III FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES
EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E QUESTÕES DE GENERO
11 e 13 de novembro de 2009
UFS – Itabaiana/SE, Brasil
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PROFESSOR, QUEM SOMOS NÓS?
EM BUSCA DA IDENTIDADE DO PROFESSOR
Evanilson Tavares de França (SEED)*
Soraya Machado Pereira de França (SEED)**
1 INTRODUÇÃO
A tessitura deste artigo encontra lugar na tentativa de desvelar a identidade do/a
professor/a cujo papel social, inegavelmente sustentáculo da estrutura de qualquer
sociedade, visto tratar-se de profissional responsável, também, pela transmissão da
cultura e do conhecimento, parece fragmentário e fragmentado. Ora objetificados/as ora
sujeitados/as (DEACON e PARKER, 1995), professores e professoras vão construindo
caminhos que buscam inserir-se em uma realidade social/pedagógica cujos sentidos
muitas vezes não se coadunam com o universo de aprendentes, dos próprios ensinantes
e, muitas vezes, da contextura social na qual se inscreve a escola.
“O professor é constituído como o catalisador particularmente ativo, autorizado
e comunicativo da produção e reprodução do conhecimento, em relação ao qual o
aprendiz pode ser mais ou menos ativo, mas sempre subordinado” (DEACON e
PARKER, 1995, p. 98). Cremos, entretanto, que esta catalisação parece escorrer por
entre frustrações e desvalorização profissional expressas em termos como mediador,
*
Graduado em Pedagogia (Faculdade Pio Décimo), especializado em Planejamento Educacional e Língua Portuguesa Universidade Salgado Oliveira - e em Educação e Gestão Escolar, pela Faculdade Pio Décimo. Atua como professor e
pedagogo da Rede Estadual de Ensino (Secretaria de Estado da Educação/SEED - Sergipe). Contatos: Telefone: (79)
9134-2121. E-mail: [email protected].
**
Graduada em Pedagogia pela Faculdade Pio Décimo. Possui especialização em Língua Portuguesa (UNIVERSO).
Especializanda em Educação de Jovens e Adultos pelo IFS (Instituto federal de Sergipe). É professora da Rede
Estadual de Ensino (Secretaria de Estado da Educação/SEED - Sergipe). Contatos: Telefone: (79) 9132-8509, e-mail:
[email protected].
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facilitador, tutor, monitor ou similares que terminam reduzindo a importância do/a
professor/a, entendido/a como agente de transformação, intelectual transformador,
como afirmam Giroux e Simon (in SILVA, 2003).
O lugar social do/a professor/a parece estar garantido. Todavia parece haver uma
certa frivolidade na constituição da identidade deste profissional. Ainda que
compreendamos a dinâmica identitária, dada a processualidade da identidade, entretanto
esta dinâmica precisa partir de um ponto: os sujeitos precisam estabelecer vínculos,
ainda que com temporalidade limitada.
A identidade social de um indivíduo se caracteriza pelo conjunto de suas
vinculações em um sistema social: vinculação a uma classe sexual, a uma classe de
idade, a uma classe social, a uma nação, etc. A identidade permite que o indivíduo se
localize em um sistema social e seja localizado socialmente. (CUCHE, 2002, p. 177).
Este é um aspecto que precisa de ponderação em relação a professores e professoras no
tangente à sua função social, ao seu papel enquanto sujeito da educação, ao seu perfil
profissional. Quem é este agente social mergulhado em realidades tão díspares nas quais
sua ação é desempenhada? Que papel efetivo desempenham professores e professoras
em um contexto embriagado de descaso, de desvalorização salarial e profissional, em
condições de trabalho indignificantes? Professor/a, quem, em verdade, somos nós?
2 PROFESSOR, QUEM SOMOS NÓS? EM BUSCA DA IDENTIDADE DO
PROFESSOR
Talvez, a priori, encontremo-nos carreando a arte de ensinar. Mas, se nos
imiscuirmos na história da educação perceberemos facilmente que a igreja –
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notadamente na idade Média – fez isso (e há ainda quem o faça) com uma maestria
incomparável. Catequizou, dizimou culturas e, por conseguinte, identidades (sob
aplausos), em nome da arte de ensinar – em nome de Deus. E, ainda que discordemos
dos procedimentos adotados, dentro daquilo que se propuseram alguns religiosos, o
trabalho foi exitoso. Tanto isso é verdade que a cosmovisão1 que norteia as ações
humanas nas sociedades ocidentais – até hoje! – é resultante, também, do trabalho
jesuítico.
Não se pode perder de vista, evidentemente, os objetivos práticos da
ação jesuítica no Novo Mundo: o recrutamento de fiéis e servidores.
Ambos foram atingidos pela ação educadora. A catequese assegurou a
conversão da população indígena e foi levada a cabo mediante a
criação de escolas elementares para os “curumins” e de núcleos
missionários no interior das nações indígenas (ROMANELLI, 1987,
P.35).
Alguns diriam que somos os detentores do conhecimento. Mas o conhecimento
tem proprietário? Aquele a quem deram a paternidade da Filosofia, assevera que “O que
eu sei é que nada sei.” Por outro lado, com a imensidão de informações e descobertas
lideradas pela mídia e pelas ciências, respectivamente, é leviano qualquer profissional
arvorar-se senhor do conhecimento. Ao contrário, com as especialidades à venda em
shopping centers (praticamente) é cada vez mais plausível o lugar comum que diz que
“sabe mais aquele que menos sabe”.
(...) As práticas sociais incorporam hoje saberes mais numerosos e
qualitativamente diferentes dos saberes que elas incorporavam outrora: informações,
saberes-códigos, saberes-sistemas. (CHARLOT, 2005, p. 86). Consideramos salutar
acrescentar que há, em nossos dias, por parte das camadas populares, uma confusão
1
Cosmovisão (cosmos = universo + visão = maneira de ver) é o modo de apreender a realidade, tal como
ela se apresenta no espelhamento de nossa retina (e os demais sentidos) (MARX e ENGELS, 2005, p. 16).
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habitando as definições de conhecimento e informação, ora tratadas como sinônimos ora
como conceitos complementares. Atribui-se, portanto, valores similares a conceitos
distintos entre si.
Diriam outros que somos educadores por excelência. No entanto, é bom trazer à
baila que nenhum ser humano, por maiores que sejam sua competência, seus
conhecimentos em Sociologia, Psicologia, práticas pedagógicas, faria um trabalho tão
fidedigno quanto a mulher que protege seu filho no ventre por nove meses, que o
amamenta por longos e longos dias; que permuta dias e noites; que se converte em
trabalho, em sabedoria, em energia, em amor para doar ao seu filho.
É fundamental que aquele que educa o outro se saiba e reconheça
ocupando o lugar de ser modelo, já que quando ocupamos esse lugar
marcamos o corpo daquele a quem educamos por meio de nossas
intervenções. Porque educar é marcar o corpo do outro. Corpo
marcado é corpo: amado, falante, vivido, desejante, sentido, molhado,
aberto, sofrido, vivo, carente, generoso, alegre, irrequieto, que se
prepara para receber o outro. (DOWBOR, 2008, P. 66).
Reconheçamos a importância do professor no registro de “marcas” no corpo de
cada educado, de cada educanda. Reconheçamos a força da “pedagogia da presença”
(COSTA, 2001) exercida por professores e professores nos mais distantes recônditos
onde se identifique uma escola, uma sala de aula, um círculo de cultura. Entretanto,
entendemos que estas “marcas” são aplicadas em lócus construídos para este fim.
Nestes espaços/tempos a educação acontece a partir de uma intencionalidade,
sistematicamente, o que, acreditamos nós, reduz um tanto de sua força se comparada às
relações que se desenvolvem com naturalidade – e com mais densidade e intensidade –
como ocorre nas famílias.
