Métodos de Resolução de Conflitos Ambientais: a mediação como objeto de estudo O presente trabalho aborda o tema dos conflitos ambientais sob a perspectiva de que nos últimos anos vem se assistindo a um movimento de redefinição das antigas arenas de tratamento destes conflitos, especialmente da esfera jurídica. Tal redefinição vem sob a forma da difusão de tecnologias de resolução de conflitos ambientais que pretendem a aplicação de métodos de análise e formas de ação que, por sua vez, direcionam a negociação desses conflitos como instrumento fundamental na geração de consenso e na viabilização de propostas de ação conjunta, propiciadoras de sua sustentabilidade. As resoluções de conflitos ambientais seriam um processo pelo o qual as partes em disputa dialogam (conjuntamente e também reservadamente) com uma terceira parte exterior ao conflito em quem confiam, sendo neutra e independente. Seguindo essa premissa básica, tais resoluções apontam para a idéia de que a paz e a harmonia se estabelecem através de táticas de negociação capazes de prover ganhos mútuos para as partes envolvidas. O Brasil, seguindo uma tendência globalizante, assiste a uma intensa proliferação de instituições (entre firmas de mediação profissional, ONGs, entidades acadêmicas, conselhos e associações) que têm como metas principais a difusão de métodos de resolução de conflito ambiental, em especial a mediação, bem como a capacitação profissional para atuação na área ambiental. Para tanto, tais instituições buscam introduzir a figura de profissionais nos conflitos como “facilitadores”, que tentam, através de várias técnicas, proporcionar a compreensão do problema e dos interesses envolvidos e, assim, ajudar as partes a acordarem entre si sem a imposição de uma decisão por um terceiro, evitando as complicações de um processo judicial. A qualidade central de um mediador tem sido descrita como a capacidade para reorientar as partes em direção uma da outra, não pela imposição de regras sobre elas, mas auxiliando-as para que alcancem uma percepção nova e compartilhada de seu relacionamento, uma percepção que redirecionará suas atitudes e disposições em direção uma à outra. A máxima que muitas vezes conduz a atividade de tais instituições, bem como de seus profissionais capacitados é a de que "todo negócio é bom, quando é bom para todos". Para alguns autores, o surgimento de tal fenômeno social é o resultado de uma grande transformação cultural da sociedade ocidental nas últimas décadas, que se caracterizaria pela passagem de uma preocupação com a justiça para a preocupação com a harmonia e a eficiência, deslocando, desse modo, a “antiga” visão “vencer ou perder” para uma perspectiva de “equilíbrio de interesses”. A presença de tais métodos de mediação, bem como dos mediadores vêm, em sua aplicação e atuação no campo ambiental, trazendo elementos novos para o espaço público e privado brasileiro e, por conseguinte, (re)configurando as estratégias de ação de instituições públicas, entidades privadas e organizações não governamentais frente aos casos de conflito ambiental. Com o processo de democratização do país, a partir dos anos 80, e com o advento da constituição de 1988, muita coisa vem se transformando. As metodologias de resolução de conflito são fruto dessa abertura democrática. No bojo dessas transformações, torna-se cada vez mais visível no campo ambiental a participação de mediadores em Planos Diretores, Zoneamentos Econômico Ecológicos, Planos de Manejo dentro e fora de UCs, Audiências Públicas, etc. Diante desse quadro, uma avaliação mais rigorosa e abrangente de tais métodos, assim como de seus formuladores, difusores e promotores deve ser realizada. Nesse processo, certos elementos importantes devem ser levados em conta, e que são de difícil mensuração e avaliação, tais como: até que ponto uma desvinculação da obrigatoriedade da via jurisdicional, considerada menos célere e nem sempre tecnicamente apta para o deslinde de questões multidisciplinares (cuja compreensão demanda conhecimentos específicos de diversos domínios do saber) acaba por retirar cada vez mais do espaço público a natureza difusa e indisponível do direito de todos ao meio ambiente, recaindo cada vez mais para uma instrumentalização particularizada, privada, contratual do mesmo?; até que ponto a participação em fóruns nãoadversariais de mediação acabam por liberar do jogo político as partes envolvidas, colocando-as em instâncias onde a razão deve vigorar e, desse modo, são concebidas soluções vistas em termos de compromissos entre interesses e argumentos feitos em nome desses interesses, o que tende a obscurecer as questões mais fundamentais a respeito do tipo de futuro que estamos tentando alcançar?; até que ponto decisões tomadas em negociações caso a caso, isoladamente, sem relação umas com as outras ou com a soma das decisões, tendem a lidar em grande parte somente com a manifestação superficial de questões mais fundamentais e enraizadas - os conflitos de valores e princípios básicos relativos à gestão dos recursos?; até que ponto, no estabelecimento de um ambiente mediado de encontro, participação e negociação entre diversos agentes sociais, são manejados os volumes diferenciados de poder, capital material e social entre os agentes envolvidos, de modo a criar um local democrático, igualitário, de efetiva participação, em que todos tenham poder de se fazer ouvir na busca por acordos. O objetivo central do trabalho é caracterizar a difusão da mediação como método resolução de conflitos ambientais no Brasil, seus esquemas de construção da realidade, bem como o modo como qualifica-se a problemática ambiental e as disputas a ela associadas. Busca-se, em específico, investigar em que medida e sobre que aspectos esse repertório de práticas de mediação de conflitos ambientais é promovido junto ao poder público, o setor privado e a sociedade civil como um todo, tomando como ponto de análise suas principais estratégias de justificação e de busca de legitimação. Na esteira dessa investigação, pretendese aqui lançar as bases de uma tipificação, como ferramenta metodológica para o aprofundamento do estudo do objeto, ou seja, a mediação. Num registro sucinto, apresenta-se, de antemão, as três tipologias de mediação elaboradas: a “ideológica”; a “técnica/metodológica”; e a “participativa” ou “de experiência de trabalho de campo”. O material bibliográfico utilizado contou tanto com a bibliografia “técnica” produzida por autores e instituições, bem como com a literatura acadêmica pertinente ao assunto, que abrange tanto críticos quanto apologetas dos métodos de mediação de conflito ambiental. Tal material foi manuseado a partir de literatura impressa e de fontes contidas na Internet. O presente trabalho está organizado em três seções: na primeira busca-se caracterizar o histórico das práticas e justificativas da mediação em geral; na seqüência, identifica-se os principais autores e instituições (principalmente nacionais, mas também internacionais) envolvidos na difusão do modelo de mediação; e por fim, registra-se as práticas e justificativas apresentadas em favor da mediação dentro do campo ambiental e inicia-se uma análise crítica das mesmas. Referências Bibliográficas: BLACKBURN J. Walton and BRUCE W. Marie. Mediating Environmental Conflicts. Theory and Practice. Ed. Westport, Connecticut, 1995. 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