○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○○ ○○ ○○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Educação Básica Desafios da administração da educação para este século The challenges of Educational Management for this century Rinalva Cassiano Silva* Doutora em Educação na área de Administração do Ensino Superior pela Vanderbilt University, USA, coordenadora de Pós-Graduação da Universidade Metodista de Piracicaba. [email protected] R e s u m o O artigo pretende trabalhar algumas questões referentes à administração da educação, à luz de novos referenciais que ampliem a visão de uma educação cidadã, capaz de preparar o jovem para o mundo do trabalho, altamente competitivo e em constante mudança. É abordada ainda a necessidade de se construir uma proposta pedagógica que tenha também como objetivo a formação de cidadãos comprometidos com ideais e valores éticos. Unitermos: profissionalização; competitividade; proposta pedagógica. S y n o p s i s The article expects to discuss certain matters pertaining to educational management, in light of new systems of references which expand the vision of citizenship education, capable of preparing our youth for the work world, highly competitive and in a constant state of flux. The article also tackles the need to build an educational proposal which should also have as its objective to educate committed citizens with ethical ideals and values. Terms: professionalization; competitivity; educational proposal. R e s u m e n El artículo pretende trabajar algunas cuestiones referentes a la administración de la educación, a la luz de nuevos referenciales que amplíen la visión de una educación ciudadana, capaz de preparar al joven para el mundo del trabajo, altamente competitivo y en constante mudanza. Además, es abordada la necesidad de construir una propuesta pedagógica que tenga también como objetivo la formación de ciudadanos comprometidos con ideales y valores éticos. Términos: profesionalización; competitividad; propuesta pedagógica. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 29 ○ ○ ○ Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ As escolas teriam a obrigação de preparar os jovens para as exigências qualificativas dessa ‘civilização técnica’ A Revista de Educação do Cogeime A educação é um direito de todos, mas compete às famílias, por sua vez, o direito de escolherem a educação que desejam para seus filhos ○ ○ ○ 30 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ termos supostamente profissionalizantes, isto é, terminais. O que se observa, entretanto, é que o desenvolvimento educacional nunca correspondeu a essa anunciada formação materialista da sociedade – nem na Alemanha de onde vem a informação do autor citado e muito menos em outros países. Ao contrário, a educação, ao desenvolver-se, seguiu outros ideais, assumindo outros valores. Pode-se dizer que a prova mais forte disso é que a maioria dos textos constitucionais dos países do ocidente, no que se refere ao reconhecimento do direito da família à educação, explicita que a educação é um direito de todos, mas compete às famílias, por sua vez, o direito de escolherem a educação que desejam para seus filhos. Assim sendo, a expansão das instituições escolares é, em certa medida, um reflexo das decisões tomadas pelos pais sobre a educação de seus filhos, e mesmo dos alunos sobre sua própria educação, embora em boa medida, tais decisões sejam também influenciadas e situadas por conta do mercado de trabalho. Tomando decisões sobre sua própria educação, os alunos também tomam consciência dos interesses relativos à carreira profissional. É certo que tanto pais quanto alunos sempre pensaram no futuro profissional daqueles tidos como ‘futuros profissionais’. Mas, contam agora com as orientações de novos, ou de outros valores, com respeito ao porvir. Na A Educação e a escola encontram-se frente a grandes desafios. A globalização, a convivência multicultural e os rápidos desenvolvimentos econômicos e técnicos colocam os alunos e professores de todo o mundo diante de novas exigências. Gero Lenhardt pós a II Guerra Mundial, quando os sistemas educacionais expandiram-se impetuosamente, era comum a seguinte fórmula de convicção universal: cientistas e pesquisadores descobrem um número cada vez maior de leis naturais, transformando-as em instalações técnicas. As instalações técnicas determinam a estrutura do mundo do trabalho e, indiretamente, também da sociedade. Com isso, foi criado um consenso ideológico de que as escolas teriam a obrigação de preparar os jovens para as exigências qualificativas dessa ‘civilização técnica’. Se as escolas não o fizessem, poder-se-ia contar com grandes riscos profissionais individuais e com uma crise econômica global. O que se quer dizer com tais idéias do autor do enunciado – apresentado em epígrafe – é que a primazia no desenvolvimento educacional teria que ser posta num plano econômico-educacional, cientificamente comprovado e desenvolvido pelo Estado. Esse plano deveria preocupar-se, sobretudo, com a expansão da educação escolar secundária, em ○ ○ Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ década de 50, e pouco antes, os filhos seguiam os ideais dos pais, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Via de regra, cada um queria permanecer na classe e na posição que lhe cabia por nascimento. Pelo menos pareciam acreditar nisso. A década de 70 foi marcada por um planejamento racional da carreira e, progressivamente, substituiu a herança do status. A necessidade de profissionalização tornou-se cada vez maior, demonstrando já certas mudanças, posto que, sem uma profissão, não seria possível aos jovens, especialmente de classe média para baixo, continuarem seus estudos “para progredir na vida”. Paralelamente a essa necessidade, sobreveio uma grande pressão, sustentada pela demora do ensino médio de pensar em uma maneira de reprimir tal demanda. Nesse contexto, o governo militar, no Brasil, não pensou duas vezes e impôs a Lei de n. 5692/71, que regulamenta o ensino médio, validando em nível nacional o tecnicismo e, a partir daí, as modalidades profissionalizantes de educação como formas de coibir o acesso de muitos jovens à universidade. Certamente, esse fato ocorreu na América Latina, onde os golpes de Estado sempre aconteceram e, a cada vez, em decorrência desses, a educação destacou-se dentre os setores que mais sofreram pressão, porque o que estava em jogo era a ‘segurança do regime’ e formar cidadãos constitui semRevista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Há a clareza de que, quanto mais a oferta de mãode-obra qualificada divergir da demanda, tanto mais terá o indivíduo que investir na sua educação A educação destacou-se dentre os setores que mais sofreram pressão, porque o que estava em jogo era a ‘segurança do regime’ ○ ○ ○ 31 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ pre grande ameaça para regimes totalitários. Vale, ainda, a cultura do Silêncio, denunciada por Freire na Pedagogia do Oprimido. A conclusão de curso na ‘escola secundária’ – assim chamada – nos moldes da década de 50, não oferecia nenhuma garantia para o exercício de uma profissão. Entretanto, era necessário ter o curso secundário terminado para cultivar alguma aspiração. Somente a classe média alta ou a classe alta (a ‘elite’) tinha condições de terminá-lo e a partir daí, concorria num processo de seleção (antigo vestibular), no Brasil, para ingresso na universidade e efetiva profissionalização em nível superior. Atualmente, como o panorama tem mudado, sabe-se que quem não concluir pelo menos o ensino médio não tem qualquer chance de conseguir trabalho qualificado, nem mesmo de entrar na luta de grande concorrência. No presente, há a clareza de que, quanto mais a oferta de mão-de-obra qualificada divergir da demanda, tanto mais terá o indivíduo que investir na sua educação, para não ficar em posição desfavorável ou mesmo