A vida urbana
O Stress diário nas grandes cidades: causas e consequências
Reportagem fotográfica
Entrevistas de Rua
Entrevista a António Dias Antunes,
Diácono da Igreja São João de Deus
Entrevista a Mário Boto ferreira,
professor na FPCE, UL
Seguinte
Entrevistas de Rua
Hugo Moita, estudante de Ciências da
Susana Assunção,
Comunicação
Gestão
“Eu nasci e cresci numa aldeia pequena ao pé da praia e,
consequentemente, acabei por desenvolver hábitos e gostos
muito ligados à natureza, à praia e, principalmente, ao mar.
Quando vim morar para Lisboa tinha por volta dos 12 anos e
ainda era um puto. Foi um choque grande porque não estava
minimamente habituado e custou-me, mas consegui adaptarme.”
“Não é um sítio onde eu goste particularmente de viver, dava
tudo para voltar a morar ao pé da praia. Felizmente, eu por
enquanto consigo contornar esse stress diário e o
cumprimento de horários muito rígidos, porque as
responsabilidades ainda não são muitas. Mas, quando o sinto
na pele é logo razão para me estragar o dia e ficar mal –
disposto e agressivo. Chego até a tratar mal as pessoas em
função disso. E naturalmente não é uma coisa que goste
porque não faz parte do que sou. É provocado por esse stress.
O meu escape é, sem dúvida, os muitos dias que vou para a
praia surfar, Verão ou Inverno. E quaisquer que sejam os
problemas que tenha, acalma-me sempre e faz-me esquecer
um bocado a cidade.”
“As pessoas têm muitas reservas. Há prédios
onde nem chegas a conhecer os vizinhos. Chego
ao final do dia cansada, são muitas noites mal
dormidas e aglomerações de trabalhos.
Desloco-me essencialmente de metro. As horas
de ponta são horríveis, há dias em que temos de
esperar na plataforma pelo terceiro metro para
conseguir entrar.
Em Lisboa não consigo seguir uma vida
saudável. Fico totalmente desregulada em termos
de horários. Não existe uma hora para almoçar e
para jantar. Existe uma hora para terminar o
trabalho e às vezes esqueço-me de uma refeição.
O andar é sempre apressado, as pessoas estão
sempre com pressa, parece que têm um comboio
atrás delas.”
estudante de
Seguinte
Joana Carbete, licenciada em Pintura e Professora numa escola profissional
“As pessoas aqui têm uma ar de cansadas, aborrecidas, carrancudas. As minhas colegas estão sempre stressadas,
com um ar preocupado. De vez em quando sinto necessidade de ir à aldeia, de ir à terra dos meus avós. Ter contacto
com a terra, tomar banho de mangueira, passear no jardim. Temos pintos e galos lá.”
Mafalda Peeira, Assistente
Maria Teresa Carvalho,
Social
Igreja São João de Deus
“Acho que o stress diário a que as pessoas
estão sujeitas na cidade deve-se,
principalmente à rotina, aos horários para
tudo (horários para entrar no trabalho,
horários para levar os meninos ao
infantário, horários para apanhar os
transportes…), ao facto de os dias estarem
totalmente programados… É contagiante o
ritmo que se vive. Quando ando de
transportes públicos começo também a
acelerar o passo e penso: Porquê que
estou a correr se não tenho pressa?”
Todo esse stress e esse ritmo leva as
pessoas a adquirirem uma maneira de estar
perante a vida e os outros, diferente do
meio rural. As pessoas são mais apáticas,
mais tristes.”
“Chego ao final do dia super cansada. É uma correria de um lado
para o outro. O começar tudo à mesma hora, os horários demasiado
rígidos. É um stress em todo o lado, o carro que nunca tem lugar no
parque de estacionamento, os parqueamentos… A maior parte das
pessoas não mora em Lisboa, as pessoas entram e saem sem falar
com ninguém. Daí que às vezes andem mal dispostas, com uma cara
triste. Casa-trabalho-casa.”
Voluntária no café bar da
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António Dias Antunes,
Diácono da Igreja
São João de Deus
Qual a opinião da Igreja acerca de
toda esta realidade urbana que
integra as sociedades actuais?
“A atitude entre um citadino e um indivíduo
do meio rural difere na maneira de estar. Uma das coisas
que penso que a cidade traz é a competitividade que no
meio rural não existe. Isso depois traz graves problemas
psicológicos às pessoas. Enquanto que os mais fortes
aguentam essa guerra diária, outros menos preparados
perdem-se e desencontram-se neste mundo.
Hoje em dia todos querem estar no primeiro
lugar, vivemos num mundo materialista onde o exemplo a
seguir é o do mais rico, do mais poderoso. As pessoas
alimentam o corpo e julgam que isso chega para serem
felizes. Esquecem-se que todos nós temos um corpo e
uma alma e que é necessário estimular também o espírito.
Na cidade, este fenómeno acontece em
grande escala. Perdem-se os valores. No mundo rural os
sentimentos continuam a ser mais puros, não se assiste a
uma deturpação dos valores como na cidade. Claro que
depois o stress e todas essas doenças que existem são
produtos desse consumismo puro em que vivemos.
Deixou de haver um lugar espiritual, de paz e reencontro
interior. Actualmente o significado de amor está mais
interligado ao sexo e à relação física. Perdeu-se o sentido
inicial de fraternidade pelo outro, onde quem ama está
pronto para dar de si, para ajudar, para acompanhar.”
Mário Boto Ferreira, Professor na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da
Universidade de Lisboa
Jornalista: É o Stress diário, um dos factores que varia na vida de um citadino e de um individuo de um meio mais
pacato?
Porque motivos é causado este stress? Pela fugacidade com que se vive o momento? Pela agitação?
M.B.F.: Sim. De resto há evidência empírica nesse sentido. No último nº do “Monitor in Psychology” (uma revista da Associação
Americana de Psicologia) são referidas investigações que mostram que após um passeio no campo ou um passeio em
ambiente Urbano os níveis de “stress” (objectivamente medidos e subjectivamente) reportados são significativamente mais
altos no segundo caso.
Jornalista: A agitação e o frenesim diário, numa metrópole, influenciam de algum modo a personalidade do indivíduo e
o seu bem-estar/estabilidade psicológica?
M.B.F.: Sim. No entanto note-se que estamos a falar de tendências. Será errado concluir uma relação directa entre vida urbana
e mal-estar psicológico e/ instabilidade psicológica. Há que considerar diversas variáveis que medeiam esta relação e a
qualificam. Por exemplo, certos estilos de pessoas “preferem” ambientes urbanos a ambientes não-urbanos e é até possível
que, nestes casos os ambientes rurais funcionem como fonte de mal-estar. Note-se que uma coisa é passar um fim-de-semana
no campo para recuperar energias outra coisa é viver no campo eventualmente com um acesso limitado aos vários serviços e
comodidades da vida urbana. Por outro lado, é provavelmente errado reduzir esta problemática a uma equação simples
“Urbano é mau” ou Urbano = falta de qualidade de vida. Com é óbvio há bom e mau urbanismo (e urbanizações!). O trabalho
integrado de psicólogos do Ambiente, Arquitectos, Urbanistas, etc., pode potenciar o desenvolvimento de espaços urbanos que
podem permitir elevados padrões de qualidade vida. Com efeito, a prática nem sempre é esta.
Jornalista: Que diferenças fundamentais podemos distinguir entre uma sociedade tipicamente urbana e uma
desenvolvida num meio rural? E entre os indivíduos dessas sociedades e os seus regimes de interacção?
M.B.F.: Não sendo um especialista na matéria e não querendo cair em estereótipos sociais “fáceis” de usar, diria que estas
diferenças (que com certeza existem) devem variar profundamente em termos de outras variáveis como seja estatuto
económico (e.g., será muito diferente manter constante o estatuto socio-económico e comparar “campo” / “cidade” ou deixar
variar este estatuto); idade (diria que as pessoas que vivem “no campo” terão em média idade mais avançada), frequência
relativa (são bem conhecidos os fenómenos sociais de êxodo rural), etc. (…) continua página seguinte.
Seguinte
Mário Boto Ferreira, Professor na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da
Universidade de Lisboa
(continuação)(…)Desenvolver tipologias sem levar em conta estas e outras variáveis corresponde, na minha opinião, à
tradução dos nossos preconceitos “impressionistas” muitas vezes fundamentados em escassa informação por vezes
deturpada por visões mais ou menos “idealizadas” veiculadas pelos meios de comunicação, entretenimento, etc.
Jornalista: Enquanto psicólogo considera existir alguma relação entre alguns problemas/fragilidades psíquicas e
o estilo de vida que existe nas cidades?
M.B.F.: Consigo pensar em factores de stress associado à vida na cidade, mas não me parece que a “rapidez” ou
“velocidade” esteja, só por si, entre os principais. Nem tenho a certeza que uma vida mais “rápida” seja causadora de
stress per se. A falta de tempo, problemas de tráfego, poluição, densidade populacional, anonimato, parecem-me factores
potencialmente mais relevantes. A “velocidade” não é necessariamente uma coisa má para todos. Claro que uma vida
“demasiado rápida” pode introduzir stress (tal como uma vida demasiado lenta)
Jornalista: Que escapes poderão existir para aliviar todo esse stress ou energia extra? Que refúgios procuram as
pessoas?
M.B.F.: Curiosamente, no mesmo estudo que citei na resposta à primeira pergunta, os autores sugerem que a introdução
em meio urbano de zonas “campestres” (quer sejam parques e jardins quer sejam fotografias em tamanho real do campo)
ou seja zonas que simulem características do campo, possivelmente permitem obter efeitos de relaxamento e descanso
semelhantes aos que se obtêm com uma ida ao campo. Sem dúvida que estas ideias necessitam de ser mais
investigadas e cuidadosamente investigadas.
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O Stress diário nas grandes cidades: Que causas e que
consequências?
O Stress que se vive, actualmente, no meio urbano (e não só) é causado, fundamentalmente,
por problemas intrínsecos ao desenvolvimento da sociedade segundo a lógica do capitalismo, do
materialismo e do consumismo. Não é a cidade que está em causa mas a predisposição que as pessoas
assumem neste espaço, uma predisposição de cansaço e preocupação, stress e falta de tempo, apatia e
indiferença perante a vida e os outros.
Esta maneira de estar e de caminhar na rua permite, mais eficazmente, que qualquer ideal
político se assuma perante a sociedade e a transforme à sua medida, através dos meios de comunicação
social, através das técnicas de marketing, da publicidade e de todos esses aliciantes e
bombardeamentos morais, sociais e políticos a que uma pessoa está sujeita no espaço público.
Numa lógica do capitalismo o que acontece é que se perdem os valores, deturpam-se as
prioridades e as questões necessárias ao bem-estar humano. Isto provoca uma ansiedade nos indivíduos
enorme. Perdeu-se o espaço da reflexão. Não existe tempo. As pessoas estão demasiado ocupadas com
o seu trabalho, com as compras para casa, com as compras para o natal, para a festa de anos do primo,
da amiga, dos pais, dos filhos… Compras, trabalho, casa.
Surgem as filas intermináveis, as burocracias que não ajudam a resolver este problema, os
engarrafamentos na estrada, as horas de ponta nos transportes públicos. Tais aglomerações tornam-se
óptimas ocasiões para proceder a assaltos rápidos (carteiristas), ou até à mão armada (ninguém vê
nada).
Depois surgem os problemas existenciais, provocados pela alienação das massas, pela
perda da entidade própria, pela ruptura com a singularidade do espaço. Massificação, uniformização. São
estas as directivas que interessam a um governo poderoso, é neste sentido, portanto que a sociedade
caminha, não porque deseja, não porque quer, mas porque está demasiado cansada para impedir que
assim o seja. A languidez assume-se. A inoperância causa mau-estar.
Texto e produção de Joana
Júdice
Música: Gary Jules – Mad World
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