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Os mais modernos afirmariam que somos facilitadores (confesso que estes são
os que mais me assustam). Facilitar é subtrair; é impedir que as habilidades do outro
sejam buriladas, especializadas; é podar potencialidades e eclipsar competências.
Observem o que os brinquedos eletrônicos e o controle remoto (que “facilitam”) fizeram
com nossas crianças: reduziram a criatividade, limitaram a reflexão, o pensamento.
Contribuiu para a criação de uma geração preguiçosa – e há quem acrescente a
obesidade. E ser facilitador, parece-me, é reduzir a importância do professor. Caberiam
aqui alguns questionamentos: Facilitadores de quê? E a serviço de quem? Fazer uso de
estratégias que agucem a criticidade, a criatividade e a participação é tarefa vital do
professor. Todavia, não deve converter-se em muleta para os estudantes – para o bem
dos educandos e dos educadores. A educação deve voltar-se para a libertação dos
sujeitos!
O professor que trabalha pela libertação do povo começa por tomar a
libertação como objetivo central e real de sua ação educadora. Frente aos
seus alunos, este objetivo central poderia ser definido da seguinte maneira:
“Ajudar as crianças a se desenvolverem como seres capazes de libertar-se das
estruturas opressivas da sociedade atual. (NIDELCOFF, 1985, p. 29).
Esta assertiva encontra ressonância em Freire (2001) quando afirma que
“ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando” (p. 65). Educação, por
conseguinte, precisa ser compreendida como ação de desenvolvimento pleno dos
sujeitos, nas dimensões física, afetiva, espiritual e cognitiva.
Então, professores, quem somos nós? Talvez nos encontremos analisando o
espaço/tempo onde e quando não deve(ría)mos estar.
Não somos mães, pais, psicólogos, assistentes sociais, (super-heróis),
simultaneamente, para acreditar, cegamente muitas vezes, que podemos resolver todos
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os problemas, de cunho psicológico e sócio-econômico que atravancam o
desenvolvimento saudável de nossos estudantes. Devemos, obviamente, reconhecer que
tais questões têm influência vital no rendimento, na desenvoltura, no engajamento de
crianças e jovens nossos de cada dia. Devemos encontrar estratégias que minimizem (no
maior grau possível) os efeitos destas questões, que têm raiz numa má distribuição de
renda, numa concentração de terra e poder, num descaso político-educacional. Devemos
construir espaços/tempos para discutir estas questões no chão da escola em nome da
formação de cidadãos sensíveis, críticos, engajados – ativos! (Cada vez mais nos
convencemos que a escola deve transformar-se numa trincheira de combate às
injustiças sociais).
Não somos (e ainda menos) professores-policiais, como diria Maria Tereza
Nidelcoff (1985), a serviço da burguesia. Repetindo e conservando textos, projetos,
pensares e fazeres que mantêm o status quo. Jamais devemos estar – não há hipótese
que o justifique – a serviço de uma elite que exclui, discrimina, corrompe, subtrai
verbas públicas para benefício pessoal, agride, mata. Mata? Mata quando não distribui
renda e crianças no mundo inteiro morrem de fome. Mata quando destitui as
comunidades “periféricas” de saneamento básico, água, luz, moradia e alimentação. Não
duvidem: A violência não é propriedade natural do ser humano – segundo Rousseau, o
homem nasce bom, a sociedade é que o corrompe -, é conseqüência de descasos
políticos que promovem a miserabilidade. E matam quando calam ou buscam
procedimentos que silenciam os desfavorecidos; quando propagam uma igualdade
social, um respeito cultural, uma isonomia constitucional e arquitetam, sorrateiramente,
planos e leis que contrariam ferozmente a propaganda, a Lei. Matam pessoas, destroem
sonhos.
