PEDRO HENRIQUE SEREJO DO NASCIMENTO
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL E BUROCRÁTICA
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito
parcial para obtenção do título de
Bacharel em Direito.
Orientadora: Prof.ª MSc. Luciana Mees
Abreu
Brasília
2012
Dedico este trabalho aos meus pais,
que possibilitaram esta conquista.
AGRADECIMENTOS
Ao meu pai, Alcimar do Nascimento, pelo exemplo de perseverança que sempre
demonstrou em sua vida.
A minha mãe, Mércia Serejo, pelo eterno apoio e carinho, acompanhados de
incontáveis xícaras de café.
A minhas irmãs, Carla e Marianne, exemplos de alegria e companheirismo.
À Professora Luciana Mees Abreu, pelo inestimável auxílio na produção deste
trabalho, e por ter-me dado a oportunidade de tê-la como orientadora.
Aos colegas e professores da Universidade Católica de Brasília, que me
acompanharam e apoiaram por toda a caminhada da graduação.
A todos os que, direta ou indiretamente, contribuíram para que este sonho se
concretizasse.
RESUMO
Referência: NASCIMENTO, Pedro Henrique Serejo. Administração Pública
Burocrática e Gerencial. 2012. 73 folhas. Direito – Universidade Católica de
Brasília, 2012.
O estudo deste trabalho foi dirigido para a análise da evolução histórica da
administração pública brasileira em relação aos modelos burocrático e gerencial. O
modelo burocrático inicia-se no Brasil a partir de 1930, com o governo de Getúlio
Vargas, em um regime com traços autoritários, permanecendo até 1985, ano em que
chega ao fim a ditadura militar. O sistema que sucede a burocracia é o gerencial,
ainda hoje predominante na administração pública. A burocracia foi adotada pelo
Brasil na tentativa de se banirem práticas de corrupção e nepotismo, comuns no
período que antecedeu a reforma. Concluída a reforma burocrática, ainda era
possível identificar traços do modelo anterior. O mesmo ocorre atualmente com a
reforma gerencial, em que se percebem características do modelo burocrático na
atual administração pública. Assim, pode-se afirmar que não existem modelos
administrativos puros, já que todos se constroem a partir de um sistema préexistente. Então, para se compreender a presente situação da administração pública
brasileira, é necessário estudar a evolução e os marcos históricos que antecederam
a reforma gerencial. Deve-se ainda analisar, de forma pormenorizada, o modelo
burocrático, que serviu de suporte para a administração pública gerencial.
Palavras-Chave: Administração Pública. Burocracia. Eficiência no serviço público.
ABSTRACT
This work was directed towards the analysis of the historical evolution of the Brazilian
public administration in relation to managerial and bureaucratic models. The
bureaucratic model starts in Brazil since 1930, with the government of Getúlio
Vargas, in a regime with authoritarian traits, remaining until 1985, the year that
comes to an end the military dictatorship. The system that succeeds is the
managerial administration, still prevalent in public administration. The bureaucracy
was adopted by Brazil in an attempt to banning corrupt practices and nepotism,
common in the previous model. Once the bureaucratic reform was finished, it was still
possible to identify traces of the previous model. The same happens today with
management reform, which are perceived characteristics of the bureaucratic model in
the current administration. Thus, it can be stated that there are no pure administrative
models, since all are constructed from a pre-existing system. So, to understand the
present situation of the Brazilian public administration, it is necessary to study the
evolution and milestones leading to the management reform. We must also analyze
in detail the bureaucratic model, which served as support for managerial public
administration.
Keywords: Public Administration. Bureaucracy. Efficiency in the public service.
LISTA DE SIGLAS
CF/88
Constituição Federal
Cedam
Centro de Desenvolvimento da Administração Pública
CEPA
Comissão de Estudos e Projetos Administrativos
COSB
Comissão de Simplificação Burocrática
DASP
Departamento Administrativo do Serviço Público
DL
Decreto-Lei
Enap
Escola Nacional de Administração Pública
MARE
Ministério da Administração e Reforma do Estado
PDRAE
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
Semor
Subsecretaria de Modernização e Reforma Administrativa
STF
Supremo Tribunal Federal
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 9
1 HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA ................. 12
1.1 IMPÉRIO DO BRASIL ............................................................................................................ 12
1.2 REPÚBLICA DO BRASIL ...................................................................................................... 14
1.3 ERA VARGAS, REFORMA BUROCRÁTICA E O DEPARTAMENTO
ADMINISTRATIVO DO SERVIÇO PÚBLICO ................................................................... 15
1.4 O GOVERNO DE JUSCELINO KUBITSCHEK E O DL 200/1967 ................................. 17
1.5 PROGRAMA NACIONAL DA DESBUROCRATIZAÇÃO ................................................ 21
1.6 GOVERNO SARNEY ............................................................................................................ 23
1.7 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – RETROCESSO ADMINISTRATIVO ............ 25
1.8 PLANO DIRETOR DE REFORMA DO APARELHO DO ESTADO ............................... 29
2 A ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA............................................................................. 31
2.1 AUTORIDADE, PODER E LEGITIMIDADE ....................................................................... 31
2.2 FORMAS DE AUTORIDADE ................................................................................................ 32
2.2.1 Autoridade tradicional ................................................................................... 34
2.2.2 Autoridade Carismática................................................................................. 34
2.2.3 Autoridade Burocrática ................................................................................. 35
2.3 CARACTERÍSTICAS DA BUROCRACIA ........................................................................... 36
2.3.1 Impessoalidade.............................................................................................. 37
2.3.2 Controle e rotinas .......................................................................................... 37
2.3.3 Hierarquia....................................................................................................... 38
2.3.4 Meritocracia ................................................................................................... 39
2.3.5 Formalidade das comunicações................................................................... 39
2.4 CHEFE NÃO BUROCRÁTICO ............................................................................................. 40
2.5 VANTAGENS DA BUROCRACIA ........................................................................................ 41
2.6 DISFUNÇÕES DA BUROCRACIA ...................................................................................... 42
2.7 CONTROLE ............................................................................................................................. 45
2.7.1 Formas de controle ....................................................................................... 46
3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL ..................................................................... 49
3.1 DISTINÇÕES ENTRE A ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA E A GERENCIAL ........ 50
3.2 EFICIÊNCIA, EFICÁCIA E EFETIVIDADE ......................................................................... 53
3.2.1 Eficiência........................................................................................................ 53
3.2.2 Eficácia ........................................................................................................... 57
3.2.3 Efetividade ..................................................................................................... 59
3.3 TÉCNICAS MODERNAS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL .................. 60
3.3.1 Organizações Sociais.................................................................................... 61
3.3.2 As Ouvidorias Públicas ................................................................................. 64
CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................... 72
9
INTRODUÇÃO
Estudar a evolução histórica dos modelos administrativos é necessário para
que se entenda com maior clareza a organização da administração pública atual,
suas qualidades e a origem de suas falhas. Apesar de não existirem países com
modelos administrativos completamente idênticos, é possível identificar três grandes
modelos com características bastante distintas, quais sejam: o patrimonialismo, a
burocracia e o gerencialismo.
O patrimonialismo, modelo de administração pública mais rudimentar já
estudado, caracterizava-se pela falta de distinção entre o patrimônio público e o do
administrador. O modelo, não mais presente nos Estados democráticos, encontrava
suporte no poder soberano das monarquias, em que o rei decidia de forma absoluta
sobre todos os assuntos da nação, sob a legitimidade da crença religiosa.
As sociedades democráticas naturalmente baniram da administração pública
as práticas patrimonialistas, seja por meio da legislação – a Constituição Federal de
1988 (CF/88), por exemplo, no caput de seu art. 37, consagra, entre outros, os
princípios da impessoalidade e moralidade, em claro repúdio ao patrimonialismo –
ou através de decisões judiciais. Cite-se, por exemplo, a Súmula Vinculante nº 13 do
Supremo Tribunal Federal (STF), que vedou o nepotismo na administração pública,
prática que define um dos principais traços do patrimonialismo.
Os princípios evocados como fundamento para as decisões que precederam
a aprovação da Súmula foram, principalmente, o da moralidade e o da
impessoalidade. Asseverou-se nas discussões que, em virtude da ênfase dada pela
CF/88 aos princípios administrativos, a proibição ao nepotismo independe de
regulamentação legal, sendo mera consequência da fiel observância aos princípios
constitucionais.
Pode-se afirmar que, apesar de adotar o modelo gerencial, a administração
pública brasileira ainda detém características e práticas patrimonialistas de
administração, que se originam na própria criação do Estado.
A administração patrimonial é frequentemente utilizada para defender
interesses escusos das minorias que ascendem ao poder, e em razão de não
constituir um modelo de administração racionalizado e concebido pela doutrina, mas
10
aceito pelos costumes e práticas rotineiras, não será alvo de estudo por este
trabalho.
A burocracia e o gerencialismo, ao contrário, são formas racionais de
administração pública, que objetivam, em princípio, proporcionar eficiência e
celeridade na prestação dos serviços públicos, em prol de interesses coletivos.
Assim, o estudo de ambos os modelos, a respeito de suas características comuns,
distinções, contexto histórico e efeitos sociais são essenciais para se entender os
motivos pelos quais os serviços públicos se encontram na situação atual.
Este trabalho intenta analisar as transformações sofridas pela administração
pública brasileira durante suas diversas reformas e evidenciar a necessidade de se
concluir a reforma gerencial administrativa, condição indispensável para suprir as
crescentes demandas de uma sociedade que exige não apenas a prestação dos
serviços públicos, mas sua eficiência e qualidade.
O alto custo de execução dos serviços públicos, a falta de eficiência e o
engessamento dos métodos de trabalho gerados pela burocracia levam países do
mundo inteiro a repensar o modelo burocrático. A administração pública no Brasil
sequer conseguiu consolidar a burocracia pura, mas já sofreu diversas tentativas de
reforma no fito de adotar os ideais da administração gerencial.
A qualidade e presteza não são características apenas desejáveis no serviço
público, mas obrigatórias. Isso porque a CF/88 elenca expressamente a eficiência no
rol de princípios que devem balizar a atuação da administração pública. Iniciam-se, a
partir desta percepção, as reformas gerenciais brasileiras.
Inicialmente, para se compreender que fatores levaram o Brasil a efetuar
diversas reformas administrativas, passando pelos períodos burocrático e gerencial,
é necessário estudar a evolução histórica da administração brasileira, desde o início
da República até aos dias atuais.
A seguir, procede-se ao estudo detalhado do modelo burocrático de
administração pública, conforme o que fora idealizado por Max Weber. É importante
abordar, nesse ponto, temas como legitimidade, dominação e autoridade.
Por fim, estuda-se a administração pública gerencial. O novo modelo de
administração pública proposto pela doutrina leva o cidadão ao foco do serviço
público, buscando mais qualidade e celeridade no atendimento. A adoção de novas
11
técnicas de administração, como as ouvidorias públicas e as organizações sociais,
proporcionaram grandes avanços na gestão do setor público.
Para atingir este objetivo, a metodologia da pesquisa consistirá em: coletar
informações sobre as práticas administrativas atualmente utilizadas no Brasil e
identificar tendências de reforma; construir conhecimento e propor a discussão
acerca de novos modelos administrativos aplicáveis à administração pública
moderna; e identificar os modelos teóricos de administração pública propostos pela
doutrina e adotados no Brasil.
Do ponto de vista dos procedimentos técnicos, a pesquisa baseia-se em
conhecimento obtido por meio de livros e revistas especializadas, e seu método de
abordagem visa expor a teoria da administração pública gerencial e analisar sua
aplicabilidade de forma concreta.
12
1
HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA
O estado brasileiro já nasceu sob um modelo centralizado e patrimonialista.
Segundo Sônia Amorim1, sempre foi poderoso, autoritário e autolegitimado,
subordinando a sociedade. Nunca houve uma distinção nítida entre o interesse
público e o privado, propiciando um ambiente fértil para a corrupção, envolvendo
fisiologismo, a dilapidação do patrimônio público e o nepotismo. A análise do
histórico da administração pública nacional inicia-se em 1808, com a chegada da
família real portuguesa ao Brasil.
1.1 IMPÉRIO DO BRASIL
Muito embora houvesse, antes da transferência da corte portuguesa para o
Brasil, uma espécie de administração na colônia, reinava a desorganização naquele
período. Não havia uma definição precisa de funções e atribuições, cargos e
poderes. Frederico Lustosa da Costa2 afirma que:
Foi a instalação da corte que transformou uma constelação caótica de
organismos superpostos em um aparelho de Estado. Pois o Estado
representado pela administração colonial era, ao mesmo tempo, um todo
que abrangia o indivíduo em todos os aspectos e uma miríade de instâncias
e jurisdições que iam do rei até o mais modesto servidor, cujas atribuições
se superpunham, se confundiam e se contradiziam.
O ponto de partida para o desenvolvimento do estado e da administração
pública, portanto, aconteceu em 1808, quando a família real portuguesa e sua corte
chegaram ao Rio de Janeiro. Posteriormente estabeleceu-se a capital do Reino de
Portugal na cidade do Rio de Janeiro, que à época era também a capital brasileira.
Os alicerces do Estado nacional surgiram ao se transferir a corte portuguesa
para o Brasil e, logo após, ao se elevar o Brasil a parte do reino português.
Obtiveram-se,
com
essa
série
de
acontecimentos,
todas
as
ferramentas
administrativas necessárias à formação de um governo soberano e autônomo.
1
Vide AMORIM, Sônia Naves David. Ética na esfera pública: a busca de novas relações. Revista do
Serviço Público. Brasília: Enap, ano 51, n. 2, abr-jun/2010. p. 100.
2
COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração pública; 200
anos de reformas. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: FGV, set-out/2008, p. 831.
13
Além da corte portuguesa, vieram também ao Brasil milhares de pessoas,
entre nobres, súditos e funcionários do império, que passaram a habitar as
residências dos comerciantes mais ricos.
Como forma de compensação aos comerciantes que foram desalojados de
suas residências, e aos súditos que acompanharam a coroa até ao Brasil, o rei Dom
João VI instituiu diversos cargos e títulos. Vislumbra-se, neste ponto, que os
problemas de nepotismo e corrupção enfrentados pelo Brasil têm suas origens na
formação do estado.
Com o posterior retorno de Dom João VI a Portugal, em 1821, seu filho Dom
Pedro I assume o controle da nação, e em sete de setembro de 1822 proclama a
independência. Dois anos mais tarde seria outorgada a Constituição de 1824, que
contava com a previsão de quatro poderes, o legislativo, judiciário, executivo e
moderador.
A divisão dos poderes, no entanto, não existia. O poder moderador, exercido
pelo imperador, subjugava todos os demais. A presença do poder moderador, na
Constituição de 1824, foi apenas uma ratificação do regime despótico e tirânico em
que o Brasil se encontrava, provido de uma administração pública completamente
patrimonialista. O trecho extraído do texto constitucional de 1824 completa o
entendimento:
Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Politica, e é
delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e
seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a
manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes
Politicos (sic).
Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito
a responsabilidade alguma (sic).
Afirma Bresser Pereira3 que, neste período, a elite nacional compunha-se de
senhores de terra, juristas, militares e políticos patrimonialistas que dominavam
amplamente o país. A função do estado, àquela época, era servir aos interesses da
elite abastada.
3
Vide PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Do Estado Patrimonial ao Gerencial. p. 4. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/papers/2000/00-73EstadoPatrimonial-Gerencial.pdf>. Acesso em:
19 set. 2012.
14
Trata-se de um estamento, termo que, segundo Faoro4, define uma ―camada
social, uma comunidade de membros que pensam e agem conscientes de pertencer
a um mesmo grupo, qualificado para o exercício do poder‖.
Bresser Pereira5 descreve o que Faoro definiu como o estamento que
dominava o Brasil à época:
É essa elite política letrada e conservadora que manda de forma autoritária
ou oligárquica. Não há democracia. As eleições são uma farsa. A distância
educacional e social entre a elite política e o restante da população, imensa.
E no meio dela temos uma camada de funcionários públicos, donos antes
de sinecuras do que de funções, dada a função do Estado patrimonial de
lhes garantir emprego e sobrevivência.
Para se pertencer aos estamentos não era necessário possuir boas condições
financeiras, apenas prestígio e influência na sociedade. Os estamentos utilizavam o
poder público para obter vantagens pessoais, à custa do erário, e seus integrantes
eram denominados burocratas patrimonialistas.
Esse modelo de administração, típico dos regimes monárquicos, reinou na
nação durante todo o período do Brasil império, sendo substituído apenas em 1889,
quando um grupo de militares tomou o poder e destituiu o imperador, proclamando a
república.
1.2 REPÚBLICA DO BRASIL
A proclamação da república, liderada pelo marechal Deodoro da Fonseca, em
1889, foi o primeiro esforço para expurgar do serviço público as práticas de
corrupção e despotismo que dominavam a época. O golpe militar possibilitou que,
em 1891, fosse promulgada nova constituição, em que se reduziram os poderes
para três, os mesmo que existem atualmente, e criou-se o Tribunal de Contas.
No período após a proclamação da república e que antecedeu a era Getúlio
Vargas, não houve uma administração pública centralizada e organizada. Em virtude
da recente ruptura com o regime despótico, a influência dos coronéis e burocratas
patrimonialistas ainda se estendia por uma parcela extensa do setor público, e o
4
FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Disponível em:
<http://www.4shared.com/rar/vOr4tBc0/faoro_raymundo_os_donos_do_pod.html>. Acesso em: 30
maio 2012.
5
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Do Estado Patrimonial ao Gerencial. p. 7. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/papers/2000/00-73EstadoPatrimonial-Gerencial.pdf>. Acesso em:
19 set. 2012.
15
poder público, por consequência, realizava o interesse dos particulares, em
detrimento do público. Em muitos estados os coronéis detinham mais poder do que
os próprios governadores.
Por este motivo surgem diversos movimentos sociais na segunda década do
século XX, que reclamam reformas na administração pública. Protestava-se,
principalmente, em razão: do aumento das demandas sociais; do crescimento
econômico do país, que exigia uma melhor gestão pública para alavancar o
desenvolvimento nacional; do necessário combate ao nepotismo e a corrupção.
Essas revoltas, aliadas à quebra da política ―café com leite‖, em que havia a
alternância no poder entre presidentes de São Paulo e Minas Gerais, culminaram
com a revolução de 1930, quando Vargas assumiu o Governo. Nos anos seguintes
houve modificações radicais na administração pública do estado, com o implemento
das teorias de Weber e o consequente enfraquecimento dos costumes patrimoniais
que ainda impregnavam a república.
1.3 ERA
VARGAS,
REFORMA
BUROCRÁTICA
E
O
DEPARTAMENTO
ADMINISTRATIVO DO SERVIÇO PÚBLICO
O Estado Brasileiro, que consistia em uma mistura de patrimonialismo e
clientelismo, onde imperava a compra de cargos públicos e votos, finalmente passa
por uma reforma radical. A maioria dos países do mundo, naquele período, já havia
adotado a administração burocrática.
A reforma burocrática foi essencial para o país, que se encontrava em um
cenário de intenso crescimento econômico, aceleração industrial com a crescente
necessidade de um estado eficiente e que incentivasse o desenvolvimento. Estas
circunstâncias proporcionaram um momento de grande modernização para o
aparelho do estado.
O momento histórico era propício para a ascensão da indústria nacional. Os
Estados Unidos enfrentavam a crise de 1929, conhecida como a grande depressão,
quando houve a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, o que causou graves
efeitos na economia Brasileira.
Com a queda na exportação do café, o Brasil não tinha mais receitas para
importar produtos industrializados americanos e europeus, visto que não era mais
16
possível manter a balança comercial em superávit. Por conseguinte, a indústria
brasileira desenvolveu-se com foco no mercado interno, para a substituição de
importações6.
Lustosa7 afirma que a revolução de 1930 foi muito mais do que a tomada do
poder por um grupo distinto, mas representa a transição do Brasil agrário para o
Brasil industrial.
Vargas implantou no Brasil a burocracia de Max Weber, copiada de diversos
países europeus que já haviam passado por esta transição. A burocracia de Vargas
tinha como princípios a impessoalidade, hierarquia, formalidade das comunicações,
separação entre o patrimônio público e o privado, a meritocracia e a
responsabilidade. Objetivou-se, naquele período, adotar a obrigatoriedade de se
prestar concurso público para ingressar nas carreiras públicas, embora sem muito
sucesso.
A criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) foi um
dos principais esforços do governo Vargas a fim de reestruturar o estado. Seus
principais objetivos eram inserir na administração pública8:
1)
A obrigatoriedade de prestação de concursos para o ingresso nas
instituições públicas;
2)
A classificação de cargos segundo critérios gerais e uniformes;
aperfeiçoamento constante dos servidores públicos;
3)
A administração orçamentária;
4)
A racionalização dos métodos. Além disso, a criação de empresas
estatais, naquele período, contribuiu para desenvolver a indústria focada na
substituição de importações.
O Estado e a administração pública, após os primeiros anos de
implementação das políticas de Vargas, tornaram-se completamente diferentes do
que existia no início da república. A condição completamente tradicional da
administração patrimonial havia sido abandonada, dando lugar à burocracia racional
de Weber.
6
Vide PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Do Estado Patrimonial ao Gerencial. p. 11. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/papers/2000/00-73EstadoPatrimonial-Gerencial.pdf>. Acesso em:
19 set. 2012.
7
Conforme COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração
pública; 200 anos de reformas. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: FGV, set-out/2008,
p. 841.
8
PEREIRA, op. cit.
17
Segundo Bresser Pereira, o estado patrimonial teve duração extensa, mas a
burocracia foi sucinta. Afirma o autor que a industrialização chegou tarde ao país, e
logo houve sua substituição pela sociedade pós-industrial, caracterizada pela forte
expansão dos setores de prestação de serviços. Assim, a reforma burocrática logo
foi substituída pela reforma gerencial, necessária naquele momento de globalização
e crescimento do capitalismo. As posteriores tentativas de reforma administrativa
justificavam-se em razão da lentidão e da falta de eficiência constatadas no serviço
público, disfunções conhecidas da burocracia.
O período seguinte, em especial o governo de Juscelino Kubitschek, teve
como principal característica a criação de uma administração direta eficiente e de
qualidade, ao mesmo tempo em que se negligenciou a administração direta, tida
como retrógrada e cara.
1.4 O GOVERNO DE JUSCELINO KUBITSCHEK E O DL 200/1967
Começam a surgir, a partir do governo JK, diversas tentativas de reforma, que
encontraram terreno fértil para se desenvolverem na ausência do autoritarismo de
Vargas. O contexto social em relação às reformas empreendidas por Vargas era de
insatisfação, de um lado estavam os que acreditavam que a burocracia era formal
em excesso e, por conseguinte, ineficiente, e de outro aqueles simpatizantes ao
antigo modelo patrimonialista da administração.
Tendo em vista as inadequações do modelo, a administração burocrática
implantada a partir de 30 sofreu sucessivas tentativas de reforma. Não
obstante, as experiências se caracterizaram, em alguns casos, pela ênfase
na extinção e criação de órgãos, e, em outros, pela constituição de
estruturas paralelas visando alterar a rigidez burocrática. Na própria área da
reforma administrativa esta última prática foi adotada, por exemplo, no
Governo JK, com a criação de comissões especiais, como a Comissão de
Estudos e Projetos Administrativos, objetivando a realização de estudos
para simplificação dos processos administrativos e reformas ministeriais, e a
Comissão de Simplificação Burocrática, que visava à elaboração de projetos
9
direcionados para reformas globais e descentralização de serviços.
Criou-se, naquele período, a Comissão de Simplificação Burocrática (Cosb),
que objetivou encontrar meios de descentralização de serviços, definir formas de
9
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, 1995, p. 19. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf>. Acesso em 18
set. 2012.
18
delegação de competência, fixar responsabilidade e aprimorar a prestação de contas
das autoridades10.
Além
disso,
no
mesmo
período
nasceu
a
Comissão
de
Estudos
Administrativos, que tinha por finalidade prestar assistência às casas legislativas,
sobre assuntos das reformas administrativas.
Do ponto de vista institucional, a década que vai de 1952 a 1962 foi
marcada pela realização de estudos e projetos que jamais seriam
implementados. A criação da Cosb (Comissão de Simplificação Burocrática)
e da Cepa (Comissão de Estudos e Projetos Administrativos), em 1956,
representa as primeiras tentativas de realizar as chamadas reformas
globais. A primeira tinha como objetivo principal promover estudos visando
à descentralização dos serviços, por meio da avaliação das atribuições de
cada órgão ou instituição e da delegação de competências, com a fixação
de sua esfera de responsabilidade e da prestação de contas das
autoridades. A Cepa teria a incumbência de assessorar a presidência da
República em tudo que se referisse aos projetos de reforma
11
administrativa.
As tentativas de reforma executadas pelo governo JK, todavia, não foram
completamente realizadas. O que se verificou, afinal, foi uma maior centralização da
administração direta, tornando-se mais lenta e ineficiente, ao lado de uma
administração indireta completamente distinta, que já adotava, ao menos em parte,
os conceitos de administração gerencial e eficiência. Surge neste momento o
conceito de ―ilhas de excelência‖, que descreve a dicotomia entre a administração
indireta, desenvolvida, e a administração direta, retrógrada. Lustosa relata:
Esse período se caracteriza por uma crescente cisão entre a administração
direta, entregue ao clientelismo e submetida, cada vez mais, aos ditames de
normas rígidas e controles, e a administração descentralizada (autarquias,
empresas, institutos e grupos especiais ad hoc), dotados de maior
autonomia gerencial e que podiam recrutar seus quadros sem concursos.
Constituíram-se assim ilhas de excelência no setor público voltadas para a
administração do desenvolvimento, enquanto se deteriorava o núcleo
12
central da administração.
Em 1963, sob o governo de João Goulart, o deputado Amaral Peixoto foi
nomeado Ministro Extraordinário, e teve a incumbência de coordenar grupos de
estudos, no intuito de sugerir os rumos que a reforma administrativa deveria tomar.
10
Vide PALUDO, Augustinho. Administração Pública. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 88.
COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração pública; 200
anos de reformas. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: FGV, set-out/2008, p. 848.
12
Ibidem.
11
19
O resultado desses estudos, aliados ao que foi produzido pela Cosb e pela Cepa, foi
o Decreto-Lei nº 200/1967.
O DL 200/67 foi concebido em pleno regime militar, período de intensas
reformas nos mais diversos setores, tais como tributário, bancário, de ensino e
administrativo. O decreto teve como ponto mais marcante a descentralização
administrativa, distinguindo bem a administração direta e a indireta.
Esse dispositivo legal era uma espécie de lei orgânica da administração
pública, fixando princípios, estabelecendo conceitos, balizando estruturas e
determinando providências. O Decreto-Lei nº 200 se apoiava numa doutrina
consistente e definia preceitos claros de organização e funcionamento da
máquina administrativa.
Em primeiro lugar, prescrevia que a administração pública deveria se guiar
pelos princípios do planejamento, da coordenação, da descentralização, da
delegação de competência e do controle. Em segundo, estabelecia a
distinção entre a administração direta — os ministérios e demais órgãos
diretamente subordinados ao presidente da República — e a indireta,
constituída pelos órgãos descentralizados — autarquias, fundações,
empresas públicas e sociedades de economia mista. Em terceiro, fixava a
estrutura do Poder Executivo federal, indicando os órgãos de assistência
imediata do presidente da República e distribuindo os ministérios entre os
setores político, econômico, social, militar e de planejamento, além de
apontar os órgãos essenciais comuns aos diversos ministérios. Em quarto,
desenhava os sistemas de atividades auxiliares- pessoal, orçamento,
estatística, administração financeira, contabilidade e auditoria e serviços
gerais. Em quinto, definia as bases do controle externo e interno. Em sexto,
indicava diretrizes gerais para um novo plano de classificação de cargos. E
finalmente, estatuía normas de aquisição e contratação de bens e
13
serviços.
Instituíram-se na administração pública, a partir do DL 200/67, alguns dos
mais importantes princípios que hoje norteiam a estrutura administrativa do estado:
planejamento, coordenação, descentralização, delegação de competência e
controle.
Quanto à estrutura da administração, houve a expansão de toda a
administração indireta, englobando as sociedades de economia mista, empresas
públicas, autarquias e fundações públicas. A administração direta, por sua vez, não
teve um crescimento significativo, pois o aumento no número de ministérios se deu
com o desmembramento de outros.
A autonomia da administração indireta era tão grande que havia até mesmo a
possibilidade de se contratar funcionários regidos pelo regime celetista. Essa
autonomia, em especial dada às empresas públicas e às sociedades de economia
13
COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração pública; 200
anos de reformas. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: FGV, set-out/2008, p. 848.
20
mista, possibilitou a execução de projetos de industrialização baseados em
empresas estatais de grande porte, focadas principalmente no setor de infraestrutura
e prestação de serviços.
Bresser Pereira considera que o Decreto Lei nº 200 de 1967 (DL 200/67) foi o
primeiro ímpeto de reforma para se superar o regime burocrático e atingir a
administração
gerencial
no
Brasil.
Foram
constatados,
porém,
problemas
inesperados. A faculdade de se contratar funcionários sem a obrigatoriedade de
concursos públicos não trouxe a eficiência esperada ao setor público, ao contrário,
possibilitou que surgissem novamente os hábitos clientelistas. Além disso, não
houve a preocupação de se reestruturar a administração direta, não havia concursos
e previsão de carreiras no núcleo do estado.
Em síntese o Decreto-Lei 200 foi uma tentativa de superação da rigidez
burocrática, podendo ser considerado como um primeiro momento da
administração gerencial no Brasil. A reforma, teve, entretanto, duas
conseqüências inesperadas e indesejáveis. De um lado, ao permitir a
contratação de empregados sem concurso público, facilitou a sobrevivência
de práticas clientelistas ou fisiológicas. De outro lado, ao não se preocupar
com mudanças no âmbito da administração direta ou central, que foi vista
pejorativamente como ‗burocrática‘ ou rígida, deixou de realizar concursos e
de desenvolver carreiras de altos administradores. O núcleo estratégico do
Estado foi, na verdade, enfraquecido indevidamente através da estratégia
oportunista ou ad hoc do regime militar de contratar os escalões superiores
da administração através das empresas estatais. Desta maneira, a reforma
administrativa prevista no Decreto-Lei 200 ficou prejudicada, especialmente
pelo seu pragmatismo. Faltavam-lhe alguns elementos essenciais para que
houvesse se transformado em uma reforma gerencial do Estado brasileiro,
como a clara distinção entre as atividades exclusivas de estado e as nãoexclusivas, o uso sistemático do planejamento estratégico ao nível de cada
organização e seu controle através de contratos de gestão e de competição
administrada. Faltava-lhe também uma clara definição da importância de
14
fortalecer o núcleo estratégico do Estado.
Diante da enorme expansão da administração indireta proporcionada pelo DL
200/67, viriam nos anos seguintes vários programas e políticas objetivando valorizar
as carreiras da administração direta e amenizar o crescimento desenfreado da
indireta.
14
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Do Estado Patrimonial ao Gerencial. p. 16. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/papers/2000/00-73EstadoPatrimonial-Gerencial.pdf> Acesso em 19
setembro 2012.
21
1.5 PROGRAMA NACIONAL DA DESBUROCRATIZAÇÃO
No início da década de 1980, uma das principais tentativas do governo para
atingir o objetivo de aumentar a eficiência do setor público foi a criação do Programa
Nacional de Desburocratização, elaborado pela Subsecretaria de Modernização e
Reforma Administrativa (Semor), órgão do Ministério do Planejamento.
A Semor foi criada no fim da década de 1960, e passou a tratar dos assuntos
de reforma administrativa do Estado, com o auxílio do Dasp. O Programa Nacional
de Desburocratização, criado por este órgão, teria o intuito de direcionar a
administração pública para atender as demandas da sociedade, incutindo no serviço
público a noção de que atender o cidadão com qualidade e eficiência é o fim maior
almejado. Segundo Hélio Beltrão, idealizador do programa, o intuito era ―retirar o
usuário da condição colonial de súdito para investi-lo na de cidadão, destinatário de
toda a atividade do Estado‖15.
O programa de desburocratização tentaria tornar mais ágil o sistema
administrativo por meio da supressão de rotinas e etapas desnecessárias,
beneficiando funcionários e clientes. Lustosa16 afirma que o programa tinha um
caráter inédito justamente porque privilegiava o usuário do serviço público,
posicionando-o como verdadeiro cliente. Neste aspecto encontra-se seu valor social
e político.
Outro programa lançado no mesmo período e que merece destaque foi a
desestatização, também criado para aumentar a eficiência e eficácia na
administração pública. Seu principal intuito era diminuir o tamanho da administração
indireta, repassando ao setor privado funções não exclusivas do Estado. O núcleo
estratégico do governo poderia, pois, focar esforços em políticas mais importantes
ao cidadão.
O programa de desestatização tinha os seguintes pressupostos17:
15
BELTRÃO, Hélio. Descentralização e Liberdade. Rio de Janeiro: Record. 1984. p. 11, apud
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Do Estado Patrimonial ao Gerencial. p. 16. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/papers/2000/00-73EstadoPatrimonial-Gerencial.pdf> Acesso em 19
setembro 2012.
16
Vide COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração
pública; 200 anos de reformas. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: FGV, set-out/2008,
p. 853.
17
Ibidem, p. 854.
22
1)
Competiria preferencialmente ao setor privado a exploração e
organização das atividades econômicas. O Estado não deveria atuar
diretamente no setor privado, mas apenas fomentar e apoiar o setor privado,
em caráter suplementar;
2)
O governo deveria realizar a privatização de empresas públicas nos
casos em que o controle governamental do setor tenha se tornado
desnecessário.
3)
As privatizações não deveriam ocorrer no caso de instituições que
devam permanecer sobre o controle estatal, seja por motivos de segurança
nacional ou porque o a presença direta do Estado em determinado setor seja
determinante para o desenvolvimento nacional.
