Apelação Cível n. 2011.013145-7, de Concórdia Relator: Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. NEGATIVA DE PAGAMENTO. SINISTRO NÃO COBERTO PELA APÓLICE. INVALIDEZ PARCIAL. PREVISÃO DE COBERTURA DO SEGURO APENAS PARA INVALIDEZ TOTAL. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA. SEGURADO, ADEMAIS, QUE DETÉM A POSSIBILIDADE DE CONTINUAR A EXERCER A MESMA PROFISSÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2011.013145-7, da comarca de Concórdia (1ª Vara Cível), em que é apelante Gilson Dandolini, e apelada Santa Catarina Seguros e Previdência S/A: A Câmara Especial Regional de Chapecó decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais. Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. José Volpato de Souza - Presidente e Des. Subst. Eduardo Mattos Gallo Junior, revisor. Chapecó, 10 de dezembro de 2012. Paulo Ricardo Bruschi RELATOR RELATÓRIO Gilson Dandolini, qualificado nos autos, inconformado com a decisão proferida, interpôs Recurso de Apelação (fls. 107-112), objetivando a reforma da respeitável sentença prolatada pelo MM. Juiz da 1ª Vara Cível da comarca de Concórdia, na ação de cobrança por si ajuizada contra Santa Catarina Seguros e Previdência S/A, a qual julgou improcedentes os pedidos formulados na exordial e, por conseqüência, condenou-o ao pagamento das custas e honorários, cuja exigibilidade restou suspensa nos termos do art. 12 da Lei n. 1.060/50. Na inicial (fls. 02-10), o autor postulou o recebimento do valor correspondente à indenização securitária por invalidez permanente. Justificou o pedido fundamentando-o no argumento de que sofreu acidente por explosão de fogos de artifício, que resultou na incapacidade permanente de 99% de seu olho direito. Mencionou, no entanto, que o pagamento indenizatório lhe foi negado, sob a alegação de que a apólice não possui cobertura para a invalidez parcial permanente, mas somente por invalidez total. Regularmente citada, veio a ré aos autos e, contestando o feito (fls. 29-43), em síntese, asseverou que, não tendo o autor juntado aos autos prova da alegada invalidez permanente total por acidente e inexistindo na apólice contratada previsão de indenização para invalidez parcial, o feito era de ser julgado improcedente. Na réplica (fls. 53-56), o autor rebateu as assertivas da ré e repisou os argumentos da exordial. Realizada perícia, concluiu-se que o autor teve perda de sua visão direita em sua quase totalidade, cuja lesão, apesar de permanente, não o torna totalmente incapacitado (fls. 85-90). Julgando antecipadamente a lide, o digno magistrado a quo prestou a jurisdição, declarando a improcedência do pleito inaugural, sob o fundamento de que não pode a ré ser condenada à cobertura de risco não previsto no contrato de seguro (fls. 102-104). Irresignado com a prestação jurisdicional efetuada, o autor, tempestivamente, apresentou recurso a este Colegiado. Em sua apelação (fls. 107-112), lastrou seu pedido de reforma da sentença no fundamento de que, tendo sido comprovada a sua incapacidade permanente, faz jus ao recebimento da verba indenizatória. Contra-arrazoado o recurso (fls. 116-120), a apelada aplaudiu os fundamentos da sentença. Contados e preparados tempestivamente, ascenderam os autos a esta Corte. Este o Relatório. VOTO Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi Objetiva o autor, em sede de apelação, a reforma da sentença que julgou improcedente o pedido por ele formulado tendente ao pagamento da indenização do seguro em caso de invalidez permanente. Para tanto, afirma que a perícia realizada constatou perda de 100% da visão de seu olho direito, bem como reconheceu que a lesão é permanente, o que o torna incapaz definitivamente para todas as atividades da vida civil. Assinalou ser inviável a aplicação do princípio pacta sunt servanda, eis que este é "relativizado pelos princípios que regem juridicamente as políticas públicas de proteção ao consumidor e autorizam a revisão