SUBMISSAO
E AMOR / Em Verso e Contraverao
Vera L. Bastazin
PUCSP
A leitura
reprocessar
do texto literario
de urna d1nam1ca
medieval
exige, hoje,
de inter-rela90es
te mais ao leitor repetir-se
que nao permi-
na interpreta9ao
clada que, POl' longo tempo, os criticos
0
estreita
literarios
0
e vl-
cond1 -
cionaram.
a
A sUbmissao
tagnado;
0
critica
tradicional
amor ao texto llterario,
ele sempre repropoe
reascendeu
Ao apresentar
a posslbilldade
sua tese sobre
(1) reverte teses anteriores
delxou
assim como
0
leitor e~
0
desafio que
de outras le1
&mOl' cortes, G. Duby
0
e propoe um contraverso
a poe -
sia l1rlca que, sem duvlda, 1nstiga a um desafio.
sumlda
Na tradiQao,
a cantiga medieval
-- se pensarmos
na automatizaQao
e
tida e mesmo con-
em que se reverteu
sua leltura -- como um texto com eartas rlquezas estruturals
que apresenta
como figura central
soelal desperta
em urn jovem, atenQoes
de valor estetlco
e histor1co
que rende amor, adm1raQao
o amor conceb1do
butido em sl proprio
lhaQao de um cantar
tonica se encontra
fadado a fenecer
te a Impotenc1a
uma mulher,
0
e galanteios.
apresenta
e vassalagem
um
sofrimento,
na exalta~ao
em sua propria
em
It
eu poetlco
de antemao como impossivel
a dol' e a honl'a
raiz, expressando
em confronto
Aura-Amara"
II
-
traz e~
OU
humi -
Assim, a grande
de um sentimento
unilateral,
tao somen-
com as for~as de uma so
c1edade e8trat1ticada.
Ass1m,
II
0 texto
a urna dama Inatlngl
sem chances de vitoria.
afet1va
cuja posiQao
(2) le-se
da espessa tolhagem.
Os
bicos
dos passarlnhoB
flcam mudos,
pares
a imparas.
E au sotro a aorte:
em verso
so por
aquela
que me lanQou do alto
abaixo, em dor
-- ma dama que ma doma.
e
A traduQao de Augusto de Campos
tIel as rimas, all
tera~oes e anagramas. Um texto r1co am associaQoes slntasaaticas a parad1gmatlcas. 0
II
la que apenas the lanQa
olhar do alto e
0
eu poetico
sofredor louva aqu~
II
0
abata em dor co-
mo um ser deaprez!vel -- animal domado sem fOrQas e Bem aQao.
Ela, aocontrario,
domina seu vassalo e
0
subjuga como
0
faz
com os passaros e os bosques. Os passaros calam-se, os bos ques perdem a exuberancia da cor e, carcomidos, branqueiam
num desfalec1mento
mortal. Afin~l,
0
I
explendor e qualidade·
&penas e ta~ somente da mulher amada. Musa Intocavel.
A primeira estrofe dessa cantlga retorna e reforQa
0
carater representativo de uma realidade cuja identificaQao
e
imedlata. 0 valor estetico e historico do texto nao delxa d~
vidaa; a Idade Media imprimiu no taxto a habilidade do trov~
dor em elaborar versos de compos19ao complexa e avanQada, in
dlclando, inclusive, uma longa tradiQ~o l{rlca oral. Mas,
texto evldencla tambem
0
0
dominio tecnlco e a sensibilldade ,
refratando uma realidade economico-socila bem definlda:
0
sistema feudal.
Homens d1stantes
nldos nesse sistema
uns dos outros tem papei8 bem defi-
social. Nas rela~oes de poder. os nobres
destacarn-se. Os vassalos
e os servos
tel sustentam
sociali a servidao.
a p1ram1de
e
a tidelidade
0
que espera
que the estao subjugados.
( de .aneira predominan
Mas. nessa rela~ao de poder
Idade Media -- esta sempre em destaque
0
poeta-trovador
br1r a forma mais perfeita
(3).
0
im
interpessoals
Unico capaz de desco
de expressar
e transmltlr
seus
fosse de amort sst1ra ou ironia. Nao apenas
" eu poetico
" era masculine,
1dealizava
0
compunha,
mas
0
da
uma tigura masculina.
sentlmentos.
e
e
senhor teudal da todos aqueles
0
presso em todo t1po de produ~ao e rela~oes
Era um homem,
a obed1encia
0
era tambem aquele que
e
criando assim um modele de amor
e
porque nao d1zer tambem de servidao.
Ainda em rela~ao
ciedade medieval
a
dominancia
e interessante
o unico responsavel
de banquetes
que lhes preechessem
0
bens senhoriais.
Na verdade,
responsavel
Desde cedo.
0
0
era ele tambem (
jovem era 1ncltado
0
fundamental
a prestar vassala
-
seu senhor. A educa~ao era centrada num prep~
que the possibilitasse
e com auto-dominio
ja
para os
homem da Idade Media viv1a em
de sentimento
mente aqui,a jun~ao do valor h1storico
se Iniciava
era
e admlrado pelo senhor.
ro r1sico e tambem emocional
de, a tormaoao
so
pelas guerras em detesa dos
que the outorgavarn a virilidade
para que tosse descoberto
com bravura
que ele nao
na s~
e sem grandes alternatlvas
a oclosidade.como
ser masculino)
gem e derender
observar
pela produ~ao do entretenimento
senhores entastlados
lutss; combates
do ser masculino
do jovem cavalelro
da nobreza
e ousadia.
atraves
que
0
e emo~oes. Nov~
e estetlco. Na verda-
era um processo
no cortejo da dams instinglvel
experiente
desafiaria
lutar
longo
que
-- uma mulher
a provar sua coragem
de uma suposta rela~ao amorosa. 0 amor
352
cortes era um jogo, cujo grande desafl0
envolvla.
