Recurso elaborado pelo professor Pedro Henrique Menezes Ferreira
Acerca dos direitos de cidadania e do pluralismo jurídico, julgue os itens que se
seguem.
99 No Brasil, o pluralismo jurídico configura-se, por exemplo, quando da aplicação
de regras criadas por membros de organizações criminosas, distintas das regras
jurídicas estabelecidas pelo Estado.
Gabarito preliminar: CORRETO.
QUESTÃO PASSÍVEL DE RECURSO
Senhores Julgadores,
Muito embora o gabarito preliminar divulgado em 13 de agosto de 2013 indique que
o conteúdo da afirmativa de nº 99 é CORRETO, tal posicionamento não poderá
prevalecer, uma vez que, conforme restará demonstrado abaixo, a referida
afirmativa é nitidamente ERRADA.
A afirmativa sob análise trata no tema “pluralismo jurídico”, previsto dentro do
conteúdo de Direitos Humanos e Cidadania. Vejamos a afirmação trazida na prova:
“No Brasil, o pluralismo jurídico configura-se, por exemplo, quando da
aplicação de regras criadas por membros de organizações criminosas,
distintas das regras jurídicas estabelecidas pelo Estado”.
De início é preciso relembrar que o „pluralismo jurídico’ trata-se de concepção
sociológica contemporânea acerca das ordens jurídicas existentes em um dado
Estado.
A referida concepção se coloca contrária ao „monismo jurídico’ que, por sua vez,
retrata a realidade social de um país em que existe apenas uma única ordem
jurídica.
Tomando-se por base a concepção de Antonio Carlos Wolkmer, manifesta na obra
intitulada „pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito‟, entendese que:
Há de se designar o pluralismo jurídico como a
multiplicidade de práticas jurídicas existentes num mesmo
espaço sociopolítico, interagidas por conflitos ou
consensos, podendo ser ou não oficiais e tendo sua razão
de ser nas necessidades existenciais, materiais e culturais.
(WOLKMER, 2001, pág. 219).
É que, conforme sinaliza Wolkmer, na cultura do pluralismo jurídico tanto órgãos
estatais
(tribunais
e
juízes),
quanto
órgãos
supraestatais
(Organismos
Internacionais, Cortes e Tribunais Internacionais) e infraestatais (Associações
profissionais, Sindicatos, Associações de Bairros) elaboram e aplicam suas próprias
normas.
Não obstante a existência de outras fontes de normatização, devemos
observar
que
os
organismos
mencionados
acima
(Supraestatais
e
Infraestatais) não negam a ordem jurídica do Estado, mas, sim, exercem suas
funções paralelamente à ordem estatal.
Neste sentido é o entendimento manifestado por Fernando Luís Coelho Antunes,
para quem:
Na perspectiva pluralista não há uma negação da ordem
jurídica estatal, mas sim a constatação de que, paralelo à
esse ordenamento, existem esferas autônomas de
juridicidade, tanto supra-estatais, quanto infra-estatais,
algumas das quais podem ser exploradas para uma
apropriação participativa e democrática do direito.
(ANTUNES, pág. 4)1
Partindo-se da concepção de Antunes que, diga-se de passagem, baseia-se nas
constatações do sociólogo português Boaventura de Souza Santos, torna-se
inaceitável AFIRMAR que as regras criadas por membros de organizações
1
ANTUNES, Fernando Luís Coelho. A justiça comunitária e os modelos alternativos de
administração da justiça. Página 4. Disponível em:
http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/33241-42252-1-PB.pdf
criminosas, que são contrárias às normas do Estado, podem ser tidas como
exemplo de PLURALISMO JURÍDICO.
Ora senhores examinadores, é de conhecimento amplo que as organizações
criminosas estabelecem um verdadeiro „poder paralelo‟ que, há muito, contesta a
existência e a organização do nosso Estado. Suas normas violam as garantias do
devido processo legal, da ampla defesa e, sobretudo, do direito à vida.
Afirmar que as „normas estabelecidas por grupos criminosos‟ devem ser
classificadas como pluralismo jurídico é o mesmo que „legitimar ações de extermínio
como a que culminou no assassinato do jornalista Tim Lopes em 2 de junho de 2002
no Complexo do Alemão‟.
Os ‘tribunais do tráfico’ são fontes de pluralismo jurídico? – NÃO, UMA VEZ
QUE EM TAIS JULGAMENTOS NÃO EXISTE QUALQUER POSSIBILIDADE DE
EFETIVA
PARTICIPAÇÃO
DA
COMUNIDADE,
INEXISTINDO
QUALQUER
ELEMENTO DEMOCRÁTICO.
De tal modo, e por todo o exposto, requer da d.banca julgadora a revisão do gabarito
preliminar para, considerando os argumentos trazidos no presente recurso,
considerar a afirmativa de nº 99 como sendo ERRADA.
Termos em que,
Pede e aguarda procedência.
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