O apartamento vazio do Papa Francisco assusta o Vaticano
Em 100 dias, o Papa Bergoglio pôs em marcha uma revolução, que representa um enigma.
Ele já deixou claro que não vai mais para o apartamento do Palácio Apostólico. Rejeita-o
abertamente. Assim como rejeita os grilhões de agendas preestabelecidas.
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 23-06-2013. A
tradução é de Moisés Sbardelotto.
A decisão é tão inédita e chocante que o pântano conservador – aninhado no Vaticano e
na Igreja universal, embora provisoriamente silenciado pelo fracasso do pontificado ratzingeriano
– tenta rebaixar o gesto como "estilo pessoal", um pequeno tique de originalidade. Mas é como se
Obama deixasse a Casa Branca, ou a rainha da Inglaterra desertasse o Buckingham Palace,
preferindo um alojamento ao lado da Victoria Station. Bergoglio desvaloriza radicalmente o
Palácio, exalta o verdadeiro chefe da Igreja – Cristo – e se coloca abertamente entre os
"pecadores" como são os fiéis aos quais ele se dirige.
Os símbolos contam muito. Especialmente quando são arquivados. Dia após dia, o papa
que veio do fim do mundo desmontou a simbologia imperial e quase divina dos pontífices. Ele
rejeitou o manto e os sapatos púrpuras dos imperadores romanos, eliminou as mitras triunfalistas,
ficou na chuva com os fiéis, explicou que viver isolado como soberano não lhe é possível por
"motivos psiquiátricos", como se dissesse que é coisa de anormais se encerrar em uma torre de
marfim.
Ele disse a expressão mais afiada – que muitos no Vaticano e nas esferas cardinalícias
tentam esquecer – a uma menina (escolha precisa de se dirigir aos inocentes: Bergoglio, assim
como João XXIII, nunca fala por acaso). Quem busca o papado, proferiu, não é uma pessoa
equilibrada. "Uma pessoa que quer ser papa não quer bem a si mesma, e Deus não a abençoa".
O monarca humanizado
O Palácio vazio, redimensionado como sede de trabalho, expressa uma reviravolta epocal.
Inquieta dentro e fora da Cúria. Despedaça o ícone ideológico da "sede apostólica" como centro
de um poder de cunho divino. Impede que a burocracia vaticana se cubra de pretensões de
infalibilidade. Reforça o pedido aos bispos do mundo para que não adoeçam com a "psicologia de
príncipes".
Bento XVI, abdicando, humanizou o papel papal. Francisco tira as suas consequências, apresentase somente como "bispo de Roma" e arquiva a aura onipotente de Pontífice Máximo. Bergoglio
não é o primeiro papa global – Wojtyla marcou o salto de qualidade –, mas é o primeiro papa que
descarta a ideologia da onipotência.
O início do pontificado foi marcado por sinais claros. A Igreja deve ser pobre, clero e bispos
não são autorreferenciais, os padres devem se projetar para as periferias existenciais. Não se trata
de cuidar do próprio rebanho dentro dos muros das paróquias, porque agora não é a única
ovelhinha que está perdida, mas são as "99 ovelhas" de 100 que estão longe. A corrupção e o
escândalo de vidas duplas hipócritas no Vaticano (gays ou heterossexuais, pouco importa) devem
ser resolvidos.
Um pensamento forte de Bergoglio antes da eleição foi revelado em uma reportagem viva
e animada do L'Osservatore Romano sobre o livro de Cristian Martini Grimaldi (Ero Bergoglio,
sono Francesco, Ed. Marsilio), trazendo o testemunho de um padre de Buenos Aires: "Um dia, o
cardeal Bergoglio me disse: 'Se a minha mãe e a sua mãe ressuscitassem hoje, elas implorariam ao
Senhor para enviá-las de volta para debaixo da terra, para não assistirem à degradação desta
Igreja'".
Note-se bem: "A degradação desta Igreja!". Capta-se nesse desafogo o eco do testamento
de Carlo Maria Martini, que denunciava uma Igreja empoeirada, de estruturas vazias e de pompa
inútil, dramaticamente atrasada com relação à hora presente.
Bergoglio conseguirá dar um salto à frente? Transferir padres na diocese de Buenos Aires
do centro para as favelas era bastante fácil. O exemplo pessoal já contava muito. Mas aqui se trata
de colocar em trilhos novos o imenso corpo de uma Igreja, dirigida por centenas de milhares de
quadros, varrendo carreirismo, corrupção e obediências de conveniência.
Negócios, Cúria e IOR: uma difícil operação de limpeza
O enigma desse início de pontificado está aqui. Reestruturar a Cúria Romana não é difícil,
limpar o IOR também não é impossível. Mas reformar a Igreja Católica, habituar os bispos a serem
missionários sóbrios no estilo de vida e não potentados locais, reprogramar o pessoal vaticano e o
clero a um trabalho essencialmente pastoral e não de funcionários mais ou menos sistematizados,
erradicar tráficos, tirar da Cúria o papel milenar de centro burocrático e de poder incontestável,
fazendo dela um instrumento de unidade em espírito de colaboração com os episcopados do
mundo... é um objetivo gigantesco.
Sem falar da crise dos padres, que Wojtyla e Ratzinger nunca realmente quiserem
enfrentar, e do papel de codecisão que cabe às mulheres na Igreja. Se as palavras do Papa
Bergoglio permanecerem como expressões isoladas de uma única pessoa e não provocarem
mudanças concretas de comportamento de todos os níveis das estruturas eclesiais, a carga de
novidade do seu pontificado será lentamente reabsorvida.
Isso é o que esperam – nos bastidores – os católicos temerosos do futuro, satisfeitos com
um pontífice que saiba tocar o coração dos fiéis e que seja mais simpático à mídia. É isso que
esperam também os grupos conservadores da sociedade, ateus mais ou menos devotos, que
desde sempre preferem uma Igreja autoritária, que enquadre fiéis obedientes e se limite a fazer
assistência social.
Note-se a sutil censura com que, nos meios de comunicação, é sufocada morbidamente a
insistente denúncia de Francisco contra as novas escravidões econômicas e o poder excessivo
financeiro sobre massas de cidadãos em crise. O papa disse várias vezes que quem não caminha,
no fim, volta atrás.
Ir em frente é o imperativo desse enigmático pontificado. Significa, também, fazer cair
algumas cabeças em um contraste estridente demais com os padrões agora invocados. "Limpar a
Cúria" – como Bergoglio desejava às vésperas da sua viagem a Roma – é uma ação que todos
devem ser capazes de ver. O tempo corre. Historicamente, a renúncia por idade já entraram no
horizonte do papado. E dez anos, por exemplo, não são muitos.
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