiva dos direitos de execução pública de obras musicais,
lítero-musicais e de fonogramas no Brasil. Um verdadeiro desastre para as dezenas
de milhares de autores e artistas patrícios e seus dependentes. Em resumo, o CADE
quer impedir a fixação de preços unificados por parte do ECAD, como mandatário
legal das entidades que o integram, sendo estas mandatárias legais de seus
associados, como se deflui, sem muito esforço, da leitura dos artigos 98 e 99 da Lei n.
9.610, de 1998, que disciplina os direitos autorais no País, embora o CADE pareça
querer regulá-los de acordo com as normas do Código de Defesa do Consumidor e da
Lei de Defesa da Concorrência. O ECAD não se dedica à exploração da atividade
econômica, razão por que não pode representar uma ameaça de dominação de
mercados, de eliminação da concorrência e de aumento arbitrário de lucros. Destarte,
o CADE não é competente para apreciar a matéria, fato esse já reconhecido pelo
próprio CADE ao se deparar, no passado, com questões análogas, representadas
pelos
processos
administrativos
números
08000.002511/1997-19
e
08000.011187/1995-13. Sem preços unificados tornar-se-á praticamente inviável a
arrecadação dos direitos pelo uso das chamadas obras compartilhadas, quando um de
seus co-autores pertencer à entidade A, outro à entidade B, um terceiro à entidade C,
o editor à entidade D, agravando-se mais ainda quando se tratar da execução pública
de fonogramas, quando o produtor estiver filiado à entidade E, o artista principal à
entidade F e o músico acompanhante à entidade G (!!!) Que preço cobrar !? Como
calculá-lo !? Ressalte-se que até 1988 cabia ao extinto CNDA – Conselho Nacional de
Direito Autoral homologar a tabela unificada de preços do ECAD. Logo, a unificação
dos preços era referendada pelo Governo, através de um Conselho Federal. O
objetivo de um cartel é estabelecer um monopólio. Se o ECAD já é um monopólio,
criado por lei (Art. 115 da Lei n. 5988, de 1973, ratificado pelo Art. 99 da Lei n. 9.610,
de 1998), justamente para realizar a cobrança centralizada de tais direitos, que
interesse poderiam ter as associações que o integram de formar um cartel ? Não por
acaso a decisão do CADE contraria diversos pareceres do mais alto nível, proferidos,
dentre outros, pelo renomado economista Gesner de Oliveira, ex-Presidente daquele
Conselho, pelo consagrado jurista Franscisco Rezek, ex-ministro do STF, pelo
insuspeito Ministério Público Federal e pelo também insuspeito Ministério da Cultura,
além de desafiar o emblemático Acórdão da Suprema Corte, prolatado na ADIN n.
2054, sendo Relator o Min. Ilmar Galvão. Ademais, a malfadada decisão representa
uma afronta aos tratados internacionais ratificados pelo Brasil na área autoral,
sobretudo a Convenção de Berna, com a redação decorrente de sua última revisão em
Paris, em 1971, e a Convenção de Roma, de 1961. Por fim, o CADE está
inviabilizando a chamada “blanket license” (licença única, genérica, cobertor), através
da qual, por exemplo, os organismos de radiodifusão pagam um preço único ao ECAD
que lhes permite executar em suas programações quaisquer obras musicais e
fonogramas sob a administração do Escritório Central. O CADE não explicou como as
emissoras de rádio e TV poderão e deverão agir, na prática, para incluir música
protegida em suas programações sem a “blanket license”. Bater à porta de cada
associação...? Buscar a autorização devida junto a cada titular...? Há um princípio em
direito segundo o qual a lei não pode exigir o cumprimento do impossível. Isto é :
aquele que proíbe alguém de desenvolver uma atividade essencial (como cobrar
direitos autorais) de determinada forma, tem a obrigação de oferecer um caminho
alternativo viável, factível, exeqüível. Foi tudo o que o CADE deixou de fazer.
Questionado pelos pobres mortais de bom senso, o aludido Órgão alegou que o seu
propósito era o de punir severamente as associações para defender os interesses dos
autores (!?) Algo paradoxal, eis que as associações pertencem aos autores (ou aos
titulares de direitos em sentido amplo), que delas dependem para gerir e perceber os
seus direitos. Seria o mesmo que implodir um prédio para defender os interesses dos
condôminos, ou decapitar o paciente para livrá-lo de uma enxaqueca... Estamos
convictos de que a Justiça, serena e isenta, derrubará mais essa decisão arbitrária e
irresponsável de tecnocratas do Poder Executivo, verdadeira agressão ao direito
pátrio.
* O texto publicado não reflete necessariamente o posicionamento do IAB
Download

Acesse o artigo