Segundo Beatriz Wahrlich18:
A necessidade de um programa de desestatização indica que na questão da
organização para o desenvolvimento, a administração pública brasileira
ultrapassou suas metas e chegou a hora de corrigir a disfunção existente,
para atender à opção constitucional do país por uma economia de mercado.
Com esta política, objetivou-se reverter a excessiva descentralização pública
proporcionada pelo Decreto-Lei 200/1967, sem prejudicar os benefícios obtidos com
o processo. Importantes serviços públicos passaram a ser transferidos ao setor
privado, como o financeiro, elétrico, de telecomunicações, saneamento básico e
rodovias.
O processo, que durou vários anos e se intensificou durante o governo de
Fernando Henrique Cardoso, proporcionou mais qualidade na prestação dos
serviços, na medida em que eram exigidos investimentos constantes dos novos
titulares dos serviços.
O regime militar, vetor de importantes mudanças ocorridas na administração
brasileira, termina em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves à presidência
da república. O candidato nunca chega a tomar posse, vindo a falecer antes do
momento oportuno. O vice presidente, José Sarney, assume a presidência, e
18
WAHRLICH, Beatriz Marques de Souza. Desburocratização e desestatização: novas considerações
sobre as prioridades brasileiras de reforma administrativa na década de 80. Revista de Administração
Pública, v. 18, n. 4, p. 72-87, 1984 apud COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado;
200 anos de administração pública; 200 anos de reformas. p. 854.
23
inaugura uma nova era da administração pública brasileira, sob um regime
democrático.
1.6 GOVERNO SARNEY
Com o fim da ditadura militar, em 1985, José Sarney assume a presidência,
em razão do falecimento de Tancredo Neves antes da posse. A nação passou,
novamente, a adotar um regime democrático, com a descentralização do poder para
os governadores e prefeitos, com consequente aumento de autonomia dos estados
e municípios.
O aparato administrativo recebido pelo novo governo democrático, em 1985,
caracterizava-se por uma enorme centralização do poder político. Apesar de o
Decreto Lei 200/1967 intentar mudanças gerenciais no modelo de gestão – algumas
bem sucedidas, a exemplo da expansão e melhoria da administração indireta –,
deixou também resquícios negativos.
Em primeiro lugar, o ingresso de funcionários sem concurso público permitiu
a reprodução de velhas práticas patrimonialistas e fisiológicas. E, por último,
a negligência com a administração direta — burocrática e rígida — que não
sofreu mudanças significativas na vigência do decreto, enfraquece o núcleo
estratégico do Estado, fato agravado pelo senso oportunista do regime
militar que deixa de investir na formação de quadros especializados para os
19
altos escalões do serviço público .
Ao fim do regime militar, as instituições públicas continuaram ―mesclando
iniciativas burocráticas com medidas de cunho gerencial‖20. Era necessário, naquele
momento, conter as antigas práticas clientelistas e patrimonialistas ressurgidas com
o Decreto Lei 200/1967 e diminuir o tamanho da administração indireta ao mínimo
necessário para a prestação de serviços essenciais do Estado. Por fim, dever-se-ia
fortalecer o núcleo estratégico do governo, a administração direta, com a
contratação de mais servidores e a criação de planos de carreira que valorizassem a
área.
19
COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração pública; 200
anos de reformas. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: FGV, set-out/2008, p. 855.
20
PEREGRINO, Fernando Otávio de Freitas. A Nova Administração Pública no Brasil. Disponível em:
<http://cbpfindex.cbpf.br/publication_pdfs/TESE060809-vF.2009_11_05_18_30_30.pdf>. Acesso em:
15 ago. 2012.
24
Para atingir estes objetivos, foi criado um novo projeto de reforma
administrativa, aprovado em 1985, por meio do Decreto 91.309/1985. Segundo
Lustosa21, o documento tinha as seguintes propostas de reestruturação do aparato
administrativo do estado:
1)
Restauração da cidadania para prover os cidadãos de meios para a
realização de seus direitos, obedecendo aos critérios de universalidade e
acesso irrestrito;
2)
Democratização da ação administrativa em todos os níveis do governo,
por meio de dinamização, redução do formalismo e transparência dos
mecanismos de controle, controle do Poder Executivo pelo Poder Legislativo
e pela sociedade, e articulação e proposição de novas modalidades
organizacionais de decisão, execução e controle administrativo-institucional;
3)
Descentralização e desconcentração da ação administrativa com o
objetivo de situar a decisão pública próxima do local de ação, além de reverter
o processo de crescimento desordenado da administração federal;
4)
Revitalização do serviço público e valorização dos serviços;
5)
Melhoria dos padrões de desempenho a fim de promover a alocação
mais eficiente de recursos.
Entendia-se que a administração direta havia sido desprezada, enquanto a
administração indireta, que aumentava seu tamanho anualmente, havia sido
valorizada em excesso. Assim, foi criada a primeira versão Lei Orgânica da
Administração Pública Federal, que iria suceder o Decreto-Lei 200/1967. Seus
objetivos primários eram interromper o crescimento exagerado da administração
indireta e promover a valorização da administração direta.
Objetivando melhorar o serviço público e renovar o quadro de servidores da
administração direta, o governo de José Sarney criou a Escola Nacional de
Administração Pública (Enap) e o Centro de Desenvolvimento da Administração
Pública (Cedam). Caberia à Enap a função de formar dirigentes do serviço público. A
Cedam, por sua vez, teria a incumbência de treinar e reciclar servidores, a fim de
21
Vide COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração
pública; 200 anos de reformas. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: FGV, set-out/2008.
p. 855.
25
alocar os funcionários de forma mais lógica e racional22. Além disso, para
complementar este projeto, houve reestruturação em diversas carreiras públicas,
com a inserção do sistema de mérito.
Essas políticas, no entanto, não foram bem sucedidas. Na prática, a reforma
gerencial não aconteceu, e deu lugar a uma reforma muito mais tradicional e
burocrática: a racionalização dos meios.
No campo da política de recursos humanos do setor público, o governo não
conseguiu instituir um sistema de carreiras, apoiando o progresso
profissional na formação dos servidores, que justificasse a existência
desses organismos. Deixou para seu sucessor o projeto de um regime único
para os servidores públicos, determinado pela Constituição de 1988 que,
cedendo a pressões de interesses corporativos, estabelecia mais de 100
direitos, uns dois ou três deveres e alguns poucos dispositivos sobre o
23
processo disciplinar e as sanções cabíveis em caso de falta grave.
Enquanto o governo empreendia esforços para reformar a administração,
havia sido eleita, em 1986, a Assembleia Nacional Constituinte, que começou seus
trabalhos no ano seguinte, em face da demanda social por uma carta política
condizente com o novo regime democrático da nação. Dos trabalhos da Assembleia
resultou a promulgação da Constituição Federal de 1988, que inaugura a nova fase
democrática brasileira.
1.7 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – RETROCESSO ADMINISTRATIVO
Pretendia-se, com a nova carta magna, consolidar a república, além de ditar
novas regras sobre a soberania nacional, valorizar a cidadania e a ordem social,
reorganizar o estado, criar novas possibilidades de participação coletiva nas
decisões políticas e promover a gestão responsável e eficiente dos gastos públicos.
A promulgação da Constituição de 1988 representou uma ampla reforma em
todo o Estado. A valorização dos direitos sociais promovida por ela é patente, o que
lhe valeu o apelido de ―Constituição Cidadã‖. Lustosa observa as principais
mudanças proporcionadas pela nova carta política:
A Constituição de 1988 proclamou uma nova enunciação dos direitos de
cidadania, ampliou os mecanismos de inclusão política e participação,
22
COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração pública; 200
anos de reformas. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: FGV, set-out/2009. p. 857.
23
Ibidem. p. 857.
26
estabeleceu larga faixa de intervenção do Estado no domínio econômico,
redistribuiu os ingressos públicos entre as esferas de governo, diminuiu o
aparato repressivo herdado do regime militar e institucionalizou os
24
instrumentos de política social, dando-lhes substância de direção.
Apesar dos avanços no campo dos direitos sociais e individuais, no contexto
da administração pública o que se observou foi um retrocesso administrativo, com
engessamento e encarecimento do aparelho estatal25.
Segundo Paludo26, as principais causas do retrocesso foram: estender para a
administração indireta as regras rígidas da administração direta, reduzindo sua
flexibilidade; e a perda da autonomia do poder executivo para organizar a
administração pública e para criar, transformar e extinguir cargos. Esta disfunção só
se amenizou com a Emenda Constitucional nº 32/2001, que deu ao Presidente da
República autonomia para dispor sobre a organização e funcionamento da
administração pública, e para extinguir cargos e funções vagos, por meio de decreto
autônomo.
Bresser Pereira27 afirma que muitos dos dispositivos sobre a administração
pública presentes na nova Constituição foram resultado de esforços de grupos
burocráticos que objetivavam concluir a reforma burocrática
1936. Como
consequência disso, a administração tornou-se mais rígida, foram abandonadas as
práticas gerenciais, e as reformas efetuadas pelo país desde o Decreto-Lei 200/1967
foram desconsideradas.
A administração pública voltava a ser hierárquica e rígida, a distinção entre
administração direta e indireta praticamente desaparecia. O regime jurídico
dos funcionários passava a ser único na União, e em cada nível da
federação. As novas orientações da administração pública, que vinham
sendo implantadas no país desde 1967, foram mais que ignoradas,
destruídas, enquanto a burocracia aproveitava para estabelecer para si
privilégios, como a aposentadoria com vencimentos plenos sem qualquer
relação com o tempo e o valor das contribuições, e a estabilidade adquirida
quase que automaticamente a partir do concurso público. Um grande
mérito, porém, teve a Constituição de 1988: exigiu concurso público para
entrada no serviço público, assim reduzindo substancialmente o
28
empreguismo que tradicionalmente caracterizou o Estado patrimonialista.
24
COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração pública; 200
anos de reformas. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: FGV, set-out/2008, p. 858.
25
Vide PALUDO, Augustinho. Administração Pública. Elsevier: Rio de Janeiro, 2010. p. 98.
26
Ibidem.
27
Conforme PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Do Estado Patrimonial ao Gerencial. p. 19. Disponível
em: <http://www.bresserpereira.org.br/papers/2000/00-73EstadoPatrimonial-Gerencial.pdf>. Acesso
em: 19 set. 2012.
28
Ibidem.
27
Paludo29 elenca as principais transformações havidas na administração
pública advindas da promulgação da Constituição Federal de 1988:
1)
Necessidade de autorização do Poder Legislativo quanto a criação,
transformação e extinção de órgãos/entidades, e criação de cargos,
empregos e funções públicas;
2)
Extensão às entidades da Administração indireta de procedimentos e
mecanismos de controle aplicáveis à Administração direta, ocasionando perda
de flexibilidade;
3)
Descentralização para Estados e Municípios de parcela de recursos
orçamentários e da responsabilidade pela execução de serviços públicos
(repartição de competências);
4)
Estabelecimento de isonomia salarial entre os três poderes (atualmente
revogada);
5)
Instituição do direito à associação sindical para os servidores públicos
civis;
6)
Criação do regime jurídico único para a União, Estados e Municípios;
7)
Instituição de plano de carreira para servidores da Administração direta
e indireta (autarquias e fundações);
8)
Garantia de estabilidade para os servidores concursados após dois
anos de efetivo exercício;
9)
Aposentadorias com salários integrais, independente do tempo de
contribuição;
10)
Ampliação das competências dos órgãos de controle.
Apesar do retrocesso administrativo provocado pela Carta de 1988, houve
alguns avanços gerenciais importantes no aparato estatal, principalmente no que se
refere à participação social no controle da gestão pública.
Em resposta à pressão da sociedade por novos mecanismos de participação
dos cidadãos nas decisões públicas, com a nova carta política promulgada em 1988
―foram institucionalizados mecanismos de democracia direta, favorecendo um maior
29
Vide PALUDO, Augustinho. Administração Pública. Elsevier: Rio de Janeiro, 2010. p. 99.
28
controle social da gestão estatal, incentivou-se a descentralização políticoadministrativa e resgatou-se a importância da função de planejamento‖30.
Além disso, a obrigatoriedade de se prestar concurso público para compor o
quadro de servidores públicos inibiu práticas clientelistas, trazendo mais ética ao
setor público.
Foram duas as principais consequências do retrocesso burocrático trazido
pela nova Constituição. Primeiramente, abandonou-se o caminho que vinha sendo
trilhado, desde 1967, em direção à administração gerencial, ratificando-se as
práticas burocráticas. Em segundo lugar, em razão da influência da alta burocracia
no processo de criação do texto constitucional, foram institucionalizados vários
privilégios completamente avessos à própria burocracia, como a estabilidade
concedida aos servidores civis e a aposentadoria com proventos integrais
independente do tempo de contribuição31.
Bresser Pereira, ao descrever o retrocesso administrativo, afirma que:
Em síntese, o retrocesso burocrático ocorrido no país entre 1985 e 1989 foi
uma reação ao clientelismo que dominou o país naqueles anos, mas
também foi uma afirmação de privilégios corporativistas e patrimonialistas
incompatíveis com o ethos burocrático. Foi, além disso, uma conseqüência
de uma atitude defensiva da alta burocracia, que, sentindo-se acuada,
injustamente acusada, defendeu-se de forma irracional. O resultado foi o
desprestígio da administração pública brasileira, não obstante o fato de que
esta seja majoritariamente formada por profissionais competentes, honestos
32
e dotados de espírito público.
Paludo33 salienta, por fim, que não se pode atribuir o retrocesso administrativo
ao fracasso da descentralização e da flexibilização da administração pública que o
Decreto-lei nº 200/1967 promoveu. Apesar dos problemas que decorreram da
grande autonomia dada pelo decreto às instituições da administração indireta, não é
correto afirmar que o retrocesso administrativo foi uma forma de corrigir as
disfunções da administração indireta. Segundo o autor, a transição democrática,
acompanhada por uma campanha contra a estatização, levou o constituinte
originário
a
aumentar
os
controles
burocráticos
nas
empresas
públicas,
estabelecendo regras rígidas de administração.
30
COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração pública; 200
anos de reformas. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: FGV, set-out/2008, p. 859.
31
Vide PALUDO, Augustinho. Administração Pública. Elsevier: Rio de Janeiro, 2010. p. 102.
32
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Do Estado Patrimonial ao Gerencial. p. 21. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/papers/2000/00-73EstadoPatrimonial-Gerencial.pdf>. Acesso: em
19 set. 2012.
33
Vide PALUDO. op. cit. p. 102.
29
O Estado só vislumbra novas reformas gerenciais em 1995, já sobre o
governo de Fernando Henrique Cardoso, quando foi elaborado o Plano Diretor de
Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), sob a responsabilidade do extinto
Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE).
1.8 PLANO DIRETOR DE REFORMA DO APARELHO DO ESTADO
A reforma gerencial no Brasil começou a ser discutida nos anos 1990, mas é
no governo de Fernando Henrique Cardoso que encontra solo fértil para se
desenvolver de fato. No primeiro ano de governo, o Presidente cria o Ministério da
Administração e Reforma do Estado e nomeia Luiz Carlos Bresser Pereira como
ministro.
O Brasil enfrentava uma crise àquela época, que surgiu em decorrência do
crescimento exagerado do setor público. A ausência de controle por resultados,
aliada ao fato de a administração pública ter sofrido um retrocesso burocrático
quando da promulgação da Constituição de 1988, trouxe muita ineficiência ao setor
público. O Estado contava com um aparato imenso, caro e pouco eficiente.
Discutiu-se, naquele momento, o papel do Estado como agente de inclusão
social e construção da cidadania. A partir de então, estudou-se a reforma do estado
com foco em dar mais eficiência à administração pública e voltá-la para o cidadão.
Considerava-se que o Estado não deveria ser responsável pela produção de bens e
serviços, mas estabelecer-se apenas como controlador do setor privado.
Com essas ideias consolidadas, é elaborado o PDRAE, em 1995, pelo MARE,
que apresenta a principal proposta de inaugurar a administração gerencial no país. A
reforma envolvia vários aspectos, como a política fiscal, privatizações e a
publicização, que caracteriza a transferência para o setor privado de atividades não
essenciais do Estado, executadas com o fomento governamental.
Objetivou-se, ademais, reduzir o papel do estado como produtor de bens e
serviços ao mínimo possível, reafirmando seu papel de controlador e fomentador do
setor privado.
A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição
do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo
desenvolvimento econômico e social, para se tornar seu promotor e
regulador. O Estado assume um papel menos executor ou prestador direto
30
de serviços mantendo-se, entretanto, no papel de regulador e provedor
destes. Nesta nova perspectiva, busca-se o fortalecimento das suas
funções de regulação e de coordenação, particularmente no nível federal, e
a progressiva descentralização vertical, para os níveis estadual e municipal,
das funções executivas no campo da prestação de serviços sociais e de
34
infra-estrutura.
