A Responsabilidade Civil em Razão da "Perda Da Chance"
Gislene Barbosa da Costa 1
SUMÁRIO: I. A perda da chance: conceito - II. Natureza jurídica - III. Previsão em nosso ordenamento
jurídico.
I. A PERDA DA CHANCE: CONCEITO
O instituto da responsabilidade civil repousa na idéia de que a ninguém é
autorizado causar prejuízo a outrem e tem como requisitos principais:
i) a ação ou omissão do agente;
ii) a culpa;
iii) o nexo causal; e
iv) o dano.
Destes requisitos, o dano se mostra o de maior relevância, pois sem dano não há
que se falar em reparação.
O dano pode ser configurado pela diminuição de um bem jurídico, seja ele moral
ou material, e dentro do conceito de "dano material" há duas modalidades distintas: o
dano emergente e o lucro cessante. O dano emergente representa a efetiva subtração no
patrimônio da vítima, um dano presente, enquanto os lucros cessantes consistem na
perda de um lucro esperado, um prejuízo futuro, mas certo.
Conforme prevê nosso ordenamento jurídico vigente, o dano, para efeito de
responsabilidade civil, não pode se presumido. Deve ele ser real, efetivo e atual, não se
admitindo mera hipótese, ou dano futuro. O prejuízo pode ser futuro, como no caso do
lucro cessante, mas o dano deve ser atual.
No entanto, é inegável que a perda de determinada oportunidade, por ato ilícito
de outrem, representa um dano, ainda que não caracterizado como lucro cessante ou
1
Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Pós-Graduanda em Administração Legal pela
Fundação Getúlio Vargas. Advogada Integrante do Escritório L.O. Baptista Advogados.
dano emergente. Este terceiro gênero de indenização, como defendido por considerável
parte da doutrina, conhecido como "perda da chance", surgiu na França na década de
60, e é caracterizado quando, por culpa do agente, a vítima fica privada de alcançar um
ganho ou evitar uma perda.
Caio Mário da Silva Pereira, citado por Silvio de Salvo Venosa,(1) leciona que:
É claro, então, que, se a ação se fundar em mero dano hipotético, não cabe reparação.
Mas esta será devida se se considerar, dentro na idéia de perda de uma oportunidade
(perte d'une chance) e puder situar-se na certeza do dano.
Neste tipo de indenização, o que se considera é a potencialidade de uma perda, não o
que a vítima realmente perdeu (dano emergente) ou efetivamente deixou de ganhar
(lucro cessante).
II. NATUREZA JURÍDICA
O instituto da perda da chance é relativamente novo no meio jurídico, não
havendo ainda um posicionamento firme da doutrina ou jurisprudência acerca da sua
exata natureza jurídica. Há uma corrente que defende tratar-se de lucro cessante; outra,
de dano emergente; uma terceira prefere se referir à perda da chance como sendo um
terceiro gênero da espécie dano material; e uma outra a qualifica como dano moral.
Como visto no primeiro item deste artigo, o dano emergente representa a efetiva
subtração no patrimônio da vítima, um dano presente, consagrado no artigo 402 do
Código Civil, já o lucro cessante, é bom lembrar, consiste na perda de um lucro
esperado, um prejuízo futuro, mas certo. Vê-se que a perda da chance se localiza numa
zona de transição entre estes dois conceitos. Porém, em nenhuma destas duas
modalidades de dano material poderia se enquadrar, justamente porque o dano material
deve ser real, efetivo e atual, não sendo admitido mera hipótese, ou dano futuro e, ainda,
deve ter sua existência e quantificação apuradas e comprovadas de forma inequívoca.
Não é, absolutamente, o caso da perda da chance.
Por fim, defendendo tratar-se a perda da chance de um dano moral, diante da
impossibilidade de seu enquadramento como espécie do gênero dano material, cita-se
julgado do extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, entendendo que
"esta indenização, no entanto, é pelo dano moral, e não material".(2)
III. PREVISÃO EM NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO
Na doutrina pátria, há quem defenda a existência de disposição legal a amparar a
aplicação do instituto da perda da chance, haja vista o artigo 402 do Código Civil dispor
que "as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente
perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar". Privar a vítima de um ganho obviamente
equivaleria a impedi-la de lucrar.
Silvio de Salvo Venosa(3) entende, inclusive, que nossos Tribunais já aplicam o
instituto da perda da chance:
Quando nossos tribunais indenizam a morte do filho menor com pensão para os pais até
quando esse atingiria 25 anos de idade, por exemplo, é porque presumem que nessa
idade se casaria, constituiria família própria e deixaria a casa paterna, não mais
concorrendo para as despesas do lar. Essa modalidade de reparação de dano é aplicação
da teoria da perda da chance. Como se vê, o instituto da "perda da chance" já é aplicado,
há muito tempo, em nosso ordenamento. A novidade se limita à sua nomenclatura.
NOTAS
(1) Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, v. 4, 2003. p. 201.
(2) Segundo Tribunal de Alçada Civil, Apelação 688.509-0, 12ª câmara, relator Jayme
Queiroz Lopes, julgado em 18.11.2004.
(3) Op. cit., p. 201.
Fonte: COSTA, Gislene Barbosa da. A responsabilidade civil em razão da "perda da
chance". Juris Plenum, Caxias do Sul: Plenum, v. 1, n. 103, nov./dez. 2008. 2 CD-ROM
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