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Não somos obreiros de governos, denominações religiosas, facções políticopartidárias, ideologias segregacionistas. As ideologias, assim como todo tecido cultural,
são construídas. E cuidado: nesta indústria têxtil, o gerente, os teares, uma boa parte dos
fios de algodão e até mesmo alguns tecelões podem pertencer à burguesia.
Então, professores, quem somos nós?
Somos, antes de tudo, instrumentadores. Somos aquele profissional que precisa
compreender que “educação é uma forma de intervenção no mundo” (Paulo Freire,
2001, p, 110). Somos agentes (e devemos ser) da construção de ágoras que promovam o
debate público de questões que afligem a comunidade. Somos (e precisamos ser)
alimentadores de sonhos, arautos da justiça, da igualdade, da liberdade. E para tanto,
precisamos ser livres – isentos de qualquer grilhão que nos amarre a algo ou a alguém.
Frisemos: isto não determina que não tenhamos postura política, identidade sóciocultural. Ao contrário: Para compreender o mundo torna-se mister que nos situemos no
espaço e no tempo, que nos reconheçamos enquanto sujeito do processo de construção
da historia humana – atores de fato e não figurantes. Não podemos, em nome de um
lócus confortável em que nos encontramos, tolher pensamentos, amputar cultura, alijar
projetos, alienar pessoas. NÃO SOMOS OLEIROS; SIMILARES A JARDINEIROS É
O QUE SOMOS.
À GUISA DE CONCLUSÃO
A construção da identidade resulta de encontros, desencontros e confrontos que
os sujeitos vão travando durante suas vidas. Ao tempo em que se aproxima de um grupo
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por afinidade, ideologicamente, os indivíduos vão se distanciando de outros por razões
assimétricas.
Outra propriedade que se pode atribuir à identidade corresponde ao seu caráter
processual. Os indivíduos não nascem com identidades definidas, imutáveis, constantes.
Ao contrário, é na interação com outros sujeitos que as identidades vão sendo
esboçadas, encorpadas, nutridas. Acrescentamos a esta propriedade a flexibilidade
também inerente ao processo identitário – tem-se, inquestionavelmente, um processo de
identificação que envolve os indivíduos enquanto vivos estão.
Entretanto, convém trazer à baila que o olhar da sociedade, os valores atribuídos
(ou não) a determinados comportamentos, perfis, manifestações, atitudes são
determinantes no processo de construção dos sujeitos e, por conseqüência, de sua
identidade. O poder coercitivo exercido pela sociedade pode fazer eclodir alguns traços
identitários, frustrá-los ou castrá-los veementemente.
Pensamos que o mesmo pode ser observado no campo das profissões, tanto no
que tange ao seu reconhecimento, importância, significação, quanto ao papel social que
uma determinada profissão pode desempenhar no seio da sociedade, em um
determinado momento histórico. Este parece ter sido o caminho desenhado pela
profissão de professor: professor, educador, orientador, mediador, tutor,... Professores e
professoras têm percorrido estradas que apontam para uma minimização profissional,
desrespeito social, descaso governamental...
Com a identidade profissional em crise, educadores e educadoras deparam-se
com o desencanto profissional, a desesperança pedagógica, a angústia cidadã – e com a
síndrome de Burnout. Quem ganha com isso? Acreditamos que a frustração do educador
e da educadora não traz benefícios para nenhum segmento social. Ao contrário,
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crescimento econômico, desenvolvimento cultural e social exigem investimento em
educação – no educador. Acreditamos não haver discórdia quanto a isto, exceto quando
os projetos de governo atendem apenas a necessidades imediatas – e como em educação
os resultados exigem um tempo significativo...
Localizar o/a professor/a social e profissionalmente, significar o papel social
desempenhado por ele/ela são atitudes imprescindíveis para fortalecimento do processo
educativo e, conseqüentemente, da sociedade que precisa deste profissional para o seu
erguimento e desenvolvimento.
Professor, quem somos nós? Somos, inquestionavelmente, os construtores de um
mundo que precisa ser inclusivo, equânime, DE TODOS.
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