Entre a tenta~ao
va aprendendo
0 dominio
corpo. No desejo
seus proprlos
manlfestavam-se
olhar
de urn lado,
punido com os mais terrivels
a
do senhor
0
mentando
frente aos desafios
seu valor
era composta
concessoes
vassalo,
de algumas
pou-
Arrls-
de outro,
0
•
reconhe-
au -
a que se expunha.
A
lUdico, onde os perso-
a mulher era um mero instrumen
dos componentes
tal como urn trovador.
de ama~te sofredor:
do senhor,
que habllmente
masculinos
urn grande herol que recebera
e
seu papel
os aplau -
ao final do espetaculo.
Ele
produz
e a inteligencia.
com a imaginB~ao
deiro do triangulo
que se formava
talvez fosse bem evidenciado
das cantlgas
jogo, representav&
urn flngldor
A flna11dade
ca do amor cortes era tao bem dlsslmulada
grande ausente
do jogo; ~
vlvia Intensamente
muito mals do que com a sensibilidade.
0
progre~
vida para completar-se,
de um cenario
na encena~ao,
to para a satlsfa~ao
do
I
tao bem representavam.
Assim,
SOB
dlsrar~Bva
no jovem, a coragem de al-
sua propria
nagena
de seu proprio
perigo de urn adulter10
castigos;
que perceberla
0
jovem se mov1ment~
emissao
guem que arriscava
encena~ao
0
Tudo fazla parte de um Jogo educativo.
car a vida, envolv1a
clmento
perigo,
que, ao se revelar,
SiVBS que iam de urn simples
cas palavras.
0
e 0 auto-controle
da mulher
atratlvos,
e
era 0 per1go que
que
0
alvo verd~-
( damal cavaleirol
apenas para
0
proprio
de arnor. 0 senhor,
tao somente
0
converso,
em sua eela
senhor)
senhor
durante
•
to-
papel de um grande es
pectador.
Na estrofe
politl-
final de Arnaut Daniel.
tem-s~:
sou prisioneiro, Arn~ldo.
Esse sabor
De amar ninguem me toma.
A mulher talvez vivesse as palpitaooes decorrentes dos galanteios que lhes eram dirigidos, mas, na realid~
de, cont1nuava 1solada e d1stante das conturbaooes que a p~
dessem macular. Sua fUncao prime1ra permanecia a mesma: dar
tllhos ao homem que a acolhla, dominava e vigiava. Suas ~~
taslas de eXaltacao &morosa tinham limites r{gidos; atinsl,
quando Jovem donzela,aguardara
desembaracar-se
por longas negociacoes para
dos pais e irmaos, quando ainda pubere era
colocada a trente de urnhomern que Jamais vira, para se ca sar. Sua rea11dade chegava a eer grotesca,
nhos era restrito. Entretanto,
e
0
espaco de so -
interessante ressaltar que
sua posiCao no Jogo amoroso era de medladora de urnprocesso
de seducao cujos polos eram ambos ocupados por figuras masculinas. Mals urna vez, a mulher encontrava-se a serviCo
do
homem - aquele que por muito tempo, na Idade Media, dominou
o sistema economico. social, as relacoes amorosas, historicas e esteticas.
a homem, enquanto grande detentor do poder teu dal. esta ausente do texto poetlc~. Entretanto,
e
no texto
que se estabelecem relacoes, que podem propiciar ao leitor
o prazer da descoberta e da invencao. Relembrando Ferrara •
(4), cBbe ao leitor entrenter
proeza, descobrir
o
0
0
signo amblguo e nam ate
de
significado escondido da obra literarla.
texto poetlco de Idade Media. alem de aua riqueza e eom -
plex1dade estrutural, e exemplo primoroso da rlqueza de ail
ni!lcados que revelam,sob uma otlca ampliada.uma socledade
controvertida e plural. seja a n{vel de suss rel~oes,
a nlvel de sua produQao estetica e historiea.
se.1a
Idade
Cia.
(2) "Aura Amara"
Daniel
e
dos Ilomens, do Amor e ou1:ros
um poema
do sec. XII, escrlto
por Augusto
de Augusto
de Campos,
e lIaroldo de Campos.
por AE'naut
crm. Traduzlr
Edic;oes Papyrus
1968.
(3) " poeta-trovador
":
razer
com que
tando
seu slgnirlcado
venter;
(4) Numa
Idade
das Letras
e traduzldo
" Trovar
Ltda,
Medla
0
deeouvrlr
perspectiva
t80 do leltor
moniano.
uso da sinon!mia
volte
a origem
primelro:
apres
de Vanguarda.
- S.P.:
trouver
Ferrara
=
Ferrara
in -
a ques -
em texto ca-
para aqueles
D'Alessio
Ed. Perspectlva.
resg~
du plaisir.
dlscute
apoiando-se
Imprescind!vel
Lucrecia
tern par objetivo
da palavra.
trouvere/trouver
recherche:
da obra poetica.
Leitura
dOs na quest8o.
Estranho
0
~eitor
interessa-
in 0 Texto
1978. pp 73/85.
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