fora do mercado de trabalho. Do exposto, à guisa de introdução, ressalte-se o tema que se quer tratar, qual seja, alguns desafios da administração da educação para este século XXI. Nesta perspectiva, o que pretende-se é trabalhar certas questões da administração da educação à luz de novos referenciais que dêem Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ visão melhor de uma educação cidadã, sendo capaz de preparar o jovem para o mundo do trabalho diferenciado do presente, caracterizado por ser altamente competitivo, um mundo de mudanças e de novos conhecimentos que se tornam velhos e “fora de época” em horas, semanas e, quando muito, em meses. Também é preciso lembrar que se vive na era da ‘sociedade do conhecimento’ e esse fato conduz ao pensamento de uma educação para novos tempos, de acordo com paradigmas diferenciados. A esse respeito, o Fundador da Phoenix, Jorge Klor De Alva, em uma entrevista, tendo sido questionado sobre o problema da demanda do ensino médio rumo ao ensino superior, respondia a seguinte pergunta: O que muda no papel das escolas na tarefa de preparar os alunos para a sociedade do conhecimento? A sua resposta vale ser considerada, quando esse educador ressalta o seguinte: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 32 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ As escolas que não conseguirem modificar-se nessa direção continuarão a ‘conceder diplomas’, mas não necessariamente a prover educação para tornar os seus estudantes aptos para o emprego e para serem profissionalmente bem-sucedidos. As escolas sempre pensaram em estudantes ‘tábulas rasas’ e que lhes competia, como escolas, encher-lhes as cabeças com aprendizagens fragmentadas, cultivando aquele tipo “bancário” de educação para tornarem-se profissionais. Somente nas últimas décadas a cabeça dos alunos deixou de ser vista como aquele tipo de “depósito bancário”1 escolar, na linguagem de Paulo Freire. A escola finalmente percebeu que os As escolas que não conseguirem modificar-se nessa direção continuarão a ‘conceder diplomas’, mas não necessariamente a prover educação ○ ○ são ‘recipientes vazios’, a serem preenchidos por ‘professores conferencistas’, para a compreensão de que, para garantir o sucesso dos estudantes, eles precisam participar ativamente da sua educação, desenvolvendo tanto as habilidades cognitivas quanto afetivas, a maioria delas exigida pelos empregadores, tais como habilidade de trabalho em grupo e de comunicação, capacidade de liderança e de companheirismo, e flexibilidade para obtenção de êxito em condições de constantes mudanças. O que muda no papel das escolas na tarefa de preparar os alunos para a sociedade do conhecimento? [...] duas coisas precisam mudar para as escolas direcionarem corretamente suas responsabilidades e orientarem os estudantes para a sociedade do conhecimento: 1. a mudança da ênfase da antiquada teoria baseada em currículo para o conhecimento do mundo real centrado no local do trabalho, que inclui envolvimento com a tecnologia da informação e desenvolvimento de pensamento crítico e de habilidades emocionais; 2. a mudança na premissa de que os estudantes Revista de Educação do Cogeime ○ 1 ○ Relativo à educação bancária, expressão cunhada por Paulo Freire para designar as informações mecânicas e não-relacionadas que constituíam/constituem o ensino tradicional, e que são apenas memorizadas, por um certo tempo, pelos estudantes, depois esquecidas. Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ estudantes chegam ao seu contexto com conhecimentos, com uma história e com experiência de vida, com valores próprios, trazidos de casa, da igreja, de seu meio social ou cultural. A instituição escola assume a responsabilidade – e precisa dar conta disso – de dar-lhes ou de oferecer-lhes condições de descobrirem novos conhecimentos, de serem críticos e reflexivos, de saberem o que querem para suas vidas enquanto cidadãos do mundo e de contribuírem para a comunidade em que vivem. A escola como instituição parece estar também evoluindo para saber que ‘não é Igreja’. Evangelização, doutrinação ou proselitismo é preocupação das igrejas, enquanto educação é tarefa da escola para preparar o aluno – ser em crescimento – para ser cidadão do mundo, numa perspectiva de educação planetária, no presente. Para melhor compreensão, tratar-se-á da temática em abordagens dinâmicas, que se unem e se separam, organizadas em termos que envolvem aspectos tais como: a) desafios postos à educação; b) educação e internacionalização; c) por uma educação mundial; d) tendências da administração da educação; e. Reflexões. Tais temas são, pois, na expressão de Santos (2000), tratados como ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Educação é tarefa da escola para preparar o aluno – ser em crescimento – para ser cidadão do mundo No mundo de hoje não há lugar para aqueles que não conseguem uma educação escolarizada [...] galerias por onde os conhecimentos progridem ao encontro uns dos outros, uma vez que o conhecimento avança à medida que o seu objeto se amplia, Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 33 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ampliação que, como a da árvore, procede pela diferenciação e pelo alastramento das raízes em busca de novas e mais variadas interfaces. Desafios postos à Educação O primeiro grande desafio entre o final do século passado e a chegada deste novo século assim se configura: a educação que qualquer um, a princípio, pode adquirir, torna-se a condição decisiva para o destino profissional, em lugar do capital adquirido ou do status herdado. O que se quer dizer é que no mundo de hoje não há lugar para aqueles que não conseguem uma educação escolarizada, por mais simples que seja, e por simples entende-se cursar, pelo menos, o ensino básico. O simples apertar de um botão de computador para fazer funcionar uma máquina, abrir ou fechar um portão eletrônico exige algum grau de conhecimento e isso passa a ser exigido. Quanto maior for esse ‘grau de conhecimento’, maiores as possibilidades profissionais. A mais valia do capitalismo do século passado, cedeu lugar à capacidade de raciocínio e de decisão rápida, facilitada por uma visão diversificada de conhecimento. Diferencia-se o caráter da educação profissional, pelo abandono progressivo da especialização em favor de uma visão e de uma compreensão mais global de mundo. Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A relação entre educação e trabalho é, no presente, um dos grandes temas do desenvolvimento social. A escola não pode ignorá-la, sob pena de comprometer o seu projeto educativo. E note-se que essa relação não significa ‘mera ou suposta profissionalização’. Se assim fosse, no Brasil, a Lei n. 5692 ainda estaria em vigência. A relação entre educação e trabalho assume, no presente, outros significados que são atinentes a políticas de ensino que contemplam a formação básica e a preparação para o trabalho. Contudo, nesse novo/outro sentido, pode-se destacar que, independente de se pensar em educação profissionalizante, o mais importante é pensar em educação para o trabalho. Assim, pode-se dizer, com Schimidt (2001), que uma pessoa instruída ou educada precisa: [...] desenvolver um poder de percepção, interpretação, análise e reflexão, uma vez que tem que estar preparada para viver/conviver num mundo globalizado. Por isso, deve capacitar-se para um relacionamento de vida e de trabalho, ao mesmo tempo, na esfera do intelectual que opera com abstrações e na esfera do gerente que tem em foco pessoas e trabalho. O segundo desafio é referente ao cotidiano do projeto pedagógico. Vale dizer que nesse tópico o sentido mais importante a ser examinado é o significado que tem Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A relação entre educação e trabalho é, no presente, um dos grandes temas do desenvolvimento social Na construção de sua proposta pedagógica, a instituição deve contar com o apoio integral de todos os envolvidos na comunidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ a elaboração coletiva de um projeto pedagógico, a partir do cotidiano escolar, enfatizando as diversidades de situações desafiadoras com as quais diretores, professores e alunos encontram-se no dia-a-dia. A intenção é recuperar o processo de construção coletiva, e nunca verticalizada como sempre apareceu na escola, mas, ao contrário, coletiva e democrática, com a possibilidade de rearticulação das redes cotidianas de trabalho e das políticas educacionais emergentes. Na construção de sua proposta pedagógica, a instituição deve contar com o apoio integral de todos os envolvidos na comunidade. Contudo, isso não significa “assembleísmo”, mas pensar juntos e “colocar a mão na massa”. Também, vale relembrar que cada instituição é diferente da outra e tem sua identidade própria, independente de sua ‘mantenedora’, quer seja o Estado ou entidades privatistas. Nenhuma pode opor seu modelo à outra. Os desafios do cotidiano podem ser vistos na investigação da própria ação e no registro sistemático desse fazer, utilizando estratégias que possibilitem, além da problematização, a busca e o compartilhamento de soluções. A legislação brasileira – Lei n. 9394/96 – é muito clara nos seus artigos 14 e 15, quando preconiza: Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo ○ ○ ○ 34 ○ ○ ○ Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I. participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II. participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes; Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e admi nistrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público. Construir autonomia na escola que sempre teve ‘autonomia decretada’ não é nada fácil, pois trata-se de passar, inevitavelmente do ‘paradigma decretado’ para um outro, ‘construído’. O comum na América Latina foi conviver com decretos e, daí, conforme analisa Gadotti (1997), no caso da educação brasileira, são muitas as limitações, dentre as quais: a. a pouca experiência democrática; b. a mentalidade que atribui aos técnicos, e apenas a eles, a capacidade de planejar e governar, e que considera o povo incapaz de exercer o governo ou de participar de um planejamento coletivo em todas as suas fases; c. a própria estrutura do nosso sistema de educação que é vertical; d. o autoritarismo que impregnou nossa prática educativa; Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ e. o tipo de liderança que tradicionalmente domina nossa atividade política no campo educacional. Construir autonomia na escola que sempre teve ‘autonomia decretada’ não é nada fácil Um grande desafio neste século XXI para cada instituição de educação, que tem como objetivo formar o cidadão comprometido com seus ideais e valores Construir uma proposta pedagógica que leve em conta a realidade do mundo contemporâneo, no qual as palavras de ordem são globalização, flexibilização, competência e competitividade, constitui, sem dúvida um grande desafio neste século XXI para cada instituição de educação, que tem como objetivo formar o cidadão comprometido com seus ideais e valores, crítico de qualquer sistema de escravidão. Um terceiro desafio é concernente às tendências da educação – os novos paradigmas. Na expressão de Libâneo2, e dito com muita precisão, vivem-se quatro ou cinco tendências na educação brasileira – e porque não dizer na América Latina – as quais podem ser denominadas de Neocognitismo, Neoestruturalismo, Neotecnicismo, conduzindo ao Neoliberalismo e Neohumanismo. Não serão tratados os três primeiros porque, supostamente, já são por demais conhecidos. Quanto ao quarto ou ao quinto, o serão dependendo da relação que for estabelecida. No Neohumanismo tem-se interesse particular e deverá ser alvo de atenção, quando da discussão do tema em pauta. A corrente teórico-metodológica do construtivismo, que já 2 ○ ○ ○ 35 ○ ○ ○ Informação verbal fornecida por J.C. Libaneo na Reunião Anual da ANPED, em 2000. Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ não é tão nova, ganhou corpo na educação brasileira nestas últimas décadas, passando a ser adotada por grande parte das escolas, indiscriminadamente, tanto na rede pública como na rede privada. Quando se fala em construtivismo, deve ser lembrado que o seu caráter é epistemológico, uma vez que encontra-se em foco a construção do conhecimento que, de alguma forma, segue a linha de procedimentos didáticometodológicos. Sua base está no desenvolvimento da habilidade cognitiva, em termos correlatos a princípios da epistemologia genética piagetiana. Assim, é importante incentivar a criança na sua habilidade cognitiva, por meio da qual constrói seu próprio mundo. E, mais ainda, considerando o que é posto por Piaget: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Ao falar no processo de conhecimento, há que se pensar no resgate do pensamento do educando ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Sabendo que essa primeira tendência trata da construção do conhecimento, entra em jogo, aí, todo o complexo de teoria-e-prática. Prática que sempre revela uma concepção teórica que subjaz para fundamentá-la, e sem a qual não será possível pensarse nas duas trabalhando juntas. Weffort (1996) enfatiza essa questão, quando lembra que falar em construtivismo, sóciointeracionismo, sujeito-pensante, construtor de conhecimento, sem possibilitar o acompanhamento deste reflexivo estudioso, é falar no vazio. Assim, ao falar no processo de conhecimento, há que se pensar no resgate do pensamento do educando; no planejamento da informação teórica e no acompanhamento da reflexão sobre a prática desse mesmo conhecimento por parte do educando (educador). Aí encontra-se um outro grande desafio da educação do presente. Para Becker (1998), o construtivismo na educação pode ser a forma teórica que reúne várias tendências atuais do pensamento educacional. E, segundo esse mesmo educador: Revista de Educação do Cogeime ○ [...] [Essas] tendências que têm em comum a insatisfação com um sistema educacional que teima (ideologia) em continuar essa forma particular de transmissão que é a escola que consiste em fazer repetir, recitar, aprender, ensinar o que já está pronto, em vez de fazer agir, operar, criar, construir a partir da realidade vivida por alunos e professores, isto é, pela sociedade - a próxima - e aos poucos, as mais distantes. É importante incentivar a criança na sua habilidade cognitiva, por meio da qual constrói seu próprio mundo [...] Há desenvolvimento cognitivo em um sentido amplo, que não deve ser entendido simplesmente como a construção de um universo externo, mas como a construção de um sistema de referência para a simultânea demarcação dos mundos objetivos. O significado geral do desenvolvimento cognitivo é a descentração de uma compreensão egocêntrica do mundo. ○ ○ ○ ○ 36 ○ ○ ○ Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O Neoestruturalismo dita a nova estrutura da escola, na qual as palavras chaves são: participação e flexibilidade. E, além dessa participação, é importante observar as ações no âmbito desse movimento neoestruturalista 3 . Para tanto, basta observar como as escolas com construções modernas procuram mobiliar as suas salas de aulas com mesas e cadeiras, móveis enfim, que lhes dão o formato da sala ambiente que se deseja. Tudo isso em função da nova concepção de participação. Nela, o trabalho é compartilhado e as decisões são coletivas. Por fim, o Neohumanismo – ou quem sabe a multidimensionalidade – diz respeito ao dito anterior, a educação é mundial e não mais local. Mesmo admitindo-a de caráter local, o conhecimento por ela abordado é também total porque reconstitui os projetos cognitivos locais, salientando-lhes a sua exemplaridade, e por essa via transformaos em pensamento total ilustrado. Embora Ladislau Dowbor (1996) já defenda a volta da aldeia do mundo pequeno, a globalização não deixa de atingir o espaço terrestre na sua totalidade. Entra, então, a problemática do neohumanismo que significa, tornarse mais humano no mundo de multidimensão cultural, no qual ninguém pode viver sozinho. 3 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Tornar-se mais humano no mundo de multidimensão cultural, no qual ninguém pode viver sozinho Dotar o homem de instrumental que o habilite ao mercado de trabalho tem sido preocupação de todos os governos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Falar em Neohumanismo é chegar ao encontro do tema proposto e pensar em como desenvolver esse novo humanismo, assim tratado por Libâneo, que certamente proporciona aproximação. No tocante ao modelo econômico, os governos apostam no neoliberalismo – mesmo os que se dizem de esquerda não escapam a essa tentação. O modelo caracteriza-se por pregar que o Estado deve intervir o mínimo na economia, manter a regulamentação das atividades econômicas privadas, num mínimo, e deixar agir livremente os mecanismos do mercado. Para mostrar exemplos, basta atentar-se para as empresas privadas da América Latina e o impacto das multinacionais sobre as economias de mercado, além do livre comércio e a quase volta do laissez faire. Dotar o homem de instrumental que o habilite ao mercado de trabalho tem sido preocupação de todos os governos. No interior dessas propostas aparecem como prioridades, a educação infantil e do jovem. Pensando a esse respeito, temos de Silva (1995) a seguinte pergunta: [...] Que tipo de conhecimento, currículo e quais métodos dominarão a cena pedagógica quando o livre funcionamento dos mecanismos do mercado, na educação, permitem uma “livre” escolha feita num clima de pre- Não estamos entrando no conceito do estruturalismo, enquanto corrente metodológica ou filosófica de se construir trabalho científico, e sim tentando trabalhar com a estrutura da escola que passa também pela própria estrutura física. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ 37 ○ ○ ○ Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ domínio de moralismo e repressão cultural? A razão da pergunta reside no fato de que nos dias de hoje, em alguns países, e em especial nos Estados Unidos, já se fala muito na aliança entre liberalismo econômico e neoconservadorismo (cultural). Segundo Frigotto, os dois não podem ser tomados como sinônimos, mas guardam uma certa aliança. Apesar da centralidade da ofensiva neoliberal, não se pode esquecer de uma possível aliança entre liberalismo (econômico) e conservadorismo (cultural), na expressão do referido autor. Sabe-se que o projeto neoliberal tem papel estratégico na educação. A sua intervenção na educação, com vistas a servir aos propósitos empresariais e industriais, tem duas dimensões que são bem apresentadas por Silva no seguinte texto: É importante também utilizar a educação como veículo de transmissão das idéias que proclamam as excelências do livre mercado e da livre iniciativa [...] De um lado, é central, na estruturação buscada pelos ideólogos neoliberais, atrelar a educação institucionalizada aos objetivos estritos de preparação para o local do trabalho. No léxico, trata-se de fazer com que as escolas preparem melhor seus alunos para a competitividade do mercado nacional e internacional. De outro, é importante também utilizar a educação como veículo de transmissão das idéias que proclamam as excelências do livre mercado e da livre iniciativa. Há um esforço de alteração do currículo Revista de Educação do Cogeime Como atuar nesse mundo transmoderno, de neoliberalismo como modelo econômico e de valorização da competitividade ○ ○ ○ 38 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ não apenas com o objetivo de dirigi-lo a uma preparação para o local de trabalho, mas também, com o objetivo de preparar os estudantes para aceitarem os postulados do credo liberal. O que importa, no entanto, é que se está vivendo um momento novo na educação, onde as tendências estão voltadas para o mercado do trabalho e o modelo econômico dita esse mercado – é o domínio do neoliberalismo que, em conseqüência, traz no seu bojo a grande influência dos novos gerenciamentos da economia, dos grandes blocos econômicos etc. A educação não está ausente e nem poderia ser omissa diante dessas grandes transformações pelas quais passa o mundo. Pergunta-se, diante da proposta da educação do presente, que tem por princípio libertar o homem de tudo o que o escraviza ou, ainda, a formação do cidadão com consciência crítica, espírito ético e comprometido com valores da cidadania, como atuar nesse mundo transmoderno, de neoliberalismo como modelo econômico e de valorização da competitividade, mesmo que seja prejudicando outros? A resposta não é fácil, daí a afirmação no início, que tal questão para ser trabalhada neste tema não é simples, ao contrário, é sobremaneira complexa. É preciso, portanto, “pé no chão”, o que significa firmeza para saber agir diante tanto das possibiliAno 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ dades ameaçadoras do jogo do mercado, quanto da ética cidadã que chama para a formação desejável do nosso aluno. Chega-se ao bojo do tema proposto e valem as palavras de Aragão (2002): educadores de todo mundo, neste início de novo século, manifestam maior clareza sobre metas/finalidades/objetivos da Educação. E, continua a autora, ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Firmeza para saber agir diante tanto das possibilidades ameaçadoras do jogo do mercado, quanto da ética cidadã [...] no âmbito das avaliações de resultados e produtos de sistemas educacionais vigentes, bem como do sentido e dos significados de ações pedagógicas usuais, emergem várias questões consideradas cruciais e dignas da maior consideração em situações escolares de educação formal. Dentre elas vale relembrar: a configuração decidida de grandes contingentes de alunos em situações de ensino e de aprendizagem. O trato com a diversidade, o saber lidar com o diferente, não é tarefa fácil, mas não deixa de ser um desafio do presente século No Brasil, a situação das escolas privadas, e também das comunitárias ou confessionais, é de como conviver com grande número de alunos em sala de aula e criar mecanismos de ‘bom ensino’. Não deixa de ser um grande desafio para professores e alunos no aproveitamento dos meios mais variados, e das estratégias as mais diversas para, sem nenhum prejuízo no processo do aprender a aprender, dar conta de uma situação com 80 alunos em sala de aula. É uma problemática da instituição, que, não querendo perder nem sua filosofia nem sua ética de decência, Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ 39 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ trabalha seu professor, fazendo-o entender que é possível um bom trabalho mesmo com grande contingente de alunos em sala de aula, dando a atenção requerida por cada um. Ressalte-se, ainda, concordando com Aragão, já referida, que o trato com a diversidade, mesmo sabendo que esta apresenta-se ou constitui-se em contraposição à homogeneidade sempre buscada, torna-se agora, cada vez mais, desejável por professores em nível de classe. O trato com a diversidade, o saber lidar com o diferente, não é tarefa fácil, mas não deixa de ser um desafio do presente século, quando se busca o respeito pelas opiniões e pelos pensamentos próprios, e saber que a orientação dos docentes marcará, por certo, as vidas de seus alunos. Considerar a cultura da formação/construção do pensamento em sala de aula, em contraposição à mera transmissão de conhecimentos em termos reprodutivistas e memorísticos parece, sem dúvida, um outro grande desafio. Isso porque a escola sempre foi vista como reprodutivista do que existe. Ser capaz de ler e decodificar criando pensamento próprio não é fácil, mas é este um claro desafio para educadores e somente pode fazer quem o pratica. Não são poucos os professores que ficam estagnados no seu mundo de conhecimento e continuam transmitindo esse saber construído sobre décadas, como se ainda fossem úteis, embora esquecidos, porque o aluno, longe de ser Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ tábula rasa, tem acesso continuado aos novos conhecimentos por diversas fontes e formas, mesmo que esse conhecimento seja, de certa forma, deturpado. Nessa perspectiva, torna-se importante incentivar educadores e alunos a uma contínua educação, na busca de novos conhecimentos, tendo o acumulado como referência e criando o novo. Esse é, talvez, o grande diferencial que se pode assinalar para fazer com que as reais necessidades sejam satisfeitas e seja possível sair do reprodutivismo que domina grande parte da educação, mesmo em pleno século XXI. Ressaltar, enfim, a compreensão da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade como critérios de organização curricular e de desenvolvimento de procedimentos de ensino e de aprendizagem. Deixa-se o mundo das especialidades com disciplinas estanques e “donas da verdade”, estagnadas na idéia de que, se o aluno não as cumpre, não se torna um profissional, como ocorre na visão ou na concepção de muitos docentes. O mundo de hoje exige de todos uma gama de conhecimento que vai além daqueles que guardam identidade restrita com a profissionalização. Não se pode negar o valor daqueles, mas é preciso enfatizar a necessidade de uma cultura muito mais abrangente, que vai além de um mínimo chamado ‘técnico-profissional’. Com isso, não se está banalizando a profissionalização, ao Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Fazer com que as reais necessidades sejam satisfeitas e seja possível sair do reprodutivismo que domina grande parte da educação O mundo é complexo e, em função dessa complexidade, é preciso que se esteja atento à formação para a cidadania ○ ○ ○ ○ 40 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ contrário, tenta-se dizer que o cidadão e a cidadã do mundo contemporâneo precisam conhecer mais que o teorema de Pitágoras na Matemática ou fórmulas da Química. O mundo é complexo e, em função dessa complexidade, é preciso que se esteja atento à formação para a cidadania, que não pode ser esquecida dentro dos currículos. A valorização da vida, a ética no comportamento, os valores cultivados e trazidos de casa, da classe social, as crenças diversificadas, precisam ser aperfeiçoados, mesmo na contraposição, e guardados para uma perfeita cidadania. Nesse sentido, trazemos uma experiência vivida na Metodista4, quando da implantação das disciplinas Teoria do Conhecimento e Ética e Cidadania. Alunos de Odontologia reagiram contra a medida e reclamaram que não entendiam porque teriam que cursar ‘teoria do conhecimento’ ou ‘ética e cidadania’, quando já teriam que cursar a ética profissional como futuros dentistas. Após um semestre de aulas, alguns desses alunos queriam repetir a disciplina Ética e Cidadania e porque questionados, conversando entre si, comentavam que haviam pensado que estudar Teoria do Conhecimento e depois Ética e Cidadania era perder tempo e possibilitar à instituição ganhar mais dinheiro. Isso porque o que diziam querer era ‘usar o uniforme branco’ e correr 4 ○ ○ Universidade Metodista de São Paulo. Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ acelerada, mesmo que irresponsavelmente, para a clínica, ciosos de que somente precisavam de “prática”. A cabeça não precisa pensar tanto para trabalhar com as mãos. Coordenação motora e informação era o que valia. Já sabiam o suficiente para a profissão. Porém, segundo relato de alunos do curso, no dia em que o professor os desafiou a enfrentar um paciente em suas cadeiras de dentista e pensar que este, de repente, poderia sofrer um enfarte ou ter um problema com a anestesia aplicada, como se comportar ética e socialmente com o paciente? Como enfrentar a morte de um paciente? Bastou essa pergunta, comentavam os alunos, para despertarem para a responsabilidade que deveriam ter para com o paciente que chega e confia no trabalho do profissional, mas mais ainda, levou-os cada dia a pensar que tipo de profissional queriam mesmo ser. Pode ser o grande diferencial para todos da Instituição – como é um grande desafio na Metodista – dar aos alunos a consciência de que mesmo no mercado altamente competitivo e que exige competência, essa segunda prevalece sobre a primeira, ser competente e ter compromisso com a sociedade. Nesse sentido, vale expressar, na íntegra, o que pensa Aragão: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Dar aos alunos a consciência de que mesmo no mercado altamente competitivo e que exige competência, essa segunda prevalece sobre a primeira Que o aluno possa assumir-se, progressivamente como sujeito de suas ações ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ aula – diz respeito, principalmente, à ajuda pedagógica a ser propiciada pelo professor, para que o aluno possa assumir-se, progressivamente como sujeito de suas ações, sentindo-se capaz de desenvolver reflexões sobre si próprio, suas idéias ou pensamentos, sobre a ciência, o ponto de vista científico, as relações culturais e as relações ‘ciência-sociedade’. Ressalta a autora referida [...] a constituição do conhecimento na interação entre professor-aluno e inter-pares, no curso do processo pedagógico, em termos de relações cognitivas ou do estabelecimento de relações compreensivas entre idéias na interação em aula, no curso do processo de ensino e de aprendizagem (...) De forma tal que, como diz: Se eu compreendo, se estabeleço relações entre conteúdos, informações, procedimentos, torno-me capaz de atribuir valor, de construir valores meus, de ser sujeito do meu conhecimento, das minhas ações (...) Eu aprendo(...) [O grifo é nosso] O entendimento dessas questões, certamente, fará diferença em uma perspectiva de análise das situações existentes na crítica da prática pedagógica empregada, para que se possa, progressivamente, diferenciá-la e redimensioná-la em termos das [...] A construção da subjetividade do aluno no curso da interação professor-aluno em Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ 41 ○ ○ ○ Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ necessidades atuais, sem perder de vista o desenvolvimento científico e tecnológico, quer na atualidade, quer em termos de futuro, posto que o futuro é agora. O quinto desafio que se apresenta é a responsabilidade da universidade na formação dos professores e profissionais neste século XXI. Morin (2002) comenta: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Constata-se a responsabilidade da universidade na formação dos profissionais para este século XXI [...] A universidade conserva, memoriza, integra, ritualiza uma herança cultural de saberes, idéias, valores; regenera esta herança ao examiná-la, atualizála, transmití-la; gera saberes, idéias e valores que passam, então a fazer parte da herança. Assim, ela é conservadora, regeneradora, geradora. Vale também discutir com Santos Neto (2002), que se vivem, no tempo presente, mudanças e transformações culturais que colocam grandes desafios para a universidade: o colossal desenvolvimento científico e tecnológico, e a informatização dos processos de comunicação, de trabalho, de serviços e da vida cotidiana; o processo de globalização da economia na perspectiva neoliberal; a permanência dos processos de exclusão dos benefícios do desenvolvimento científico e tecnológico de imensas populações; as ameaças ao equilíbrio ecológico e, portanto, à própria manutenção da vida no planeta; a grande velocidade com a qual os conhecimentos vão nascendo/morrendo/renascendo; a Revista de Educação do Cogeime A maioria dos professores, pelo menos, tem claro que está formando o cidadão ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ percepção da necessidade de desenvolver uma consciência planetária; a necessidade de diálogo e articulação entre as diferentes culturas e, além de tudo isso, a emergência da consciência da complexidade, na linguagem de Morin, já referido. O volume das transformações é tão grande que muitos estudiosos e pesquisadores dizem que vive-se um momento de crise: crise planetária, crise civilizacional, crise da modernidade, crise paradigmática. A partir daí, constata-se a responsabilidade da universidade na formação dos profissionais para este século XXI. Essa formação não pode ser apenas conteúdista ou teórica mas, sobretudo, constitutiva de uma preparação teóricoprática para uma vivência com alunos, futuros profissionais, que, na linguagem de Demo (1995) , sabem fazer e refazer soluções e não serem apenas imitadores de soluções ou profissionais que buscam apenas soluções. Um professor pesquisado respondeu a esse pesquisador: A maioria dos professores, pelo menos, tem claro que está formando o cidadão e que nossa influência marcará positiva ou negativamente que estará passando uma expectativa de vida em relação ao futuro. Nesse sentido, Gatti (1996), falando sobre a crise na formação do professor, assim se expressa: ○ ○ ○ 42 ○ ○ ○ Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ [...] crise de finalidade formativa e de metodologia para desenvolver essa formação, restabelecendo a relação de comunicação e de trabalho com as instâncias externas nas quais os formadores vão atuar, ou seja, as escolas em sua cotidiana concretude. Isso exige uma mudança radical da inserção das licenciaturas na universidade e nas escolas superiores isoladas, bem como seus modos de ação(...) Ainda nessa empreitada, professores experientes da rede deveriam ser chamados a dar contribuição ao lado de pesquisadores e especialistas. A perspectiva do acadêmico tem que ser confrontada com a dos executores, bem como com a própria dinâmica social. Uma outra problemática que é desafiante é pensar que muitos professores reproduzem comportamentos pedagógicos enraizados demais e decorrentes de sua própria formação, em sua sala de aula, como se o comportamento e os métodos de hoje ainda pudessem ser copiados de seus anos de escolaridade de décadas atrás. O que se quer dizer, copiam do jeito que aprenderam e assim permanecem, com freqüência, se vangloriando. A maioria da vezes, partem de uma idéia abstrata de seu aluno e desenvolvem o conteúdo da mesma forma em todas as classes sob sua responsabilidade. Sabe-se que, no presente, a educação deve contribuir para a autoformação da pessoa. Assim, ensinar a assumir a condição Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Ensinar a viver e ensinar como se tornar cidadão A idéia de cidadania é rica, pois possibilita pensar o sujeito contemporâneo numa perspectiva histórica (não da cidadania fora da história) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ humana, ensinar a viver e ensinar como se tornar cidadão, eis as questões. Ao pensar na formação do cidadão, faz-se presente a valiosa reflexão de Barbosa (2001), ressaltando que este precisa ser... Autor no sentido de quem exerce sua cidadania. A idéia de cidadania é rica, pois possibilita pensar o sujeito contemporâneo numa perspectiva histórica (não da cidadania fora da história); numa perspectiva geográfica (a mesma se institui numa geografia); numa perspectiva sociológica, pois cidadania se constrói perante outrem; numa perspectiva psicanalista, pois se trata de instituir espaço para o inconsciente; numa perspectiva ecológica, no sentido da qualidade da vida em sintonia e interação com o meio ambiente em que vive, dentre outras. Autor-cidadão, portanto, é uma construção histórica, geográfica, social, psicanalista, ecológica que, enquanto tal, exige politização não só de uma dimensão do sujeito, tal como a econômica ou política partidária, mas da vida em suas várias perspectivas englobando sua forma de ser e de se expressar. A essa dinâmica, Morin, já citado, chama de “cabeça bem feita”. Tendências na Administração da Educação Diante do quadro de desafios apresentado, cabe pensar um ○ ○ ○ 43 ○ ○ ○ Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ pouco sobre o papel de um gestor educacional no contexto deste século XXI, que não deixa de ser um outro desafio. A autonomia da instituição é, por certo, a chave para resolver inúmeras questões e por ‘escola autônoma’ entende-se, a principio, ser aquela que tem sua proposta pedagógica e, por isso, tenta saber onde quer chegar. A construção desta é feita de modo participativo, portanto, nela opinam professores, alunos, administradores, funcionários, representantes da comunidade externa etc., mas sempre tendo em mente que esta instituição, a escola, traz incógnitas com as quais precisa-se conviver na sua própria complexidade. Sonhar e viver o sonho dá sentido às ações que se pratica. Por isso, como diz Chauí (2001), utopia tem a ver com autonomia. No meio do sonho, conviver com a incerteza, aprender a conviver com ela, ou, ainda, na expressão do filósofo Heráclito: Se não esperas o inesperado, não o encontrarás. A maior contribuição do conhecimento do século XX foi o conhecimento dos limites do conhecimento. E apesar de Roberto Romano dizer em um poema que o século XX nasceu morto, ainda assim, este ensinou que o conhecimento que se tem é limitado e que a maior certeza existente é a da indestrutibilidade das incertezas, não somente na ação, mas também no conhecimento, na ciência, nas idéias. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A maior certeza existente é a da indestrutibilidade das incertezas ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Isso conduz ao pensamento sobre o papel do gestor de uma instituição como a escola, que precisa sobreviver com dignidade, sem perder sua identidade educadora, diante de um mundo de incertezas, guiado pela lei do mercado e onde os valores econômicos tendem a se sobrepor aos valores éticos. Compete ao administrador, ou gestor da instituição escolar, ao conhecer o mundo em transição, fazer de sua escola um local de formação e de qualidade de vida para o cidadão deste século XXI, criando neste a atitude de aprendiz e de decodificador da leitura que faz do mundo, aliás, um mundo novo que já começou. Por onde começar? Gestão Democrática e Qualidade de Educação No campo da administração da educação na América Latina o conhecimento científico desenvolve-se no contexto econômico, político e cultural do Hemisfério e no âmbito global de suas relações de interdependência internacional. É preciso que se tenha isso em mente, caso contrário pode-se acabar perdido no emaranhado das teias que existem ao redor. Para um melhor entendimento, é preciso que se mergulhe na intersecção criativa das contribuições conceituais de diversas disciplinas das ciências sociais, em particular da Pedagogia, da Teoria Orga- É preciso que se tenha isso em mente, caso contrário pode-se acabar perdido no emaranhado das teias que existem ao redor ○ ○ ○ 44 ○ ○ ○ Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ nizacional e Administrativa, da Antropologia Cultural e da Ciência Política Comparada, pelo menos, e ainda, das Ciências da Administração da Educação. A Pedagogia proporciona elementos conceituais e analíticos para estudar os fenômenos intrinsecamente relacionados com a prática pedagógica. A Teoria Organizacional e Administrativa propicia os conhecimentos necessários para estudar o funcionamento e a gestão das instituições e dos sistemas de ensino no contexto das forças econômicas, políticas e culturais que condicionam a sua existência, tanto em nível nacional como no âmbito internacional. Para uma análise do contexto educacional na América Latina e no Brasil, neste início de século, o primeiro passo é verificar a realidade internacional e, por conseqüência, as transformações econômicas e políticas em diversas partes do mundo. Valem alguns exemplos para um melhor entendimento: a comunidade econômica européia vive momentos de busca de redefinição de sua ação regional em função de uma nova Europa. A política de auto-suficiência das superpotências dá passo a uma crescente integração mundial, com base num novo mapa geopolítico e num sistema comercial ampliado. Em conseqüência, o que acontece com os Estados Unidos? Enfrentam o desafio de reavaliar seu papel internacional Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O primeiro passo é verificar a realidade internacional Uma nova consciência social que reclama um sistema internacional mais livre, mais eqüitativo e de preferência, mais igualitário ○ ○ ○ 45 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ e seu protagonismo regional na economia e na sociedade e chega a sentir-se responsável pelo resto do mundo, ditando as ordens para todos, ora pela influência que têm junto aos bancos internacionais, em especial o Banco Mundial, ora usando de sua força militar fazendo guerra como aconteceu recentemente. O Japão e a China tentam ocupar, no início deste século, até para marcar presença no cenário mundial, um lugar dominante na matriz do poder mundial e sem saber como fazer, levando o pêndulo da balança ora para um lado ora para outro. Em resumo, testemunha-se o nascimento de uma nova era na economia e na política mundial, acompanhada por uma nova consciência social que reclama um sistema internacional mais livre, mais eqüitativo e de preferência, mais igualitário, ou pelo menos mais comprometido com a melhoria da qualidade de vida e da segurança humana global. Essa aspiração é particularmente pertinente às nações em processo de desenvolvimento, como as da América Latina e do Caribe, e para as instituições educacionais de países dessa região. Dentro do quadro de uma nova realidade, a educação é profundamente afetada e, em conseqüência, entende-se que esta tem um papel central a desempenhar, especialmente na formação da liderança para as instituições escolares. Gerenciar uma escola Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ou universidade não é o mesmo que gerenciar uma empresa ou mesmo uma igreja ou um hospital. Pode guardar alguma semelhança mas, com certeza, as diferenças administrativas entre essas instituições são inúmeras. Sua importância não pode ser subestimada, sabendo-se que a escola é, na realidade, fator decisivo de ascensão ou declínio político e cultural das nações e da civilização humana como um todo. A Educação tem um papel tão fundamental na vida das pessoas que não se pode, em hipótese alguma, descuidar de quem gere as suas instituições. Portanto, a educação e seus administradores devem ser tomados como prioridades no Brasil e na América Latina, uma vez que, para defender seus legítimos interesses econômicos e políticos, o país necessita cada vez mais ampliar seu nível de participação internacional nas decisões que afetam a qualidade da vida humana, sua capacidade científica e tecnológica, e seu desenvolvimento cultural. Aí reside mais um desafio para a educação, que pode e deve contribuir não só para a formação de cada cidadão, mas também para a formação daqueles sobre os quais se tem responsabilidade, para que seja possível a todos viverem num mundo onde a paz tenha lugar e não a guerra. Onde a educação possa ser elemento para esta paz sempre buscada e não se faça uso do conhecimento para destruir. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ D’Ambrósio (2002), ao tratar da Paz e da necessidade de repensar a educação nesse sentido, diz: [...] Por paz entendemos: Paz Interior – estar em paz consigo mesmo; Paz Social – estar em paz com os outros; Paz Ambiental – estar em paz com as demais espécies e com a natureza; Paz Militar – ausência de confronto armado [Grifos nossos]. A Educação tem um papel tão fundamental na vida das pessoas que não se pode, em hipótese alguma, descuidar de quem gere as suas instituições Se torna cada vez mais necessária a construção de modos de comportamento e de conhecimento novos Em relação à última asserção, esta não significa a inexistência de divergências e conflitos. As diferenças e, conseqüentemente, divergências e conflitos, são parte intrínseca, portanto, do fenômeno ‘vida’, posto que, entre os seres vivos, cada indivíduo é diferente do outro. Vale lembrar que se torna cada vez mais necessária a construção de modos de comportamento e de conhecimento novos, pois, de outra forma, colocar-se para além dos conhecimentos da administração e de convivência humana fará com que se venha a sucumbir num mundo de armadilhas para todos. Reflexões Uma vida sem reflexão não merece ser vivida. Sócrates Ao término do presente artigo, que teve como foco os desafios da administração da educação para o século XXI, valem algumas reflexões. ○ ○ ○ 46 ○ ○ ○ Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Situam-se tais reflexões em vários níveis de significação, que possam dar idéia da ação que se deseja encetar, ao final, qual seja, a de voltar para trás, sobretudo na consideração usual das ações restritas da administração da educação, especialmente em nível escolar, de virar o jogo para ensejar reciprocidade, no sentido de ensejar troca de idéias sobre a ação pedagógica desejável que se realize efetivamente em nível escolar. Isto quer dizer que tem-se a preocupação em propiciar reflexão, em conclusão, como uma volta da consciência, do espírito, sobre si mesmo, para examinar o seu próprio conteúdo – no caso, conteúdos relativos a administração da educação – por meio do entendimento, da razão. Essa volta qualificase como consideração atenta, prudente e passível de realização por administradores da educação, e por professores, buscando discernir para bem realizar a sua prática pedagógica. Pela reflexão pondera-se, observa-se, repara-se, com o propósito de fazer retroceder, desviando da direção anteriormente definida, geralmente em termos tidos como burocráticos e pouco pedagógicos, posto que sempre é hora de se pensar, de meditar sobre a educação do século XXI. Nessa perspectiva, busca-se fazer eco, incidir sobre certas questões da administração da educação, relevantes para o tempo do presente, embora o século XXI esteja apenas começando e a educação seja um processo contínuo que, conRevista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Virar o jogo para ensejar reciprocidade, no sentido de ensejar troca de idéias sobre a ação pedagógica desejável Estimular a criação do hábito da reflexão para que se possa analisar, criticar, julgar e situar no mundo ○ ○ ○ 47 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ traditoriamente, deve implicar em nítidos saltos de qualidade para formar cidadãos do ‘futuro que já é agora’. Torna-se imprescindível refletir – o desafio básico ou subjacente a quaisquer das nossas ações educadoras – sobre as referências filosóficas da educação brasileira em seus diversos segmentos; sobre as políticas governamentais de educação; sobre a formação de gestores para administrarem os processos educativos; sobre o grande contingente de brasileiros ainda sem acesso à educação, em pleno século XXI. A motivação maior para que se detenha na problemática da administração da educação – posta em termos desafiantes – foi a convicção de que seria preciso fazer essa reflexão considerando a ação administradora como relativa a uma das situações que mais aflige os dirigentes de instituições educacionais e, mais ainda, o projeto nacional de educação. Ao incitar a reflexão, pretende-se justamente estimular a criação do hábito da reflexão para que se possa analisar, criticar, julgar e situar no mundo, como cidadãos de um mundo já global, para pensar a reforma, reformando o pensamento, como quer Morin. Em vista de tudo isso, a reflexão que se pode apresentar poderá ser a indicação de um desenvolvimento mais profundo, contudo necessário, sem modelagem prévia, que leve professores, administradores, alunos, bem como a comunidade externa, quer à escola Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ quer à universidade, a pensar, continuadamente juntos, nos problemas enfrentados na educação e em seu gerenciamento. A partir de tal prática, que a escola passe a ser não um lugar de juízo, e sim de oportunidades para se crescer aprendendo a aprender, aprendendo a pensar e a proceder a uma leitura plausível e consciente do mundo em que se vive. É preciso refletir, como assinalou-se em vários níveis, inclusive sobre os acordos internacionais que fazem os governos, em nome da educação, para ditar as regras ou modelos a serem seguidos, desconsiderando que cada país tem sua identidade própria a ser respeitada. Não se quer negar com isso a multidiversidade, multireferencialidade, a consideração da complexidade que devem estar sempre presentes na educação deste século. Essa visão, certamente, enseja um outro tipo de inter-relação de atitudes humanas, que quebra a visão linear das percepções que se tem das coisas e das pessoas, e ajuda a pensar junto, criando laços afetivos e construtivos. A instituição educacional, seja escola fundamental, seja universidade, não pode ser vista nem constituir um ‘mundo isolado’ ou estagnado, mas precisa admitir-se em permanente processo de mudança, de aprendizagem e de intensificação da vida. A instauração do conhecimento como base material das relações sociais constitui fator Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Que a escola passe a ser não um lugar de juízo, e sim de oportunidades ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ gerador de convivência para mudar o meio social onde se atua. Vale refletir se a escola tem consciência de que precisa desenvolver essa tarefa, e trata de desenvolvê-la, ou apenas se conforma ignorando esse estado de coisas. Mesmo assim, vale a reflexão, uma vez que, como ressalta Santos, a ação conformista passa facilmente por ação rebelde e, concomitantemente, a ação rebelde parece tão fácil que se transforma num modo de conformismo alternativo. A instauração do conhecimento como base material das relações sociais constitui fator gerador de convivência ○ ○ ○ 48 ○ ○ ○ É nesse contexto que procurase plantar idéias como desafios, numa perspectiva de especificar, por enunciação, alguns aspectos e formas da administração da educação que possam ser tomados como prioridades deste século XXI. Ao enunciar desafios, Santos, já citado, por sua vez, destaca alguns de caráter fundamentador, que merecem ser também destacados, em conclusão. Um desses é posto como um desafio relativo à discrepância entre as experiências e as expectativas. Trata-se da idéia de que as experiências do presente – ainda como ‘experiências do passado’ ou do ‘século passado’ – serão excedidas pelas expectativas quanto ao futuro. Isso porque, nas palavras desse autor, ao excesso de expectativas foi dado o nome de progresso. Concordando com o autor anteriormente citado, um último Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ desafio, sem dúvida, é o que se pode formular na dicotomia esperaesperança. Essa situação é desafiante porque se traduz por uma atitude de espera sem esperança, desde que não se busque admitila e assumi-la como desafio que precisa ser enfrentado, que merece e precisa de respostas. Assim, considera-se com Santos, que o contexto atual é de máxima indeterminação de risco. Contudo, são justamente esses riscos, individuais e coletivos, que minam a idéia de progresso e tornam-se responsáveis pela manutenção do estado de decadência na admi○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ nistração da educação, por isso é preciso assumi-los para enfrentálos. Mas, o que resta mesmo é prepararmo-nos para enfrentá-los sem estarmos preparados. Essa parece ser uma atitude sem esperança porque o que parece vir, mesmo que não pareça bom, não parece ter alternativa. Contudo, percebese, a esperança põe-se de outra forma, também para o próprio autor, uma vez que, vale expressar, como desafio final, o que faz mudar as sociedades e as épocas é precisamente o excesso de problemas que suscitam em relação às soluções que tornam possíveis. O que faz mudar as sociedades e as épocas é precisamente o excesso de problemas ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Referências bibliográficas ARAGÃO, R. M. R. de. Alguns subsídios teórico-metodológicos para a reflexão sobre dimensões do ensino em cursos profissionais universitários de graduação. Seminários Interativos da Universidade Metodista de São Paulo (Publicação de uso institucional). São Paulo, 2002. BARBOSA, J. Autores cidadãos. São Carlos: UFSCar, 2001. BECKER, F. Construtivismo na Educação. Revista da Educação. AEC, 1998. BOHN, I. H.; SOUZA, O. de (Orgs). Faces do Saber: Desafios à educação do futuro. Florianópolis: Insular, 2002. CHAUÍ, M. Escritos sobre a universidade. São Paulo: Unesp, 2001. D’AMBROSIO, U. Faces do saber. Florianópolis: Insular, 2002. DAVIS, C.; et al. Gestão da Escola – Desafios a enfrentar. Rio de Janeiro: DP&A, Biblioteca Anpae, 2002. De ALVA, J.K. Revista Ensino Superior, Edição n. 57 (entrevista). DEMO, P. Iniciação à competência do professor básico. Campinas, Papirus, 1995. In: RIBAS, M. H. Construindo a Competência – Processo de Formação de Professores. São Paulo: Olho d’Água, 2001a. DOWBOR, L. Da Globalização ao poder local: a nova hierarquia dos espaços. In: FREITAS, M. C. de (Org.). A reinvenção do futuro. São Paulo: Cortez, 1996. FRANCO, C.; DOMINGOS, J. M. Construtivismo, epistemologia e educação: ampliando o debate. Rio de Janeiro: PUC, 1995. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Petrópolis: Vozes, 1998. 218 p. FRIGOTTO, G.A. Contexto sóciopolítico brasileiro e a educação nas décadas de 70/90. Contexto & Educação, n. 24. Unijuí, 1991. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 49 ○ ○ ○ Ano 15 - n . 28 – junho / 2006 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ GADOTTI, M.; ROMÃO, J. E. Autonomia da Escola: princípios e propostas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1997. GATTI, B. A. Diagnóstico, problematização e aspectos conceituais sobre a formação do magistério para delineamento de políticas na área. São Paulo: FCC/DPE, 1996. GERO, L. In: Jornal Dossiê: Escola e Educação. 1997. HABERMAS, J. The Theory of communicative action. London: Heinemann, vol.1. In: FRANCO, C.; DOMINGOS, J. M. Construtivismo, epistemologia e educação: ampliando o debate. Rio de Janeiro: PUC- RJ, 1995. HERACLITO. In: MORIN, E. Cabeça bem feita. Tradução Elóa Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. LIBANEO, J.C. (Informação verbal fornecida durante a Reunião Anual da ANPED em 2000). MORIN, E. Cabeça bem feita. Tradução Elóa Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. SANDER, B. Gestão da Educação na América Latina. Construção e reconstrução do Conhecimento. Campinas: Autores Associados, 1995. SANTOS, B.S. Um discurso sobre as Ciências. Porto: Edições Afrontamento, 1987. _____________. A crítica da razão indolente para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. São Paulo: Cortez, 2000. SANTOS NETO, E. A dinâmica da pesquisa na graduação e o professor-pesquisador. Seminários Interativos da Universidade Metodista de São Paulo (Publicação de uso institucional). São Paulo, 2002. SHIMIDT, L.; CARVALHO, M.A. de; RIBAS, M.H. A hominização do homem a ser emprestada pelos educadores no limiar do século XXI. In: RIBAS, M.H. Construindo a competência. São Paulo: Olho D’Água, 2001. SILVA, T.; GENTILI, P. Neoliberalismo, qualidade total e educação. Petrópolis: Vozes, 1995. SÓCRATES, Apologia 38ª In: Platone. Tutti gli scritti. 3a. ed. REALE, G. (Org.). Milano: Rusconi, 1992, apud SOUZA, N. A. Educar é desenvolver a capacidade de pensar. In: Faces do Saber. Florianópolis: Insular, 2002 WEFFORT, M. F. Observação Registro Reflexão (Instrumentos Metodológicos I). Série Seminários – São Paulo, SP, 1996. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 50 ○ ○ ○ Ano 15 - n . 28 – junho / 2006