Saúde no Brasil 5 Violência e lesões no Brasil: efeitos, avanços alcançados e desafios futuros Michael Eduardo Reichenheim (DE/IMS/UERJ) Edinilsa Ramos de Souza (CLAVES/ENSP/FIOCRUZ) Claudia Leite Moraes (DE/IMS/UERJ e MSF/UNESA) Maria Helena Prado de Mello Jorge (FSP/USP) Cosme Marcelo Furtado Passos da Silva (DEMQS/ENSP/FIOCRUZ) Maria Cecília de Souza Minayo (CLAVES/ENSP/FIOCRUZ) Estrutura do artigo • • • • • • Introdução Homicídios – Magnitude do problema – Perfil epidemiológico e determinantes – Consequências Violência doméstica – Escala do problema – Perfil epidemiológico e determinantes – Consequências Lesões e óbitos relacionados ao trânsito – Escala do problema – Perfil epidemiológico e determinantes – Consequências Respostas: políticas e medidas passadas e presentes Caminhos futuros • Violências: até 2007, representavam 12,5% dos óbitos • Distribuição proporcional de óbitos por causas externas, 2007 • Outra grande questão merecendo atenção: violência doméstica • Embora não contribua muito para a mortalidade nas causas externas, parece ser um problema expressivo e que acarreta consequências sérias e duradouras para os indivíduos, as famílias e a sociedade Introdução (iii) • Insegurança ... criminalidade ... impunidade generalizada • A uma trajetória ascendente e constante por anos, segue-se uma tendência de declínio nos homicídios e LORT, ainda que não ser homogênea em todas as regiões • Há um compromisso renovado da sociedade civil e dos organismos públicos com a construção de uma conscientização nacional acerca da violência e lesões pode ser constatado nos últimos anos • Catalizador de vários movimentos e ações urgência em relação à necessidade de mudanças sociais e institucionais Homicídios • Taxas sobem desde anos 1990, mas começam a decrescer desde o início do século • Taxas mais elevadas nas cidades de maior porte • Negros jovens e com grau de instrução mais baixo • Consumo elevado de álcool e uso de drogas ilícitas • Há explicações macroestruturais ... • Há diferenciais regionais • N, NE e CO apresentaram os maiores índices • Consequências – Emocionais e sociais – Custo elevado (30 bi em 2004) – Alteração do layout urbano e setor imobiliário Violência doméstica • Estudos brasileiros de 1995-2010 (média) – VDCI 10% Comparação: EUA (2%), Inglaterra (2%) e Holanda (1,2%) – VCCA (abuso físico) 15,7% Comparação: Índia (36%), Egito (26%), Chile (4%), EUA (4,9%) – VPI (abuso físico de qualquer tipo) 22,8% • Estudos brasileiros de grande porte – VPI (ao longo da vida [WHO Multi-Country Study]) 27% (SP) – VPI (abuso físico de qualquer tipo [Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos de Risco-INCa/SVS]) 14,3% (16 capitais) Comparação: EUA (2%), Europa (8%) , Ásia e Oceania (12%), África do Norte e Oriente Médio (33%), Média América Latina (21%), México (15%) e Uruguai (10%) • Fatores de risco socioculturais (alguns) – – – – – – – Desigualdade entre os gêneros História de violência doméstica na família de origem Permissividade em relação à violência na educação durante a infância Fraca rede de apoio e isolamento social Uso de álcool e drogas ilícitas Laços conjugais informais Desvalorização das pessoas idosas • Também há nítido gradiente regional segundo idade da mulher e escolaridade Exemplo extremo: mulheres com escolaridade <7 anos na região Norte – 29,6 % de qualquer abuso físico ! – 16,7 de abuso físico grave ! • Consequências (evidência da literatura nacional) – VCCA: traumas físicos e psiquiátricos, baixa autoestima, drogadição e alcoolismo, comportamento transgressor na idade adulta – VPI: de arranhões ao óbito na mulheres, mas ameaça também a saúde de filhos – VDCI: ainda uma lacuna; poucas evidências nos trabalhos publicados no Brasil Lesões e óbitos relacionados ao trânsito • Óbitos relacionados ao trânsito: houve declínio após 1998 (CNT), mas estagnação subsequentemente • Ligeiro aumento (desde 2000)? • Fatores de risco (alguns) – Desrespeito às normas de segurança (cintos, excesso de velocidade...) – Dirigir sob o efeito de álcool (homens jovens) – Estresse, fadiga e tonteiras (motoristas ... longas e exaustivas jornadas de trabalho) – Fiscalização precária para fazer cumprir o CNT – Falta de conservação e insuficiência da estrutura viária (sinais, capeamento, etc.) – Manutenção inadequada dos veículos • Apesar do declínio, pedestres são ainda as principais vítimas • Principal ‘problema’, hoje: motocicletas • Consequências – Nível individual, não só óbito, como também sequelas físicas e psicológicas significativas, particularmente no caso das vítimas jovens • Custos – SIH (2007) 17.265 internações por lesões relacionadas ao trânsito – IPEA (2006) US$9,9 bilhões (1,2% do PIB-Brasil) Políticas e medidas passadas e presentes Homicídios • Medidas macroestruturais – – – – – – Programa Primeiro Emprego Programa Bolsa Família Força Nacional de