Correio Braziliense/BR, 14 de novembro de 2010
STF | Ministros Aposentados | Ministro Maurício Corrêa
O retrato do candidato
OPINIÃO
MAURÍCIO CORRÊA
Advogado
Vejo numa das chácaras do Lago Sul um pôster de um
candidato derrotado nas últimas eleições. Deparo-me com ele todos os dias quando por lá passo,
supondo que o mesmo se dê com quem também por
ali trafegue. Apresenta- se expressivo e sorridente a
suplicar esperançoso o voto do passante eleitor.
Como está afixado numa árvore de uma propriedade
particular, ninguém tem nada a ver que assim permaneça até que se destruam ou que o removam do
tronco em que está. Quantos planos não devem ter
passado pela cabeça do candidato enquanto sonhou
com a vitória. O remédio agora é esquecer os planos
mal sucedidos ou adiá-los até que novas perspectivas
mais promissoras se abram no horizonte das eleições. Ou, quem sabe, substituí-los por outros desejos
no vasto campo das criações humanas.
A vida é assim mesmo. Temos que ter ideais a cumprir. Só um indiferente não tem projetos a executar.
Sejam lá quais forem eles, se os objetos são lícitos e
se ajustam aos padrões morais da sociedade, não há
como deixar de empreendê-los.Os que ficam de braços cruzados nada conseguem na vida.Vencer ou perder faz parte do labor de quem peleja. Se cair como
primeiro tropeção, não desanime, vá em frente, pois
isso faz parte do jogo de quem moureja. O importante
é reagir e persistir até alcançar o que se busca. Quem
se acovarda diante do primeiro obstáculo não é digno
da vitória. O sucesso pertence a quem ousa e luta para
transformar a vontade em realidade concreta. As
grandes obras da humanidade não existiriam se os
seus criadores não tivessem acreditado no que faziam e se não tivessem trabalhado para que seus feitos se realizassem.
Peço licença aos que me leem para falar um pouco soSTF.empauta.com
bre mim mesmo. Gostaria, na medida do possível, de
registrar algumas experiências de vida. Podem ser
anotações de um escorço que em breve publicarei.
Mas, antes, devo dizer que as afirmações acima não
têm nada a ver com conselhos de autoajuda. São meras constatações de vida pessoal. Valem muito para o
autor. Oxalá possam servir de estímulos a alguns.
Evoco fatos que se achavam há muito perdidos na
poeira do tempo. São passagens de vida como as de
qualquer um. Não contêm nada de grandioso e especial. Digo-as em grande parte pelo desejo de dizê-las.
Nasci na pequena vila de São João do Manhuaçu, no
município deste mesmo topônimo, na chamada Zona
da Mata mineira.
Nossa casa se situava-agora em seu lugar outra habitação foi edificada-no finalzinho de uma das alas
da principal rua do arraial.
Este se inicia às margens do rio que o tangencia e da
estrada Rio-Bahia que o margeia, e íngreme sobe pelas fraldas de uma montanha de penoso e de quase impossível acesso. Aí a rua se fecha ao meio com a
localização da Igreja de São João Batista, padroeiro
do local, deixando passar pelas suas bandas pequenas vias que se bifurcam a montante.
Ao lado da igreja fica o cemitério onde se encontra enterrado meu avô materno, inesquecível figura de meu
tempo de criança.
Mais para cima, em terras vizinhas às que pertenceram a meu pai, uma elevada montanha se projeta. Seu pico, costumeiramente às manhãs, fica
coberto de nuvens, ora brancas, ora cinzentas. Quando tal fato se dava, meu avô gostava de dizer para
mim e para meu irmão um ano mais velho do que eu,
nós crianças de uns quatro e cinco anos e meio de idapg.2
Correio Braziliense/BR, 14 de novembro de 2010
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Continuação: O retrato do candidato
de, respectivamente, que o seu Policarpo havia colocado o lenço no pescoço. Referia-se a um pequeno
fazendeiro que morava numa casa dependurada nas
últimas grimpas do píncaro da rocha, pouco distante
de onde eu achava que estava o céu.
O clima de São João é ameno e saudável.
Nos meses de inverno não há como não se proteger do
frio. Uma neblina costuma cair pelas manhãs deixando a pastagem forrada de orvalho cristalino. A
terra é fértil e toda a economia, desde a década de
1920, gira em torno do café. Os preços sempre oscilaram entre altas e baixas. Mesmo anos antes do
boom da venda de automóveis, quando havia mais dificuldade para adquiri-los, as pessoas de São João,
graças aos rendimentos do café, podiam comprá-los
sem maiores sacrifícios. Na época que lá vivi ninguém possuía sequer um automóvel.
Quando pessoas tinham de viajar para Manhuaçu ou
Carangola, de onde tomavam o trem para o Rio, suportavam cansativas marchas a cavalo.Meu tioTião,
quando começou a namorar minha tia, com quem depois se casou, vinha sempre vê-la numa baratinha
Chevrolet. Era uma festa.
A única estrada usada era de carro de boi. A baratinha
ficava mais agarrada no barro do que em movimento
na estrada.
Minha irmã mais velha ia a cavalo para o colégio de
freiras em Manhumirim, distante uns 30 quilômetros
de onde morávamos, sempre acompanhada de meu
pai. Formou-se professora primária. Também eu e
mais dois irmãos estudamos no Colégio Pio XI, da
mesma cidade. Eu e meu irmão mais novo lá concluímos o curso ginasial.Meu irmão mais velho colou grau no curso científico.
Paro hoje por aqui e, quem sabe, em outra oportunidade, em prosseguimento a estas notas, não escreva algo mais proveitoso.
Há muita coisa a contar do longo curso de anos que vivi. Espero que o pôster do candidato deixado na árvore continue onde está.
Servirá de inspiração para as histórias que vou contar. Claro, entremeadas com o que de costume escrevo.
Opinião/ Pág.21
O carro chegava todo sujo e ele enlameado.
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