judicial" (fl. 110). Inicialmente, é cediço que as relações de natureza securitária submetem-se ao regramento estabelecido no Código de Defesa do Consumidor, haja vista envolver de um lado um fornecedor (a seguradora) e do outro um consumidor (o segurado). Caracterizada, pois, a relação consumerista, "cumpre destacar que o contrato entabulado entre as partes é de adesão, não cabendo aos segurados no momento da contratação qualquer discussão acerca das cláusulas apresentadas. Ante tal realidade o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu em seu art. 4º, III, o princípio da boa-fé objetiva, verbis: "Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: "[...] "III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores". (Apelação Cível n. 2008.077461-1, de Fraiburgo. Relator: Des. Subst. Odson Cardoso Filho) Feito este intróito, ao caso concreto. Dos autos infere-se que o apelante firmou contrato de seguro de vida com a requerida, Santa Catarina Seguros e Previdência S/A, o qual previa indenização no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para os casos de perda total de ambos os olhos (fl. 14 v.). Referido contrato garante ao segurado, de forma adicional, indenização em caso de invalidez permanente, que é "relativa à perda ou à impotência funcional definitiva e total, em virtude de lesão física, causada por acidente pessoal coberto, ocorrido durante a vigência deste seguro, e cuja consequência corresponda a um dos eventos descritos abaixo: [...] perda total da visão de ambos os olhos [...]". Estabelece, ainda, que, no caso de perda da visão, esta deve ser total e de ambos os olhos. No caso em tela, o apelante sofreu acidente por explosão de foguete Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi próximo ao seu olho direito, comprometendo sua visão direita em 99%, ou seja, na sua quase totalidade. Por tais razões, acionou a seguradora, com o intuito de receber a indenização, em decorrência da invalidez que o acometeu, tendo aquela negado a concessão ao argumento de que a apólice "não possui cobertura por invalidez permanente parcial por acidente, mas somente por invalidez permanente total do acidente" (fls. 15-16), não sendo possível a indenização por tal evento. E outro, a meu sentir, não poderia ter sido o desfecho dado. Isso porque, o contrato de seguro é claro em sua cobertura, prevendo garantia apenas para o caso de invalidez permanente total de ambos os olhos. É certo que, nas causas em que houver a incidência do Código Consumerista, devem elas ser interpretadas do modo gravoso ao consumidor. Todavia, tal interpretação ocorrerá na hipótese de dúvida quanto ao alcance de cada cláusula. No caso em tela, porém, não há como ampliar a interpretação ao sinistro ocorrido com o apelante, haja vista que a descrição do objeto é clara, não apresentando qualquer dubiedade, razão por que a responsabilidade da seguradora deve limitar-se ao pactuado. Aliás, sobre o assunto, Ada Pelegrini Grinover et. al., no livro Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do Ante-Projeto, ensina que: "Os princípios da teoria da interpretação contratual se aplicam aos contratos de consumo, com a ressalva do maior favor ao consumidor, por ser parte débil na relação de consumo. Podemos extrair os seguintes princípios específicos na interpretação dos contratos de consumo: a) a interpretação é sempre mais favorável ao consumidor;" (7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 488). A propósito, desta Corte, "Possibilitando mais de uma interpretação, o contrato deve ser interpretado em favor do consumidor vulnerável e hipossuficiente". (Apelação Cível n. 2008.025782-3, de Joinville, Relator: Des. Monteiro Rocha, 5ª Cam. Dir. Civ., j. 25/10/2012). No mesmo sentido leciona Cláudia Lima Marques, verbis: "Para descobrir o sentido e o alcance das cláusulas da relação contratual de consumo, o intérprete utilizará as conhecidas técnicas da interpretação estrita das exceções, da interpretação contra o proferente, do efeito útil do contratado, da superioridade das cláusulas individuais mais benéficas ao consumidor, mesmo que orais ou presentes na oferta publicitária e as demais técnicas de interpretação dos negócios jurídicos, guiadas, sempre pelo princípio do art. 47 do CDC. Assim, em matéria de seguro e planos de saúde a redação dúbia do instrumento contratual deve beneficiar o consumidor" (in, Contratos no Código de Defesa do Consumidor. V. I. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 760-761) (grifei). Como se vê, deverá haver dubiedade na interpretação da cláusula contratual. Contudo, no caso em tela, é inviável estender o regramento estabelecido na apólice ao apelante que, conforme visto, teve lesão permanente, porém, parcial. Veja-se que, de acordo com o laudo pericial constante às fls. 86-90, apesar de o apelante possuir lesão de caráter permanente, que o limitará ao exercício Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi das atividades que necessitem de binocularidade, o dano não lhe causou invalidez total, eis que há a possibilidade, inclusive, de tratamento com transplante de córnea e facectomia. Por outro vértice, ainda que tal lesão seja considerada como invalidez, eis que não há como mensurar se a realização de um transplante lhe garantirá a recuperação da visão, aquela se deu, repito, de forma parcial, pois atingiu apenas um dos olhos. Convém esclarecer que, no que se relaciona ao conceito de incapacidade total e permanente, esta somente pode ser aferida "tendo-se como contraponto a atividade profissional exercida pelo segurado. Destarte, aquele que contrata um seguro pessoal para cobertura de invalidez sempre tem em mente a impossibilidade de exercício do trabalho desempenhado, sem o que se tornaria inócua a celebração do contrato, uma vez que, se assim não fosse, apenas as pessoas absolutamente inválidas poderiam beneficiar-se da indenização securitária. Julgar de maneira contrária seria atentar contra o princípio da boa-fé que deve reger a relação contratual" (Apelação Cível n. 2007.054088-0, Relator Des. Joel Figueira Júnior, Primeira Câmara de Direito Civil, DJe de 18.04.2011) (Apelação Cível n. 2009.024186-1, de Lages, Rel. Des. Ronei Danielli, j. 22-9-2011). No caso sub judice, conforme bem destacado pelo expert do Juízo, o apelante "encontra-se impossibilitado de exercer funções que demanda estereopsia, como trabalhar em máquinas perigosas, ou em alturas, bem como dirigir profissionalmente" (fl. 88), ou seja, poderá continuar a desempenhar inclusive a mesma função que exercia antes do sinistro, devendo contudo, ater-se às suas limitações. Assim, abrangendo a apólice somente a invalidez total e não havendo qualquer dubiedade na redação de suas cláusulas, limitando-se, com isso, a responsabilidade da seguradora ao pactuado, a improcedência do pleito foi correta, e a mantença da sentença é medida que se impõe. Por fim, é cediço quem, em homenagem ao princípio pact sunt servanda, "a seguradora responde tão-somente por aquelas situações expressamente previstas no contrato de seguro, justamente para dar guarida à segurança jurídica, que deve permear as relações contratuais". (Apelação Cível n. 2000.016434-8, de Joaçaba. Relator: Des. Ruy Pedro Schneider) Não obstante, ainda que tal princípio possa ser relativizado, somente o será "para propiciar a revisão das cláusulas ajustadas, sempre que sejam elas contratadas contra os princípios da equidade e da boa-fé, para que sejam elas extirpadas do contexto da avença" (Apelação Cível n. 2004.019049-2, de Tubarão. Rel. Des. Trindade dos Santos), o que não se verifica no caso em tela, razão por que não há, insisto, como realizar uma interpretação ampliativa da cobertura securitária. Ante o exposto, vota-se no sentido de conhecer do recurso, por tempestivo, e negar-lhe provimento, mantendo-se íntegra a sentença de Primeiro Grau. É como voto. Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi