Capitalismo contemporâneo e "questão ambiental": o desenvolvimento
sustentável em debate 1
Maria das graças e Silva
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As inquietações quanto às possibilidades de reprodução da vida planetária vêm
ganhando força em diversos segmentos da sociedade, no tempo presente. A depredação
da natureza bem como o movimento empreendido pelas classes no seu enfrentamento
tem sido objeto de intensos debates entre intelectuais, movimentos sociais e
ambientalistas, pelo Estado e por empresários, agências internacionais, além da ampla
cobertura pelos meios de comunicação, fatos que expressam a inexorabilidade da
temática.
As razões para tal encontram-se na exacerbação da “questão ambiental” 2, cujas
manifestações mais evidentes encontram-se na escassez dos recursos não renováveis,
nos níveis de aquecimento planetário, nos efeitos catastróficos dos dejetos industriais e
poluentes diversos, na produção incessante de mercadorias descartáveis, numa
demonstração inconteste de que o modo de produção capitalista não exerce um domínio
adequado e planejado da natureza, revelando uma contradição crescente entre as
necessidades de expansão da produção e as condições do planeta para prover esse
desenvolvimento.
A dinâmica destrutiva do sistema se mantém e se aprofunda a despeito do avanço
das discussões sobre a necessidade de preservação/ conservação dos bens naturais e
dos investimentos realizados neste campo, seja através da adoção das chamadas
“tecnologias limpas”, da intensificação dos processos de educação ambiental ou mesmo
da incorporação de indicadores sócio-ambientais nas atividades mercantis, como
expressão das iniciativas de integração de fatores econômicos, ambientais e sociais nas
estratégias de negócio das empresas.
Em outros termos, os estudos científicos vêm apontando que os níveis de depredação do
planeta seguem se aprofundando 3, apesar dos avanços obtidos com a introdução de
tecnologias de produção menos dispendiosas de recursos naturais e de mecanismos de
1
Ponencia presentada en el XIX Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. El Trabajo Social en la
coyuntura latinoamericana: desafíos para su formación, articulación y acción profesional. Universidad Católica
Santiago de Guayaquil. Guayaquil, Ecuador. 4-8 de octubre 2009.
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Entre aspas, posto que no nosso entendimento não seja possível falar em questão ambiental como dimensão genuína,
senão como derivação das formas sociais de apropriação e consumo dos bens naturais, mediadas pelo trabalho, ou seja,
das relações sociais de produção.
3
Alguns dados, ainda, fazem-se necessários: 6 milhões de hectares de terra produtiva se perdem a cada ano desde 1990,
pela desertificação (UNCCD, 2004); As Nações Unidas informam que cerca de 100 espécies diárias são extintas, sem falar
do aumento na produção dos gases de efeito estufa.
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controle de poluentes mais eficazes, dentre outros.
As interpretações para este aparente paradoxo – os investimentos em gestão
ambiental e os avanços da degradação do meio ambiente – vão desde a culpabilização
das tecnologias “sujas” à crítica ao consumo exacerbado, especialmente dos segmentos
mais abastados da sociedade, face ao esgotamento dos recursos naturais e o aumento
dos resíduos. A crítica ao produtivismo e ao consumismo faz-se presente no discurso
ambientalista e tem sido responsável, em larga medida, pela tomada de consciência de
amplos. A ausência de uma crítica radical e classista da problemática ambiental tem
possibilitado aos ideólogos do sistema construírem um consenso que unifica os interesses
dos trabalhadores, dos empresários e do Estado em torno da defesa de uma “pretensa
sustentabilidade planetária”, sustentabilidade esta visivelmente limitada, já que não se
destina a atacar as causas imanentes da destrutividade.
Embora o ideário do Desenvolvimento Sustentável tenha surgido em meados dos anos 70
é só nos anos 90 do século último que este passa a ganhar espaço na agenda pública
como esteio às ações voltadas à preservação da natureza, expressando, assim, uma
tentativa de estabelecer mecanismos de controle da relação sociometabólica do capital.
“Ficara patente, enfim, que as políticas de desenvolvimento deveriam ser estruturadas por
valores que não são apenas os da dinâmica econômica” (VEIGA, 2005, p.1).
O apelo que exerce o termo Desenvolvimento Sustentável sinaliza uma dinâmica
de enfrentamento à “questão ambiental” balizada pela formação de um acordo
internacional, cujo objetivo é orientar ações em nível local e nacional e segue uma
tendência do debate sobre desenvolvimento nos anos 90, debate este marcado pela crise
do desenvolvimentismo, pelo avanço do pensamento neoliberal e pelo determinismo das
políticas de ajuste econômico em nível nacional. É neste contexto que a sustentabilidade
como princípio ético presta-se como alternativa, seduz e encanta ao invocar a
preservação da natureza, oferecendo-se como alternativa à crise capitalista e a do
socialismo real, colocando-se como mecanismo de controle da relação sociometabólica
do capital.
Ao se configurar como uma pseudo-unanimidade, em uma sociedade marcada
por fortes antagonismos, o termo Desenvolvimento Sustentável suscita uma série de
inquietações quanto à sua efetividade, o seu alcance ou mesmo quanto a sua capacidade
de fugir aos modismos próprios do tempo presente.
Chama-nos a atenção, de pronto, o surgimento de uma idéia pretensamente
depositária de unanimidade em meio a uma problemática decisivamente marcada pela
2
polarização de classes, cuja intencionalidade é responder às necessidades de um tempo
em que o aprofundamento das contradições do sistema põe em dúvida a permanência da
vida planetária.
Decerto que o Desenvolvimento Sustentável destaca-se, no conjunto das ações
implementadas na área socioambiental, como uma mediação fundamental e suporte
ideopolítico. A tríade sustentabilidade econômica, social e ambiental orienta práticas as
mais diversas, oferecendo-lhes justificativa e amparo, sejam estas ações locais, em
âmbito nacional ou mesmo internacionais.
É neste campo gravitacional que o Serviço Social é chamado a intervir, como
profissão integrada aos processos de conformação de uma cultura ambiental, seja no
interior das organizações empresariais, nas instituições públicas, ONGs, dentre outros. De
natureza, essencialmente pedagógica4, o exercício profissional dos assistentes sociais
está, intrinsecamente, voltado aos processos de educação ambiental, articulados à defesa
da melhoria na qualidade dos serviços prestados pelas instituições às quais se vinculam.
Estas ações empresariais e institucionais são cada vez mais mediadas pelo ideário do
Desenvolvimento Sustentável como síntese de uma cultura de proteção ao meio ambiente
e acepção relevante nas estratégias de enfrentamento à “questão ambiental” 5.
Indubitavelmente, a formulação Desenvolvimento Sustentável adquire repercussão
e aceitação entre os diversos segmentos e classes sociais. No entanto, o esforço por
desvelar as teias que compõem esta problemática, revelou que a sustentabilidade – com
incidência na organização da produção e nos modos de ser e de viver – vem sendo
tratada de forma dual: sustentabilidade ambiental e sustentabilidade social, como
respostas a dimensões fragmentadas do real.
As razões ideopolíticas que dão esteio a esta concepção residem na impossibilidade da
ordem do capital superar o fosso social por este gerado sem comprometer a sua dinâmica
de acumulação, razão pela qual o debate ambiental tem conferido centralidade aos
aspectos biofísicos do ambiente – de forte inspiração na ecologia – secundarizando a
dimensão social, tratada esta como complementar, suporte para a edificação de uma
sociedade “ambientalmente sustentável”. Nestes termos, naturaliza a pobreza ou a reduz
a uma condição secundária, oferecendo-lhe como saída os tratamentos tópicos, desde
4
Relembrando Abreu (2002 p.17): “A função pedagógica do assistente social em suas diversidades é determinada pelos
vínculos que a profissão estabelece com as classes sociais e se materializa, fundamentalmente, por meio dos efeitos da
ação profissional na maneira de pensar e de agir dos sujeitos envolvidos nos processos da prática”.
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Para uma maior aproximação às requisições profissionais neste campo vide dissertação intitulada “A “questão ambiental” e
o trabalho das assistentes sociais nos programas socioambientais das empresas em Recife”, de autoria de Paula Raquel
Bezerra Rafael, do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da UFPE, sob orientação da prof. Ana Elizabete Mota.
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que tenham como fim último a proteção da “natureza” ou de outra sorte, agravando-lhe,
quando esta finalidade assim o requerer.
No plano teórico, esta concepção confere centralidade à dimensão ecológica da
“questão ambiental”. Neste sentido, a defesa da natureza comparece divorciada do
enfrentamento da questão social ou como hierarquicamente superior a esta, negando-se,
moto contínuo, a estreita vinculação entre ambas. Nestes termos, as dimensões social,
econômica, ideológica, cultural e política aparecem descoladas, despojadas de sentido
crítico, posto que não são apreendidas como partes constitutivas de uma totalidade
complexa.
Nestes termos, o que se revela é a implementação de saídas técnicas, posto que
as mesmas não colocam em questão os determinantes históricos e sociais da produção
destrutiva, cujas bases encontram-se fincadas na apropriação privada dos elementos
naturais e sua conversão em fatores de produção, mediada pelo uso da ciência e da
tecnologia.
A moldura simbólica que funda esta dualidade vincula-se à ideologia do progresso
técnico, à crença na onipotência do desenvolvimento tecnológico face às outras
dimensões da vida social.
Nestes termos o que se revela é a impossibilidade de superação da “questão ambiental”
por esta via: se a sua gênese encontra-se plasmada na apropriação privada dos
elementos naturais e sua conversão em fatores de produção, mediada pelo uso da ciência
e da tecnologia, é na esfera das relações sociais que reside a sua superação. Dito de
outra maneira: as saídas técnicas - que não tencionam as relações sociais e, portanto, as
condições históricas da produção e do consumo de mercadorias – têm-se revelado
insuficientes como alternativas à depredação ambiental, desafiando contínua e
sistematicamente a humanidade à superação da civilização mercantil. A razão para isto
reside no fato de que a “produtividade e destrutividade são inseparáveis, posto que a
tecnologia é desenvolvida para que o capital possa se apropriar da totalidade dos
recursos humanos e materiais do planeta” (MÉSZÁROS, 2002, p. 527).
As expressões empíricas do aprisionamento da sustentabilidade a uma questão
técnica manifestam-se tanto em sua dimensão ambiental, quanto social, assim como na
fratura entre ambas. Decerto que os avanços nas medidas voltadas à sustentabilidade
ambiental devem ser creditados ao fato de que as forças produtivas da natureza (recursos
e serviços ambientais) sinalizaram limites à reprodução da ordem do capital, seja através
do esgotamento de algumas matérias-primas, da baixa produtividade do solo, das
4
intempéries, além da decrescente capacidade do planeta de absorver os dejetos e
poluentes diversos.
Nestes termos, o Desenvolvimento Sustentável constitui uma resposta a esses
limites, reveladores da forma de apropriação dos recursos - essencialmente caracterizada
por uma velocidade de utilização superior à velocidade de recomposição dos
ecossistemas - o que implica aventar que todo desenvolvimento só seria sustentável à
medida que revertesse a dinâmica de utilização destes recursos (FOLADORI, 2001a).
No entanto, as tentativas de compatibilizar as necessidades crescentes de
expansão da produção - ainda que balizadas no uso de tecnologias limpas e com
menores níveis de desperdício – com a preservação da natureza têm-se demonstrado
impotentes, face à condição anárquica e perdulária da produção capitalista, cuja
expressão mais emblemática é a obsolescência programada de mercadorias6.
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Com o objetivo de reduzir o seu tempo de rotação, o capital adota a aceleração desenfreada nos ritmos de consumo como
mecanismo que visa possibilitar novo impulso à produção. Assim, o sistema do capital impõe que uma gama cada vez
maior de produtos, considerados anteriormente bens relativamente duráveis, deva ser descartada prematuramente.
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