Correio Braziliense/DF, 12 de outubro de 2008 STF | Ministros Aposentados | Ministro Maurício Corrêa Balanço da onda OPINIÃO Maurício Corrêa Advogado Confesso que não tenho intimidade com economia. Atrevo-me a fazer incursões esporádicas na área, impulsionado por mero sentimento de curiosidade. Sempre entendi que a Câmara dos Representantes dos EUA - equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil - iria reverter decisão anteriormente tomada, quando recusou aprovação ao projeto de socorro às instituições financeiras em apuros. Não seria dessa vez que ocorreria o caos por falta de suprimento legislativo. Repetiria a tradição de não faltar com seu dever, como já se verificara em outras épocas de crises. É inegável que a falência do sistema bancário americano reflete conseqüências para todo o mundo. No fundo, a causa do problema parece de fato ter sido a especulação provocada pela ânsia de ganho cada vez maior. Sem liquidez nas operações, a bolha explodiu. De cochilo em cochilo, atingiu o clímax, acarretando, em cascata, quebradeira de parte substancial da rede financeira do país. Talvez a questão não se limite apenas à liberação de recursos oficiais, mas se estenda a medidas mais drásticas, incluindo uma profunda reestruturação do modelo. Entre nós, vislumbrava-se que o bicho não seria tão feio quanto pintado. O governo brasileiro, na segunda-feira passada, já havia tomado medidas fiscais para se prevenir da ameaça, encarregando o Banco Central de implementá-las. Já na terça-feira seguinte, as bolsas de valores do mundo não registraram mais o tamanho das quedas verificadas no dia anterior. Na quarta-feira mantiveram-se mais ou menos no mesmo patamar. Na quinta-feira, pela manhã, as cotações nos principais mercados indicavam aumento. O sobe-e-desce deverá permanecer por alguns dias. stf.empauta.com O fenômeno aqui não foi diferente. A Bovespa teve quedas menores. As vivandeiras do apocalipse começaram a colocar as barbas de molho. Alguns intérpretes do quadro financeiro, que primam em deturpar fatos, persistem em espalhar boatos. Não fazem análise isenta da notícia, preferindo apostar no caos. Como esperado, é preciso que a situação seja monitorada de perto pelas autoridades fiscais. Nessas ocasiões, é usual que pessoas se aproveitem do tumulto para tirar vantagem. Gente que atravessa dificuldades financeiras, sem nenhuma relação com a crise, pode aproveitar-se dela para lucrar, tentando se livrar de insucessos por outras causas. Os principais instrumentos de controle utilizados pelo Banco Central até aqui - aguardo que não passe disso - restringem-se à colocação de dólares para venda no mercado e maior liberação no recolhimento de depósitos dos bancos na instituição. Com o aumento do limite de recolhimento, mais dinheiro fica disponível no meio circulante, favorecendo as transações do dia-a-dia. Ora, como se sabe, nada é tão sensível quanto mexer com dinheiro. Não é à toa que Maquiavel sugeria que a pior pena não é prender infratores, mas enfiar a mão no bolso deles. Em épocas como agora não falta quem não queira lucrar fácil. Empanturram-se de dólares na baixa para lucrarem na alta. A escalada da subida da moeda americana é corolário dessa afirmação. A compra de dólares pelo BC não tem outra finalidade senão a de conter aventureiros. As divisas brasileiras superam o que o país deve. As dívidas contraídas no exterior estão em dia. Se houver redução das exportações em virtude de problemas criados com o temor da crise, por certo o fenômeno será cíclico, devendo as vendas, em breve, voltarem a seu nível normal. As commodities para colocação externa são indispensáveis para a vida dos países que as compram. Não podem ficar sem elas. O pg.1 Correio Braziliense/DF, 12 de outubro de 2008 STF | Ministros Aposentados | Ministro Maurício Corrêa Continuação: Balanço da onda Brasil as tem para vender e cada vez mais há sinais de que seu volume se amplie. Além das commodities, o país produz muitos outros bens, inclusive manufaturados, que geram divisas em quantidade sempre crescente. Felizmente é essa a quadra pela qual passa o Brasil. As políticas que têm sido adotadas para resguardar a ordem econômica têm se mostrado eficazes. Vêm desde o governo passado. O sacrifício pago por gerações e mais gerações de brasileiros há de merecer compensação. Creio que o país pode extrair desse momento de turbulência bons resultados em futuro próximo. Por certo, não nos pegam mais de calças curtas. Com a experiência vivida, o Brasil de hoje é distinto daquele em que a economia vivia em frangalhos e a inflação corroía o esforço da nação. stf.empauta.com As dificuldades que temos de enfrentar não são tão dramáticas quanto supõem as cassandras. Se as prestações dos que compram bens a prazo forem reduzidas; se as exportações temporariamente não se expandirem; se os juros subirem mais; se as viagens internacionais não puderem ser feitas com o frenesi de hoje pelo aumento do dólar; se a aquisição de importados não puder ter o desempenho de agora; se se tiver que fazer um sacrificiozinho, tenha paciência, a crise internacional não será o fim do mundo. O Brasil já é mais forte do que ela. Não há razão para não crer na superação nacional. Há mais fumaça em tudo do que fogo, ainda que muitos desejem que haja mais fogo do que fumaça. Opinião / 21 pg.2