Segurança Pública (2004) Estatuto do Desarmamento (2003) Sistema Nacional de Armas Campanha pelo desarmamento voluntário (2004) • Efeitos? – Não é possível apontar quais foram os efeitos das iniciativas faltam avaliações específicas ! • Entretanto, a redução na mortalidade desde 2003 pode ser o resultado de – Melhorias na qualidade de vida (aumento dos níveis de educação, renda e poder aquisitivo) – A queda da proporção de jovens na população – Cumprimento mais estrito da lei em relação à compra e posse de armas e da campanha de desarmamento no país – Crescentes taxas de encarceramento – Investimentos em ações de segurança pública – Uso de inteligência no planejamento de intervenções Violência doméstica • VDCI • VCCA • VPI ... Políticas e medidas passadas e presentes Lesões e óbitos relacionados ao trânsito Políticas e medidas passadas e presentes Onde estamos, o que queremos, mas o que precisamos reconhecer • Que o Brasil sempre foi um país violento ... • Que há um legado desfavorável de exclusão, desigualdade, pobreza, impunidade e corrupção ... • Que o Estado há séculos falha em garantir direitos básicos sociais e humanos ... • Que agravam essas violações, valores culturais profundamente arraigados e que geralmente são usados para justificar várias expressões de violência nas relações subjetivas e interpessoais, como machismo, patriarcalismo, preconceito e discriminação contra negros, pobres, mulheres, idosos e homossexuais Todavia, é preciso reconhecer • Que nos últimos 15 anos tem havido mudanças em nível macro, como promoção da inclusão social e reconhecimento dos direitos do indivíduo • Que houve uma ampla mobilização da sociedade e do governo para responder aos desafios impostos pela escalada da violência gama de foros de debate, novas políticas e aprovação de leis específicas em todo o país Mas reconhecer também • Que ainda há muito a fazer ... • Que o desafio agora reside na implementação e avaliação específica dos planos/programas de ação ... Políticas e medidas passadas e presentes Ainda há muito a fazer ... • Legislação e políticas levaram a diversos Planos Nacionais fornecendo apoio financeiro, operacional e técnico • Mas faltam estudos abrangentes e em larga escala para avaliar o efeito das ações • O que se vê são avaliações localizadas de processo, realizadas com a única finalidade de orientar ações • Essas avaliações têm consistentemente chamado a atenção à necessidade urgente de integração intra e intersetorial descontinuidade e falta de comunicação entre programas e ações Medidas específicas também são necessárias (exemplos) ... • Homicídios: diminuição da desigualdade; maior oportunidade para jovens; combate ao crime organizado e melhora dos equipamentos de segurança • Violência Doméstica: promoção de uma cultura de paz e criação de redes de proteção e apoio às famílias vítimas • Trânsito: Investimentos na manutenção da frota e das vias; controle da díade: álcool direção • Pesquisa: Incentivo aos estudos de avalição das políticas e de aprimoramento dos sistemas de informação sobre as causas externas que gerem informações de qualidade para orientação das ações Mensagens principais A violência é um problema de saúde pública importante no Brasil, por ser fonte de uma grande parcela das morbidades (sexta maior causa de internações hospitalares e alta prevalência da violência doméstica) e mortalidades (terceiro lugar em mortalidade). Isso resulta em altos custos individuais e coletivos. Homens jovens, negros e pobres são as principais vítimas e os principais agressores em relação à violência comunitária, ao passo que mulheres e crianças negras e pobres são as principais vítimas da violência doméstica. No Brasil, a violência física entre parceiros íntimos segue um padrão regional, com prevalência mais elevada nas regiões Norte e Nordeste – as menos desenvolvidas –, em oposição às regiões Sul e Sudeste, historicamente mais desenvolvidas. Apesar de algumas experiências de sucesso nos últimos anos, a segurança pública ainda opera primordialmente pelo confronto e pela repressão, ao invés de compartilhar inteligência e prevenção. O sistema de transporte brasileiro prioriza as estradas e o uso de carros particulares, sem oferecer infraestrutura adequada, e está mal equipado para lidar com as infrações às regras de trânsito. A corrupção e as impunidades amplamente disseminadas oferecem uma cultura de permissividade que cerca a violência e suas consequências. Além dos determinantes socioculturais, parte da violência no Brasil tem sido associada ao uso indevido de álcool, às drogas ilícitas e à ampla disponibilidade de armas de fogo. Em resposta aos maiores problemas de violência e lesões, o Brasil fez grandes avanços em termos de legislação e planos de ação. O principal desafio é avaliar esses avanços para identificar, estender, integrar e manter os bem-sucedidos.