Segundo Lustosa, a reforma do PDRAE possui cinco diretrizes principais35:
1)
Institucionalização, considera que a reforma só pode ser concretizada
com a alteração da base legal, a partir da reforma da própria Constituição;
2)
Racionalização, que busca aumentar a eficiência, por meio de cortes
de gastos, sem perda de ―produção‖, fazendo a mesma quantidade de bens
ou serviços (ou até mesmo mais) com o mesmo volume de recursos;
3)
Flexibilização, que pretende oferecer maior autonomia aos gestores
públicos na administração dos recursos humanos, materiais e financeiros
colocados à sua disposição, estabelecendo o controle e cobrança a posteriori
dos resultados;
4)
Publicização, que constitui uma variedade de flexibilização baseada na
transferência para organizações públicas não-estatais de atividades não
exclusivas do Estado, sobretudo nas áreas de saúde, educação, cultura,
ciência e tecnologia e meio ambiente;
5)
Desestatização, que compreende a privatização, a terceirização e a
desregulamentação.
O Plano Diretor se inseriu na legislação nacional por meio da Emenda
Constitucional nº 19/98. A maior parte de suas realizações tem relação com a
desestatização, como os setores de telefonia, energia elétrica e financeiro,
cumprindo seu objetivo de tornar o Estado mais enxuto e eficiente.
34
COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração pública; 200
anos de reformas. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: FGV, set-out/2008, p. 863.
35
Ibidem, p. 863.
31
2 A ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA
A burocracia foi o sistema concebido para combater as práticas dominantes
no modelo patrimonialista, como forma de repelir a corrupção. Ela surge da
necessidade de se administrar de forma mais justa e equânime, tanto o setor privado
quanto o público.
Evidentemente, as mudanças que levaram os Estados a abandonarem o
sistema patrimonialista foram lentas e demandaram diversas lutas políticas, que
buscavam uma administração mais democrática dos recursos públicos, voltada a
atender as necessidades do cidadão. Pode-se afirmar que a burocracia decorre
naturalmente de regimes democráticos, e com eles se identificam36.
A forma de organização burocrática baseia-se na racionalidade, que é a
adequação dos meios aos objetivos pretendidos, a fim de garantir eficiência no
alcance desses objetivos, por meio de rígidos métodos de controle.
2.1 AUTORIDADE, PODER E LEGITIMIDADE
Max Weber, criador da sociologia da burocracia, afirma que cada sociedade
corresponde a um tipo de autoridade, que por sua vez representa o exercício do
poder dentro de uma instituição37. Em âmbito estatal, trata-se de poder positivado,
justificado por lei latu sensu.
Poder, segundo Amitai Etzioni38, representa a imposição da própria vontade
frente aos outros integrantes de uma relação social, havendo ou não resistência dos
demais. É, portanto, a faculdade de subjugar a vontade alheia para impor a própria.
Deve-se salientar que a autoridade proporciona o poder, mas ter poder não
necessariamente significa ter autoridade. Isso porque pode haver o exercício do
poder de forma legítima ou ilegítima, conforme haja ou não aceitação e motivação
36
Vide PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Introdução à Organização Burocrática. São Paulo: Brasiliense,
1987
37
Conforme CHIAVENATO, Idalberto. Teoria Geral da Administração. 6.ed. Rio de Janeiro: Campus,
2001. p. 7. v. II
38
Vide ETZIONI, Amitai. Organizações Modernas. 8. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1989.
p.69.
32
para que os dominados obedeçam às ordens de quem detém o poder. Chiavenato
esclarece39:
A legitimidade é o motivo que explica por que um determinado número de
pessoas obedece às ordens de alguém, conferindo-lhe poder. Essa
aceitação, essa justificação do poder é chamada legitimação. A autoridade
é legítima quando é aceita.
Legitimidade, portanto, é a aceitação e justificação do poder, que não se
confunde com o fato de o administrado concordar ou não com a maneira como é
exercido o poder.
Assim, se a população de determinado município não concordar com a forma
de administração dos recursos financeiros estabelecida pelo poder local, não deixará
de haver legitimidade nas ações do prefeito e vereadores, visto que o poder ainda
está positivado nas leis que compõem aquela sociedade, embora seu exercício
possa não condizer com a vontade de todos.
A combinação de poder e legitimidade compõe a autoridade. Etzioni40 afirma
que as formas de autoridade concebidas por Weber baseiam-se no tipo de
legitimidade, e não no poder aplicado.
A classificação feita a seguir obedece ao critério determinado por Etzioni, e é
útil por facilitar a compreensão a respeito da forma como se manifesta o poder nas
instituições. Vejamos, então, cada uma delas.
2.2 FORMAS DE AUTORIDADE
A forma como se organiza uma sociedade está intimamente ligada com o tipo
de autoridade nela existente. Assim, é possível classificar as sociedades de acordo
com o poder que os dominadores detêm.
Ao tratar das formas de autoridade legítima, Weber41 define três principais
tipos, classificando-as de acordo com a origem do poder: autoridade tradicional,
carismática e burocrática. Todas são formas poder e dominação, que se distinguem
em diversos aspectos.
39
CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 8.ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2003. p. 258.
40
Vide ETZIONI, Amitai. Organizações Modernas. 8. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1989.
p.69.
41
Ibidem, p. 83
33
O objetivo do trabalho de Weber, ao estudar a tipologia da autoridade, foi
descobrir até que ponto pode-se esperar que os funcionários de uma organização
aceitem os regulamentos porque ―sempre foram assim‖, se é razoável esperar que
se que os empregados submetam às ordens dos superiores porque concordam com
uma lei reconhecida pela maioria dos participantes, ou o quão convincente precisa
ser a pessoa que dá a ordem, para que seja obedecida42.
Para a melhor compreensão, pode-se dividir o conceito de sistema de
autoridade em três aspectos: o exercício da autoridade; as relações autoritárias de
papéis; e a legitimação43.
O exercício da autoridade é a manifestação da ordem por um indivíduo e o
consequente consentimento pelo outro. Trata-se, assim de interação entre o
dominador e o dominado.
As relações autoritárias caracterizam-se pela divisão de atividades de
comando para um indivíduo e, para outro, as ações de consentimento. Essa relação
é constante e estável, podendo-se observar com nitidez o papel do dominado e do
dominador.
A legitimação, conforme visto anteriormente, são os valores e normas de
determinado grupo social que justificam a existência do sistema de autoridade e as
regras que definem seus papéis e interações. A legitimação do sistema burocrático é
obtida em valores racionais e legais, descritos por Weber, e possibilitam tratar de
forma impessoal questões que, em regra, seriam tratadas de forma pessoal.
Os sistemas burocráticos de autoridade ocorrem no contexto de grupos que
possuem certo topo de sistema de valores e certo tipo de organização e que
sejam, eles próprios, por outro lado, caracterizados por certos trações
44
estruturais distintivos.
Passa-se ao estudo das formas de autoridade legítima conforme a origem do
poder.
42
Vide ETZIONI, Amitai. Organizações Modernas. 8. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1989.
p.69.
43
Conforme HOPKINS, Terrence K. O conceito de sistema de autoridade. In Sociologia da
Burocracia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. p.74.
44
Ibidem. p. 74.
34
2.2.1 Autoridade tradicional
Verifica-se a autoridade tradicional quando os dominados acatam a vontade
do dominador e consideram-na legítima porque assim as coisas sempre foram e
assim devem se repetir. Caso as relações de poder se auto justifiquem em razão de
se perpetuarem em um modelo inquestionável, estar-se-á diante de uma autoridade
tradicional.
Não há racionalidade no exercício do poder tradicional, pois ele é transmitido,
em regra, de forma hereditária. O poder tradicional é deveras conservador e, por
este motivo, menos propenso a aceitar mudanças ou rompimentos com a tradição.
Embora não se observe essa forma de autoridade na administração dos países
democráticos, a autoridade tradicional é comum no ambiente familiar, especialmente
em grupos mais conservadores, cujo líder é a figura do patriarca.
O patriarca possui poder obtido como forma de herança de seu antecessor, e
assim continua a se transferir de modo perene. O poder é arbitrário e despótico, e
encontra limites apenas na cultura dos indivíduos.
A autoridade tradicional não se confunde com a carismática, na medida em
que o detentor do poder tradicional não cativa os subordinados a fim de legitimar seu
poder. Ao contrário, esta autoridade encontra legitimidade nas tradições da
sociedade.
2.2.2 Autoridade Carismática
A autoridade carismática é identificada quando os dominados aceitam a
vontade do dominador e consideram-na legítima em função das características do
líder. Em regra seu poder de convencimento está na capacidade de seduzir as
pessoas, tratando-se de qualidades capazes de arrebatar multidões de seguidores.
Weber45 utilizou o termo ―carisma‖ para definir características indescritíveis e
excepcionais de uma pessoa, qualidades extraordinárias e indefiníveis.
Esta forma de autoridade, por obter respaldo na aceitação do líder sobre os
demais, é passível de inconstâncias, na medida em que a opinião pública pode
sofrer variações em relação à legitimidade das ações do dominador.
45
Conforme CHIAVENATO, Idalberto. Teoria Geral da Administração. 6.ed. Rio de Janeiro: Campus,
2001. p. 8. v. II.
35
A autoridade carismática, de forma diversa da tradicional, não se transmite de
forma hereditária ou por herança, não é racional e não se justifica de forma legal. As
características do líder não podem ser repassadas a sucessores, o que impede que
a transmissão do poder seja semelhante ao que ocorre na autoridade tradicional.
O aparato de dominação da autoridade carismática dispõe de adeptos e
devotos escolhidos diretamente pelo dominador, de forma completamente arbitrária.
Por este motivo, é inconsistente, pois o critério de seleção não analisa a qualificação
pessoal ou técnica, mas a confiabilidade dos seguidores. Destarte, considera-se
instável a autoridade carismática, se comparada à burocrática.
2.2.3 Autoridade Burocrática
Observa-se a autoridade burocrática, também chamada de racional, quando
as normas e leis, aceitas pela sociedade, respaldam a legitimidade das ordens dos
superiores. É a autoridade baseada na técnica e no mérito dos agentes públicos. A
noção de legitimidade parte do pressuposto de que os cidadãos escolheram seus
governantes e estes promulgaram as leis, agindo como procuradores da sociedade.
Logo, se o poder dos agentes públicos fundamenta-se na lei, tal poder é legítimo, na
medida em que a lei é legítima.
Segundo Bresser46, a burocracia é ―um sistema social racional, ou um sistema
social em que a divisão do trabalho é racionalmente realizada tendo em vista os fins
visados‖.
Karl Mannheim47 define a organização burocrática como:
Um tipo de cooperação no qual as funções de cada parte do grupo são
precisamente pré-ordenadas e estabelecidas e há uma garantia de que as
atividades planejadas serão executadas sem maiores fricções.
A burocracia é, para Weber, um tipo de poder, de organização. É um sistema
racional, com divisão de trabalho feita racionalmente visando os fins. A ação
racional-burocrática é a coerência da relação entre meios e fins48.
46
Vide PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Introdução à Organização Burocrática. São Paulo: Brasiliense,
1987. p. 8
47
Ibidem.
48
Como ensina TRAGTENBERG, Maurício. Burocracia e Ideologia. São Paulo: Atica, 1992, p. 139.
36
Depara-se com o conceito de racionalidade intimamente ligado à ideia de
burocracia. Racionalidade traduz a noção de adequação entre fins e meios, de forma
a obter os resultados almejados da forma mais econômica possível. Significa,
portanto, eficiência.
Neste contexto, pode-se considerar racional todo sistema social em que haja
a previsão da atuação de cada um de seus membros, utilizando regras para dirigir
os comportamentos individuais, a fim de se atingir a máxima eficiência 49.
Weber, no início do século XX, definiu a burocracia como uma forma de
dominação da conduta humana, exercida, no setor estatal, pelos administradores
públicos sobre os administrados. Trata-se de uma forma de poder que obtém
legitimidade a partir de normas legais e da racionalidade. Foi o sociólogo quem
idealizou as bases da burocracia que visavam combater o patrimonialismo e que
ainda sustentam a forma da administração pública atual.
A autoridade burocrática é apenas uma das características das organizações
burocráticas. Paludo50 afirma que Weber não conceituou burocracia, mas
apresentou suas características.
2.3 CARACTERÍSTICAS DA BUROCRACIA
Popularmente consideram-se burocráticas as organizações em que dominam
a morosidade, o apego excessivo às regras e rotinas e o grande volume de
papelório, que impedem a eficiência e qualidade no atendimento51.
Tais características, no entanto, correspondem ao que os estudiosos e
teóricos apontam como defeitos da burocracia, não suas características. As pessoas
passaram a chamar de burocracia os defeitos do sistema, e não o próprio sistema.
A burocracia, portanto, é o contrário do que consideram os leigos. Trata-se de
sistema criado com o fito de racionalizar o comportamento dos integrantes na
organização, de forma a maximizar sua eficiência.
49
Vide CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 8. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2003. p. 258.
50
Segundo PALUDO, Augustinho. Administração Pública. Elsevier: Rio de Janeiro, 2010. p. 61.
51
Conforme CHIAVENATO, Idalberto. Teoria Geral da Administração. 6.ed. Rio de Janeiro: Campus,
2001. p. 22. v. II.
37
São características do sistema burocrático apontadas por Weber como
principais52: impessoalidade, controle de rotinas, hierarquia, meritocracia e
formalidade das comunicações. Vejamos, brevemente, cada uma delas.
2.3.1 Impessoalidade
Impessoalidade significa a existência de distinção entre os cargos e as
pessoas que os ocupam. Na burocracia, não se obedece às pessoas dentro de uma
organização, mas às leis e aos cargos que lá detêm poder. Segundo o autor, ―os
membros da associação, enquanto obedientes àquele que representa a autoridade,
não devem obediência a ele como um indivíduo, mas à ordem impessoal.‖ 53
A impessoalidade traz estabilidade ao sistema burocrático, pois a ausência ou
falecimento de um indivíduo apenas demanda sua substituição por outro funcionário,
de mesma qualificação técnica. O sistema burocrático eleva os cargos a um status
superior ao das próprias pessoas que os ocupam. As pessoas que compõem a
organização, então, deixam de ser indispensáveis.
Há situações em que, mesmo em uma organização burocrática, não se
observa o princípio da impessoalidade. É o caso, por exemplo, do chefe nãoburocrático. Neste caso, as características carismáticas do líder se sobressaem
diante do cargo que ele ocupa, o que o torna uma pessoa mais importante do que o
próprio cargo. Este fenômeno faz com que as relações entre os funcionários e o
chefe, antes impessoais, tornem-se pessoais. O assunto será abordado mais
adiante, no tópico 1.4.
2.3.2 Controle e rotinas
No tocante à rotina dos métodos e meios de trabalho no modelo burocrático,
verifica-se que aqueles são constantemente controlados, além de haver previsão
legal para cada tipo de atuação do agente. O gestor público detém pouca margem
de discricionariedade, pois a legislação prevê e normatiza a execução de todas as
atividades.
52
Vide ETZIONI, Amitai. Organizações Modernas. 8. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1989.
p.71.
53
WEBER, Max. Sociologia da Burocracia. Tradução de Edmundo Campos. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1978. p.16.
38
A organização burocrática fixa regras e normas técnicas para o desempenho
de cada cargo. O funcionário que ocupar o cargo não tem margem de atuação
segundo a própria vontade, ele faz apenas o que a burocracia deseja 54.
Tal característica, ao ser aplicada ao setor público, coaduna-se com o
princípio da legalidade, que restringe a atuação do agente público ao estritamente
previsto em lei.
O correto desempenho das funções e a disciplina exigida para cada cargo são
assegurados pelas regras e normas, que preveem as rotinas de trabalho, e pelos
superiores hierárquicos, que detêm o poder de controle55.
2.3.3 Hierarquia
Na organização burocrática, todos os cargos são hierarquizados. A
administração é vertical, possuindo uma longa cadeia de posições entre as
autoridades. As repartições possuem competências individuais e subordinam-se às
superiores. Há regras que definem os limites da submissão e do poder, para que se
evitem conflitos entre os funcionários.
Cada posto é necessariamente inferior a outro, e assim subsequentemente
até o dirigente máximo da organização. O sistema de cargos em escalas facilita a
supervisão e controle na instituição.
A dominação dos superiores sobre os demais não significa completa sujeição
dos empregados inferiores, pois deve haver regramento com previsão das
obrigações inerentes a cada função, assim como a limitação de seus poderes e
privilégios. Segundo Weber56, o funcionário ―está sujeito a uma rígida e sistemática
disciplina e controle no desempenho do cargo‖.
O poder de gerência é inerente aos chefes. Não há que se falar de dominação
entre funções de mesma escala, pois ela decorre necessariamente da superioridade
de um posto sobre outro.
Observa-se, então, que o poder de direção é consequência da disposição dos
encargos presentes na instituição, e não dos indivíduos. Portanto, o chefe de uma
54
Vide CHIAVENATO, Idalberto. Teoria Geral da Administração. 6.ed. Rio de Janeiro: Campus,
2001. p. 13. v. II.
55
Ibidem. p. 14.
56
WEBER, Max. Sociologia da Burocracia. Tradução de Edmundo Campos. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1978. p. 18.
39
repartição tem o poder dever de controlar os atos de seus subordinados, para que
todos atuem em consonância com os objetivos da organização. A partir do momento
em que mudam as relações hierárquicas, altera-se a competência do controle.
2.3.4 Meritocracia
O principal critério para a seleção de novos funcionários, promoção na
carreira, aumentos salariais e outros benefícios dentro da organização é o mérito.
Weber descreve os cargos como um sistema de promoção, baseado na antiguidade
e no merecimento, em que a promoção depende do julgamento dos superiores 57.
No serviço público a seleção para o ingresso na carreira é feita por concurso
público, que visa a selecionar o candidato mais competente e, portanto, o mais apto
a exercer determinada função.
A exigência de se realizar concurso público, prevista na Constituição Federal,
art. 37, II, é uma clara demonstração de que o direito brasileiro ampara a
administração pública burocrática. Rompe-se com as práticas arbitrárias do
patrimonialismo, onde o nepotismo era a regra.
2.3.5 Formalidade das comunicações
No modelo burocrático ocorre, essencialmente, por via escrita. As ações,
decisões, regras e procedimentos são escritos, a fim de facilitar seu entendimento
inequívoco, além de proporcionar comprovação e documentação adequadas58.
Tanto os atos administrativos quanto as normas e contratos devem ser
escritos e registrados em documentos, ainda nos casos em que a oralidade é a
regra, o que possibilita maior rigor na interpretação dos atos da administração59.
Assim, evitam-se interpretações equivocadas das ordens emanadas pelos
superiores.
57
Vide WEBER, Max. Sociologia da Burocracia. Tradução de Edmundo Campos. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1978. p. 20.
58
Como ensina CHIAVENATO, Idalberto. Teoria Geral da Administração. 6.ed. Rio de Janeiro:
Campus, 2001. p. 12. v. II.
59
WEBER, op. cit. p. 18.
40
Como as comunicações são feitas de forma constante e repetitiva, a
burocracia utiliza formulários para rotinizar seu preenchimento e formalização.60 Os
formulários tornam mais eficiente a comunicação entre setores distintos, pois
preveem todas as informações que devem necessariamente ser encaminhadas ao
destinatário da mensagem, evitando assim missivas inconsistentes ou incompletas.
2.4 CHEFE NÃO BUROCRÁTICO
Os conceitos apresentados acima se aplicam a todo o corpo administrativo da
organização burocrática, desde os cargos mais inferiores até os mais altos
dirigentes. Weber aponta, porém, a existência de chefes não burocráticos.
Os burocratas seguem as regras da instituição, mas é o chefe quem as
define, frequentemente de forma unilateral. Os burocratas obtêm seus cargos
segundo critérios de merecimento, competência e antiguidade, ao passo que o chefe
não burocrata é eleito ou recebe sua posição de forma hereditária.
Observa-se que enquanto os burocratas representam as engrenagens da
instituição, contribuindo mutuamente para atingir seus objetivos e metas, o chefe
não burocrático é o indivíduo que define quais objetivos serão perseguidos, e auxilia
a ligação do racional com o emocional61.
Neste ponto percebe-se que o chefe não burocrático apresenta traços de
autoridade carismática, o que corrobora o entendimento de que não existem, na
prática, sistemas de dominação puros. A maioria das instituições possui resquícios
de todos os tipos de autoridade, embora seja possível determinar qual espécie mais
se destaca.
Os agentes políticos, tais como deputados, governadores e o próprio
presidente da república, por exemplo, são líderes burocráticos, pois sua autoridade é
racional, legitima-se nas leis e na constituição do país. Não se pode afirmar, porém,
que estes agentes não possuam características de liderança carismática. A
capacidade de arrebatar e seduzir multidões, a fim de obter votos e alcançar a
eleição, é intrínseca à atividade política.
60
Vide CHIAVENATO, Idalberto. Teoria Geral da Administração. 6.ed. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
p. 12. v. II.
61
Conforme ETZIONI, Amitai. Organizações Modernas. 8. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora,
1989. p.73.
41
A sucessão do chefe não burocrático pode ocasionar crises de instabilidade
na instituição burocrática. Isso porque a autoridade do líder não se baseia
exclusivamente nas normas e leis, mas em seu carisma e influência sobre os
demais. Afirma Weber que os sucessores do chefe carismático ―são como a lua, que
reflete o sol‖, e jamais se igualam ao carisma do antecessor, mas ―gastam
gradativamente o carisma que a função mais elevada recebera do fundador, até
exauri-lo e a estrutura perder sua legitimidade‖62.
A instabilidade diante da crise de sucessão de um chefe não burocrático é
inevitável, mas pode ser também benéfica à instituição, pois o momento é adequado
a efetuar mudanças e inovações.
2.5 VANTAGENS DA BUROCRACIA
São diversas as vantagens obtidas ao se adotar o modelo burocrático nas
instituições, sejam elas públicas ou privadas. Embora atualmente considerem-na um
modelo retrógrado e ultrapassado, a burocracia representou, à época em que foi
concebida, um enorme avanço em relação ao modelo anterior de administração
pública.
Weber acreditava na superioridade da burocracia sobre as demais formas de
gestão especialmente em razão da eficiência que se obteria. Os serviços estatais
tornar-se-iam mais técnicos, com profissionais especializados, sem margens para
arbitrariedades e desvio de poder. Ademais, a superioridade da administração
burocrática
―reside
no
papel
do
conhecimento
técnico
que,
através
do
desenvolvimento da moderna tecnologia e dos métodos econômicos na produção de
bens, tornou-se totalmente indispensável‖63.
Weber citou ainda, como vantagens daquele modelo64:
1)
O alcance mais célere dos objetivos da instituição, proporcionado pela
racionalidade da gestão;
2)
A exata definição dos cargos, explicitando seus benefícios, deveres e
atribuições;
62
ETZIONI, Amitai. Organizações Modernas. 8. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1989. p.73.
WEBER, Max. Sociologia da Burocracia. Tradução de Edmundo Campos. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1978. p. 25.
64
Vide PALUDO, Augustinho. Administração Pública. Elsevier: Rio de Janeiro, 2010. p. 61.
63
42
3)
Tomada rápida de decisões, pois todos devem saber como as coisas
são feitas e por quem;
4)
Rotinas e procedimentos uniformes e padronizados, o que reduz os
erros e o custo de produção;
5)
Perpetuidade da instituição, com a substituição daqueles que são
afastados;
6)
A interpretação inequívoca das comunicações, que são sempre
escritas, em razão da formalidade exigida, além de garantir que apenas os
destinatários da comunicação a recebam;
7)
Há menos atrito entre as pessoas, pois os funcionários sabem a função
de cada um, suas responsabilidades e o que pode ser exigido de cada cargo;
8)
A previsibilidade da atuação de todo o corpo administrativo, obtida em
razão da definição prévia de cargos, funções, rotinas e métodos de trabalho,
gera confiança nos funcionários.
Além disso, o processo de decisão é previsível, pois é despersonalizado e
exclui ―sentimentos irracionais, como o amor, a raiva, as preferências pessoais,
elimina a discriminação pessoal‖65. Desta forma, a instituição como um todo se torna
mais profissional e valoriza aspectos como mérito e competência, em detrimento de
práticas de corrupção e nepotismo.
2.6 DISFUNÇÕES DA BUROCRACIA
Conforme já afirmado antes, Weber concebeu a burocracia como um sistema
criado para maximizar a eficiência das organizações, por meio da previsão de seu
funcionamento. A impessoalidade e o formalismo da burocracia objetivavam,
primariamente, tornar previsível a conduta de todas as pessoas. A previsibilidade
seria possível com a normatização do comportamento de todos os funcionários nos
regulamentos da organização.
Na prática, entretanto, não é possível prever todas as situações com que os
burocratas irão lidar cotidianamente. O burocrata é um funcionário que deve agir em
estrita conformidade com as regras da organização, nunca de forma autônoma.
65
MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública: Foco nas Instituições e Ações
Governamentais. São Paulo: Atlas, 2009. p. 55.
43
Assim, na ocorrência de situações imprevistas, quando não há normas, rotinas e
métodos de trabalho indicando ao burocrata como proceder, o fluxo de trabalho fica
obstruído, o que compromete a eficiência e gera diversas disfunções da burocracia,
como definiu Robert K. Merton66. As disfunções decorrem, principalmente, da falha
em se prever o comportamento humano.
A origem da imprevisibilidade encontra-se na burocratização e formalismo
excessivos. Como consequência, o funcionário torna-se um especialista em
determinado setor apenas porque conhece com perfeição as normas da instituição,
e não porque possui formação e detém conhecimentos hábeis a auxiliar o setor a
atingir suas metas e objetivos. Conhecer e cumprir meticulosamente as regras tornase mais importante do que atingir os fins almejados pelas mesmas regras.
A partir daí, os funcionários cumprem as regras não apenas com vistas aos
benefícios que serão obtidos por cumpri-las, mas apenas por que elas existem e
devem ser cumpridas. As pessoas passam a obedecer, sem raciocinar sobre a
validade e legitimidade das normas, independente das condições do caso concreto,
mesmo diante de circunstâncias que indiquem que a norma não possui mais
validade. O funcionário torna-se inflexível, rígido, levando ineficiência à organização.
Segundo Bresser Pereira67:
Ele esquece que uma organização é, antes de mais nada, um organismo
vivo, dinâmico, que participa de um ambiente físico e social em constante
mutação. Ele esquece que a qualidade primeira de qualquer organismo vivo
é sua capacidade de se adaptar, de se ajustar a um mundo em que nada
permanece imutável.
Uma vez adotada pela administração pública, nos moldes acima elencados, a
burocracia não se mostrou o sistema ideal. Constatou-se que sua principal disfunção
era a normatização excessiva, pois a grande quantidade de regras e regulamentos
internos tornaram os serviços públicos lentos. O objetivo da administração pública
não era atender as demandas dos cidadãos, mas obedecer com rigor às regras, o
que a tornou lenta e auto-referida68. Deste problema resultou o entendimento
66
Vide MERTON, Robert K, Social Theory and Social Structure, Free Press, 1949, Glencoe, Illinois,
apud PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Introdução à Organização Burocrática. São Paulo: Brasiliense,
1987. p.58.
67
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. op. cit. p.60.
68
Vide PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. 7 ed.
Rio de Janeiro: FGV. 2006. p. 241.
44
popular de que burocracia é um sistema ineficiente, moroso, com muitos
funcionários desinteressados.
Outra disfunção da burocracia citada por diversos doutrinadores é grande
volume de papel, que também decorre do excesso de formalismo, pois todas as
comunicações devem ser escritas, e os acontecimentos documentados e
arquivados. O formalismo é uma característica muito vantajosa para a administração
burocrática, pois proporciona comunicação eficiente para a instituição, além de
constituir uma excelente forma de controle. Seu excesso, porém, pode gerar o
papelório, quando não há um critério eficaz para determinar se a utilização dos
papéis é de fato necessária69.
Bresser Pereira aponta, ainda, como consequência do excesso de
burocratização, os frequentes atritos entre os funcionários burocratas e o público
externo, clientes da organização. Segundo o autor, o conflito surge da
despersonalização característica da administração burocrática. O cliente acredita
que seu caso apresenta características que merecem um tratamento especial, já o
funcionário permanece distante, impessoal, quanto trata de problemas de pessoas
externas à organização, pois foi treinado para aplicar as normas gerais para resolver
tais problemas, e aí resulta o conflito70.
Em síntese, os principais problemas são: o excesso de formalismo, pois todas
as comunicações e atos administrativos deveriam ser escritos, o que gera uma
profusão de papéis e arquivos inúteis que ocupam espaço nas repartições; e a falta
de flexibilidade, pois todo o comportamento do agente público é previamente
estabelecido, não permitindo inovações por parte dos servidores.
As falhas encontradas na burocracia levaram a doutrina a teorizar novos
modelos de administração pública, que fossem capazes de satisfazer as
necessidades da sociedade de forma econômica e eficaz, concentrando-se,
portanto, nos resultados obtidos pelos gestores, e não mais nos procedimentos. As
reformas que sucederam o modelo burocrático culminaram na criação da
administração pública gerencial.
Conquanto a administração pública burocrática não seja mais adotada em
toda a sua essência na administração pública brasileira, não é certo dizer que ela foi
69
Conforme CHIAVENATO, Idalberto. Teoria Geral da Administração. 6.ed. Rio de Janeiro: Campus,
2001. p. 22. v. II.
70
Vide PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Introdução à Organização Burocrática. São Paulo: Brasiliense,
1987. p.63.
45
completamente superada. Pelo contrário, os novos modelos de gestão pública, como
a administração gerencial, são apenas uma forma de aperfeiçoar a burocracia, na
busca de suprimir suas disfunções e introduzir novas práticas que visam dar mais
flexibilidade e rapidez na atuação da instituição.
2.7 CONTROLE
A necessidade de se instituir métodos rígidos de controle dentro das
organizações deriva da distinção entre os interesses da organização e os dos
funcionários. Em tese, tais interesses são semelhantes, pois aumentar o lucro da
companhia pode proporcionar aumentos de salários, gratificações e melhores
condições de trabalho. Se ambos os interesses são similares, o controle é pouco
necessário, pois os funcionários perseguem com mais disposição os objetivos da
instituição, pois assim também se beneficiarão.
Fora do plano hipotético, todavia, percebe-se que as necessidades das
empresas nunca coincidem totalmente com os interesses dos funcionários, e
raramente são semelhantes. O aumento da renda da organização pode aumentar,
sem que isso reflita nos salários dos funcionários.
Assim, torna-se premente que a organização disponha de métodos de
controle, a fim de alinhar, mesmo que de forma coercitiva, os interesses dos
burocratas aos da companhia. A capacidade de controlar seus integrantes é
condição para o sucesso de uma organização.
Existe controle em todas as formas de sociedade, seja na família, em grupos
religiosos, comunidades, etc. O que difere tais sociedades das organizações
burocráticas, e consequentemente seus métodos de controle, é o fato de que as
burocracias são sociedades artificiais, criadas para atingir fins específicos. Amitai
Etzioni explica porque os métodos de controle nas burocracias são muito mais
complexos do que nas sociedades naturais:
A característica de artificialidade das organizações – sua grande
preocupação com a realização, sua tendência para serem muito mais
complexas que as unidades naturais – torna inadequado o controle informal
que impede que se confie na identificação com a tarefa. Quase nunca as
organizações podem confiar que a maioria dos participantes interiorize suas
obrigações e, sem outros incentivos, cumpra voluntariamente seus
compromissos. Por isso, as organizações exigem uma distribuição
46
formalmente estruturada de recompensas e sanções para apoiar a
71
obediência a suas normas, regulamentos e ordens.
Para realizar o controle, a organização deve instituir um sistema de
gratificações e punições, conforme a observância de cada funcionário às normas da
empresa, recompensando aqueles que mais respeitam as normas, e punindo
aqueles que as desconsideram. É mais comum que países e setores menos
modernos distribuam recompensas sem levar em conta as realizações. Essa é uma
das razões pelas quais o controle da organização é menos eficiente nos países
menos desenvolvidos72.
2.7.1 Formas de controle
Para melhor compreender a forma como se distribui o poder dentro de
diversos grupos sociais, a doutrina identificou diversas formas de controle, que se
distinguem segundo a forma como o dominador atinge o dominado.
Etzioni classifica os meios de controle em três categorias, segundo os
métodos utilizados para obter o controle e as consequências sociais no controlado.
Tais espécies são: física, material e simbólica.
Explica o autor que o controle físico abrange toda forma de dominação que se
utiliza de meios físicos, ou seja, atinge o corpo do dominado. É o caso da utilização
de uma arma, chicote ou prisão. Mesmo que a punição física nunca seja aplicada, a
simples ameaça já caracteriza o controle físico, pois sua consequência é semelhante
à utilização. Objetiva obter o poder por meio de ameaças e punições físicas. A
utilização dos meios físicos para conseguir o controle dos dominados é
característica do poder coercitivo73.
O controle material caracteriza-se por conceder benefícios e gratificações
materiais aos dominados que seguirem precisamente as ordens e regras da
instituição. Tais benefícios podem ser o fornecimento de bens materiais, prestação
de serviços, pagamento em dinheiro ou qualquer espécie de direito que possibilite a
obtenção de bens materiais. Nota-se que o controle material incentiva a obediência
71
ETZIONI, Amitai. Organizações Modernas. 8. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1989. p.78.
Vide ABEGGLEN, J.C, The Japanese Factory: Aspects of its social organization, apud ETZIONI,
Amitai, op. cit. p.78.
73
ETZIONI, op. cit. p. 78
72
47
dos subordinados, pois assim poderão obter benefícios materiais. De forma
diretamente oposta, o controle físico não incentiva a obediência, mas reprime a
desobediência. A aplicação deste método de controle, por meio de incentivos
econômicos, caracteriza o poder utilitário, que se baseia na troca, nos bens e
serviços.
O controle simbólico, por fim, constitui todos os métodos que não utilizam
ameaça física ou compensação material para dominar. É chamado pela doutrina de
poder normativo, e se vale do controle moral e ético, baseado em conceitos de fé,
crença e ideologia para dominar. Observa-se tal tipo de poder, principalmente, em
igrejas, partidos políticos, organizações sociais.
É possível observar na administração pública, em maior ou em menor grau,
todas as espécies de controle citadas por Etzioni. O controle material é, por óbvio, o
mais evidente, tanto no setor público quando nas entidades privadas, simplesmente
porque é característica de qualquer relação de emprego ou prestação de serviços. O
funcionário é pago para trabalhar e seguir as ordens do patrão ou de seu superior
hierárquico, caso não o faça, corre o risco de ser demitido ou exonerado.
O exemplo mais comum são as gratificações desempenho, presentes em
várias instituições públicas, onde os funcionários que conseguem superar as metas
estabelecidas recebem gratificações extras e outros benefícios materiais.
O controle físico, embora em menor grau, também está presente no setor
público, sem afrontar o regime constitucional. Trata-se, por exemplo, da prisão militar
disciplinar, necessária para a manutenção da ordem e subordinação em um
ambiente em que a hierarquia é de extrema importância. É uma forma de controle
físico, utilizado no ordenamento jurídico atual e que não vai de encontro à
Constituição Federal.
O controle simbólico pode ser observado nos diversos códigos de ética e
conduta das instituições públicas atuais. Tais regulamentos, em sua maioria,
consignam mecanismos duais de dominação, com a aplicação dos controles moral e
material simultaneamente. É o caso, por exemplo, da regra que se justifica com base
nos preceitos morais e éticos da instituição, e que, caso não seja cumprida, pode
gerar multas ou outras punições financeiras ao funcionário.
A essência da cultura burocrática, embora não seja mais completamente
aplicada atualmente, é de grande importância para a maioria das organizações do
48
mundo, sejam estatais ou privadas. Pode-se afirmar que, enquanto durou a
administração patrimonial, era premente a criação de um modelo administrativo
capaz de proporcionar o controle rígido e racional sobre os dominados.
Sem as burocracias seria pouco provável que ocorresse a revolução
industrial, evento que culminou em outros diversos avanços e que proporcionou à
humanidade o veloz desenvolvimento tecnológico que hoje se testemunha.
Ao se estudar a história da administração pública no Brasil e sua evolução,
nota-se que desde o Brasil Império até os dias atuais a burocracia desempenha um
papel fundamental para impulsionar o desenvolvimento da nação.
49
3
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL
A administração pública gerencial é o modelo adotado atualmente no Brasil e
foi criado com o intuito de solucionar os problemas surgidos com o modelo
burocrático. Para atingir este objetivo, adotaram-se na administração pública cultura
e técnicas gerenciais provenientes da iniciativa privada. Consta do PDRAE o
contexto histórico em que se encontrava o mundo quando ganham força as reformas
gerenciais:
Emerge na segunda metade do século XX, como resposta, de um lado, à
expansão das funções econômicas e sociais do Estado, e, de outro, ao
desenvolvimento tecnológico e à globalização da economia mundial, uma
vez que ambos deixaram à mostra os problemas associados à adoção do
modelo anterior. A eficiência da administração pública - a necessidade de
reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços, tendo o cidadão como
beneficiário - torna-se então essencial. A reforma do aparelho do Estado
passa a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência e
qualidade na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de
74
uma cultura gerencial nas organizações.
Sabe-se que a reforma burocrática surgiu com o fito de eliminar toda a cultura
administrativa patrimonial, em um claro rompimento com o modelo anterior. A
reforma gerencial, todavia, ocorreu de forma distinta. Surgiram, de fato, mudanças
profundas na gestão dos serviços e bens públicos, mas de forma mais contida do
que como ocorreu na reforma burocrática, visto que alguns dos princípios
fundamentais da administração gerencial são também princípios burocráticos.
As ideias gerenciais objetivam implantar um sistema de administração mais
flexível, eficiente, descentralizado e participativo, inspirado na administração do
setor privado. As reformas da nova administração trazem o cidadão para o foco do
serviço público, que passa a ser visto não apenas como dono da coisa pública, mas
torna-se cliente. É necessário, portanto, oferecer serviços de qualidade, conforme
exige o cidadão-cliente.
A administração gerencial é um aperfeiçoamento da burocracia, pois adota
algumas de suas características principais, a exemplo da meritocracia, da
74
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, 1995, p. 16. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf>. Acesso em: 18
set. 2012.
50
obrigatoriedade de se prestar concurso público para tornar-se funcionário público e
da competência técnica dos servidores.
Na administração pública gerencial, o cidadão deixa de ser visto apenas como
contribuinte de impostos para tornar-se cliente dos serviços oferecidos pelo Estado.
Neste sistema, considera-se bom o serviço que supre as necessidades do cidadão,
e não o serviço cujos processos administrativos são rigidamente controlados. A este
aspecto dá-se o nome de efetividade dos serviços públicos, na medida em que o
trabalho do Estado se reflete em melhorias na qualidade de vida dos indivíduos.
3.1 DISTINÇÕES ENTRE A ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA E A GERENCIAL
Apesar das grandes distinções entre os modelos administrativos burocrático e
gerencial, não se pode dizer que a administração gerencial contraria completamente
as práticas burocráticas. É mais adequado encarar o modelo gerencial como a
evolução da burocracia, visto que conserva algumas de suas qualidades, como os
processos impessoais de admissão e ascensão no serviço público, as avaliações de
desempenho dos servidores e a ênfase no conhecimento técnico.
A administração pública gerencial constitui um avanço e até um certo ponto
um rompimento com a administração pública burocrática. Isto não significa,
entretanto, que negue todos os seus princípios. Pelo contrário, a
administração pública gerencial está apoiada na anterior, da qual conserva,
embora flexibilizando, alguns dos seus princípios fundamentais, como a
admissão segundo rígidos critérios de mérito, a existência de um sistema
estruturado e universal de remuneração, as carreiras, a avaliação constante
75
de desempenho, o treinamento sistemático.
É bem grande a diferença entre administração a pública gerencial e a
burocrática, pois elas possuem perspectivas distintas em relação aos cidadãos, aos
funcionários e ao Estado. José Matias-Pereira76 facilita o entendimento ao elencar as
principais distinções entre os dois modelos:
1)
Orientação do serviço público: a burocracia é autorreferente e se
concentra nos processos, em suas próprias necessidades e perspectivas,
75
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, 1995, p. 16. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf>. Acesso em 18
set. 2012.
76
Vide MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública: Foco nas Instituições e Ações
Governamentais. São Paulo: Atlas, 2009. p. 55.
51
sem considerar a alta ineficiência envolvida. A administração gerencial, ao
contrário, é orientada para o cidadão, ao consumidor de seus serviços. Este
modelo se concentra na demanda do cidadão-cliente. Procura-se, enfim,
atender ao cidadão, e não ao processo burocrático.
2)
Racionalidade:
segundo
a
cultura
burocrática,
haveria
uma
racionalidade absoluta, que a burocracia estaria encarregada de garantir. Já a
administração pública gerencial pensa na sociedade como um campo de
conflito, cooperação e incerteza, na qual os cidadãos defendem seus
interesses e afirmam suas posições ideológicas.
3)
Controle: é a diferença fundamental entre os dois modelos. Para a
burocracia, o método mais eficaz de se evitarem abusos, tais como o
nepotismo e a corrupção, é o controle rígido dos processos e procedimentos.
O gerencialismo, por sua vez, também preocupa-se com o combate da
corrupção e do nepotismo, mas utiliza-se de métodos diferentes, como
indicadores de desempenho e gestão por resultados. O controle, na
administração gerencial, deixa de ser prévio e torna-se posterior.
4)
Confiança concedida ao agente público: a burocracia parte do
pressuposto de que todos os agentes públicos são corrompíveis e, por isso,
devem trabalhar com permanente supervisão hierárquica, a fim de se obter
um controle rígido de seu trabalho. Na administração gerencial existe certa
confiança no servidor, apesar de limitada. Assim, o administrador possui
uma margem de discricionariedade maior para executar seu trabalho, que
também sofrerá controle. Tal controle, porém, será posterior, efetuado por
meio de indicativos de cumprimento das metas fixadas e dos resultados
obtidos.
5)
Centralização e autoritarismo: a administração pública burocrática é
centralizada e autoritária, ao passo que a gerencial tende a ser mais
descentralizada,
prega
a
delegação
de
poderes,
atribuições
e
responsabilidades aos servidores de hierarquia inferior.
6)
Formalidades: a administração burocrática possui a formalidade como
um de seus ideais, o que a torna rígida em demasia. A administração
gerencial é pautada na confiança e na multiplicidade de agentes com poder
de decisão. Por isso, são necessários modelos de gestão mais flexíveis,
52
estruturas horizontais,
descentralização
de funções e
incentivos à
criatividade e inovação.
Conforme afirmado, a forma de controle é a principal diferença entre os dois
modelos de administração pública estudados. Enquanto a burocracia controla os
métodos de trabalho, a administração gerencial preocupa-se com os resultados
obtidos pelos gestores, e deixa a cargo deles a decisão sobre a forma mais
adequada a se atingirem os objetivos.
A estratégia da administração pública gerencial é: definir de forma precisa os
objetivos a serem atingidos pelo administrador e sua unidade; garantir a autonomia
do administrador na gestão de recursos humanos e financeiros que forem de sua
responsabilidade, para atingir os objetivos fixados; controlar a gestão de forma
posterior; por meio de aferição de resultados; deslocar a o foco do serviço público
para os fins, não para os meios.77
Pode-se afirmar que a administração gerencial possui diversas características
da administração de empresas do setor privado, mas com estas não se confunde. A
principal razão que diferencia os dois modelos de gestão é o interesse público que
permeia a atuação do Estado, mas inexiste no setor privado. Além disso, o PDRAE
consolida outras diferenças:
Enquanto a receita das empresas depende dos pagamentos que os clientes
fazem livremente na compra de seus produtos e serviços, a receita do
Estado deriva de impostos, ou seja, de contribuições obrigatórias, sem
contrapartida direta. Enquanto o mercado controla a administração das
empresas, a sociedade - por meio de políticos eleitos - controla a
administração pública. Enquanto a administração de empresas está voltada
para o lucro privado, para a maximização dos interesses dos acionistas,
esperando-se que, através do mercado, o interesse coletivo seja atendido, a
administração pública gerencial está explícita e diretamente voltada para o
78
interesse público.
É importante notar, ademais, que o conceito de ―interesse público‖ para a
administração gerencial difere ligeiramente do ―interesse público‖ burocrático. Com
efeito, o interesse público na burocracia é frequentemente confundido com o próprio
interesse do Estado. Trabalhar com esta perspectiva determina que os serviços
77
Conforme PALUDO, Augustinho. Administração Pública. Elsevier: Rio de Janeiro, 2010. p. 69.
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, 1995, p. 16. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf>. Acesso em: 18
set. 2012.
78
53
públicos voltem grande parte das atividades e dos recursos para atender as
necessidades da burocracia, em detrimento das necessidades dos cidadãos. O
conteúdo das políticas públicas, na burocracia, torna-se objetivo secundário. ―A
administração pública gerencial nega essa visão do interesse público, relacionandoo com o interesse da coletividade e não com o do aparato do Estado‖79. O
gerencialismo, ao contrário, eleva o interesse público a um novo patamar, tornando
o bem-estar dos cidadãos o principal objetivo a ser atingido.
3.2 EFICIÊNCIA, EFICÁCIA E EFETIVIDADE
Como visto, a administração pública gerencial pauta-se pelo ideal de
eficiência, com vistas a oferecer serviços públicos essenciais aos cidadãos. Neste
tipo de gestão, existe uma maior preocupação em atender, com qualidade, o maior
número possível de pessoas. Como os recursos disponíveis ao Estado são finitos e
esparsos, existe também a necessidade de se produzir o máximo, utilizado no
mínimo de recursos.
Neste contexto, é importante diferenciar os conceitos de eficiência, eficácia e
efetividade. Apesar de possuírem significados distintos, todos estão interligados, e
juntos formam as bases necessárias para suportar a administração gerencial. É
fundamental salientar que nenhum dos conceitos apresentados são sinônimos.
Assim, é possível que uma atividade estatal seja executada com eficiência, mas com
falta de eficácia, e vice-versa.
3.2.1 Eficiência
Pode-se conceituar eficiência como a capacidade de se produzir mais com
menos. Trata-se não apenas de economizar recursos, mas de utilizá-los da melhor
forma possível.
79
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, 1995, p. 16. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf>. Acesso em: 18
set. 2012.
54
Chiavenato80 afirma que ―eficácia é uma medida normativa do alcance dos
resultados, enquanto eficiência é uma medida normativa da utilização dos recursos
nesse processo‖.
A eficiência é uma relação entre custos e benefícios. Assim, a eficiência
está voltada para a melhor maneira pela qual as coisas devem ser feitas ou
executadas (métodos), a fim de que os recursos sejam aplicados da forma
81
mais racional possível [...].
A eficiência, portanto, trata de uma preocupação quanto aos meios, ao
processo de execução. Segundo Matias-Pereira82, trata-se de uma relação entre os
custos e benefícios. É a relação entre os custos aplicados e o produto final recebido,
após o processo de produção. O autor afirma que eficiência é a razão entre o
esforço e o resultado, entre a despesa e a receita, entre o custo e o benefício
resultante. ―A eficiência se preocupa em fazer corretamente as ações e/ou
atividades a que se propõe, e da melhor forma possível. Daí a ênfase nos métodos e
procedimentos internos‖83. É similar o entendimento de Torres84, que enfatiza o
aspecto interno do princípio da eficiência:
Eficiência: aqui, mais importante que o simples alcance dos objetivos
estabelecidos é deixar explícito como esses foram conseguidos. Existe
claramente a preocupação com os mecanismos utilizados para obtenção do
êxito da ação estatal, ou seja, é preciso buscar os meios mais econômicos e
viáveis, utilizando a racionalidade econômica que busca maximizar os
resultados e minimizar os custos, ou seja, fazer o melhor com menores
custos, gastando com inteligência os recursos pagos pelo contribuinte.
O princípio da eficiência, previsto na Constituição Federal, foi introduzido ao
rol de princípios que regem a administração pública por meio da Emenda
Constitucional nº 19/98. A emenda representou uma das primeiras tentativas para
reverter o retrocesso burocrático advindo da promulgação da nova Constituição, e
trouxe o seguinte texto:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
80
CHIAVENATO, Idalberto. Recursos humanos na Empresa: pessoas, organizações e sistemas.
3.ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 70.
81
Ibidem. p. 70.
82
Vide MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública: Foco nas Instituições e Ações
Governamentais. São Paulo: Atlas, 2009. p. 62.
83
Ibidem.
84
TORRES, Marcelo Douglas de Figueiredo. Estado, democracia e administração pública no
Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p. 175.
55
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência [...].
Outra modificação importante trazida pela Emenda Constitucional nº 19/98 foi
o acréscimo do § 8º ao art. 37:
§ 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e
entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante
contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que
tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou
entidade [...].
O referido parágrafo trata do contrato de gestão, citado no PDRAE como um
dos objetivos para modernizar as atividades exclusivas do Estado. Por meio dele, o
núcleo estratégico do estado concede mais autonomia a autarquias e fundações
públicas. Em troca, a instituição que celebrar o contrato deve atingir os objetivos
qualitativos e quantitativos previamente acordados no contrato.
A partir deste momento, muda-se o paradigma da administração pública no
Brasil, pois há autorização legal, por meio da previsão constitucional, para se
proceder novamente às reformas gerenciais, dirigindo o foco do serviço público para
a eficiência dos serviços. A eficiência é o pilar mais importante que sustenta a
administração pública gerencial.
Neste ponto, vale citar a eminente doutrinadora Di Pietro85, que explica com
clareza o significado do princípio constitucional da eficiência:
O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser
considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se
espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os
melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar,
disciplinar a administração pública, também com o mesmo objetivo de
alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.
Em que pese a importância do princípio para a nova administração pública, é
essencial ressaltar que não existem, na Constituição de 1988, princípios absolutos,
tampouco hierarquia entre eles. Significa dizer que, em caso de conflitos entre
normas constitucionais, procede-se a uma interpretação mais restritiva dos
dispositivos,
ponderando-se
as
consequências
de
se
limitar
as
normas
constitucionais conflituosas.
85
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 98.
56
Este assunto é alvo de discussão por Jesus Leguina Villa86, ao tratar da
aparente colisão entre os princípios da eficiência e legalidade. Segundo o autor, o
princípio da eficiência não deve ser subestimado, pois importa em serviços de mais
qualidade prestados aos cidadãos. A eficiência que se exige na Constituição,
todavia, não é a mesma das instituições privadas, tampouco pode se sobrepor aos
demais princípios constitucionais, em especial a legalidade.
Villa87 afirma que a eficiência do serviço público deve ser sempre suscetível
de ser alcançada em obediência ao ordenamento jurídico, nunca o contrariando.
Significa dizer que, caso a legislação constitua um obstáculo para a efetivação do
princípio da eficiência, deve-se reformá-la. A eficiência não pode justificar, de forma
alguma, uma atuação oposta ao direito.
Vale dizer que a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios
impostos à administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles,
especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança
88
jurídica e ao próprio estado de direito.
O princípio da eficiência não se confunde com o princípio da economicidade.
Este objetiva poupar os recursos do erário e evitar prejuízos e gastos necessários. A
eficiência, ao contrário, não visa diminuir dispêndios, apenas busca aproveitar
melhor os recursos que se encontram à disposição do Estado. Em síntese, pode-se
afirmar que o princípio da eficiência orienta a administração pública a executar todas
as tarefas de modo a atingir o melhor desempenho possível.
Tal princípio é citado inúmeras vezes no PDRAE de 1995, e apresenta-se
como um dos principais objetivos da reforma.
Reformar o aparelho do Estado significa garantir a esse aparelho maior
governança, ou seja, maior capacidade de governar, maior condição de
implementar as leis e políticas públicas. Significa tornar muito mais
eficientes as atividades exclusivas de Estado, através da transformação das
autarquias em ―agências autônomas‖, e tornar também muito mais
eficientes os serviços sociais competitivos ao transformá-los em
organizações públicas não-estatais de um tipo especial: as ―organizações
sociais‖.
Com este intuito de promover a eficiência no setor público, o PDRAE sugere a
criação das chamadas Organizações Sociais, entidades de direito privado
86
Vide VILLA, Jesus Leguina. A Constituição Espanhola e a Fuga do Direito Administrativo. Revista
de Direito Administrativo Aplicado. n. 6. set. 1995. apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
Administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 98.
87
Ibidem. p. 98.
88
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit. p. 99.
57
prestadoras de serviços públicos não exclusivos do Estado e que não possuam fins
lucrativos. Trata-se do programa de publicização, em que o Estado passa a atuar
como fomentador das atividades, por meio de dotação orçamentária.
Este tipo de parceria é bem sucedida por que os serviços passam a ser
administrados por uma entidade independente, com mais autonomia. Não se abre
mão do controle do Estado sobre os recursos públicos administrados pelo setor
privado, apenas se modifica a forma de controle, por meio da avaliação do
desempenho da Organização Social. Este assunto e outras técnicas modernas de
administração, advindas do gerencialismo serão alvo de estudo mais pormenorizado
no item 4.3.
3.2.2 Eficácia
A eficácia traduz a preocupação em se executar corretamente os serviços e
atividades da instituição, necessários para atingir seus objetivos e metas. A eficácia,
portanto, preocupa-se com os fins.
À medida que o administrador se preocupa em fazer corretamente as
coisas, ele está se voltando para a eficiência (melhor utilização dos recursos
disponíveis). Porém, quando ele utiliza estes instrumentos fornecidos por
aqueles que executam para avaliar o alcance dos resultados, isto é, para
verificar se as coisas bem feitas são as que realmente deveriam ser feitas,
então ele está se voltando para a eficácia (alcance dos objetivos através
89
dos recursos disponíveis)
Pode-se imaginar, como exemplo de distinção entre os conceitos, uma
empresa que produza em grandes quantidades, no menor tempo possível, e com
baixo custo de produção. Se a citada empresa faz mercadorias que não possuem
demanda no mercado, falta-lhe eficácia, muito embora sua produção seja eficiente.
A capacidade de uma organização atingir seus objetivos representa sua
eficácia. Trata-se, portanto, de avaliar o resultado final alcançado, sem preocupar-se
com os meio utilizados para chegar àquele fim.
Eficácia: basicamente, a preocupação maior que o conceito revela se
relaciona simplesmente com o atingimento dos objetivos desejados por
89
CHIAVENATO, Idalberto. Recursos humanos na Empresa: pessoas, organizações e sistemas.
3.ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 70.
58
determinada ação estatal, pouco se importando com os meios e
90
mecanismos utilizados para atingir tais objetivos.
Segundo Matias-Pereira, eficácia é:
A capacidade de satisfazer uma necessidade da sociedade por meio do
suprimento de seus produtos (bens ou serviços) [...] A eficácia se preocupa
em fazer de forma correta as ações e/ou atividades a que se propõe para
91
atender às necessidades da empresa e do ambiente que a envolve.
Este conceito está ligado ao próprio objetivo das organizações, e representa
uma relação entre os resultados almejados e os efetivamente atingidos. Trata-se de
uma instituição eficaz aquela que consegue alcançar totalmente seus resultados,
com capacidade de se concluir aquilo que se almejou.
O fenômeno de globalização que afeta o mundo e integra o comércio de
diversas nações é uma forma de incentivo para que as empresas aprimorem o
modelo de administração, com vistas a obter mais eficácia e eficiência. As novas
tecnologias de transporte e comunicação possibilitam que empresas de todos os
lugares do mundo obtenham novos mercados. As empresas que não inovarem, a fim
de conseguirem maior inserção no mercado, estão fadadas ao insucesso.
Neste contexto, a eficácia de uma empresa mede sua capacidade de resistir à
concorrência das novas empresas que invadem seu mercado, ou sua capacidade de
se introduzir de forma bem sucedida em novos mercados, mantendo assim sua
perene atividade e alcançando seu objetivo principal, o lucro.
Na prestação de serviço público, de forma distinta ao setor privado, não há
concorrência. De forma geral, o Estado presta serviços sem o intuito de se obter
lucro, em regime de exclusividade ou fomentando instituições de direito privado. A
eficácia do serviço público, portanto, não consiste em dominar o mercado, resistir a
concorrência ou obter lucro.
A eficácia no serviço público é pautada pelo interesse público e consiste em
satisfazer, o quanto possível, a demanda dos cidadãos. É eficaz o serviço público
que atende com presteza e qualidade e executa suas atividades em conformidade
com os desejos da sociedade.
90
TORRES, Marcelo Douglas de Figueiredo. Estado, democracia e administração pública no Brasil.
Rio de Janeiro: FGV, 2004. p. 175.
91
MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública: Foco nas Instituições e Ações
Governamentais. São Paulo: Atlas, 2009. p. 62.
59
A falta de eficácia, em contraposição, corresponde à incapacidade do serviço
público de atender as expectativas dos seus usuários, seja em razão de prestar um
serviço de forma incorreta ou sem qualidade. Até a prestação de um serviço com
qualidade pode ser considerado ineficaz, caso seu objeto não corresponda aos
anseios da sociedade.
Atender bem o cidadão, que passa ser encarado, na administração gerencial,
como cliente do serviço público, é o foco principal da gestão eficaz. Assim, quanto
mais clientes são atendidos, mais metas são atingidas e, consequentemente, o
Estado cumpre seu papel de prestar serviços de qualidade aos verdadeiros donos
da coisa pública.
Eficácia, enfim, diz respeito a objetivos, resultados. É a competência para se
realizar o que se espera da instituição, independentemente dos métodos utilizados e
de quão dispendioso foi o processo.
3.2.3 Efetividade
Efetividade é um conceito mais moderno, incorporado à literatura da
administração pública para descrever algo mais complexo que a eficiência e a
eficácia, mas que possui ambas as características.
A nova administração pública utiliza o termo efetividade para aferir o quanto
as ações estatais trazem, de fato, benefícios aos cidadãos. Assim, efetividade
possui maior amplitude do que eficácia, visto que enquanto a eficácia apenas busca
atingir os objetivos, a efetividade procura alinhar os objetivos das políticas públicas
às necessidades reais dos cidadãos. A efetividade objetiva descobrir se os serviços
públicos trazem melhorias na qualidade de vida dos cidadãos. Torres 92 descreve a
complexidade do conceito:
Efetividade: é o mais complexo dos três conceitos, em que a preocupação
central é averiguar a real necessidade e oportunidade de determinadas
ações estatais, deixando claro que setores são beneficiados e em
detrimento de que outros atores sociais. Essa averiguação da necessidade
e oportunidade deve ser a mais democrática, transparente e responsável
possível, buscando sintonizar e sensibilizar a população para a
implementação das políticas públicas. Este conceito não se relaciona
estritamente com a ideia de eficiência, que tem uma conotação econômica
92
TORRES, Marcelo Douglas de Figueiredo. Estado, democracia e administração pública no
Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p. 175.
60
muito forte, haja vista que nada mais impróprio para a administração pública
do que fazer com eficiência o que simplesmente não precisa ser feito.
Diferente da eficiência, que se preocupa com a relação entre custo e
benefício, a efetividade concentra-se em avaliar a melhoria na qualidade de vida da
população, que é alvo primário da atividade pública. Avalia-se, então, a qualidade
dos serviços.
Serviço público efetivo é aquele capaz de produzir resultados que resolvem
os problemas de uma sociedade. Para esclarecer sua compreensão, pode-se
imaginar um serviço público de saúde que atende a população de baixa renda.
Supondo-se que o serviço possua profissionais competentes e em número suficiente
para atender todos os que necessitem de tratamento médico, pode-se afirmar que
tal entidade possui eficácia máxima. Se, no entanto, medicamentos de fornecimento
obrigatório pelo governo estiverem em falta, com consequente prejuízo no
tratamento dos doentes, o serviço certamente não será capaz de atingir a
efetividade exigida pelos cidadãos.
Efetividade é provavelmente o conceito mais difícil de atingir ou aferir, pois
trata de avaliações subjetivas a respeito da qualidade dos serviços. A opinião dos
consumidores e o nível de inserção de uma política na sociedade, por exemplo, são
dados muito relevantes e só obtidos mediante pesquisas de opinião e outras formas
de diálogo entre a sociedade e o poder público.
Tais pesquisas são capazes de discriminar o quanto as ações públicas são
capazes de causar impactos na vida das pessoas, transformando positivamente
realidades.
3.3 TÉCNICAS MODERNAS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL
Há diversas técnicas de administração pública nascidas na cultura gerencial
que contribuem para o aperfeiçoamento dos serviços prestados aos cidadãos. Como
já comentado, o objetivo primário destas técnicas é livrar o serviço público dos
obstáculos burocráticos, concedendo maior independência às instituições, em troca
de uma cobrança mais intensa por resultados eficazes.
As ouvidorias públicas e organizações sociais são dois institutos de grande
importância na nova administração pública. As organizações sociais contribuem para
tornar mais eficazes e eficientes os serviços públicos prestados aos cidadãos, na
61
medida em que são executadas em regime de direito privado, portanto livres dos
problemas crônicos de morosidade que assolam o serviço público.
Passa-se a uma breve análise dos institutos citados
3.3.1 Organizações Sociais
O processo de publicização, previsto no PDRAE, idealizou a criação das
chamadas Organizações Sociais, no intuito de promover a reforma gerencial na
administração pública indireta. Trata-se de um processo de transferência da
titularidade de diversos serviços públicos para o setor privado.
As entidades qualificadas como organizações sociais possuem respaldo, em
âmbito federal, na Lei nº 9.637/98. Estas organizações constituem pessoas jurídicas
de direito privado, não possuem fins lucrativos e são criadas sem a intervenção
estatal, por iniciativa particular. Sua atividade fim são serviços sociais não exclusivos
do poder público, executados com fomento do Estado, por meio de contrato de
gestão.
As organizações sociais foram citadas no PDRAE como um dos objetivos da
reforma para os serviços não exclusivos:
Transferir para o setor publico não-estatal estes serviços, através de um
programa de ―publicização‖, transformando as atuais fundações públicas em
organizações sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins
lucrativos, que tenham autorização específica do poder legislativo para
celebrar contrato de gestão com o poder executivo e assim ter direito a
dotação orçamentária.
Aprovada a criação deste novo instituto jurídico, as Organizações Sociais
passaram a ser regidas pela Lei nº 9.637/98. Di Pietro93 elenca algumas das
características do regime jurídico da Organização Social, estabelecidas pela referida
lei:
a)
é definida como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos;
b)
criada por particulares, deve habilitar-se perante a Administração
Pública, para obter a qualificação de organização social; ela é declarada,
pelo artigo 11 da Lei nº 9.637/98, como ―entidade de interesse social e
utilidade pública‖;
c)
ela pode atuar nas áreas de ensino, pesquisa científica,
desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente,
cultura e saúde;
93
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 486.
62
d)
seu órgão de deliberação superior tem que ter representantes do
Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade
profissional e idoneidade moral;
e)
as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da
organização social são definidas por meio de contrato de gestão, que deve
especificar o programa de trabalho proposto pela organização social,
estipular as metas a serem atingidas, os respectivos prazos de execução,
bem como os critérios objetivos de avaliação de desempenho, inclusive
mediante indicadores de qualidade e produtividade;
f)
A execução do contrato de gestão será supervisionada pelo órgão ou
entidade supervisora da área de atuação correspondente à atividade
fomentada; o controle que sobre ela se exerce é de resultado;
g)
O fomento pelo Poder Público poderá abranger as seguintes
medidas: destinação de recursos orçamentários e bens necessários ao
cumprimento do contrato de gestão, mediante permissão de uso, com
dispensa de licitação; cessão especial de servidores públicos, com ônus
para a origem; dispensa de licitação nos contratos de prestação de serviços
celebrados entre a Administração Pública e a organização social;
h)
A entidade poderá ser desclassificada como organização social
quando descumprir as normas do contrato de gestão.
Como consequência da criação de diversas organizações sociais que atuam
nos mais variados setores, a tendência é a extinção de alguns órgãos e entidades
públicas. Os bens móveis e imóveis destas entidades extintas passam a ser
utilizados pela organização social, que conta inclusive com o apoio de servidores
públicos do órgão extinto. Desta forma, alguns serviços da área social deixam de ser
prestados pelo Estado, que se limita a fomentar o setor provado. Este processo foi
chamado de ―publicização‖ pelo PDRAE.
Esta ideia baseia-se na concepção de que o Estado não pode ser o único
fornecedor de bens serviços e serviços à sociedade, especialmente se tratando de
funções que são públicas, mas não exclusivas do Estado. Cite-se o exemplo das
Santas Casas de Misericórdia, organizações outrora mais comuns que destinam-se
a prestar assistência médica a comunidades carentes.
A transferência de serviços não exclusivos do Estado para a esfera privada,
por meio das organizações sociais, é um dos grandes méritos da administração
gerencial. De fato, é evidente que a administração privada é muito mais versátil e
eficiente do que a pública, em razão possuir um processo decisório célere e
autônomo. Assim, configura-se um dos principais institutos jurídicos que aumentam
a eficiência na administração pública.
63
O PDRAE ainda descreve os objetivos que se pretende atingir por meio do
processo de ―publicização‖94:
a)
Lograr, assim, uma maior autonomia e uma conseqüente maior
responsabilidade para os dirigentes desses serviços.
b)
Lograr adicionalmente um controle social direto desses serviços por
parte da sociedade através dos seus conselhos de administração. Mais
amplamente, fortalecer práticas de adoção de mecanismos que privilegiem
a participação da sociedade tanto na formulação quanto na avaliação do
desempenho da organização social, viabilizando o controle social.
c)
Lograr, finalmente, uma maior parceria entre o Estado, que continuará
a financiar a instituição, a própria organização social, e a sociedade a que
serve e que deverá também participar minoritariamente de seu
financiamento via compra de serviços e doações.
d)
Aumentar, assim, a eficiência e a qualidade dos serviços, atendendo
melhor o cidadão-cliente a um custo menor.
Este entendimento, porém, não é unânime na doutrina. Di Pietro, por
exemplo, encara as organizações sociais como um fator de imoralidade e risco ao
patrimônio público e aos direitos dos cidadãos. Segundo a autora, a intenção do
legislador, ao criar tal instituto, foi de ―instituir um mecanismo de fuga ao regime
jurídico de direito público a que se submente a administração pública‖95.
O fato de a organização social absorver atividade exercida por ente estatal
e utilizar o patrimônio público e os servidores públicos antes a serviço desse
mesmo ente, que resulta extinto, não deixa dúvidas de que, sob a roupagem
de entidade privada, o real objetivo é o de mascarar uma situação que, sob
todos os aspectos, estaria sujeita ao direito público. É a mesma atividade
que vai ser exercida pelos mesmos servidores públicos e com utilização do
mesmo patrimônio. Por outras palavras, a idéia é de que os próprios
servidores da entidade a ser extinta constituam uma pessoa jurídica de
direito privado, sem fins lucrativos, e se habilitem como organizações
sociais, para exercer a mesma atividade que antes exerciam e utilizem o
mesmo patrimônio, porém sem a submissão àquilo que se costuma chamar
de ―amarras‖ da Administração Pública.
Em que pese a opinião da ilustre doutrinadora, é inegável o avanço que as
organizações sociais proporcionaram na qualidade dos serviços públicos. A gestão
destas entidades é mais flexível especialmente por não se submeterem às regras de
licitação, contratação e demissão que regem o setor público.
Isso significa que estas organizações são livres para, segundo juízos próprios
de conveniência, definir quem será contratado para compor o quadro de
funcionários, não se sujeitando à obrigatoriedade de realizar concursos públicos.
94
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, 1995, p. 19. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf>. Acesso em: 18
set. 2012.
95
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 488.
64
3.3.2 As Ouvidorias Públicas
O instituto das Ouvidorias Públicas surge em um momento em que se
repensa a efetividade da democracia. As sociedades modernas, em razão de sua
pluralidade, percebem que o sistema democrático representativo não dá voz a uma
larga parcela de cidadãos.
A participação da sociedade nas questões públicas torna-se requisito
essencial de legitimidade da atividade estatal. As Ouvidorias Públicas apresentamse neste contexto como a ferramenta ideal para a participação de toda a sociedade
no processo de tomada de decisão.
A democracia representativa, assolada pela crise de legitimidade, deve ser
repensada buscando uma aproximação com o novo paradigma de
democracia procedimental no qual a participação do cidadão se traduz
como algo fundamental para a garantia dos Direitos Fundamentais. Para
assegurar a participação, faz- se necessária a criação de instrumentos que
possibilitem a cada membro da sociedade ser coautor e parceiro na
96
construção do direito.
Procura-se um modelo diferente de democracia, em razão da falta de
legitimidade do sistema atual, não mais capaz de garantir a dignidade e a igualdade
entre os cidadãos. Busca-se, acima de tudo, um modelo democrático sustentado
pelo diálogo entre os diversos setores da sociedade e o poder público. As decisões
devem ser construídas de forma racional, por meio da ponderação a respeito de
interesses opostos, a fim de se atingir o acordo. O consenso que se obtém desta
forma é o que constrói uma democracia legítima de fato.
Constrói-se a democracia por meio da participação de toda a sociedade,
obtendo-se o diálogo entre o setor público e o privado. Assim, resta legitimado o ato
da administração pública que tenha sido praticado com a participação de todos os
interessados no processo de tomada de decisão.
Para que esta participação social se efetive, porém, é necessário que se
criem novos instrumentos que permitam a integração social. A democracia
construída desta forma permite colocar o cidadão na posição de destinatário final do
serviço público, deixando de ser apenas o meio.
96
NASSIF, Gustavo Costa. As Ouvidorias Públicas no contexto de um novo modelo de governança.
Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. out-dez 2009. v.73 n.4. p. 47.
65
Gustavo Costa Nassif97 explica a origem da validade da democracia baseada
no diálogo entre sociedade e o poder público
A democracia que se concretiza perenemente acontece porque sua validez
está na possibilidade de acordos extraídos do debate prático dos diversos
membros sociais, pois a deliberação pública é capaz de provocar o efeito da
legitimação. Esse é um conceito processual do sistema democrático em que
a discussão argumentada deve prevalecer sobre as decisões individuais e
voluntárias do poder.
O diálogo com a sociedade é princípio democrático, e ocorre por meio de
―participação popular, domesticação dos meios de comunicação, unidos a
procedimentos plebiscitários, como referendum e iniciativa popular, e com as
Ouvidorias Públicas, que possibilitam o exercício da democracia participativa‖98. O
discurso entre os detentores do poder e a sociedade é tão importante para a
legitimação da democracia quanto é o voto universal.
Nassif afirma que estes instrumentos de comunicação, onde se manifestam
as várias vozes da sociedade, produzem um efeito de autorização sobre o
legislador. No caso das ouvidorias públicas, de forma distinta, tal autorização é
concedida ao administrador público.
Explica o autor que a partir do momento em que o gestor público é obrigado a
ouvir a opinião da sociedade antes de agir, cria-se um ―antídoto‖ contra a
discricionariedade e o despotismo, comportamentos que representam um obstáculo
para a legitimidade da democracia. A discricionariedade concedida pela lei ao gestor
público não pode justificar arbitrariedades.
Caso permaneça introspectiva, a administração não será capaz de obter a
legitimidade necessária para representar a vontade geral. Deve-se, portanto, abrir
canais de comunicação com a sociedade, para que o Estado seja capaz de
averiguar quais são os interesses coletivos.
A administração pública instrumentalizada com canais de comunicação
permanentes cria a possibilidade, ao receber da sociedade suas diversas
tendências ou preferências, de angariar juízo confiável para lastrear suas
decisões.
[...]
A consensualidade na administração é a diferença entre o modelo de
democracia burguesa consubstanciada exclusivamente no exercício da
97
NASSIF, Gustavo Costa. As Ouvidorias Públicas no contexto de um novo modelo de governança.
Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. out-dez 2009. v.73 n.4. p. 49.
98
Ibidem. p. 47.
66
escolha dos governantes e o modelo de democracia participativa voltada à
99
escolha de como se quer ser governado [...].
As Ouvidorias Públicas representam um instituto eficaz para que se supere a
crise de legitimidade que hoje ocorre na democracia representativa, pois aperfeiçoa
a democracia e possibilita que as decisões sejam legitimadas, visto que a sociedade
civil participa do processo decisório.
Encontram-se as Ouvidorias Públicas em países democráticos ou com
tendências democráticas. Regimes ditatoriais, por suas características inerentes,
dispensam a opinião dos cidadãos e governam sem o respaldo do apoio popular. No
Brasil, especialmente, as Ouvidorias Públicas complementam os institutos de
proteção do cidadão e de controle da administração pública100.
A participação de todos nas decisões que objetivam o bem-estar da
sociedade produz mudanças profundas no controle da administração pública. O
cidadão, antes apenas destinatário do serviço público, passa a influenciar a tomada
de decisão dos agentes públicos. Torna-se, também, agente de fiscalização da
administração pública.
Ao efetuar este controle, por meio das Ouvidorias Públicas, o cidadão estreita
os canais de comunicação com os gestores públicos. Cria-se a possibilidade de se
resolverem questões administrativas sem a necessidade de se recorrer ao poder
judiciário.
Surge, com as Ouvidorias Públicas, o diálogo permanente entre a
administração e todos os interessados. A administração melhora seus serviços por
meio das informações adquiridas pelo diálogo, objetivando sempre satisfazer os
desejos dos usuários dos serviços públicos. O usuário, por sua vez, avalia a
qualidade dos serviços prestados, e torna-se uma valiosa fonte de informações a
respeito da efetividade das políticas públicas.
O controle da sociedade efetuado por meio das Ouvidorias Públicas também
modifica a forma de agir dos agentes públicos, que se tornam mais responsáveis por
suas atividades e resultados. Os cidadãos ocupam o lugar de fiscais, analisando o
desempenho, a qualidade e o resultado dos serviços, além de apontarem problemas
e exigirem soluções. Conforme explica Gustavo Costa Nassif:
99
NASSIF, Gustavo Costa. As Ouvidorias Públicas no contexto de um novo modelo de governança.
Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. out-dez 2009. v.73 n.4. p. 49.
100
Ibidem. p. 49.
67
A descentralização de procedimentos para tomada de decisões, ao
deslocarem-se
do
centro
para
a
periferia,
aproxima
os
interessados/afetados, permite um maior controle da sociedade sobre as
ações da administração pública e de seus servidores, afastando as velhas
101
práticas corporativas, ineficientes e burocratizantes.
No Brasil, as Ouvidorias Públicas são um instituto de direito administrativo
autônomo e independente, com natureza não contenciosa. Elas devem, no entanto,
prestar contas de suas atividades ao órgão a que se vinculam, conforme sejam parte
dos Poderes Judiciário, Executivo ou Legislativo 102. Tais instituições são voltadas,
em regra, à defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, e atuam com o intuito de
ampliar e facilitar o acesso da população ao poder público.
O papel das Ouvidorias Públicas, ao mediar os interesses da sociedade e
prover uma forma de fiscalização participativa, garante a observância de um direito
fundamental de toda a sociedade: a garantia da ordem democrática. Com efeito, não
é incomum que os agentes políticos eleitos pelo povo se afastem da vontade dos
eleitores. As ouvidorias funcionam, neste contexto, como um aparato estatal capaz
de alinhar as decisões administrativas à vontade do povo.
As Ouvidorias Públicas são, portanto, órgão controlador de caráter
democrático, possibilitando ao cidadão influir diretamente no centro de
tomada de decisões. A noção de democracia participativa é indissociável da
figura das Ouvidorias Públicas, em virtude do tratamento constitucional
dado aos direitos e garantias fundamentais dos interessados/afetados.
As decisões das Ouvidorias Públicas possuem um caráter informativo e
persuasivo para induzir a correção de falhas, omissões e ilegalidades
cometidas pela administração pública. É vedado intrometer-se em outras
formas de controle existentes ou mesmo imiscuir-se em questões de
103
natureza política.
Assim, percebe-se que a função das Ouvidorias Públicas limita-se ao campo
administrativo, não possuindo legitimidade para tratar de assuntos políticos.
Possuem, porém, poderes para criar processos, encaminhar queixas a outros
órgãos e receber reclamações e denúncias da população.
Os cidadãos, destinatários do serviço público, ao participarem do processo de
decisão, defendendo seus interesses no âmbito das ouvidorias públicas, conferem
legitimidade às decisões emanadas pelos órgãos administrativos. Incentivar as
101
NASSIF, Gustavo Costa. As Ouvidorias Públicas no contexto de um novo modelo de governança.
Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. out-dez 2009. v.73 n.4. p. 54.
102
Ibidem, p. 55.
103
Ibidem. p. 55.
68
pessoas a participarem dos processos de decisão é o mesmo que ampliar e
fortalecer o regime democrático.
As Ouvidorias Públicas constituem um instrumento hábil a modernizar toda a
administração pública por meio da conexão entre os cidadãos e o poder público, a
fim de garantir a efetividade dos direitos fundamentais e a legitimidade da
administração pública. Abre-se a possibilidade para que seja exercida a soberania
popular. Nassif observa, porém, que ainda há obstáculos a serem superados para
que efetive a presença das Ouvidorias Públicas nos vários setores da sociedade:
O desconhecimento social sobre as Ouvidorias e o desprezo da
administração pública por esse instituto ainda são grandes. Este descaso,
em especial, dos agentes políticos reduz as Ouvidorias Públicas a órgãos
secundários, cujas funções se limitam a receber as lamentações sociais
sem produzir qualquer resultado prático. Muito mais que para ouvir é para
104
se fazer calar.
Um ponto importante a ser abordado, necessário para que se consolide a
autonomia das Ouvidorias Públicas em sua função de receber denúncias e
reclamações dos cidadãos, é o controle externo. As Ouvidorias, embora sejam
obrigadas a prestar contas e se subordinem aos deveres que caracterizam as
instituições públicas, não podem ser controladas pelos mesmos órgãos aos quais se
dedicam.
[...] um ouvidor que é eleito ou escolhido pela própria instituição dificilmente
conseguirá se desvencilhar das demandas e lógicas particularistas que
regem o funcionamento da instituição em questão. Quando isso acontece, a
própria nomeação do ouvidor já pode ser considerada como uma ação que
corresponde a um uso privado da razão, o que compromete já na partida
qualquer possibilidade de romper com a lógica imediatista da instituição.
Assim, sem controle externo e autonomia plena, o ouvidor estará muito mais
sujeito a todo tipo de interferência e limitação na sua função, isto é, ele
reproduzirá a lógica particularista que conduz o funcionamento de cada
105
instituição pública.
É necessário, portanto, que a Ouvidoria Pública possua a autonomia
necessária para executar seu serviço público. Isso não significa, todavia, que estas
instituições devem ser imunes ao controle externo. Pelo contrário, a prestação de
contas e o controle são princípios indissociáveis do regime democrático. Faz-se
104
NASSIF, Gustavo Costa. As Ouvidorias Públicas no contexto de um novo modelo de governança.
Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. out-dez 2009. v.73 n.4. p. 57.
105
CARDOSO, Antônio Semeraro Rito; ALCANTARA, Elton Luiz da Costa; NETO, Fernando Cardoso
Lima. Ouvidoria Pública e Governança Democrática. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/participacao/images/OUVIDORIA%20P%C3%9ABLICA%20E%20GOVERNA
N%C3%87A%20DEMOCR%C3%81TICA_VF%20_%20Antonio%20Rito.pdf>. Acesso em: 26 out.
2012.
69
necessário, ao menos, que haja distinção entre a instituição alvo da Ouvidoria
Pública e a instituição que detém o controle externo sobre a Ouvidoria.
O controle externo, ademais, é realizado de forma simultânea ao controle
social, nas instituições que possuem ouvidorias. Isso por que o controle social não
pode prejudicar a avaliação técnica executada pelos órgãos de controle externo, ou
configurar-se-ia afronta à própria Constituição Federal, que prevê a existência das
cortes de contas para este propósito. O controle concomitante da sociedade e do
Estado na avaliação dos serviços e políticas públicas é fundamental para que se
fortaleça a integração entre o governo e os cidadãos, gerando melhorias na
qualidade de vida de todos.
70
CONCLUSÃO
O desenvolvimento da Administração Pública Brasileira passou por três
principais sistemas, o patrimonialismo, a burocracia e o gerencialismo. Embora
superados, o patrimonialismo e a burocracia ainda deixam resquícios de sua cultura
na administração pública moderna.
A administração burocrática, no intuito de banir do serviço público o
despotismo e a corrupção, surgem em um contexto em que era necessário valorizar
o serviço público. A adoção desta cultura foi muito importante para se instituir no
serviço público as noções de probidade, distinção entre o patrimônio público e
privado, supremacia do interesse público, impessoalidade formalismo, hierarquia e
eficiência.
A eficiência das burocracias, conforme já visto, é questionável, em razão de
suas características intrínsecas. Embora tenha sido concebida no fito de tornar o
serviço público eficiente, a prática demonstrou exatamente o contrário. As diversas
disfunções que advêm deste modelo, em função de seus rígidos métodos de
controle, tornaram-no, popularmente, sinônimo de ineficiência.
Apesar de suas disfunções, como a ineficiência e o fato de ser auto-referida, a
burocracia possui qualidades importantes que serviram de base para implementar as
mudanças trazidas pela administração pública gerencial. Parte das falhas decorre
dos rígidos métodos de controle deste sistema, que tomam o foco da administração
pública, em detrimento do cidadão.
A administração gerencial é criada visando a complementação do modelo
burocrático, mantendo muitas de suas qualidades e eliminando seus defeitos. Por
isso, é razoável afirmar que a administração gerencial não representa um
rompimento com o passado, mas a evolução natural de um sistema racionalizado,
concebido para ser modificado segundo as necessidades da organização. Seu foco,
afinal, é facilitar o alcance dos objetivos das instituições. No serviço público
evidentemente, tais objetivos se alinham ao interesse público.
O motivo principal para se adotar a administração gerencial nos órgãos
públicos é o ganho de eficiência que isso representa. É visível que a sociedade
atual, com as diversas tecnologias de comunicação que dispõe, está muito mais
ciente de seus direitos constitucionais e é muito mais exigente em relação à
71
qualidade dos serviços públicos prestados pelo Estado. Os entes públicos, diante de
uma maior cobrança por parte dos cidadãos, veem-se obrigados a aprimorar o
fornecimento dos serviços.
O gerencialismo traz uma nova visão em relação aos papéis do Estado e do
cidadão. Se antes o indivíduo era visto apenas como contribuinte compulsório,
obrigado a pagar seus impostos e a se resignar diante da supremacia e poder do
Estado, agora os cidadãos são vistos como clientes e financiadores do serviço
público. A administração gerencial, portanto, inspira-se na administração de
empresas, e passa a focar toda a sua atenção para o cidadão.
Como consequência às mudanças ocorridas desde a reforma burocrática até
hoje, diante da consolidação da reforma gerencial, o Estado sofreu profundas
mudanças. O imperador que governava segundo seus interesses e os de sua classe
não mais existe; o gestor público que trata o patrimônio público como próprio agora
é criminoso. O aparato estatal não mais trabalha para satisfazer suas próprias
demandas e as da burocracia, mas as da sociedade.
Percebe-se, porém, que a reforma não está completa, e talvez jamais esteja.
Isso porque as reformas administrativas sempre surgem para tentar suprir as
demandas cotidianas e, mal são realizadas, logo surgem novas ideias, propostas
que acompanham as necessidades das pessoas. Assim ocorreu com a reforma
burocrática no Brasil, assim ocorre com a reforma gerencial, que já vislumbra uma
onda de reformas que visa trazer mais legitimidade e democracia à gestão pública,
por meio de Ouvidorias Públicas e outros institutos.
As mudanças sempre surgem no intuito de inovar ou coibir antigas práticas
consideradas superadas. Com efeito, é evidente que as reformas jamais conseguem
abandonar completamente a cultura administrativa anterior. A corrupção e o
nepotismo, ainda existentes no Brasil, são vestígios da antiga administração
patrimonial. O formalismo exagerado, herança da reforma burocrática, ainda
encontra-se presente em vários órgãos estatais, afetando sua eficiência.
Aumentar a eficiência dos serviços públicos e ampliar o número de cidadãos
atendidos, sem comprometer o controle característico que existe no setor público,
são alguns dos grandes obstáculos a serem superados pelo Poder Público para dar
continuidade à reforma gerencial e atender de forma mais efetiva o cidadão.
72
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Pedro Henrique Serejo do Nascimento