Turma e Ano: Flex A (2014) Matéria / Aula: Civil (Reais) / Aula 16 Professor: Rafael da Motta Mendonça Conteúdo: Direito das Coisas: Posse: Conceito de Possuidor; Teorias da Posse; Natureza Jurídica; Composse; Detenção. - DIREITO DAS COISAS – O legislador utiliza a denominação direito das coisas porque o subdivide em: posse e direitos reais. A posse não é um direito real, não estando elencada no art. 1225 CC. Porém, a doutrina entende que a posse possui todas as características dos direitos reais. Atualmente, a realidade urbana envolve conflitos relacionados a terra e a moradia. O grande embate no direito das coisas é o conflito entre a propriedade que não cumpre a função social x posse de quem cumpre a função social. I) POSSE: 1. Conceito de Possuidor (art. 1196 CC): Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. O CC/02 não conceitua a posse, mas tão somente o possuidor: é aquele que exerce pelo menos um dos direitos inerentes à propriedade. O proprietário exerce os direitos dominiais: usar, fruir/gozar, dispor e reivindicar. O proprietário pode abrir mão do poder de usar, fruir ou gozar (aluguel, comodato, usufruto). Por isso, se diz que a propriedade é um direito real elástico porque o proprietário pode exercer os poderes dominiais de modo integral ou parcial. Por outro lado, os poderes de dispor e reivindicar a propriedade do bem são irrenunciáveis, somente podendo ser exercidos pelo proprietário. Portanto, independentemente de sua vontade, o proprietário estará sempre exercendo dois dos poderes dominiais: dispor e reivindicar. Diante disso, o proprietário sempre será também um possuidor, a fim de que possa fazer uso dos interditos possessórios, o que possibilita que ele exerça de forma plena os poderes dominiais. Isso porque a posse foi construída para proteger a propriedade (tutela avançada da propriedade). Porém, impende ressaltar que atualmente a posse tem autonomia perante a propriedade Possuidor Jus possesssiones (Posse do não proprietário) Proprietário Jus possidendi (Posse do proprietário) 2. Teorias da Posse: a) Teoria Subjetiva (Savigny): Exige a presença de dois elementos para a configuração da posse: Corpus – é o contato efetivo do indivíduo com a coisa Animus domini – é a intenção de ser proprietário. Na teoria subjetiva, temos uma vinculação da posse à propriedade. Esta teoria nunca foi completamente adotada no ordenamento pátrio porque excluía do direito de posse diversas situações concretas. Nesse sentido, locatário, usufrutuário, comodatário e depositário não eram possuidores porque não tinham animus domini, o que os desqualificavam enquanto possuidores. Em contrapartida, um ladrão teria posse – contato direto com a coisa e animus domini. O resquício da teoria subjetiva pode ser encontrado na posse ad usucapione, que exige a presença do animus domini. Por isso, muitos autores afirmam que o Brasil adotou a teoria mista – resquício da teoria de Savigny na posse por usucapião. b) Teoria Objetiva (Ihering): Posse é a exteriorização da propriedade (conceito de Ihering). O CC/02 adotou a teoria objetiva. A Teoria Objetiva exige a presença de dois elementos Corpus – sujeição econômica da coisa ao indivíduo – apropriação econômica da coisa. Não se restringe ao contato efetivo do indivíduo com a coisa. Para Ihering, o animus domini está dentro do corpus, consistindo na intenção de se apropriar e sujeitar a coisa (e não na intenção de ser proprietário). Affectio tenendi - Agir como se fosse o proprietário. A intenção da Teoria Objetiva de Ihering é proteger a propriedade, já que ele era um burguês proprietário de terra. Nesse panorama, tínhamos no art. 545 CC de 1916 o instituto denominado de exceção de domínio, segundo o qual em um embate entre duas posses, a melhor posse era sempre a do proprietário. No entanto, o CC/02 aboliu essa exceção de domínio – proíbe a alegação de propriedade em ações possessórias, o que representa um grande passo para dar autonomia da posse frente à propriedade. Segundo Ihering, a detenção é determinada pela lei. c) Teoria Econômica (Saleilles): É uma teoria mais moderna. Exige a presença de dois elementos para a caracterização da posse: Autonomia na destinação econômica da coisa Reconhecimento dessa autonomia por terceiros Saleilles busca desvincular a posse da propriedade, acrescentando um cunho econômico à posse. Na teoria econômica, a posse é uma situação dinâmica, o que pode ser verificado no instituto da interversão da posse (art. 1203 CC). Interversão da Posse (art. 1203 CC): Na interversão da posse, temos a alteração na natureza da posse. De acordo com o princípio da continuidade do caráter da posse, a posse mantém o caráter em que foi adquirida, salvo prova em contrário. É justamente a possibilidade de prova em contrário que permite a interversão da posse (alteração da causa possessiones). Art. 1.203 CC. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida. 3. Bens Incorpóreos: Os direitos subjetivos podem ser divididos em: direitos pessoais (obrigações) e direitos reais. A doutrina admite a posse de bens incorpóreos (direito pessoal), o que fica claro na Súmula 193 do STJ, que admite a usucapião do direito de uso da linha telefônica: Súmula 193 STJ: O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião. Antigamente, admitia-se a posse de direito autoral (ações possessórias). Porém, a Lei de Direito Autoral fornece meios específicos para garantir a tutela, permitindo apenas o uso da ação indenizatórias: Súmula 228 STJ: É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral. 4. Natureza Jurídica da Posse: a) Corrente Clássica / Minoritária (Pontes de Miranda, Sílvio Rodrigues, José Acir Lessa Giordani – últimas bancas de Delegado) – A posse é um fato socialmente relevante para o direito e, por isso, goza de uma tutela jurídica. b) Corrente Contemporânea – Posse é um direito real, ainda que não esteja elencada no rol do art. 1225 CC, porque possui todas as características de direito real. 5. Composse (art. 1199 CC): Art. 1.199 CC. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores. Composse é a posse de duas ou mais pessoas sobre um mesmo bem indivisível. Ex: Proprietário de uma casa de praia deixa 3 filhos como herdeiros. Com a morte do proprietário, os herdeiros serão coproprietários e compossuidorores da casa de praia, pois exercem propriedade e posse sobre um bem indivisível. Um compossuidor pode fazer uso dos interditos possessórios em face de outro compossuidor? Sim, pois sendo possuidores nada os impede. Um compossuidor pode usucapir a parcela dos demais compossuidores? Sim 6. Detenção: No CC/02, temos duas espécies de detenção: Art. 1198 – Detentor é aquele que conserva a coisa em nome de outrem dada uma relação de subordinação. Ex: caseiro, porteiro, carteiro, policial em relação a sua arma funcional, motorista em relação ao veículo. Art. 1208, 1ª parte – Não induz em posse os atos de mera permissão ou tolerância, mas sim em detenção. Enquanto a posse é um direito, a detenção é um fato. O detentor não goza da mesma tutela da posse (não pode usucapir, não pode fazer uso de ação possessória). O único efeito da posse também aplicado à detenção é o desforço imediato (art. 1210, caput CC), segundo o qual o detentor pode se utilizar da força para proteger a posse, a fim de evitar uma violência praticada por terceiro (nunca contra o possuidor). Deve ser exercida com proporcionalidade e o excesso gera a responsabilidade civil. Qual intervenção de terceiros que o detentor faz jus quando é demandado em razão de um direito que o demandante tem em face do possuidor? Nomeação à autoria (art. 62 CPC) – nomear à autoria o verdadeiro possuidor. O detentor pode se tornar possuidor? Sim. Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário. Enunciado 301 CJF: Art.1.198. c/c/art.1.204. É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios. Ex1: Proprietário de uma casa de praia, que possui um caseiro, morre e deixa 3 filhos como herdeiros. Após a morte do pai, os herdeiros param de pagar o salário do caseiro, realizar obras e pagar os tributos, além de não comparecerem há mais de 10 anos. Em contrapartida, o caseiro faz pequenos reparos, paga os tributos, passa a morar na casa principal, inclusive contratando um caseiro para ele. Diante disso, o caseiro passa a conservar a coisa em nome próprio, deixando de ser mero detentor, passando a possuidor. Ele poderá alegar a usucapião e fazer uso de interditos possessórios. Ex2: Permissão e tolerância com bens públicos: Estado do RJ permite que alguns servidores construam casas em determinado terreno. Os servidores se aposentam, morrem, transmitindo-se as casas como herança. Com a entrada de um novo governo, o Procurador de Estado propõe ação de reintegração de posse em face daquelas famílias, alegando que estas são detentoras e não possuidoras, já que ocupariam o terreno por mera tolerância e permissão do Estado. Portanto, sendo meras detentoras, as famílias não podem nem ser indenizadas pelas benfeitorias úteis e necessárias. Além disso, também não poderiam usucapir porque o bem é público. Procuradorias Município e Estado e AGU / Jurisprudência (TJ/TRF) – A estada de famílias em bem público não é posse, mas sim detenção, já que elas estariam ali por mera tolerância e permissão do Estado. Defensoria - A ocupação se iniciou com uma permissão e tolerância. Porém, como se passou muito tempo, as pessoas passaram fazer um uso independente da coisa, dando-lhe destinação econômica com plena e total autonomia. Diante disso, a detenção se transformou em posse (teoria de Saleilles), sendo possível fazer uso de ações possessórias, serem indenizadas pelas benfeitorias (possuidores de boa fé), requerer a concessão de uso especial para fins de moradia (direito subjetivo), etc. Enunciado 301 CJF: Art.1.198. c/c/art.1.204. É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios.