EFEITO SUSPENSIVO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL DE DÍVIDA TRIBUTÁRIA. Uma análise sob o prisma da igualdade de armas ; do direito à propriedade e ao livre exercício da atividade profissional; e, da suspensão da execução de dívida tributária garantida por penhora por equiparação à suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Frederico de Moura Theophilo* 1 – Delimitação do campo do estudo. 2 – Os dispositivos a interpretar. 3 – Os títulos executivos extrajudiciais. Características diferenciais da Certidão de Divida Ativa – CDA. 3.1 – A defesa na execução de título extrajudicial. 3.2 – Natureza e características dos embargos do devedor na execução de título extrajudicial. 4 – A norma substancial e a norma processual. 4.1 – A interpretação da norma processual. 4.1.1 - A lei e a norma. 4.1.2 - Submissão da norma processual às demais normas superiores do sistema jurídico. 4.1.3 - Os direitos e garantias individuais na Constituição. 4.1.3.1 - O direito de propriedade. 4.1.3.2 - O devido processo legal para a privação de bens e a ampla defesa. 4.1.3.3 – A igualdade e a igualdade no processo. 5 - Observações sobre as alterações da lei geral do processo civil – A interpretação sistemática à luz das normas superiores do sistema jurídico positivo. 5.1 – O efeito suspensivo dos embargos a execução fiscal. 5.2 – Harmonização dos dispositivos interpretados com as normas superiores do sistema jurídico como um todo, de sorte que tenham validez. 6 - Conclusões 1 – Delimitação do campo do estudo. Por volta de agosto de 2.007, a Procuradoria da Fazenda Nacional editou o Parecer nº 1732/2007, da lavra do ilustre Procurador Dr. Paulo Mendes de Oliveira, o qual em ingente esforço exegético findou, alicerçado no que prescreve o artigo 1º da Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/80) 1 , por concluir que as modificações introduzidas no Código de Processo Civil 2 relativamente ao regime execução de títulos extrajudiciais, também são aplicáveis ao processo de execução fiscal. * Advogado em Londrina – OAB-PR 8719 1 Chamada de LEF daqui em diante. Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil. (negritado) 2 Chamado de CPC daqui em diante. 1 Não é objetivo deste estudo tecer críticas à posição da Fazenda Nacional externada no citado Parecer, visto que a sua contestação dar-se-á diante do Poder Judiciário em casos concretos e em seus diversos aspectos ali abordados. Será o poder Judiciário que irá consolidar em suas decisões qual (ou quais) dos dispositivos da lei geral, o CPC, poderão ser aplicados subsidiariamente à execução fiscal. O presente estudo, entretanto, irá abarcar as questões suscitadas com o advento das novas normas gerais do procedimento da execução de título extrajudicial, mormente quanto ao efeito suspensivo dos embargos a execução fiscal, diante do princípio constitucional da igualdade, vertido no direito processual pela par condicio; diante do direito individual à propriedade e ao livre exercício profissional, confrontando-se estes direitos individuais com o interesse público arrecadatório; e, finalmente, diante da suspensão da exigibilidade do crédito tributário pela penhora de bem na execução fiscal e do caráter de lei especial que tem a LEF. 2 – Dos dispositivos a interpretar. Feitas as observações anteriores, cabe atentar para as modificações introduzidas na legislação geral do processo civil as quais serão o objeto das considerações deste estudo. Tais modificações promovidas no CPC, que interessam ao caso, foram introduzidas notadamente quanto à execução dos títulos extrajudiciais, pelos seus artigos 736, 739-A e 587, os quais trouxeram os seguintes novos comandos: Art. 736. O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos. (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). (grifado) Parágrafo único. Os embargos à execução serão distribuídos por dependência, autuados em apartado, e instruídos com cópias (art. 544, § 1o, in fine) das peças processuais relevantes. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006). Art. 739-A. Os embargos do executado não terão efeito suspensivo. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006). (grifado) § 1o O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já 2 esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006). (grifado) Art. 587. É definitiva a execução fundada em título extrajudicial; é provisória enquanto pendente apelação da sentença de improcedência dos embargos do executado, quando recebidos com efeito suspensivo (art. 739). (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). (grifado) Por seu turno, os artigos 1º e 16 da LEF prescrevem o seguinte: Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil. Art. 16 - O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados: I - do depósito; II - da juntada da prova da fiança bancária; III - da intimação da penhora. § 1º - Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução. (grifado) § 2º - No prazo dos embargos, o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas, até três, ou, a critério do juiz, até o dobro desse limite. § 3º - Não será admitida reconvenção, nem compensação, e as exceções, salvo as de suspeição, incompetência e impedimentos, serão argüidas como matéria preliminar e serão processadas e julgadas com os embargos. Nota-se de uma simples leitura que os novos dispositivos do CPC encontram uma antinomia com o prescrito especialmente no artigo 16 da LEF. Discute-se se tais novos dispositivos são aplicáveis aos embargos à execução fiscal, uma vez que os mesmos só podem ser opostos à execução fiscal se esta estiver garantida por depósito, fiança bancária ou penhora nos termos do artigo 16 da Lei 6.830/80, que é lei especial. Mas, no que inovaram os atuais dispositivos do CPC? A resposta pode ser encontrada na legislação processual geral anterior, onde, em todas as execuções de títulos extrajudiciais os embargos somente poderiam ser manejados se 3 garantida a execução nos termos do anterior artigo 737 do CPC e como ainda acontece na execução fiscal conforme artigo 16 da LEF já citado. Ainda. Pelo § 1º do artigo 739 e pelos artigos 791 e 793 anteriores à modificação introduzida pela Lei nº 11.382/2006, os embargos eram recebidos com efeito suspensivo e também suspendiam a execução, a saber: Art. 739. (.....) § 1º Os embargos serão sempre recebidos com efeito suspensivo. (Redação da Lei 8.953, de 13.12.94) (grifado) Art. 791. Suspende-se a execução: I - no todo ou em parte, quando recebidos os embargos do devedor (art. 739, § 2º); (Redação da Lei 8.953, de 13.12.94). (grifado) Art. 793. Suspensa a execução, é defeso praticar quaisquer atos processuais. O juiz poderá, entretanto, ordenar providências cautelares urgentes. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) O artigo 791 passou a ter a seguinte redação, permanecendo em vigor o artigo 793, como adiante se vê: Art. 791. Suspende-se a execução: I - no todo ou em parte, quando recebidos com efeito suspensivo os embargos à execução (art. 739-A); (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). (grifado) II - nas hipóteses previstas no art. 265, I a III; III - quando o devedor não possuir bens penhoráveis. Assim, na legislação anterior, tanto os embargos a execução fiscal, quanto os embargos a execução dos demais títulos extrajudiciais, eram recebidos com efeito suspensivo nos termos do § 1º do artigo 739 anterior e suspendiam a execução nos termos dos artigos 791, I e 793 pelo simples recebimento destes embargos. Essas normas eram aplicadas também aos embargos a execução fiscal. Ocorre que atualmente os embargos a execução dos demais títulos extrajudiciais podem ser opostos independentemente de penhora, depósito ou fiança bancária o que os faz ser recebidos sem efeito suspensivo. A atribuição de efeito suspensivo aos dos embargos, entretanto, depende de despacho do juiz e desde que a requerimento do embargante e, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa 4 causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação e esteja garantido o juízo. Resta saber se essa nova regra do CPC aplica-se também aos embargos à execução fiscal. Esta a questão posta a estudo. 3 – Os títulos executivos extrajudiciais. Características diferenciais da Certidão de Divida Ativa – CDA. Para um perfeito entendimento do desenvolvimento a ser dado ao presente estudo se faz necessário, inicialmente, distinguir as características que tem e a natureza diversa do título executivo extrajudicial constituído pela Certidão de Dívida Ativa - CDA 3 . Como já escrevi anteriormente, convém, preliminarmente, citar quais são, em princípio, os chamados títulos executivos extrajudiciais. É o artigo 585 do Código de Processo Civil 4 que inicialmente enumera quais são os títulos executivos 3 Chamada CDA daqui em diante. 4 Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque; (Redação dada pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994) II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores;(Redação dada pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994) III - os contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese e caução, bem como os de seguro de vida; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). IV - o crédito decorrente de foro e laudêmio; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). V - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). VI - o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). VII - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). VIII - todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006). § 1o A propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução. (Redação dada pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994) § 2o Não dependem de homologação pelo Supremo Tribunal Federal, para serem executados, os títulos executivos extrajudiciais, oriundos de país estrangeiro. O título, para ter eficácia executiva, há de satisfazer aos requisitos de formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração e indicar o Brasil como o lugar de cumprimento da obrigação. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) 5 extrajudiciais e dentre estes estão em seu inciso VII a Certidão de Dívida Ativa “da Fazenda Pública da União, Estado, Distrito Federal, Território e Município, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei”.(grifado) Cabe observar também que o citado dispositivo do CPC, não é taxativo na enumeração destes títulos executivos extrajudiciais vez que em seu inciso VIII admite que outras leis extravagantes confiram, de forma expressa, esta natureza de força executiva a outros títulos e isto tem ocorrido 5 . Outra constatação, desta feita de suma importância para as conclusões adiante expostas, é que para a formação de todos os títulos executivos extrajudiciais existe sempre a participação do devedor ou através de sua constituição pura e simples (nota promissória, cheque, etc.) ou com a sua anuência, como é o caso dos contratos. O único título executivo extrajudicial que não tem a participação do devedor ou mesmo sua anuência é a Certidão de Dívida Ativa – CDA - que é constituída exclusivamente pelo credor, no mais das vezes de forma a ensejar a contestação do devedor, seja através de embargos, estes somente possíveis se garantidos por penhora (LEF art. 16), seja através de exceção de pré-executividade. Não somente o inciso VII do artigo 585 do CPC confere a natureza de título executivo à CDA. Também o artigo 204 do Código Tributário Nacional - CTN e o artigo 3º da Lei das Execuções Fiscais (Lei 6.830/80) prescrevem que a divida regularmente inscrita goza da presunção de liquidez e certeza e tem efeito de prova pré-constituída, admitindo o artigo 3º citado ser esta presunção uma presunção júris 5 - a cédula hipotecária (art.29 do Dec.lei 70, de 21.11.66, no CCLCV); - a cédula de crédito rural (art.41 do Dec.lei 167, de 14.2.67, no CCLCV), abrangendo a cédula rural pignoratícia, a cédula rural hipotecária, a cédula rural pignoratícia e hipotecária e a nota de crédito rural (art.9); a nota promissória rural (art.44) e a duplicata rural (art.52); - a cédula de produto rural (art.10 da Lei 8.929, de 22.8.94, no CCLCV, tit. CÉDULA DE PRODUTO RURAL, int.); - a cédula de crédito industrial e a nota de crédito industrial (art.41 do Dec. Lei 413, de 9.1.69, no CCLCV); - a cédula de crédito à exportação e a nota de crédito à exportação (art.1º da Lei 6.313, de 16.12.75, no CCLCV); - a cédula de crédito bancário (Lei 10.931, de 2.8.04, art.28, no CCLCV, tít. CONDOMÍNIO E INCORPORAÇÃO); - a cédula de crédito comercial e a nota de crédito comercial (art.5º da Lei 6.840, de 3.11.80, no CCLCV); - a cédula de crédito imobiliário (Lei 10.931, de 2.8.04, art.20, no CCLCV, tít. CONDOMÍNIO E INCORPORAÇÃO); - o Certificado de Recebíveis Imobiliários – CRI (art.6º da Lei 9.514, de 20.11.97, no tít. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA); (Apud CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL e Legislação Processual em vigor – THEOTONIO NEGRÃO e JOSÉ ROBERTO F.GOUVÊA – 37ª edição atualizada até 10 de fevereiro de 2005 – Editora Saraiva – Pág. 692) 6 tantum ao prescrever que esta pode “ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite”. Portanto, embora arrolada pelo CPC como título executivo extrajudicial, a CDA tem características próprias que a difere de todos os demais, principalmente em virtude de ser constituída pelo credor sem a menor anuência ou qualquer intervenção do devedor. Acrescente-se que a CDA que se constitui em título executivo de crédito tributário, está sempre alicerçada em lançamento desse crédito tributário o qual é resultante de atividade administrativa plenamente vinculada como prescrevem o artigo 3º e o parágrafo único do artigo 142 do Código Tributário Nacional – CTN. De outra parte, o lançamento do crédito tributário “compete privativamente à autoridade administrativa” (art. 142 do CTN), “a atividade administrativa de lançamento é plenamente vinculada” (art. 142, par. único do CTN), bem como, o “lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de impugnação do sujeito passivo; recurso de ofício; iniciativa de ofício da autoridade administrativa” (art. 145 e incisos do CTN). Além dessas prescrições legais, todas elas vinculadas ao princípio da legalidade inserto no artigo 150, I da Constituição, o qual se constitui também em direito e garantia individual do contribuinte por força do § 2º do seu artigo 5º, o artigo 149 do CTN também reforça a competência da autoridade administrativa ao estabelecer que o “lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa” nos casos que enumera. No mesmo diapasão o Decreto 70.235/72 que trata do “Processo Administrativo Fiscal” e que tem força de lei por tratar de matéria de competência legislativa consoante o artigo 97, VI do CTN, por seu artigo 18, § 3º, também prescreve que: § 3º Quando, em exames posteriores, diligências ou perícias, realizados no curso do processo, forem verificadas incorreções, omissões ou inexatidões de que resultem agravamento da exigência inicial, inovação ou alteração da fundamentação legal da exigência, será lavrado auto de infração ou emitida notificação de lançamento complementar, devolvendo-se, ao sujeito passivo, prazo para impugnação no concernente à matéria modificada. (Incluído pela Lei nº 8.748, de 1993) Toda essa digressão vem a lume para que possa ser bem caracterizado o título executivo extrajudicial denominado de CDA, originário de lançamento tributário 7 que é ato vinculado. O ato vinculado por sua vez é aquele que só pode ou deve ser praticado dentro dos expressos limites da lei. Daí o ensinamento de Hely Lopes Meireles 6 ao afirmar que os atos vinculados ou regrados “são aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização. Nessa categoria de atos, as imposições legais absorvem, quase que por completo, a liberdade do administrador, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos estabelecidos pela norma legal para a validade da atividade administrativa. Desatendido qualquer requisito, compromete-se a eficácia do ato praticado, tornando-se passível de anulação pela própria administração, ou pelo judiciário, se assim o requerer o interessado.” ....... “Tais atos, estando estreitamente confinados pela lei ou regulamento, permitem ao Judiciário revê-los em todos os seus aspectos, porque em qualquer deles poderá revelar-se a infringência dos preceitos legais ou regulamentares que condicionam a sua prática. Certo é que ao Poder Judiciário não é dado dizer da conveniência, oportunidade ou justiça da atividade administrativa, mas , ao exame da legalidade, na aferição dos padrões jurídicos que serviram de base à realização do ato impugnado, é dever da Justiça esquadrinhar todos os ângulos em que se possa homiziar a ilegalidade sob o tríplice aspecto formal, material e ideológico.” De outra parte, a revogação e a anulação dos atos administrativos são institutos diversos dentro do Direito Administrativo, na lição do autor citado anteriormente 7 , para o qual a “revogação é a supressão de um ato administrativo legítimo e eficaz, realizada pela Administração ---e somente por ela--- por não mais lhe convir sua existência. Toda revogação pressupõe, portanto, um ato legal e perfeito, mas inconveniente ao interesse público. Se o ato for ilegal ou ilegítimo não se ensejará revogação, mas sim, anulação, como veremos adiante.” A anulação, por seu turno, é a declaração de invalidade de um ato administrativo ilegítimo ou ilegal, feita pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário. Baseia-se, portanto, em razões de legitimidade ou legalidade, diversamente da revogação, que se funda em motivos de conveniência ou de oportunidade e, por isso mesmo, é privativa da Administração. Ainda mais. Sobre os efeitos da revogação e da anulação, os efeitos da primeira são “ex nunc” , já os efeitos da segunda são “ex tunc” como bem ensinou o citado autor 8 , citando Seabra Fagundes, segundo o qual a revogação “opera da data HELY LOPES MEIRELLES - “Direito Administrativo Brasileiro”, 17a edição, 1992, Editora Malheiros –SP, pgs. 149/150 7 HELY LOPES MEIRELLES, op. cit. - pgs. 184/185 e 187 8 HELY LOPES MEIRELLES, op. cit. - pgs,186 e 189. 6 8 em diante (ex nunc). Os efeitos que a precederam, esses permanecem de pé. O ato revogado, havendo revestido todos os requisitos legais, nada justificaria negar-lhe efeitos operados ao tempo de sua vigência.” ........... “Os efeitos da anulação dos atos administrativos retroagem às suas origens, invalidando as conseqüências passadas, presentes e futuras do ano anulado e assim é porque o ato nulo (ou o inexistente) não gera direitos ou obrigações para as partes; não cria situações jurídicas definitivas; não admite convalidação.” (grifado) Aliás essa também é a lição de Alberto Xavier 9 , em sua obra totalmente reformulada e atualizada ao abordar a revogação, a anulação e a substituição do lançamento tributário, como adiante citado: “§ 3º REVOGAÇÃO, ANULAÇÃO E SUBSTITUIÇÃO No que concerne à revisão oficiosa por iniciativa das próprias autoridades competentes para a prática dos atos primários de lançamento, há que distinguir os casos em que a revisão é efetuada pela própria autoridade que praticou o ato primário, no desempenho de uma função de autocontrole dos casos em que é efetuada por seu superior hierárquico, no exercício de uma função de heterocontrole. No primeiro caso, a autoridade administrativa revê os seus próprios atos, no segundo revê atos alheios. No que concerne à tipologia dos atos de revisão de ofício há preliminarmente que separar as figuras da revogação, da anulação e da substituição. A distinção entre a revogação e a anulação encontra-se de há muito traçada, no Brasil, pela jurisprudência da mais alta corte. Afirma, na verdade, a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal que “a administração revoga ou anula o seu próprio ato”; o Judiciário somente anula o ato administrativo. Isto porque a revogação é o desfazimento do ato por motivo de conveniência e oportunidade da administração, ao passo que a anulação é a invalidação por motivo de ilegalidade do ato administrativo. um ato inoportuno ou inconveniente só pode ser revogado pela própria administração, mas um ato ilegal pode ser anulado, tanto pela administração, como pelo judiciário.” Nesse sentido é a unanimidade da doutrina, sendo citados pelo autor:“HUGO DE BRITO MACHADO – Temas de Direito Tributário, São Paulo, 1993, 102 ss – Esta distinção corresponde à doutrina prevalecente no Direito brasileiro cfr. CRETELLA JUNIOR, Do Ato Administrativo. SP,1972,151,ss. SEABRA FAGUNDES, ALBERTO XAVIER, “Do lançamento. Teoria Geral do Ato do Procedimento e do Processo Tributário”, Forense, RJ, 2a Edição, 1998, pgs. 242/244 9 9 Revogação e anulamento do ato administrativo RF III, vol.CV,217. JOSÉ FREDERICO MARQUES, A revogação do ato administrativo- RDA, 39, 16 a 25. RUBENS GOMES DE SOUSA, Revisão Judicial de Atos Administrativos Em Matéria Tributária Por Iniciativa da Própria Administração, RDA 29 (1952), 446-447, PAULODE BARROS CARVALHO, Processo Administrativo Tributário, RDA 9/10 (1979), 290, HELY LOPES MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro (22a ed) SP,183ss WALTER BARBOSA CORREA, Lançamento Tributário e Ato Administrativo Nulo, RDT,1 (1977), 38, PAULO DE BARROS CARVALHO, Decadência e Prescrição, SP,1976, 72,73. SOUTO MAIOR BORGES, Lançamento Tributário, cf.281 que preconiza construir o conceito jurídico de “modificação do lançamento” de modo a abranger tanto a sua “alteração” na hipótese de iniciativa de ofício da autoridade administrativa (artigo 145,III), quanto a sua “revisão” por iniciativa da autoridade administrativa (artigo 149, I a IX) cfr Op.Cit 394. É este também o entendimento da doutrina espanhola cfr PEREZ DE AYALA/ EUSÉBIO GONZALEZ, Curso de Derecho Tributário II, cit. 235 ss. Veja-se também IGNACIO BAYON MARINE, La Lamada Revision de oficio en materia tributária , REDF I (1974) 101 ss CARLOS PALAO TABOADA, La Revision de oficio de los actos administrativos tributários RDT 6 (1978), 9ss. Veja-se na Alemanha por todos. LOTHAR WOERNER, De Zurucknahame und Anderung Stewenvenwaltungsaktern, Stutgart, 1968, I ss.” Mais adiante, Alberto Xavier conclui que “sendo a revogação fundada em motivos de conveniência e oportunidade da administração, só pode operar no domínio dos atos tributários, discricionários não tendo qualquer espaço em matéria de lançamento, ato rigorosamente vinculado, apenas passível de anulação. Enquanto a anulação e a revogação esgotam os seus efeitos, na eliminação do ato primário, a substituição ou reforma, vai mais além, traduzindo-se num novo ato que envolve uma nova definição da questão subjacente; ela contém, tal como a anulação e a revogação ainda que implicitamente, um “efeito destrutivo” para utilizar a terminologia de Freitas do Amaral, mas delas se diferencia por um “efeito construtivo” que é a prática de um novo ato primário que se substitui ao ato sujeito a revisão.” Verifica-se que mesmo na substituição do ato de lançamento tributário, esta implica, no dizer de Alberto Xavier, na prática de um novo ato primário e este novo ato primário de lançamento é de competência privativa da autoridade administrativa, falecendo competência ao Judiciário para considerar o lançamento “parcialmente válido” ou convalidar parcialmente um ato inválido, um ato nulo. Portanto, essa distinção entre revogação e anulação do ato administrativo, podendo o lançamento tributário somente ser anulado, quer pela 10 administração quer pelo Judiciário, é de suma importância para uma interpretação sistemática das normas processuais que foram objeto da decisão ora comentada. Com efeito, vez que uma das características da CDA, é ser um título executivo conseqüente de um lançamento tributário, o qual é ato vinculado, de competência exclusiva da autoridade administrativa, tanto a sua efetivação quanto a sua revisão, e que também não pode ser revogado ou convalidado, quer pela administração e muito menos pelo juiz, haver-se-á de concluir que, se inválido o lançamento, também será inválida a CDA. Do exposto, levando-se em consideração que a invalidade do lançamento tributário contamina também de invalidade a CDA dele decorrente, e que essa invalidade mesmo de parte do lançamento o torna totalmente inválido diante do princípio da legalidade informador da característica de ato vinculado do lançamento, a conclusão subseqüente é que, demonstrada a invalidade mesmo parcial do lançamento em que se louva a CDA, cai por terra a presunção juiris tantum de liquidez e certeza do citado título o que leva forçosamente ao fato de que tal CDA perde sua força executiva não podendo mais ser considerada como título executivo extrajudicial. Tanto assim é que segundo José da Silva Pacheco 10 , tendo em vista exatamente as características deste título executivo, a CDA, e observado o disposto no § 2º do artigo 16 da Lei 6.830/80 o executado “pode, nos embargos, alegar toda matéria útil à defesa de seus direitos, inclusive a relativa a exceções, como preliminares. Assim, pode-se argüir:1) inexigibilidade do título executivo; 2) ilegitimidade das partes; 3) cumulação indevida de execuções; 4) excesso de execução; 5) nulidade do processo até a penhora, como por exemplo falta de citação; 6) qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição; 7) incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento do juiz; 8) qualquer defesa de ordem processual ou material tributária. Tudo que possa servir de defesa ao réu pode ser articulado nos embargos, de uma só vez, dentro do prazo, a exemplo de: a) inconstitucionalidade da lei incidente ou do tributo cobrado(p.ex.RE 29313, DCN, Seção II, p.851 de 16 de maio de 1959); b) nulidade do processo administrativo de que proveio a multa ou dívida fiscal cobrada; c) nulidade processual ou qualquer exceção processual; d) qualquer matéria de mérito ou de procedimento. JOSÉ DA SILVA PACHECO – “Comentários à Nova Lei de Execução Fiscal” - Saraiva – SP 1981 – pgs. 97/98. 10 11 De um modo geral, é invocável: 1) tudo que se refira à lei que incidiu sobre o fato, tornando-o jurídico e gerador do tributo, como por exemplo: a) nulidade e inconstitucionalidade da lei; b) não-incidência de lei; c) inexistência da lei; 2) tudo que se refira ao fato sobre que se diz ter incidido a lei, a exemplo de: a) inexistência do fato; b) existência do fato mas não incidência da lei por qualquer motivo referente ao espaço e ao tempo; c) inexistência do fato jurídico gerador do imposto por inocorrerem as características fáticas necessárias à incidência da lei indicada; 3) tudo que diga respeito ao órgão que cobrar o imposto ou dívida e ao réu de quem for cobrada; 4) tudo que se relacione com o processo ou ato administrativo de que decorreu a dívida; 5) tudo que diga respeito à cobrança judicial e ao processo; 6) tudo que diga respeito à dívida e ao pedido. Podem ser alegadas todas as modalidades de extinção do crédito tributário, tais como: a) pagamento; b)transação; c) remissão; d) prescrição; e) decadência; f) a conversão do depósito em renda; g) o pagamento antecipado; h) a consignação em pagamento; i) a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória; j) a decisão judicial passada em julgado; l) a confusão”. Nota-se que o artigo 745, V do CPC também prescreve que quando a execução se fundar em título extrajudicial, o devedor poderá alegar, em embargos, qualquer outra matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento. Do exposto, é possível concluir neste tópico do estudo que a CDA, calcada em lançamento tributário tem as seguintes características: I – É constituída sem qualquer participação do futuro executado; II – Está alicerçada em lançamento tributário que é: II.1 – Ato vinculado; II.2 – De competência exclusiva da autoridade administrativa; II.3 – Não comporta revogação ou convalidação quer pela administração, e muito menos pelo Judiciário; II.4 – Somente pode ser anulado quer pela administração ou pelo Judiciário; II.5 – Comporta substituição somente pela administração, porém, diante de sua característica de ato vinculado, esta presume a destruição do ato anterior com efeito ex tunc e a prática de um novo ato primário que se substitui ao ato sujeito a revisão (grifado). 12 III – Anulado o ato administrativo, por qualquer dos motivos elencados anteriormente, dentre estes quando praticado com excesso ou desvio de poder pela administração, anulada in totum também será a CDA. Como visto, tem a CDA determinadas características que não atingem os demais títulos executivos extrajudiciais, as quais, por isso mesmo, devem conferir tratamento diferenciado à execução fiscal nela alicerçada. 3.1 – A defesa na execução de título extrajudicial. A defesa contra a execução de título extrajudicial, modernamente tem sido aceita não somente através dos embargos do devedor embora hodiernamente não mais se exija a garantia do juízo da tal propositura. Entretanto, no caso da execução fiscal para que o executado possa promover tal ação de embargos contra o exeqüente, terá que sofrer constrição de seus bens ou de terceiros e a Constituição prescreve no inciso XXXV do seu artigo 5º que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Assim, é possível ao devedor, em qualquer caso, ingressar no próprio processo de execução com argüição de não-executividade, também tida comumente como exceção de pré-executividade. Essa defesa cinge-se a sustentar nos próprios autos de execução, dentre outras as matérias de ordem pública (objeções processuais e substanciais), reconhecíveis, inclusive, de ofício pelo próprio magistrado, a qualquer tempo e grau de jurisdição. Com efeito, há interesse público de que a atuação jurisdicional, com o dispêndio de recursos materiais e humanos que lhe são necessários, não seja exercida por inexistência de pedido na própria ação argüindo ser ilegítima a parte, não haver interesse processual e possibilidade jurídica do pedido, por inexistentes os pressupostos processuais de existência e validade da relação jurídico-processual e, ainda, por se mostrar a autoridade judiciária absolutamente incompetente. Há ainda possibilidade de serem argüidas também causas modificativas, extintivas ou impeditivas do direito do exeqüente (v.g., pagamento, decadência, prescrição, remissão, anistia, etc.) desde que desnecessária qualquer dilação probatória, ou que, de plano, seja comprovada por prova documental inequívoca, a inviabilidade da execução. 13 Isso não significa estar correta a alegação de certa forma freqüente, principalmente em execuções, de que, com a promulgação da atual Constituição Federal, a obrigatoriedade da garantia do juízo para oferecimento de embargos mostrar-se-ia inconstitucional, tendo em vista a impossibilidade de privação de bens sem o devido processo legal. O certo é, entretanto, que o devido processo legal é a possibilidade efetiva da parte ter acesso ao poder judiciário, deduzindo pretensão e podendo se defender com a maior amplitude possível, conforme o processo previsto na lei. O que o princípio busca impedir é que de modo arbitrário, ou seja, sem qualquer respaldo legal, haja o desapossamento de bens e da liberdade da pessoa. Havendo um processo descrito na lei este deverá ser seguido de forma a resguardar tanto os interesses do autor, como os interesses do réu, de forma igualitária, sob pena de ferimento de outro princípio constitucional, qual seja, da isonomia, que também deve orientar o magistrado na prestação da jurisdição observado sempre o equilíbrio na relação processual. Além da exceção de pré-executividade oposta nos próprios autos de execução, a qual se restringe às matérias referidas, também o devedor que não possuir bens a serem penhorados, pode oferecer resistência a eventual execução fiscal através das vias ordinárias já que nestas execuções específicas os embargos somente podem ser a elas opostos se garantido o juízo. Nesse sentido lecionava HUMBERTO THEODORO JÚNIOR 11 a seguir citado, ainda quando da vigência da legislação processual revogada, a saber:“Mesmo a respeito das questões substanciais, a primazia dos embargos refere-se apenas ao potencial de afetar imediatamente o processo de execução, provocando-lhe a suspensão, enquanto não decidida a ação cognitiva incidental (CPC, arts. 739, § 1º, e 791, I). Fora desse âmbito incidental, o devedor continua com o direito de recorrer às vias ordinárias, do processo de conhecimento, para questionar a obrigação retratada no título executivo, sem sujeitar-se aos requisitos dos embargos à execução, mas, em contrapartida, não poderá provocar, de plano, o impedimento ou a suspensão do processo executivo (CPC, art. 585, § 1º). Até mesmo o título executivo judicial – a sentença condenatória passada em julgado – não é imune de desconstituição por ação manejada fora da área do processo de execução e de seu natural incidente cognitivo (os embargos). Embora sem HUMBERTO THEODORO JÚNIOR – “Meios de Defesa do Devedor diante de Título não Executivo, fora dos Embargos à Execução. Ações Autônomas e Argüição de NãoExecutividade” – RDDP – vol. 15 pgs. 36. 11 14 provocar a suspensão ou impedimento da respectiva exeqüibilidade (CPC, art. 489), é lícito ao devedor manejar, nos casos do art. 485 do CPC, a ação rescisória, que, uma vez acolhida, despirá o título do credor de sua eficácia e, então, acarretará a extinção da execução forçada, por desaparecimento de seu pressuposto legal”. Mais adiante acrescenta ainda que: “Para embargar a execução, provocando-lhe a imediata suspensão, o devedor tem de observar o prazo do art. 738 do CPC e de sujeitar-se à condição de prévia segurança do juízo (CPC, art. 737). O não-atendimento a tais requisitos da ação especial de embargos priva o devedor de seu uso e de suas vantagens específicas. Não pode, contudo, vedar-lhe o acesso à tutela jurisdicional pelas vias ordinárias, amplamente assegurado pela Constituição (art. 5º, XXXV). É que o acesso à justiça, como garantia fundamental, tem de ser efetivo e, por isso mesmo, pleno e irrestrito. Pretender que a não-propositura dos embargos no exíguo prazo de dez dias elimine por completo o direito do devedor de demandar contra a pretensão material do credor equivaleria a suprimir-lhe, sumariamente, o direito de ação, o que, evidentemente, não coaduna com a natureza e a extensão da garantia outorgada na ordem constitucional. Da mesma forma, subordinar o direito de ação invariavelmente à prestação de garantia (segurança do juízo) corresponderia a embaraçar, de maneira inaceitável, o acesso pleno à justiça, diminuindo ou, até mesmo, anulando em muitos casos, o direito de obter a tutela jurisdicional. É claro que para uma ação especial se podem estipular condições especiais. O que, todavia, não se admite é que as condições ditadas pela especialidade se expandam para restringir genericamente o acesso à justiça” 12 . Como visto, não são somente os embargos do devedor o único meio de defesa contra a execução fiscal, porém se forem opostos a ela, os mesmos deverão ser recebidos com efeito suspensivo o que levará à suspensão da execução fiscal nos termos do atual artigo 791, I e do artigo 793 do CPC, como será demonstrado na seqüência deste estudo. 3.2 – Natureza e características dos embargos do devedor na execução de título extrajudicial. 12 HUMBERTO THEODORO JÚNIOR – op. cit. – pgs. 37/38 15 Sobre a natureza e características dos embargos do devedor deve ser novamente buscado o ensinamento de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR 13 o qual satisfaz plenamente as exigências do presente estudo. Diz o preclaro doutrinador: “Como o processo de execução se contenta com o título executivo e só está programado para proporcionar ao credor a satisfação do direito nele consagrado, a resistência à pretensão executiva não é, em principio, de ser feita dentro da relação processual que lhe dá curso. É por meio de embargos - e não de contestação - que o devedor deverá buscar a extinção da execução forçada. Tais embargos "só aparentemente podem ser tidos como resposta do devedor ao pedido do credor". A citação do devedor no processo executivo nem é feita para que ele se defenda, mas para que satisfaça a obrigação inadimplida, sob pena de sofrer a execução forçada. Daí que, quando reage por meio dos embargos à execução, ele "toma uma posição ativa ou de ataque, exercitando contra o credor o direito de ação à procura de uma sentença que possa desconstituir a eficácia do titulo executivo". Por isso, ensina Arthur Anselmo de Castro, lembrado por Rosalina Rodrigues Pereira, que os embargos à execução não se apresentam "como um elemento intrínseco desta, mas constituem uma contra-ação do devedor à ação executiva, pela qual se pode pôr em causa a execução". Em suma, pela estrutura que o Código de Processo Civil lhe empresta, os embargos à execução não podem ser vistos como simples incidente da execução. Constituem, sem dúvida, "ação incidental à execução". Possível é pois afirmar que “os embargos à execução não podem ser vistos como simples incidente da execução. Constituem, sem dúvida, "ação incidental à execução” e que estes não se apresentam "como um elemento intrínseco desta (a execução), mas constituem uma contra-ação do devedor à ação executiva, pela qual se pode pôr em causa a execução". 4 – A norma substancial e a norma processual. Na concepção atual, norma é preceito, é proposição prescritiva e, sobre aqueles a que é destinada, tem a mesma interferência ou força que tem o ente que as produz. Assim, são as normas religiosas, morais, éticas, etc. 13 HUMBERTO THEODORO JÚNIOR – op. cit. – pgs. 34/35 16 As normas jurídicas são produzidas pelo Estado e contêm prescrições que regem a conduta de indivíduos ou grupos entre si e a estes atribui ou proíbe condutas mesmo contra a vontade destes destinatários. Tais normas são positivadas pelo Estado em leis das mais variadas as quais devem buscar sua validez na Constituição votada pelo constituinte originário, e que se constitui em verdadeira norma de potência, a qual institui o próprio Estado de Direito e limita os seus próprios poderes. Cândido Rangel Dinamarco 14 destaca determinado conjunto de normas jurídicas que têm objeto comum das demais normas de direito quando leciona que o Estado ao... “dispor em sede legislativa sobre os bens e condutas que constituem objeto das normas que edita, este positiva o seu poder, ou seja, ele o exerce concretamente e põe na ordem jurídica o resultado desse exercício. Algumas normas oriundas de outros entes produtores recebem do sistema estatal a sua força vinculante, na medida em que o Estado, aceitando-as, dispõe-se a dar-lhes efetividade independentemente ou mesmo contra a vontade dos sujeitos obrigados a dar-lhes cumprimento (é o que sucede com os contratos ou estatutos etc.)”. Entretanto, dentre estas normas, quando um conjunto delas ...”tem por objeto o exercício da função estatal pacificadora que é a jurisdição e refere-se portanto às condutas inerentes à realização do processo, dela se qualifica como norma processual. Sabendo-se que a jurisdição é exercida pelo Estado-juiz com plena abertura à participação de um sujeito que veio pedir a tutela jurisdicional (autor, demandante) e de outro em relação al qual a tutela é pedida (réu, demandado), todos operando segundo determinado método (o devido processo legal), segue-se que o objeto da norma processual abrange as situações de todos esses três sujeitos e de suas condutas coordenadas ao objetivo final de pacificação. Nisso as normas processuais diferem das de direito material, as quais regem diretamente a atribuição de bens e determinação de condutas das pessoas em suas relações na vida comum. Norma processual é, portanto, todo preceito jurídico regulador do exercício da jurisdição pelo Estado, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado – três atividades que se desenvolvem num só ambiente comum, que é o processo (infra, nn. 387-388)”. A distinção das normas substanciais ou materiais também nos é dada por PIERO CALAMANDREI 15 ao concluir que “El prius del cual es necesario partir, es CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO – “Instituições de Direito Processual Civil” – Volume I – Malheiros Editores– SP – 4ª Edição – pgs. 65/66. 14 15 PIERO CALAMANDREI - “Derecho Procesal Civil” - Volumen I - Coleccion Ciencia Del Proceso - Ediciones Juridicas Europa-América-Buenos Aires - 1986 - pgs. 366/367 17 la noción de derecho objetivo sustancial, constituido por el complejo de aquellas normas jurídicas que disciplinan directamente la conducta de los individuos en la convivencia social regulando las relaciones de intereses (de conflicto o de colaboración) en quelas mismas vienen a encontrarse, en vista de la distribución y del goce de los bienes de la vida. El respeto de las normas sustanciales se confiá, en un primer momento (§11), a la libre voluntad de los individuos, a los cuales las mismas están dirigidas; sólo en un segundo momento, cuando aquéllas no hayan sido observadas voluntariamente, el Estado intervendrá para imponer su observancia mediante la puesta em práctica de la garantía jurisdiccional. Es en este segundo momento cuando entra em juego el derecho procesal: la providencia en que esta garantía se concreta no puede, en efecto, darse si por el órgano judicial y por las personas interesadas en la providencia no han sido cumplidas ciertas actividades preordenadas a aquella finalidad común, en la forma y en el orden que la ley precribe; y son precisamente las normas jurídicas que regulan el cumplimiento de estas actividades, o sea la conducta que las partes y el órgano judicial deben tener con el proceso, las que constituyen en su conjunto el derecho procesal.” Verifica-se, portanto que a norma processual distingue-se da norma chamada de direito substancial ou material por ter como objeto o exercício da função jurisdicional do Estado, dita por Cândido Dinamarco como “pacificadora” e que surge quando as normas substanciais não são cumpridas e o Estado é provocado a fazê-las cumprir. Nada, porém, a difere em sua estrutura ou validade das demais normas do sistema jurídico. 4 . 1 – A interpretação da norma processual. 4.1.1 - A lei e a norma. Deve-se destacar dos ensinamentos a seguir, que uma coisa é a lei como instrumento material de exteriorização de uma norma jurídica e outra, é a própria norma (ou regra) jurídica resultante da interação dessa lei com o sistema jurídico. Com efeito, a norma (ou regra) jurídica materializada na lei somente surge em virtude da sua interação com as demais normas do sistema jurídico, aderindo a ele e formando um conjunto ordenado com as demais. 18 Portanto, para que exista a norma cuja lei pretenda materializar é necessário que essa norma venha a fazer parte do sistema, encontrando aí seus fundamentos de validade. É o que se vê adiante na lição de Alfredo Augusto Becker 16 , ao observar que a “lei considerada em si mesma, como um ser isolado, não existe como regra jurídica. Isolada em si mesma, a lei existe apenas como fórmula literal legislativa sem conteúdo jurídico ou como simples fenômeno histórico. A lei não é um pássaro que o legislador solta abrindo as portas do Congresso. A lei tributária não é um falcão real que do punho do Executivo alça vôo para ir à caça do “fato gerador”. A regra jurídica contida na lei (fórmula literal legislativa) é a resultante lógica de um complexo de ações e reações que se processam no sistema jurídico onde foi promulgada. A lei age sobre as demais leis do sistema, estas, por sua vez, reagem; a resultante lógica é a verdadeira regra jurídica da lei que provocou o impacto inicial. Estas ações e reações se processam tanto no plano vertical (interpretação histórica) quanto no plano horizontal (interpretação sistemática). Esta fenomenologia da regra jurídica é observada à luz do cânone hermenêutico da totalidade do sistema jurídico e que consiste em síntese: extrair a regra jurídica contida na lei, relacionando esta com as demais leis do sistema jurídico vigente (plano horizontal) e sistemas jurídicos antecedentes (plano vertical). O cânone hermenêutico da totalidade do sistema jurídico tanto serve para revelar a existência da regra jurídica (lei válida), como também pode acusar a inexistência da regra jurídica (lei não-válida)”. GERALDO ATALIBA 17 , com muita propriedade e louvado no seu poder de síntese, também ensina que “nenhuma norma jurídica paira avulsa, como que no ar. Nenhum mandamento jurídico existe em si, como que vagando no espaço, sem escoro ou apoio. Não há comando isolado ou ordem avulsa. Porque estes ---é propedêutico--- ou fazem parte de um sistema, nele encontrando seus fundamentos, ou não existem juridicamente. Efetivamente, toda norma jurídica faz parte de um sistema; já surge numa determinada posição dentro do sistema, nele se integra e com as demais partes se articula harmoniosamente, relacionando-se com seus princípios e com todas as suas conseqüências e decorrências ----já que os princípios (isto é axiomático) postulam exigências indeclináveis, inafastáveis. ALFREDO AUGUSTO BECKER - Teoria Geral do Direito Tributário - 3a. Edição, LEJUS - SP – 1998 - pgs. 115/117. 17 GERALDO ATALIBA - “Procedimento Tributário Penal” - RDP, Vol. 14 - 1970 - pgs. 373. 16 19 Sistema é um conjunto ordenado e sistemático de normas, construído em função de objetivos socialmente consagrados”. Assim, para que o operador do direito possa fazer qualquer observação sobre determinada norma jurídica, é necessário que procure inserir a lei (fórmula literal legislativa) no sistema como um todo, pois somente da interação da lei com o sistema é possível extrair-se a norma jurídica. 4.1.2 - Submissão da norma processual às demais normas superiores do sistema jurídico. Como visto anteriormente, as normas jurídicas estão inseridas dentro de um sistema nele se integrando harmoniosamente com as demais normas e com os princípios os quais formam a estrutura de todo o sistema. A idéia de sistema encerra em si a existência de normas de estrutura que dão validade às demais normas, assim como a idéia de uma hierarquização destas normas inseridas no sistema. Segundo JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES 18 , ao examinar a questão da validade da norma jurídica sustenta, com Kelsen, que a sua validade depende do “seu relacionamento com normas superiores processuais, reguladoras da atuação do órgão, e as normas superiores materiais, determinantes, até certo ponto, do conteúdo possível da norma a ser editada. A norma jurídica é válida então porque foi criada na forma estabelecida por outra norma que funciona como o seu fundamento ou razão de validade. Dado o caráter dinâmico do direito, uma norma jurídica somente é válida na medida em que é produzida pelo modo determinado por uma outra norma que representa o seu fundamento imediato de validade. Para Kelsen, a relação entre a norma que regula a produção de outra e a norma assim regularmente produzida pode ser figurada por uma imagem espacial de supra-infra-ordenação. Trata-se pois de um mero recurso a imagens espaciais, figuras de linguagem de índole espacial. A norma determinante da criação de outra é superior a esta; a criada de acordo com a primeira, lhe é, ao contrário inferior. A criação de uma norma – a de grau mais baixo – é determinada por outra – a de grau superior – cuja criação é, por sua vez, determinada por outra norma de grau mais alto. Outro valor e outra significação não tem o problema JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES – “Lei Complementar Tributária”- Revista dos Tribunais – SP – 1975 – pgs. 81/82 18 20 da hierarquização dos diferentes níveis de normas. O ordenamento jurídico, para utilizarmos a “imagem espacial” de Kelsen, não está constituído por um sistema de normas coordenadas entre si, que se encontrassem umas ao lado das outras”. Assim, a noção do sistema jurídico hierarquizado leva à conclusão de que a validade de uma norma é encontrada sempre em uma norma superior até chegar-se à norma pressuposta de Kelsen. Por sua vez, no entender de Edvaldo Brito 19 a Constituição originária é norma de potência (ou “norma pressuposta” segundo Kelsen) e difere das demais normas jurídicas do sistema as quais são normas de competência. Diz o professor baiano que o “Poder constituinte é base da Constituição (essência) e fonte de legitimidade da Constituição jurídica. Exerce-o quem é titular de potência: o povo. Daí que não há poder constituinte derivado; o único a existir é o poder constituinte fundacional / originário exercido quando a sociedade civil inaugura novos critérios para a disciplina da vida coletiva e de suas relações com o poder formal (fundacional) ou quando se manifesta na crista de um fato fundamental (revolução e similares) sobre esses critérios (originário, que é fundacional latente ou diferido no tempo). Conseqüentemente, não há poder constituinte se não exercido pelo povo, isto é, se não for expressão de potência”. Mais adiante arremata que 20 “A potestas é um tipo específico de poder que, por isso, não recebe atribuições de outrem. O “jogo de lógica” de Alf Ross esclarece essa situação, ao explicar o que é uma regra de competência. Para esse autor, uma regra de competência tem três elementos: 1º) a designação de uma autoridade à qual uma outra outorga certas atribuições; 2º) as atribuições outorgadas; 3º) o procedimento mediante o qual as atribuições outorgadas vão ser exercidas”. Por fim conclui que 21 “A autoridade que procede à outorga, deve ter sido, também, competente para isto e, então, antes teve uma outra que lhe passou essas atribuições... Na busca, sempre, da fonte de cada qual dessas autoridades, chega-se a uma inicial e, assim, que não teve antecedente no sistema. Logo, ou se aceita a norma pressuposta (Kelsen) no plano lógico, ou se admite, numa relação de pragmática da comunicação normativa, que esta autoridade inicial é o povo”. Do que foi visto anteriormente, a norma processual, como todas as outras, também encontra sua validade nas demais normas superiores do sistema EDVALDO BRITO - Reforma Tributária Inconstitucional”– “Curso de Direito Tributário” – Edições CELJUP - SP - 2ª Edição – pgs. 425. 20 EDVALDO BRITO – op. cit. – pgs. 425 21 EDVALDO BRITO – op. cit. – pgs. 425 19 21 jurídico o que a faz participar deste sistema, circunstância que não poderia ser diferente. Dito de outra forma, ao intérprete da norma processual, ou ao seu aplicador, cabe examinar a prescrição ali contida sempre escorada nas demais normas superiores do sistema jurídico, de sorte a encontrar uma interpretação ou uma aplicação condizente com estas normas superiores. A interpretação e a aplicação devem, portanto, sempre buscar a harmonização da norma interpretada ou aplicada com o sistema jurídico a que pertence. 4.1.3 - Os direitos e garantias individuais na Constituição. 4.1.3.1 - O direito de propriedade. 4.1.3.2 - O devido processo legal para a privação de bens e a ampla defesa. 4.1.3.3 – A igualdade e a igualdade no processo. Como visto anteriormente, a Constituição (jurídica) originária é regra de potência a qual institui o Estado Democrático de Direito bem como limita os seus poderes por diversos dos seus dispositivos, quer dirigidos aos indivíduos em geral, garantindo-lhes direitos inalienáveis, quer limitando os atos da administração a princípios estabelecidos. Necessariamente tais limites não se encontram topograficamente localizados nos artigos 5º e 37, caput da Constituição, como também podem estar inseridos em outros dispositivos do Texto Político, tais como aqueles estabelecidos nos incisos do artigo 1º como valores fundamentais da República Federativa do Brasil; nos incisos do artigo 3º como princípios programáticos, de onde todos eles se irradiam em todo o texto da Constituição. É o que se depreende do § 2º do artigo 5º citado anteriormente. Dentre estes direitos inalienáveis do cidadão oponíveis ao poder do Estado, os quais não podem ser objeto de modificação nem por parte do constituinte derivado através de Emendas Constitucionais (artigo 60,§ 4º, IV da CF), diz respeito expressamente a este estudo o direito de propriedade assegurado no caput do artigo 5º citado e em seu inciso XXII; o direito ao devido processo legal e à ampla defesa assegurados nos inciso LIV e LV do artigo 5º ; e, o princípio da igualdade, também inserto no caput do artigo 5º citado e em seu inciso I. Este último também forçosamente aplicado às normas processuais . 4.1.3.1 - O direito de propriedade. 22 O artigo 5º da Constituição prescreve que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,....”. Vê-se de plano que o direito à propriedade está elevado ao mesmo plano do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança, entendida esta última no seu mais amplo sentido, que é o da segurança jurídica. Portanto, somente as restrições previstas no próprio Texto Constitucional é que podem ser opostas a este direito, dentre elas as que estão inseridas nos incisos XXIII, XXIV e XXV do mesmo artigo 5º, desdobradas nos artigos 170, III, 182, § 2º e 186 seguintes. Destas restrições, especialmente o cumprimento da função social, urbana ou rural da propriedade, decorre a primeira conseqüência que é a “desapropriação” (inciso XXIV do artigo 5º), vinculada esta sempre à justa indenização. Alem das limitações ou restrições citadas supra, surge também a figura da “requisição” a que alude o inciso XXV do artigo 5º, nos casos que especifica, ficando assegurada também a justa indenização. Também deve ser citada a possibilidade da aplicação da pena de perda de bens a que se refere o inciso XLVI, letra “b” do artigo 5º da Constituição, como conseqüência da prática de ato ilícito, guardado o princípio da legalidade e da individualização da pena. Finalmente, tendo como justificativa de caráter metajurídico a necessidade que tem o Estado de cumprir com suas finalidades, em resumo, atender à prestação do serviço público, objetivando o interesse público, surge finalmente mais uma restrição ao direito de propriedade que se constitui na “tributação”, a qual não comporta qualquer retribuição ao destinatário destas normas específicas, a exemplo da “desapropriação” e da “requisição”. A única retribuição da “tributação”, considerada também como sua causa mediata, é a devida prestação dos serviços públicos a todos, quer os que sofreram a restrição e quer àqueles que dela não participaram. Do exposto, a “tributação” é regra de exceção ao direito de propriedade e como tal deve ser interpretada seguindo-se a máxima “exceptiones sunt strictissimoe interpretationis” ("Interpretam-se as exceções estritissimamente"). Desse fato resulta que as normas de “tributação”, por se constituírem em regras de exceção ao direito individual à propriedade, devem obedecer aos princípios da legalidade, da tipicidade 23 cerrada, da vinculação do ato administrativo de lançamento, da competência exclusiva da autoridade administrativa para efetuar o lançamento, da capacidade contributiva, da isonomia tributária, dentre outros. No mesmo sentido, deve ser a interpretação ou a aplicação de normas penais por restringirem o direito à liberdade que está no mesmo plano do direito à propriedade segundo o caput do artigo 5º da Constituição. Não mudam também a interpretação ou a aplicação de normas processuais que regulam a execução judicial ou extrajudicial, principalmente aquelas que especificamente regulam expropriação de bens, as quais devem ser levadas a efeito considerando-se a característica destas últimas como norma de exceção à inviolabilidade ao direito à propriedade, o qual somente admite oposição segundo o prescrito no Texto Político e, por isso mesmo devendo ter interpretação restrita. De suma importância são as observações anteriores, tendo em vista que a lei processual geral quando considera como definitiva a execução de título extrajudicial, quando opostos embargos aos quais não se reconheceu efeito suspensivo, poderá levar à expropriação de bens do executado antes mesmo de uma decisão definitiva sobre se tal débito é verdadeiro ou não, ou se é no valor pretendido ou não. Sendo assim, a interpretação ou a aplicação da lei processual no caso, para que se harmonize com tal preceito constitucional deve ter um temperamento mais condizente com a inviolabilidade ao direito à propriedade assegurado ao devedor pela Constituição, em qualquer processo de execução de título extrajudicial, mormente de execução fiscal, como será visto adiante. 4.1.3.2 - O devido processo legal para a privação de bens e a ampla defesa. Ao prescrever o inciso LIV do artigo 5º da Constituição que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” mais uma vez o Texto Político elevou a inviolabilidade ao direito à propriedade ao mesmo patamar do direito à liberdade, como consagrado no caput do referido artigo. Tal dispositivo trouxe a anotação de CELSO RIBEIRO BASTOS 22 sobre a inovação, desta vez expressamente prescrita na Constituição ao observar que “Outra novidade de monta é a referência à privação de bens como matéria a CELSO RIBEIRO BASTOS E IVES GANDRA DA SILVA MARTINS - “Comentários à Constituição do Brasil” – 2º Volume –Editora Saraiva – SP - 1989 - – págs. 263/264 22 24 beneficiar-se também dos princípios próprios do direito processual penal. É oportuna esta inclusão. Embora o bem capital do homem continue a ser a liberdade, ninguém pode ignorar a importância representada pelo patrimônio na vida pessoal e familiar de cada um. Portanto, embora por vezes se faça presente que o Estado destitua alguém do domínio de determinado bem, é necessário que esta medida de extrema gravidade se processe com as garantias próprias do “devido processo legal”. Não importa o título a que esteja ocorrendo este perdimento. Ele pode sem dúvida darse pela prática de ilícitos administrativos ou sem qualquer fundamentação na ilicitude, como é o caso da desapropriação. O dispositivo em questão iguala portanto estas hipóteses, dando a elas iguais direitos”. De outra banda, o devido processo legal deve assegurar ao cidadão que sua liberdade e os seus bens somente lhe serão tirados no exercício da jurisdição estando esta limitada por todos os demais princípios e garantias individuais, tais como o contraditório e a ampla defesa a que se refere especialmente o inciso LV do mesmo artigo 5º, com os meios e os recursos pertinentes. Significativa é a situação topográfica destes dispositivos constitucionais uma vez que ambos se completam e limitam o poder do Estado, fazendo com que no exercício da jurisdição não sejam criados empecilhos à sua prestação, tecnicismos que dificultem o exame do mérito das questões posta em juízo, criem favorecimentos à desigualdade processual, dificultem a imparcialidade do juiz, admitam restrições ao contraditório, e muitos outros que tendem a aparecer principalmente em favorecimento do próprio Estado quando parte em juízo. Esta posição encontra escora na lição de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO 23 quando afirma que o devido processo legal compreende, “em primeiro lugar, que nenhuma técnica ou prática processual poderá estreitar tanto os canais de acesso à tutela jurisdicional, que a Justiça se torne insuportavelmente seletiva e deixe resíduos não-jurisdicionalizáveis capazes de comprometer o sistema (p.ex., exacerbando exigências sem as quais o mérito das causas não possa ser julgado). Técnicas e práticas contrárias à tendência de universalização da tutela jurisdicional seriam a negação da garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional (Const., art.5º, inc.XXXV; supra, n.42). A fórmula due process of law importa ainda reafirmação da garantia de igualdade entre as partes e necessidade de manter a imparcialidade do juiz, inclusive pela preservação do juiz natural (supra, nn. 80-82). Ela tem também o significado de mandar que a igualdade em oportunidades processuais se projete na 23 CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO – op. cit. - pgs. 245/246 25 participação efetivamente franqueada aos litigantes e praticada pelo juiz (garantia do contraditório, art.5º, inc.LV; supra, nn.84 e 88). Absorve igualmente a regra de que as decisões judiciárias não-motivadas ou insuficientemente motivadas serão nulas e portanto incapazes de prevalecer (a exigência de motivação; Const., art.93, inc.IX; supra, n.92) e a de que, com as naturais ressalvas destinadas à preservação da ordem pública e da intimidade pessoal, os atos processuais deverão ser dotados de publicidade (supra, n.90); etc”. Junte-se ao exposto que a ampla defesa “só estará plenamente assegurada quando uma verdade tiver iguais possibilidades de convencimento do magistrado, quer seja ela alegada pelo autor, quer pelo réu. Às alegações, argumentos e provas trazidos pelo autor é necessário que corresponda uma igual possibilidade de geração de tais elementos por parte do réu. Há que haver um esforço constante no sentido de superar as desigualdades formais em sacrifício da geração de uma igualdade real. O contraditório, por sua vez, se insere dentro da ampla defesa. Quase que com ela se confunde integralmente na medida em que uma defesa hoje em dia não pode ser senão contraditória. O contraditório é pois a exteriorização da própria defesa. A todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou ainda de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor. Daí o caráter dialético do processo que caminha através de contradições a serem finalmente superadas pela atividade sintetizadora do juiz”. 24 Tais colocações desenvolvidas acima pelo ilustre constitucionalista Celso Ribeiro Bastos sobre o instituto da ampla defesa, levam ao tópico seguinte que trata da “par condicio” ou da “igualdade de armas” que são corolários do princípio da igualdade consagrado na Constituição pelo caput do artigo 5º . 4.1.3.3 – A igualdade e a igualdade no processo. O princípio da igualdade também inserto no caput do artigo 5º da Constituição não deve ser interpretado quanto à sua característica formal e sim deve ser levada em conta que à igualdade formal deve adequar-se a desigualdade material, pois materialmente o que existe é a desigualdade. CELSO RIBEIRO BASTOS E IVES GANDRA DA SILVA MARTINS - “Comentários à Constituição do Brasil” – 2º Volume - Editora Saraiva – SP - 1989 – págs. 267 24 26 Assim, a igualdade formal perante a lei deve ser buscada pelo tratamento dos desiguais na exata medida dessa desigualdade e os iguais, igualmente. Mais uma vez este estudo socorre-se na lição de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO 25 , o qual ao comentar o princípio da igualdade no seio das normas processuais, sustenta que “o processo civil moderno rege-se pelos grandes pilares da democracia, entre os quais destaca-se a igualdade como valor de primeira grandeza. O princípio isonômico, ditado pela Constituição em termos de ampla generalidade (art.5º, caput, c/c art.3º, inc.IV), quando penetra no mundo do processo assume a conotação de princípio da igualdade das partes. Da efetividade deste são encarregados o legislador e o juiz, aos quais cabe a dúplice responsabilidade de não criar desigualdades e de neutralizar as que porventura existam. Tal é o significado da fórmula tratar com igualdade os iguais e desigualmente os desiguais, na medida das desigualdades. A leitura adequada do art. 125, inc. I, do Código de Processo Civil, mostra que ele inclui entre os deveres primários do juiz a prática e preservação da igualdade entre as partes, ou seja: não basta agir com igualdade em relação a todas as partes, é também indispensável neutralizar desigualdades. Essas desigualdades que o juiz e o legislador do processo devem compensar com medidas adequadas são resultantes de fatores externos ao processo – fraquezas de toda ordem, como a pobreza, desinformação, carências culturais e psicossociais em geral. Neutralizar desigualdades significa promover a igualdade substancial, que nem sempre coincide com uma formal igualdade de tratamento porque esta pode ser, quando ocorrentes essas fraquezas, fonte de terríveis desigualdades. A tarefa de preservar a isonomia consiste, portanto, nesse tratamento formalmente desigual que substancialmente iguala. Exemplos vivos são a promessa constitucional e legal de assistência jurídica integral aos necessitados (Const., art.5º, inc.LXXIV; art.24, inc.XIII) e o tratamento especial concedido às causas de interesses de idosos, as quais devem ser processadas e julgadas com prioridade (CPC, arts.1.211-A a 1.211-C, red. Lei n.10.173, de 9.1.2001.(negritado) Também quanto ao princípio da igualdade, e calcada no princípio da igualdade de armas, o par condicio, ADA PELLEGRINI GRINOVER 26 acrescenta que “Entende-se, modernamente, por par condicio ou igualdade de armas, o princípio de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO – op. cit. - pgs. 208/209 ADA PELLEGRINI GRINOVER – “Novas Tendências do Direito Processual” - Forense Universitária – 1990 – RJ – Pgs. 6 e 7. 25 26 27 equilíbrio de situações, não iguais mas recíprocas, como o são, no processo penal, as dos ofícios da acusação e da defesa. E o equilíbrio das situações é que garante a verdadeira contraposição dialética. Eis assim o contraditório a identificar-se com a par condicio, e não com a igualdade formal. E ele também, como a própria igualdade, sai do plano estático para ingressar no dinâmico. Segundo a concepção tradicional, o princípio do contraditório exprimia estaticamente, em correspondência com a igualdade formal das partes, a exigência de equilíbrio das forças, traduzindo-se na necessidade de lhes garantir a possibilidade de desenvolverem plenamente a defesa de suas próprias razões. Mas a concepção menos individualista e mais dinâmica do contraditório postula a necessidade de a eqüidistância do juiz ser adequadamente temperada, mercê da atribuição ao magistrado de poderes mais amplos, a fim de estimular a efetiva participação das partes no contraditório e, conseqüentemente, sua colaboração e cooperação no justo processo. Como visto, por igualdade no processo deve o juiz buscar a igualização das partes sem subjetividades acomodadoras, sem “jeitinhos” que acabem por gerar enfoque contrário à sempre esperada isonomia. Convém sobremaneira buscar novamente a lição de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO 27 quando ao examinar o princípio da igualdade no processo, destaca os privilégios da Fazenda Pública, como adiante será visto. Para ele, a premissa básica para interpretação da norma processual é a seguinte: “A regra de interpretação sistemática e evolutiva dos princípios e garantias constitucionais (infra, n.96) deveria produzir a consciência de que a isonomia de hoje não tem o mesmo significado político e a mesma dimensão da “isonomia” vigente ao tempo da Carta Constitucional outorgada pelo governo autoritário no ano de 1937, sob cujo império foi promulgado o Código de Processo Civil de 1939. Hoje é outra a fórmula de equilíbrio entre a autoridade do Estado e a liberdade e direitos dos particulares”. Com efeito, assevera o ilustre processualista que uma 28 “realidade preocupante, no direito infraconstitucional brasileiro e em várias linhas da orientação constante dos tribunais, são os privilégios de que gozam os entes estatais e seus agentes quando partes no processo civil. Às disposições legais que instituem 27 28 CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO – op. cit. - pg. 214 CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO – op. cit. - pgs. 211/214 28 situações de desequilibrada vantagem ao Estado e ao Ministério Público acrescem-se certas tendências dos juízes a privilegiá-los ainda mais, o que eles fazem ao conferir a essas entidades tratamentos incompatíveis com a garantia constitucional da isonomia processual. Compreende-se o zelo pelas coisas do Estado e do interesse público, sendo legítimas as medidas destinadas a evitar malversações ou omissões lesivas aos bens e interesses geridos pelos agentes do Estado; mas o que preocupa é o exagerado desequilíbrio antiisonômico instituído em nome desse zelo e desse interesse geral, que vem conduzindo o sistema processual a deixar os adversários da Fazenda ou do Ministério Público em situação inferiorizada no processo, a dano dos pilares do processo justo e équo. (grifado) Eis os mais destacados tratamentos diferenciados que o direito positivo e os tribunais vêm concedendo aos entes públicos: I – prazos privilegiados à Fazenda Pública e ao Ministérios Público: em quádruplo para contestar, em dobro para recorrer (art. 188). O fundamento desse tratamento diferenciado seria a suposta diferença entre o Estado e os demais litigantes, caracterizando-se aquele como uma estrutura pesada e burocrática em que as providências e decisões costumam ser mais demoradas. Estar-se-ia, aparentemente, garantindo isonomia mediante a compensação dessa desigualdade de fato. Mas o Estado não é o único ente assim moroso e complexo. Outras entidades existem, como as grandes empresas e certas instituições privadas de fins benemerentes, que enfrentam as mesmas dificuldades e não são tratadas pelo mesmo modo. Além disso, o Ministério Público é hoje uma entidade diligente e organizadíssima, para a qual os prazos privilegiados são apenas uma cômoda vantagem a mais (infra, n.538, parte final); II – ciência dos atos judiciais mediante vista dos autos (art.236, § 2º) e não mediante publicação pela imprensa, como se dá em relação aos litigantes comuns (caput); III – honorários da sucumbência arbitrados em níveis inferiores. O § 4º do art.20 do Código de Processo Civil manda que, quando vencida a Fazenda Pública, os honorários que reembolsará ao vencedor sejam “fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz” – o que tem levado juízes e tribunais a arbitramentos verdadeiramente privilegiados. Interpretam o adjetivo eqüitativo como se equidade significasse modicidade, ou barateamento. O resultado é que no mesmo processo, se vencido o particular, os honorários vêm sendo estipulados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre a condenação 29 ou o valor econômico da pretensão (art. 20, 3º); mas, quando vencida a Fazenda Pública, o arbitramento fica muito aquém; IV – duplo grau de jurisdição obrigatório. Uma sentença proferida em primeiro grau de jurisdição não passa em julgado, nem é exeqüível, quando contrarie os interesses da Fazenda Pública (art. 475, incs. II-III). Esse aberrante favorecimento, que a generalidade dos ordenamentos processuais dos povos civilizados desconhece, põe o Estado em situação manifestamente mais cômoda que os particulares, além de apoiar-se no falso pressuposto da incapacidade profissional, desleixo ou mesmo corrupção generalizada entre os procuradores dos entes estatais (infra, nn. 903-A e 1.239-A); V – institucionalização da suspensão dos efeitos da sentença, em ação rescisória, mas exclusivamente em benefício da Fazenda Pública (MP n.1.77420, de 14.12.98, art.7º). Em alguma medida os tribunais já vêm mitigando a regra de que “a ação rescisória não suspende a execução da sentença rescindenda” (CPC, art.489), em consideração à garantia constitucional do acesso à justiça. Agora, diante do que em seu próprio interesse vem de dispor o Poder Executivo, em nome da garantia constitucional da isonomia é aconselhável maior flexibilização dessa regra, em benefício de quem quer que seja. Disposições infraconstitucionais como essas não trariam máculas ao sistema se houvesse da parte dos juízes e tribunais a disposição a confrontá-las severamente com a garantia constitucional da igualdade, impedindo que se impusessem ou confinando-as no menos espaço possível. Mas a realidade é oposta. Não apenas vem sendo quase invariavelmente afirmada a constitucionalidade de disposições dessa ordem, como também juízes existem que vão além e concedem à Fazenda Pública e ao Ministério Público outros privilégios que sequer na lei estão propostos. Isso acontece quando excluem a incidência do efeito da revelia, não havendo a Fazenda oferecido contestação (CPC, art. 319); quando, em confronto com o disposto no art. 604 do Código de Processo Civil, negam-se a determinar o pronto prosseguimento da execução da Fazenda e tomam o zeloso cuidado de lhe colher a manifestação sobre o cálculo apresentado pelo credor, chegando a retificá-lo; ou ainda quando negam que possa ela figurar como ré em processo monitório, sendo que a lei não distingue (arts. 1.102-a); idem, quanto à consignação extrajudicial em face dos entes estatais (art. 890, § 1º) etc. Tais manifestações são expressões do mesmo espírito fazendário que vem levando a condenar a Fazenda vencida por honorários módicos quando a lei manda que sejam eqüitativos. 30 Essa é uma postura de defesa do Estado, inerente à filosofia política do Estado totalitário, que a Constituição Federal de 1988 quis extirpar ao dar grande realce aos valores do ser humano, do trabalho, da cidadania e da liberdade. A manutenção de dispositivos antiisonômicos no vigente Código de Processo Civil explica-se pelo fato de ele ser mera continuação do estatuto de 1939, em relação ao qual muito pouco inovou substancialmente. Apoiados no falso dogma da indisponibilidade dos bens do Estado, os privilégios concedidos pela lei e pelos tribunais aos entes estatais alimentam a litigiosidade irresponsável que estes vêm praticando, mediante a propositura de demandas temerárias, oposição de resistências que da parte de uma litigante comum seriam sancionadas como litigância de má-fé (CPC, arts. 16-18), excessiva interposição de recursos etc. – tudo concorrendo ainda para o congestionamento dos órgãos judiciários e retardamento da tutela jurisdicional aos membros da população”. Deveras preocupante e incompreensível este proceder daqueles que deveriam aplicar a lei em consonância, em harmonia com os princípios constitucionais, os quais ainda não chegaram a estes aplicadores aprisionados pelo insistente paralogismo empregado pelos representantes do Estado, o qual objetiva que permaneçam na “Constituição Cidadã” de 1988, princípios arraigados desde a Constituição outorgada autoritariamente em 1937, os quais, como todo privilégio são odiosos, ferindo de morte o tratamento igualitário das partes. Os tempos são outros, o Estado está cada vez mais aparelhado, dispondo de meios, inclusive os de informática, os mais eficazes à consecução dos seus objetivos. É compreensível a existência de uma certa preocupação do juiz com a confrontação entre o interesse público e o interesse privado nas causas que lhes caem nas mãos, porém, o interesse arrecadatório de que se trata nesse estudo, é interesse público secundário. É interesse da administração que pode, sim, ser confrontado com os interesses privados, mormente quando diante dos direitos e garantias individuais assegurados constitucionalmente. No sentido de que o interesse na arrecadação de tributos é interesse público secundário é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quando no Recurso Especial № 799841-RS, ao tratar da impossibilidade de interposição de ação civil pública em matéria tributária, paradigmaticamente assenta que: (.....) 4. Consectariamente, a rubrica receita da União caracteriza-se como interesse secundário da Administração, o qual não gravita na órbita dos interesses públicos (interesse primário da 31 Administração), e, por isso, não guarnecido pela via da ação civil pública, consoante assente em sede doutrinária: "(...)Um segundo limite é o que se estabelece a partir da distinção entre interesse social (ou interesse público) e interesse da Administração Pública. Embora a atividade administrativa tenha como objetivo próprio o de concretizar o interesse público, é certo que não se pode confundir tal interesse com o de eventuais interesses próprios das entidades públicas. Daí a classificação doutrinária que distingue os interesses primários da Administração (que são os interesses públicos, sociais, da coletividade) e os seus interesses secundários (que se limitam à esfera interna do ente estatal). "Assim", escreveu Celso Antônio Bandeira de Mello, "independentemente do fato de ser, por definição, encarregado dos interesses públicos, o Estado pode ter, tanto quanto as demais pessoas, interesses que lhes são particulares, individuais, e que, tal como os interesses delas, concebidas em suas meras individualidades, se encarnam no Estado enquanto pessoas. Estes últimos não são interesses públicos, mas interesses individuais do Estado, similares, pois (sob o prisma extrajurídico), aos interesses de qualquer sujeito". Nessa linha distintiva, fica claro que a Administração, nas suas funções institucionais, atua em representação de interesses sociais e, eventualmente, de interesses exclusivamente seus. Portanto, embora com vasto campo de identificação, não se pode estabelecer sinonímia entre interesse social e interesse da Administração. (.....) Do exposto, o princípio da igualdade no processo deve ser perseguido pelo juiz consoante prescreve a Constituição, especialmente examinandose a questão do interesse público secundário da administração na arrecadação de tributos e na sua exigência do contribuinte, este sim, o hipossuficiente desta relação jurídica diante do poderio da máquina estatal. Diante disso, verifica-se que a este interesse da administração na arrecadação de tributos é possível opor-se os direitos individuais do contribuinte sem qualquer privilégio da Fazenda, em obediência ao princípio da igualdade. Dentre estes direitos inalienáveis do cidadão oponíveis ao poder do Estado, os quais não podem ser objetos de modificação nem por parte do constituinte derivado através de Emendas Constitucionais (artigo 60, § 4º, IV da CF), diz respeito especialmente a este estudo o direito de propriedade assegurado no caput do artigo 5º citado e em seu inciso XXII; o direito ao devido processo legal e à ampla defesa assegurados nos inciso LIV e LV do artigo 5º ; e, o princípio da igualdade, também inserto no caput do artigo 5º citado e em seu inciso I. Este último também forçosamente aplicado às normas processuais como visto supra. 32 5 - Observações sobre as alterações da lei geral do processo civil – A interpretação sistemática à luz das normas superiores do sistema jurídico positivo. Como visto das novas normas processuais gerais citadas no início deste estudo, as quais modificaram o processo de execução dos títulos extrajudiciais, é fácil constatar que: a) os embargos a execução podem ser opostos independentemente de qualquer garantia da execução (artigo 736 do CPC); (grifado) b) os embargos não terão efeito suspensivo e se apresentados sem garantia não têm, nem poderão ter, efeito suspensivo (artigo 739-A do CPC); (grifado) c) o juiz poderá conferir efeito suspensivo aos embargos sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes. (§ 1º do artigo 739-A do CPC); (grifado) d) é definitiva a execução fundada em título extrajudicial (artigo 587 do CPC – primeira parte); (grifado)e, e) é provisória enquanto pendente apelação da sentença de improcedência dos embargos do executado, quando recebidos com efeito suspensivo (artigo 587 do CPC – segunda parte). (grifado) Como visto supra, a execução é definitiva uma vez que os embargos, como regra geral, são recebidos sem efeito suspensivo. Isso implica dizer que, sendo definitiva a execução, os bens poderão ser praceados ou de outras formas expropriados, antes do julgamento definitivo dos embargos. Se estes embargos opostos à execução do título extrajudicial forem julgados procedentes e os bens tiverem sido praceados ou de qualquer forma tomados do devedor, caberá ao embargante ação de indenização contra o exeqüente invertendo-se o processo, com possibilidade real de retomada ou recuperação dos valores perdidos. Nesse caso, inverte-se a posição. Aquele que era devedor e teve seus bens penhorados e perdidos no praceamento ou de outra forma, passa a credor e o antigo credor passa a ser o devedor. Entre particulares, essa ação de indenização também se resolve em execução contra o antigo credor da mesma forma, mediante a penhora e praceamento de bens do antigo credor. 33 Contra a Fazenda Pública, no caso descrito supra, o antigo devedor que tenha seus bens penhorados e expropriados, uma vez recebidos os embargos sem efeito suspensivo, a execução da eventual indenizatória decorrente de julgamento favorável dos embargos somente se resolverá através de precatório requisitório, o que implicará numa verdadeira via cruxis para o seu recebimento, pois não se sabe até se serão pagos tais precatórios. Constata-se, portanto, que nas execuções dos demais títulos executivos extrajudiciais, manejadas por particulares entre si tem-se uma igualdade e uma real possibilidade de, ocorrendo a procedência dos embargos, o antigo devedor poder recuperar integralmente seu patrimônio expropriado indevidamente. Tal não ocorre e nem poderá ocorrer quando se tratar de execução fiscal e, após a expropriação dos bens, forem julgados procedentes os embargos do devedor. Sendo assim, é necessário buscar nas lições dos juristas citados anteriormente, uma forma de possível validação das novas normas processuais gerais de sorte que possam ser subsidiariamente aplicadas ao processo de execução fiscal diante das desigualdades das partes nele envolvidas. 5.1 – O efeito suspensivo dos embargos a execução fiscal. Como visto das lições dos mestres anteriormente citados, para que se promova a igualdade das partes no processo se faz necessário que o aplicador da norma processual busque adequar a igualdade formal da norma à desigualdade material traduzindo-se esta na necessidade de garantir às partes, notadamente àquela mais deficiente, a possibilidade de desenvolver plenamente a defesa de suas próprias razões e, assim, alcançar-se a par condicio que representa a igualdade real de armas às partes. Para tanto, devo buscar no próprio Código Tributário Nacional - CTN 29 os dispositivos que, examinados em uma interpretação sistemática, podem levar à conclusão de que, uma vez garantida por penhora, suspende-se a execução fiscal e, conseqüentemente, recebidos os embargos, terão estes efeito suspensivo impedindo a expropriação prematura de bem, antes de decididos definitivamente. Com efeito, diz o artigo 1º da LEF que o processo de execução fiscal é regulado por esta lei específica e subsidiariamente pelo CPC. Portanto, somente na 29 Chamado CTN de agora em diante 34 ausência de normas da lei especial aplicam-se as normas estabelecidas no CPC, suplementarmente. De outra parte, como no caso deste estudo a CDA - Tributária está sempre jungida ao lançamento tributário que lhe dá origem, o exame das normas insertas no CTN e que tratam da matéria, por terem natureza de lei complementar deve ser levado a efeito. É o que se depreende dos artigos 201 a 204 do CTN pelos quais a Divida Ativa Tributária regularmente inscrita na repartição competente é proveniente de crédito tributário e goza de presunção relativa de certeza e liquidez tendo força de prova constituída. Ainda o CTN, ao tratar da chamada Certidão Negativa de Débito CND em seus artigos 205 e 206 prescreve: Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido. Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição. Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa. (negritado) Segundo o artigo 151 do CTN suspende a exigibilidade do crédito tributário: a moratória; o depósito do seu montante integral; as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; a concessão de medida liminar em mandado de segurança; a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; e, o parcelamento. Dos dispositivos examinados, constata-se que o artigo 206 do CTN permite a expedição de Certidão Positiva Com Efeitos de Negativa nos casos que menciona e põe em igualdade os casos de crédito não vencido, suspensão da exigibilidade do crédito tributário e a execução de divida tributária garantida por penhora. 35 Essa equiparação pela qual é possível ao contribuinte obter uma Certidão com os mesmos efeitos de uma CND quando tem uma execução garantida por penhora, leva à conclusão que, a exemplo da suspensão da exigibilidade do crédito tributário que também permite tal Certidão, uma vez garantida a execução fiscal de divida tributária, estará ela também suspensa. 5.2 – Harmonização dos dispositivos interpretados com as normas superiores do sistema jurídico como um todo, de sorte que tenham validez. De todas as observações anteriores desenvolvidas quanto ao princípio da igualdade aplicado ao direito processual através da par condicio que se aplica também ao processo civil; quanto ao direito à propriedade que só admite as limitações da própria Constituição; quanto ao direito do executado ao devido processo legal e à ampla defesa contra a privação da liberdade e dos seus bens; quanto ao direito à liberdade do exercício da atividade profissional e ao livre exercício da atividade econômica; quanto à natureza peculiar da CDA que se constitui título executivo extrajudicial criado por iniciativa exclusiva do credor e vinculado a lançamento de crédito tributário, este último jungido ao principio da legalidade estrita em matéria fiscal haver-se-á de extrair que as novas normas processuais que regulam a execução dos títulos extrajudiciais, podem ser aplicadas subsidiariamente ao processo de execução de divida tributária, porém, com os limites impostos por todas estas normas superiores mencionadas. Não haverá harmonização se os embargos à execução de dívida fiscal, a não ser que sejam considerados protelatórios, deixarem de ser recebidos com efeito suspensivo. Portanto, para que exista a harmonização entre as novas normas processuais e as normas superiores do sistema jurídico, é preciso que o juiz, buscando a igualdade material das partes no processo e a proteção dos direitos individuais do executado, confira efeito suspensivo aos embargos intentados. 6 – Conclusões. Do todo que foi exposto anteriormente, e considerando 36 37