Correio Braziliense/DF, 06 de janeiro de 2009 STF | Ministros Aposentados | Ministro Paulo Brossard Entre um ano e outro OPINIÃO Paulo Brossard Jurista, é ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal ( STF) Como é sabido, em 2007, o governo pretendeu prorrogar, mais uma vez, o chamado imposto do cheque, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira ( CPMF) , que, criada para uma emergência no setor da saúde, preparava-se para transformar-se em definitiva. Para isso, recorreu a todos os expedientes. A sociedade, no entanto, entrou a reagir contra a burla de converter em permanente um tributo denominado transitório, e que servia para todos os fins, embora devesse suprir as deficiências dos serviços da saúde, como advertiu o ministro Jatene, que por esse motivo deixou o ministério que honrava. E o Congresso rejeitou a prorrogação. O mínimo que se disse então foi que a administração iria parar, embora se soubesse que apenas o crescimento normal da arrecadação cobriria largamente a redução consequente à extinção do tributo. E começou a difundir que elevaria outros tributos para recuperar a "perda" sofrida. Ocorre que o governo também desejava prorrogar a Desvinculação da Receita da União ( DRU) , para que pudesse manejar livremente 20% da receita federal, o que importava em alterar as verbas orçamentárias. Resultou daí um pacto publicamente celebrado entre governo e oposição. Com a anuência expressa do presidente da República, o Ministério da Fazenda assentou que não seriam majorados outros tributos, enquanto a oposição se comprometia a aprovar a prorrogação da DRU, que stf.empauta.com foi aprovada. Isso, nos últimos dias de 2007. Pois nos primeiros dias de 2008, o Executivo dava o dito por não dito e majorava tributos, sem que houvesse pelo menos uma modesta plástica facial. E o ministro da Fazenda, dando mostras da facúndia de seu engenho, não corou ao participar que o presidente se comprometera a não majorar tributos nos dias finais de 2007, mas não se comprometera a fazê-lo em 2008! Como previsto, a arrecadação federal superou largamente o que deixara de ser cobrado a título de CPMF. Praticado por um particular, como seria chamado esse ato? Você compraria dele um carro usado? Cometido por altas autoridades, como se denomina? Por que estou a ocupar-me de fato quase esquecido? Por algumas razões, inclusive por estar olvidado. Com efeito, é tamanha a massa de acontecimentos que dia a dia envolve a vida das pessoas para, no dia imediato, ceder lugar a outra onda, que também vai durar um dia, que, por mais grave sejam os fatos registrados, eles são rapidamente esquecidos. Ocorre que Il y a de fagots et fagots, como o que lembrei a mostrar a depressão moral que se alastra e a insensibilidade social que se expande. Ora, quando homens públicos celebram um acordo público e solene e no dia seguinte o desconsideram pura e simplesmente e ainda se referem a ele com o escárnio, estão a indicar que são capazes de qualquer coisa, como se fosse coisa de somenos. Um homem público, seja ele qual for, não pode proceder como se a noção de honra não fosse inerente à própria função. Por seu lado, as pessoas relacionadas com a função pública devem ser honradas e presumidamente o são. A menos que o exercício da fun- pg.1 Correio Braziliense/DF, 06 de janeiro de 2009 STF | Ministros Aposentados | Ministro Paulo Brossard Continuação: Entre um ano e outro ção pública, qualquer que ela seja, se tenha desquitado a noção de honra. Mas, em sendo assim, que se pode esperar dessa função que é inseparável da coletividade e do Estado e que se pode esperar do Estado e da sociedade? Daí porque, em meio a todas as fragilidades humanas e sociais, há regras, singelas, mas nem por isso disponíveis e indiferentes ao pre- stf.empauta.com sente e ao futuro da comunidade nacional. Também por isso entendi lembrar um fato quase esquecido, entre um ano que se apaga e outro que nasce. Opinião / 15 pg.2