PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS Autora: Cláudia Rodrigues Vieira Orientador: MSc. Mauro Sérgio dos Santos CLÁUDIA RODRIGUES VIEIRA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília. Orientador: Santos Brasília 2009 MSc. Mauro Sérgio dos Monografia de autoria de Cláudia Rodrigues Vieira, intitulada “RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS”, apresentada como requisito parcial para obtenção do certificado de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em (data de aprovação), defendida e/ou aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: Prof. MSc. Mauro Sérgio dos Santos Orientador (Curso/Programa) - UCB Prof. (titulação). (Nome do membro da banca) (Curso/Programa) - (sigla da instituição) Prof. (titulação). (Nome do membro da banca) (Curso/Programa) - (sigla da instituição) Brasília 2009 RESUMO VIEIRA, Cláudia Rodrigues. Responsabilidade civil do estado por atos jurisdicionais. 2009. 64 f. Trabalho de Conclusão do Curso (Graduação)– Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009. A responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais consiste na possibilidade de o Estado ter que indenizar o particular por atos praticados no exercício da função típica da magistratura, já ensejou intensas discussões doutrinárias e jurisprudenciais. A problemática gira em torno de duas bases consideradas essenciais para a boa administração da justiça, quais sejam: assegurar o direito à indenização para os jurisdicionados por eventuais danos causados pelo juiz no exercício de suas atribuições, e possibilitar ao magistrado independência funcional, de modo a garantir a soberania do Poder Judiciário e a solução definitiva das lides submetidas ao seu julgamento. Atualmente prevalece o entendimento de que os juízes, salvo nos casos expressamente previstos em lei, são irresponsáveis por atos praticados no exercício de suas funções. Entretanto há tendência de mudança nesse posicionamento, em face da forte pressão social daqueles que advogam a tese de que a irresponsabilidade estatal por atos jurisdicionais não se coaduna com o Estado democrático de direito. Palavras-chave: Responsabilidade civil. Responsabilidade civil do estado. Atos jurisdicionais. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................6 CAPITULO 1 – RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................8 1.1 BREVE HISTÓRICO .........................................................................................8 1.2 CONCEITO........................................................................................................9 1.3 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL...................10 1.4 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA ................................................................11 1.5 RESPONSABILIDADE OBJETIVA ..................................................................12 1.6 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL .............................................12 1.6.1 Culpa..............................................................................................................13 1.6.2 Dano...............................................................................................................13 1.6.3 Nexo de Causalidade....................................................................................14 CAPITULO 2 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO ............................................................................................................17 2.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................17 2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ................................................................................18 2.2.1 A irresponsabilidade do Estado ..................................................................18 2.2.2 Teoria da Responsabilidade com Culpa .....................................................19 2.2.3 Teoria da Culpa Administrativa ...................................................................19 2.2.4 Teoria da Responsabilidade Objetiva .........................................................20 2.2.5 Teoria do risco integral ................................................................................21 2.3 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO .......................24 2.3.1 Fato administrativo.......................................................................................24 2.3.2 Evento danoso ..............................................................................................25 2.3.3 Nexo causal...................................................................................................25 2.4 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO .............................26 2.4.1 Força maior e caso fortuito..........................................................................26 2.4.2 Culpa da vítima (incluir tópico no sumário) ...............................................29 2.4.3 Ato de terceiro ..............................................................................................31 2.5 PESSOAS JURÍDICAS DO ART. 37, § 6º, DA CF/88 .....................................32 2.6 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS OMISSIVOS ............34 2.7 RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO..............................................36 CAPÍTULO 3 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS .....................................................................................................42 3.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................42 3.2 ATIVIDADE JUDICIÁRIA COMO SERVIÇO PÚBLICO ...................................43 3.3 O DIREITO À JURISDIÇÃO ............................................................................44 3.4 ATOS ADMINISTRATIVOS E JURISDICIONAIS PRATICADOS PELO PODER JUDICIÁRIO ...................................................................................................45 3.5 RESPONSABILIDADE PELO DANO DEVIDO À DEMORA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ............................................................................................46 3.6 RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE ATOS JURISDICIONAIS ..48 3.6.1 Soberania do Poder Judiciário ....................................................................49 3.6.2 Incontrastabilidade da coisa julgada ..........................................................51 3.7 A ATIVIDADE JURISDICIONAL QUE ACARRETA A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO-JUIZ ................................................................................52 3.8 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO-JUIZ PELO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL ..............................................59 3.9 PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS ..........................................................59 CONCLUSÃO ...........................................................................................................61 REFERÊNCIAS.........................................................................................................63 6 INTRODUÇÃO O tema responsabilidade civil do Estado passou por vasto processo evolutivo. Ao longo dos anos diversas teorias foram adotadas com vistas a acompanhar os anseios da sociedade. Entre as teorias podemos citar: irresponsabilidade do Estado, responsabilidade com culpa, culpa administrativa, e finalmente a responsabilidade objetiva atualmente adotada no ordenamento jurídico pátrio. Segundo Sergio Cavalieri o Brasil não passou pela fase da irresponsabilidade.1 Apesar de não existir dúvidas quanto à adoção da teoria da responsabilidade objetiva aplicável à Administração Pública, por expressa previsão constitucional inserida no art. 37 § 6º, o mesmo não se pode dizer no que se refere aos atos praticados pelos juízes. Esse é o tema central a ser abordado no decorrer deste trabalho. O presente estudo tem por objetivo descrever e analisar as teses sustentadas tanto por aqueles que defendem a responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais quanto daqueles que militam para que o atual cenário, que permite apenas a responsabilidade dos juízes nas hipóteses previstas em lei, prevaleça. Este trabalho encontra-se dividido em três capítulos: o primeiro aborda os conceitos da responsabilidade civil disciplinados pelo direito privado; o segundo apresenta os aspectos principais das regras que regem a responsabilidade civil do Estado, e o terceiro examina as particularidades das teses existentes sobre a questão da responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais. O primeiro capítulo apresenta um breve histórico da responsabilidade civil; o seu conceito; os elementos caracterizadores: culpa, dano e nexo de causalidade; as responsabilidades contratuais e extracontratuais e as responsabilidades objetiva e subjetiva, além de outros tópicos importantes para a compreensão do tema. No segundo capítulo, se analisa os vários aspectos da responsabilidade civil do Estado, abordando as teorias experimentadas, os seus elementos e as principais características relacionadas ao instituto examinado. ___________________ 1 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 228. 7 O último capítulo apresenta alguns aspectos polêmicos abordados pelos mais renomados doutrinadores no que diz respeito à responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais. Procura-se explorar todas as opiniões, favoráveis e desfavoráveis, com a finalidade de se verificar o posicionamento que mais se coaduna com a realidade da sociedade brasileira. Em um primeiro momento utilizamos no desenvolvimento da pesquisa o método analítico, explorando os fundamentos das teorias que de alguma forma envolvem o assunto; em seguida nos servimos do método dialético, com análise de posicionamentos em conflito, na busca de se extrair uma proposta de atuação do Estado no que diz respeito à responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais. Podemos mencionar que o método hipotético-dedutivo também foi utilizado, ao testar as hipóteses de solução aos conflitos apresentados de acordo com as teorias abordadas na pesquisa e com base nos casos concretos já decididos pelos tribunais. A presente monografia foi elaborada a partir de pesquisa bibliográfica, na qual foram utilizados os principais doutrinadores nacionais que escrevem sobre o tema, além de inúmeros precedentes jurisprudenciais de tribunais brasileiros, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. 8 CAPITULO 1 – RESPONSABILIDADE CIVIL 1.1 BREVE HISTÓRICO Nos primórdios da civilização humana, dominava a vingança coletiva, que se manifestava por meio da reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus integrantes. Em uma segunda fase imperou a justiça privada, em que os homens faziam justiça pelas próprias mãos, sob a égide da Lei de Talião. A partir dessa experiência percebeu-se que era mais conveniente para a sociedade que o causador do dano tivesse a obrigação de repará-lo do que cobrar a retaliação, porque esta não reparava dano algum e ocasionava duplo dano: o da vítima e do seu ofensor.2 Parte da doutrina diverge quanto à origem do surgimento da teoria da responsabilidade civil. Para alguns doutrinadores, entre eles Silvio de Salvo Venosa, o direito moderno ainda se utiliza da terminologia romana em matéria de responsabilidade3. Porém não há como precisar se de fato o nascimento dessa teoria ocorreu no direito romano. Nesse sentido, Caio Mário aborda importantes considerações sobre o tema: Não chegou o direito romano a construir uma teoria da responsabilidade civil, como, aliás, nunca se deteve na elaboração teórica de nenhum instituto. Foi todo ele construído no desenrolar de casos de espécies, decisões dos juízes e dos pretores, respostas dos jurisconsultos, constituições imperiais – que os romancistas de todas as épocas, remontando às fontes e pesquisando os fragmentos, tiveram o cuidado de utilizar, extraindo-lhes os princípios e sistematizando os conceitos. Nem por isso, todavia, é de se desprezar a revolução histórica da responsabilidade 4 civil no direito romano. Certo é que a mais consagrada doutrina considera a Lex Aquilia como o divisor de águas em termos de responsabilidade civil. Segundo Venosa a lex aquilia possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens. Surge a partir de então a idéia de responsabilidade extracontratual. ___________________ 2 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 9/10. 3 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 17. 4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 1. 9 Comungando com esse pensamento, Washington de Barros Monteiro assim leciona: Foi a Lei Aquília que introduziu os primeiros alicerces da reparação civil em bases mais lógicas e racionais. Com ela a vindita, empregnada do sentimento de represália, cedeu o passo à pena pecuniária, cujo pagamento constitui, de fato, reparação do dano causado, e cuja idéia é precursora da 5 moderna indenização por perdas e danos. 1.2 CONCEITO Em sua obra clássica, Sérgio Cavalieri Filho conceitua a responsabilidade civil como “um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário”6. Acrescenta o Autor que toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil. Para o Autor não há responsabilidade, em qualquer modalidade, sem violação de dever jurídico preexistente, uma vez que a responsabilidade pressupõe o descumprimento de uma obrigação.7 O Código Civil disciplina a matéria pertinente ao ato ilícito no art. 186, que possui a seguinte redação: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. E no que concerne à Responsabilidade Civil o art. 927 traz a seguinte disposição: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Por sua vez, Caio Mário faz a seguinte colocação sobre o tema: “a responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação ao sujeito passivo da relação jurídica que se forma”.8 Washington de Barros Monteiro conclui que a teoria da responsabilidade civil visa ao restabelecimento da ordem ou equilíbrio pessoal e social, por meio da reparação dos danos morais e materiais oriundos da ação lesiva a interesse alheio, ___________________ 5 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações: 2ª Parte. 34. ed São Paulo: Saraiva, 2003. p. 447. 6 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 2. 7 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 5. 8 PEREIRA, 1999, p. 11. 10 único meio de cumprir-se a própria finalidade do direito, que é viabilizar a vida em sociedade.9 1.3 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL De maneira bastante singela, é possível diferenciar a responsabilidade contratual da responsabilidade extracontratual a partir da fonte que dá origem a obrigação de indenizar. A responsabilidade contratual pressupõe uma relação jurídica contratual preexistente, enquanto que na responsabilidade extracontratual esse dever decorre de imposição legal. Na precisa lição de Sérgio Cavalieri Filho temos que: “tanto na responsabilidade extracontratual como na contratual há violação de um dever jurídico preexistente. A distinção está na sede desse dever. Haverá responsabilidade contratual quando o dever jurídico violado (inadimplemento ou ilícito contratual) estiver previsto no contrato. A norma convencional já define o comportamento dos contratantes e o dever específico a cuja observância fica adstritos. E como o contrato estabelece um vínculo jurídico entre os contratantes, costuma-se dizer na responsabilidade contratual já há uma relação jurídica preexistente entre as partes (relação jurídica, e não dever jurídico, preexistente, porque esse sempre se faz presente em qualquer espécie de responsabilidade). Haverá por seu turno responsabilidade extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas sim na lei ou na ordem jurídica”.10 Importante consideração traz o renomado autor no que diz respeito à aplicação dessa divisão no direito pátrio: Em nosso sistema a divisão entre responsabilidade contratual e extracontratual não é estanque. Pelo contrário, há uma verdadeira simbiose entre esses dois tipos de responsabilidade, uma vez que regras previstas no Código para a responsabilidade contratual (arts. 393, 402 e 403) são também aplicadas à responsabilidade extracontratual. ___________________ 9 MONTEIRO, 2003, p. 448. CAVALIERI FILHO, 2008, p. 16. 10 11 1.4 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA A responsabilidade subjetiva é aquela que se baseia no elemento culpa como pressuposto necessário para o surgimento da obrigação de indenizar. Nesse sentido é o posicionamento de Washington de Barros, de Carlos Roberto Gonçalves e de Sérgio Cavalieri Filho: Esta é a teoria clássica e tradicional da culpa, também chamada teoria da responsabilidade subjetiva, que pressupõe sempre a existência de culpa (latu sensu) abrangendo o dolo (pleno conhecimento do mal e direta intenção de o praticar) e a culpa (stricto sensu), violação de um dever que o agente podia conhecer e acatar, mas que descumpre por negligência, 11 imprudência ou imperícia. Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador 12 do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa. A idéia de culpa está visceralmente ligada à responsabilidade, por isso que, de regra, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de cautela em seu agir. Daí ser a culpa, de acordo com a teoria clássica, o principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva.13 Sérgio Cavalieri Filho analisando os pressupostos da responsabilidade subjetiva inseridos no art. 186 do Código Civil apresenta importantes considerações. Confira-se: Sendo o ato ilícito, conforme já assinalado, o conjunto de pressupostos da responsabilidade, quais seriam esses pressupostos na responsabilidade subjetiva? Há primeiramente um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. Esses três elementos, apresentados pela doutrina francesa como pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, podem ser claramente identificados no art. 186 do Código Civil, mediante simples análise do texto, a saber: a) conduta culposa do agente, o que fica patente pela expressão “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia”; b) nexo causal, que vem expresso no verbo causar; e c) dano, revelado nas expressões “violar direito ou causar dano a outrem”. Portanto, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar, consoante o art. 927 do ___________________ 11 MONTEIRO, 2003, p. 449. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 4, p. 30. 13 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 16. 12 12 Código Civil. Por violação de direito deve-se entender todo e qualquer ato subjetivo, não só os relativos, que se fazem presentes no campo da responsabilidade contratual, como também e principalmente os absolutos, reais e personalíssimos, nestes incluídos o direito à vida, à saúde, à 14 liberdade, à honra, à intimidade, ao nome e à imagem. Portanto, quando se fala em responsabilidade subjetiva, a obrigação de reparar o dano emerge sempre que o agente tiver causado prejuízo a outrem através de conduta culposa (imprudência, imperícia ou negligência) ou dolosa. 1.5 RESPONSABILIDADE OBJETIVA A responsabilidade objetiva desconsidera o elemento culpa para a imputação do dever de indenizar, considerando-se, apenas, o dano e o nexo de causalidade entre ação do agente e o prejuízo sofrido. Vejamos os ensinamentos de alguns autores acerca do tema: A lei impõe, em certos casos, a reparação do dano sem que haja culpa do lesante. A responsabilidade nestes casos fundamenta-se na teoria objetiva, porque prescinde da perquirição da subjetividade do agente, independe de sua culpa, bastando a existência do dano e do nexo de causalidade entre o 15 prejuízo e a ação lesiva. A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isso acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade.16 Assim, ressalvado os casos em que o causador do dano demonstre a ocorrência das hipóteses que excluem o nexo de causalidade, provados o dano e o nexo causal surge o dever de indenizar independentemente de culpa. 1.6 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Os elementos da responsabilidade civil são tratados com alguma imprecisão doutrinária. Entretanto muitos consideram a culpa, o dano e o nexo de causalidade ___________________ 14 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 18. MONTEIRO, 2003, p. 456. 16 GONÇALVES, 2009, v. 4, p. 30. 15 13 entre os pressupostos da responsabilidade civil, vejamos adiante alguns conceitos pertinentes a esses elementos. 1.6.1 Culpa Sérgio Cavalieri Filho conceitua a culpa como conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível.17 Sílvio Venosa citando José de Aguiar Dias menciona em seu livro que a culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse 18 na consideração das conseqüências eventuais de sua atitude. A doutrina ao analisar o art. 186 do Código Civil conclui que a culpa deve ser considerada de forma ampla de modo a abranger o dolo (pleno conhecimento do mal e perfeita intenção de praticá-lo), e a culpa como violação de um dever que o agente podia conhecer e observar, segundo os padrões de comportamento médio, podendo se apresentar nas modalidades de imprudência, negligência ou imperícia.19 Ressalte-se que, conforme mencionado linhas atrás, o elemento culpa, embora seja absolutamente imprescindível quando se fala na chamada responsabilidade subjetiva, não se constitui em elemento da responsabilidade civil, quando adotada a teoria da responsabilidade objetiva, conforme será examinado adiante. 1.6.2 Dano O dano pode ser entendido como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua ___________________ 17 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 3. VENOSA, 2008, p. 24. 19 GONÇALVES, 2009, v. 4, p. 17. 18 14 honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão de dano em patrimonial e moral.20 O dano é o principal elemento a ser considerado para o surgimento da obrigação de reparar ou indenizar, pois, sem ele, mesmo existindo a culpa do agente, não há como prevalecer a responsabilidade, por evidente perda do seu objeto. Nesse sentido é a lição de Carlos Roberto Gonçalves: Sem a prova do dano ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano pode ser material ou simplesmente moral, ou seja, sem repercussão na órbita financeira do ofendido. O Código Civil consigna um capítulo sobre a liquidação do dano, ou seja, sobre o modo de se apurarem os prejuízos e a indenização cabível. A inexistência de dano é óbice à pretensão de uma reparação, alias, sem objeto.21 1.6.3 Nexo de Causalidade O nexo de causalidade é pressuposto imprescindível para a existência da responsabilidade civil. Segundo Maria Helena Diniz, o vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se “nexo causal”, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação diretamente ou como uma conseqüência previsível.22 A respeito do conceito de nexo de causalidade vale à pena transcrever as lições de Sérgio Cavalieri Filho: O conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado. A relação causal, portanto, estabelece o vínculo entre um determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não causa do dano. Determina se o resultado surge como conseqüência natural da voluntária conduta do agente. Em suma, o nexo causal é um elemento diferencial entre a conduta e o resultado. É através dele que podemos concluir quem foi o causador do 23 dano. ___________________ 20 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 71. GONÇALVES, 2009, v. 4, p. 36. 22 DINIZ, 2003, p. 100. 23 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 46. 21 15 Apesar da clarividência do conceito de nexo causal a sua aplicação prática nem sempre é tão simples, representando uma das maiores dificuldades dos julgadores na apreciação do caso concreto. A seguir, são transcritos alguns precedentes jurisprudenciais sobre a responsabilidade civil: CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. DANO MATERIAL. ANTICONCEPCIONAL SEM O PRINCÍPIO ATIVO. PLACEBO. GRAVIDEZ INDESEJADA. SÚMULA 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO. NEXO CAUSAL. INEXISTÊNCIA. COMPROVAÇÃO. 1. Não se trata de reexame do contexto fático-probatório dos autos, mas sim de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e à formação da convicção, ante a distorcida aplicação pelo Tribunal de origem da inversão do ônus da prova. (RESp. 737.797/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJ 28/08/2006 p. 226 ). 2. Mesmo sem negar vigência aos princípios da verossimilhança das alegações e a hipossuficiência da vítima quanto à inversão do ônus da prova, não há como se deferir qualquer pretensão indenizatória sem a comprovação, ao curso da instrução nas instâncias ordinárias do nexo de causalidade entre a aquisição e a possível utilização do placebo em data compatível e posterior à remessa da fase experimental para destruição. 3. Rompido o nexo de causalidade da obrigação de indenizar, não há falarse em direito à percepção de indenização por danos morais e materiais. 4. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido, para julgar improcedente o pedido inicial.. (REsp 883612/ES. Relator: Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP). Julgamento: 08/09/2009 Órgão Julgador: QUARTA TURMA) (grifo nosso) CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE OCORRIDO COM ALUNO DURANTE EXCURSÃO ORGANIZADA PELO COLÉGIO. EXISTÊNCIA DE DEFEITO. FATO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AUSÊNCIA DE EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE. 1. É incontroverso no caso que o serviço prestado pela instituição de ensino foi defeituoso, tendo em vista que o passeio ao parque, que se relacionava à atividade acadêmica a cargo do colégio, foi realizado sem a previsão de um corpo de funcionários compatível com o número de alunos que participava da atividade. 2. O Tribunal de origem, a pretexto de justificar a aplicação do art. 14 do CDC, impôs a necessidade de comprovação de culpa da escola, violando o dispositivo ao qual pretendia dar vigência, que prevê a responsabilidade objetiva da escola. 3. Na relação de consumo, existindo caso fortuito interno, ocorrido no momento da realização do serviço, como na hipótese em apreço, permanece a responsabilidade do fornecedor, pois, tendo o fato relação com os próprios riscos da atividade, não ocorre o rompimento do nexo causal. 4. Os estabelecimentos de ensino têm dever de segurança em relação ao aluno no período em que estiverem sob sua vigilância e autoridade, dever este do qual deriva a responsabilidade pelos danos ocorridos. 5. Face as peculiaridade do caso concreto e os critérios de fixação dos danos morais adotados por esta Corte, tem-se por razoável a condenação da recorrida ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais. 16 6. A não realização do necessário cotejo analítico dos acórdãos, com indicação das circunstâncias que identifiquem as semelhanças entres o aresto recorrido e os paradigmas implica o desatendimento de requisitos indispensáveis à comprovação do dissídio jurisprudencial. 7. Recursos especiais conhecidos em parte e, nesta parte, providos para condenar o réu a indenizar os danos morais e materiais suportados pelo autor. (REsp 762075/DF. Relator: Min. LUIS FELIPE SALOMÃO. Julgamento: 16/06/2009. Órgão Julgador: QUARTA TURMA) CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. REPARAÇÃO DE DANOS. EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS A ÓRGÃO PÚBLICO. SINISTRO HAVIDO NA EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS. CONTRATO DE TRANSPORTE. INEXISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. CULPA DE TERCEIRO. NEXO DE CAUSALIDE. ELISÃO. OBRIGAÇÃO INDENIZATÓRIA. AFASTAMENTO. LEGITIMIADE PASSIVA AD CAUSAM. ENVOLVIMENTO DIRETO NO SINISTRO. 1. Conquanto o evento danoso tenha ocorrido durante a execução de obrigações originárias de contratos de prestação de serviços celebrados por ambas as envolvidas com órgão público, o havido e as conseqüências dele originárias devem ser resolvidos exclusivamente entre as prestadoras de serviços, à medida que, além de envolvidas diretamente no ocorrido, não é apto a irradiar nenhum efeito ao órgão contratante por não ter assumido nenhuma obrigação decorrente do ocorrido ou de acidentes havidos durante a execução dos contratos. 2. Aviada ação indenizatória com estofo na cláusula geral de indenização que está impregnada no artigo 186 do código civil, que regula a responsabilidade civil derivada da culpa aquiliana ou extracontratual, à parte autora fica debitado o ônus de comprovar a ação da parte ré, sua culpa, a relação de causalidade entre a conduta havida e o resultado advindo, e o dano, pois o ato ilícito, como fato gerador da responsabilidade e fonte de obrigações, tem sua origem genética enliçada à preservação do direito, obrigando aquele que afeta bem jurídico alheio a responder pelas conseqüências da sua conduta. 3. Aferido que o evento danoso do qual germinaram os danos cuja composição é perseguida derivara de fato atribuível a terceiro, não podendo ser imputado à culpa do preposto da parte acionada, essa nuança, afastando o nexo de causalidade enlaçando o ocorrido a qualquer ato culposo passível de imputação à ré, exaure um dos elos indispensáveis à indução da sua responsabilidade de indenizar os danos que advieram do ocorrido, obstando o aperfeiçoamento do silogismo delineado pelo artigo 186 do código civil e ensejando sua alforria da obrigação de compor os danos derivados do sinistro. 4. Apelação conhecida e provida. unânime. (APC - 003918362.2007.807.0001 (Res.65 - CNJ) TJDFT. Relator: Des. TEÓFILO CAETANO. Julgamento: 02/09/2009. Órgão Julgador: SEXTA TURMA) Examinados os aspectos mais importantes acerca da responsabilidade civil, colacionando-se os conceitos necessários ao entendimento do tema que nos propomos abordar, passa-se, no capítulo seguinte, ao exame da responsabilidade civil do Estado. 17 CAPITULO 2 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO 2.1 INTRODUÇÃO A responsabilidade civil da Administração tem por objetivo buscar a reparação do dano causado a terceiros por agentes públicos no desempenho de suas funções. Em face da amplitude das prerrogativas que cercam a Administração Pública não seria razoável aplicar na totalidade a responsabilidade subjetiva, sob pena de se criar um total desequilíbrio nas relações que envolvem a Fazenda Pública e os particulares, de modo a inviabilizar a reparação do dano causado. Nesse sentido nos ensina Hely Lopes Meirelles Responsabilidade civil da Administração é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. É distinta da responsabilidade contratual e da legal. Realmente, não se pode equiparar o Estado, com seu poder e seus privilégios administrativos, ao particular, despido de autoridade e de prerrogativas públicas. Tornaram-se, por isso, inaplicáveis em sua pureza os princípios subjetivos da culpa civil para a responsabilização da Administração pelos danos causados aos administrados. Princípios de 24 Direito Público é que devem nortear a fixação dessa responsabilidade. Comentando a colocação do tema, responsabilidade civil da Administração Pública, perante a noção de estado de direito, Celso Antonio Bandeira de Melo faz as seguintes considerações: Segundo entendemos, a idéia de responsabilidade do Estado é uma conseqüência lógica inevitável de noção de Estado de Direito. A trabalharse com categorias puramente racionais, dedutivas, a responsabilidade estatal é simples corolário da submissão do Poder Público ao Direito. Perfilhamos ainda seu entendimento de que a idéia de República (res publica – coisa pública) traz consigo a noção de um regime institucionalizado, isto é, onde todas as autoridades são responsáveis, “onde não há sujeitos fora do Direito”. Procede inteiramente a ilação que daí extrai: se não há sujeitos de Direito, não há sujeitos irresponsáveis; se o Estado é um sujeito de direitos, o Estado é responsável. Ser responsável implica responder por seus atos, ou seja, no caso de haver causado dano a 25 alguém, impõe-lhe o dever de repará-lo. ___________________ 24 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 656, 657. 25 MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 953, 954. 18 2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA No que concerne à responsabilidade civil do estado é possível verificar que o tema foi objeto de grande evolução histórica, tendo sido adotadas diversas teorias ao longo do tempo, entre elas: irresponsabilidade do Estado, responsabilidade com culpa, culpa administrativa, e finalmente a responsabilidade objetiva, que é atualmente adotada no ordenamento jurídico pátrio. Adiante analisaremos cada uma dessas teorias. 2.2.1 A irresponsabilidade do Estado Essa teoria vigorou durante o Estado despótico e absolutista, que tinha como premissa a ideia de que “o rei não erra”, fundamentada no princípio da soberania do Estado que detinha autoridade incontestável perante os súditos.26 Sérgio Cavalieri Filho nos ensina que: Os administrados tinham apenas ação contra o próprio funcionário causador do dano, jamais contra o Estado, que se mantinha distante do problema. Ante a insolvência do funcionário, a ação de indenização quase sempre resultava frustrada. Sustentava-se que o Estado e o funcionário são sujeitos diferentes, pelo que este último, mesmo agindo fora dos limites de seus poderes, ou 27 abusando deles, não obrigava, com seu fato, a Administração. Ainda segundo o Autor, no Brasil não passamos por essa teoria. Vejamos as suas ponderações acerca do tema: No Brasil, não passamos pela fase da irresponsabilidade do Estado. Mesmo à falta de disposição legal específica, a tese da responsabilidade do Poder Público sempre foi aceita como princípio geral e fundamental de Direito. Cuidava-se, todavia, de responsabilidade fundada na culpa civil, para cuja caracterização era indispensável a prova da culpa do funcionário. O Estado só respondia pelos danos decorrentes de atos praticados por seu funcionário se provado restasse ter este agido com negligência, 28 imprudência ou imperícia. . Segundo Yussef Said Cahali, a teoria da irresponsabilidade representava clamorosa injustiça, resolvendo-se na própria negação do direito: se o Estado se ___________________ 26 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 596. CAVALIERI FILHO, 2008, p. 228. 28 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 233. 27 19 constitui para a tutela do direito, não tinha sentido que ele próprio o violasse impunemente; o Estado, como sujeito dotado de personalidade, é capaz de direitos e obrigações como os demais entes, nada justificando sua irresponsabilidade.29 2.2.2 Teoria da responsabilidade com culpa A teoria da responsabilidade com culpa, também conhecida como teoria civilista por apoiar-se em princípios de Direito Civil, representa uma segunda fase da responsabilidade civil do Estado. Essa teoria fundava-se na culpa do funcionário e previa dois tipos de atitude estatal: os atos de império e os atos de gestão. De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, os primeiros seriam os praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e os segundos seriam praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares.30 Disso resultava que nos atos de gestão o Estado poderia ser responsabilizado, enquanto que nos atos de império não haveria responsabilidade estatal. 2.2.3 Teoria da culpa administrativa Essa teoria passou a reger-se pelas normas de direito público, razão pela qual é também conhecida como teoria publiscista da responsabilidade do Estado. Comentando a teoria da culpa administrativa como estágio evolutivo da responsabilidade do Estado, José dos Santos Carvalho Filho faz as seguintes observações: A teoria foi consagrada pela clássica doutrina de Paul Duez, segundo a qual o lesado não precisaria identificar o agente estatal causador do dano. Bastava-lhe comprovar o mau funcionamento do serviço público, mesmo que fosse impossível apontar o agente que provocou. A doutrina então, cognominou o fato como culpa anônima do serviço. ___________________ 29 30 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 3. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 21/22. DI PIETRO, 2007, p. 596. 20 A falta do serviço podia consumar-se de três maneiras: a inexistência do serviço, o mau funcionamento do serviço ou o retardamento do serviço. Em qualquer dessas formas, a falta do serviço implicava o reconhecimento da existência de culpa, ainda que atribuída ao serviço da administração. Por esse motivo, para que o lesado pudesse exercer seus direitos à reparação dos prejuízos, era necessário que comprovasse que o fato danoso ser originava do mau funcionamento do serviço e que, em conseqüência, teria o estado atuado culposamente. Cabia-lhe ainda, o ônus de provar o elemento 31 culpa. 2.2.4 Teoria da responsabilidade objetiva Essa teoria é compreendida como a última fase da evolução em se tratando de responsabilidade estatal. Nela não se há falar em falta ou culpa do serviço, sendo suficiente apuração do nexo de causalidade entre o evento danoso e a atividade estatal, por isso é também conhecida como teoria do risco administrativo, por basear-se no risco que a atividade pública gera para os administrados. Conforme os ensinamentos da doutrina chegou-se a essa posição com base nos princípios da equidade e da igualdade de ônus e encargos sociais. Afirmando-se que a atividade administrativa do Estado é exercida em prol da coletividade, se traz benefícios para todos, justo é, também, que todos respondam pelos seus ônus, a serem custeados pelos impostos, nesse sentido Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “Direito Administrativo”.32 Adverte Hely Lopes Meirelles que: a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da administração, permite que o poder público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Isto porque o risco administrativo não significa que a administração deve indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular, significa, apenas e tão somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da 33 indenização. Como as teorias do risco administrativo e do risco integral é objeto de intensas discussões e divergências doutrinárias, vale à pena transcrever os posicionamentos dos doutrinadores pátrios no que concerne ao tema: ___________________ 31 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 451. 32 2007, p. 599 apud In: CAVALIERI JÚNIOR, Sérgio. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 231. 33 MEIRELLES, 2008, p. 659. 21 2.2.5 Teoria do risco integral Para Sérgio Cavalieri, a teoria do risco integral é modalidade extremada da doutrina do risco para justificar o dever de indenizar mesmo nos casos de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior. É o que ocorre, por exemplo, no caso de acidente de trabalho, em que a indenização é devida mesmo que o acidente tenha decorrido de culpa exclusiva da vítima ou caso fortuito. Se fosse admitida a teoria do risco integral em relação à Administração Pública ficaria o Estado obrigado a indenizar sempre e em qualquer caso o dono suportado pelo particular, ainda que não decorrendo de sua atividade, posto que estaria impedido de invocar as causas de exclusão do nexo causal, o que, a toda evidência, conduziria ao abuso e à iniqüidade.34 Maria Silvya Zanella Di Pietro, observa que a maior parte da doutrina considera as expressões risco administrativo e risco integral como sinônimos. A autora faz referência às críticas levantadas por Yussef Said Cahali a distinção entre essas teorias, vejamos: Yussef Said Cahali (1995:40) criticando a distinção feita por Hely Lopes Meirelles, diz que: “a distinção entre risco administrativo e risco integral não é ali estabelecida em função de uma distinção conceitual ou ontológica entre as duas modalidades de risco pretendidas, mas simplesmente em função das conseqüências irrogadas a uma outra modalidade: o risco administrativo é qualificado pelo seu efeito de permitir contraprova de excludente de responsabilidade, efeito que seria inadmissível se qualificado como risco integral, sem que nada seja enunciado quanto à base ou natureza da distinção”. E acrescenta que “deslocada a questão para o plano da causalidade, qualquer que seja a qualificação atribuída ao risco – risco integral, risco administrativo, risco proveito – aos tribunais se permite a exclusão ou atenuação daquela responsabilidade do Estado quando fatores outros, voluntários ou não, tiverem prevalecido ou concorrido como causa 35 na verificação do dano injusto. Sérgio Cavalieri comentando a divergência de entendimentos conclui que: “A realidade, entretanto, é que a distinção se faz necessária para que o estado não venha a ser responsabilizado naqueles casos em que o dano não decorra direta ou indiretamente da atividade administrativa”.36 Assim, pode-se afirmar que a teoria adotada no ordenamento jurídico pátrio é a do risco administrativo em que elementos como a culpa exclusiva ou concorrente da vítima, o caso fortuito, a força maior e o fato exclusivo de terceiros podem afastar ___________________ 34 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 233. DI PIETRO, 2007, p. 600. 36 CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 232. 35 22 do Estado o dever de indenizar. E isso ocorre também em face do rompimento do nexo causal. Vejamos o precedente abaixo: E M E N T A: INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PODER PÚBLICO - TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO PRESSUPOSTOS PRIMÁRIOS DE DETERMINAÇÃO DESSA RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO CAUSADO A ALUNO POR OUTRO ALUNO IGUALMENTE MATRICULADO NA REDE PÚBLICA DE ENSINO PERDA DO GLOBO OCULAR DIREITO - FATO OCORRIDO NO RECINTO DE ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL - CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO MUNICÍPIO - INDENIZAÇÃO PATRIMONIAL DEVIDA - RE NÃO CONHECIDO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizála pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ 91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417). - O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/50). RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO POR DANOS CAUSADOS A ALUNOS NO RECINTO DE ESTABELECIMENTO OFICIAL DE ENSINO. - O Poder Público, ao receber o estudante em qualquer dos estabelecimentos da rede oficial de ensino, assume o grave compromisso de velar pela preservação de sua integridade física, devendo empregar todos os meios necessários ao integral desempenho desse encargo jurídico, sob pena de incidir em responsabilidade civil pelos eventos lesivos ocasionados ao aluno. - A obrigação governamental de preservar a intangibilidade física dos alunos, enquanto estes se encontrarem no recinto do estabelecimento escolar, constitui encargo indissociável do dever que incumbe ao Estado de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a guarda imediata do Poder Público nos estabelecimentos oficiais de ensino. Descumprida essa obrigação, e vulnerada a integridade corporal do aluno, emerge a responsabilidade civil do Poder Público pelos danos causados a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda, vigilância e proteção das autoridades e dos funcionários escolares, ressalvadas as situações que descaracterizam o nexo de causalidade material entre o evento danoso e a atividade estatal imputável aos agentes públicos. (RE 109615, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 28/05/1996, DJ 02-08-1996 PP-25785 EMENT VOL-01835-01 PP00081) (grifo nosso) 23 Nessa direção, Cavalieri analisando o art. 37, § 6º do texto constitucional, faz as seguintes ponderações: Duas outras conclusões podem ser extraídas do texto constitucional em exame. O Estado só responde pelos danos que os seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros. A expressão grifada – seus agentes, nessa qualidade – está a evidenciar que o constituinte adotou expressamente a teoria do risco administrativo como fundamento da responsabilidade da Administração Pública, e não a teoria do risco integral, porquanto condicionou a responsabilidade objetiva do Poder Público ao dano recorrente da sua atividade administrativa, isto é, aos casos em que houver relação de causa e efeito entre a atividade do agente público e o dano. Sem essa relação de causalidade, como já ficou assentado, não há como e nem por que responsabilizá-lo. Importa dizer que o Estado não responderá pelos danos causados a outrem pelos seus servidores quando não estiverem no exercício da função, nem agindo em razão dela. Não responderá igualmente, quando o dano decorrer de fato exclusivo da vítima, caso fortuito ou força maior e fato de terceiro, por isso que tais fatores, por não 37 serem agentes do Estado, exclui o nexo causal. (grifo do autor). Yussef Said Cahali comentando o sentido de evolução histórica da responsabilidade civil no Estado direito Brasileiro faz as seguintes considerações: A constituição de 1934, no art. 171, dispunha que os funcionários públicos seriam responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício de seus cargos. E nos §§ 1.º e 2.º prescrevia que, “na ação proposta contra a Fazenda Pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte. Executado a sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário culpado.38 A Constituição de 1946, no art. 194, foi clara: As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes. A Constituição de 1967 seguiu a mesma linha, dispondo de maneira ainda mais incisiva, no art. 105 (repetido no art. 107 da Emenda Constitucional de 1969): “As pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros. Parágrafo único. Caberá ação regressiva contra o funcionamento responsável, nos caos de culpa ou dolo”. E, mantendo os mesmos princípios, a Constituição de 1988 ampliou a extensão dessa responsabilidade, conforme seu art. 37, § 6.º: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço públicos ___________________ 37 38 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 237. CAHALI, 2007. 24 responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.39 Em síntese, caso o Brasil adotasse a teoria do risco integral haveria sempre que indenizar, ainda que inexistisse a conduta estatal e o nexo de causalidade. Já a teoria do risco administrativo sinaliza que o Estado somente indenizará presentes a conduta, o dano e a necessária relação de causalidade entre eles, razão pela qual, por exemplo, situações ligadas a eventos da natureza que provoquem prejuízos a terceiros (motivo de força maior) não são imputados ao Estado. 2.3 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO Não há harmonia entre os doutrinadores no que diz respeito aos elementos da responsabilidade civil do Estado, por isso destacaremos o que há de majoritário: fato administrativo, o dano e o nexo causal. 2.3.1 Fato administrativo Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, quando o fato descrito na norma legal produz efeitos no campo do direito administrativo, ele é um fato administrativo.40 Para José dos Santos Carvalho Filho, o fato administrativo é considerado como qualquer forma de conduta, comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída ao Poder Público. Ainda que o agente estatal atue fora de suas funções, mas a pretexto de exercê-las, o fato é tido como administrativo, no mínimo pela má escolha do agente (culpa in eligendo) ou pela má fiscalização de sua conduta (culpa in vigilando)41. ___________________ 39 CAHALI, 2007, p. 30/31. DI PIETRO, 2007, p. 175. 41 CARVALHO FILHO, 2006, p. 458. 40 25 2.3.2 Evento danoso Assim como na responsabilidade civil disciplinada pelas regras de direito privado o evento danoso constitui-se pressuposto fundamental para o nascimento do dever de indenizar, não importando que seja um dano patrimonial ou moral. Yussef Said Cahali destaca um dos pontos fundamentais no que concerne ao tema, vejamos: Como na atividade administrativa são freqüentes os casos em que o interesse público exige o sacrifício de interesses privados, para que o dano dê lugar ao nascimento da pretensão indenizatória, é necessário que o prejuízo seja especial ou singular, e não universal, isto é, “só quando certa ou certas pessoas forem prejudicadas pela atividade administrativa 42 enquanto a generalidade foi poupada. 2.3.3 Nexo causal O nexo causal ou relação de causalidade é o liame entre o fato administrativo e o dano causado. Entre os pressupostos da responsabilidade Estatal esse é o que apresenta maior dificuldade no momento de sua apreciação. Assim, oportuno transcrever as precisas lições de José dos Santos Carvalho Filho: O ultimo pressuposto é o nexo causal (ou relação de casualidade) entre o fato administrativo e o dano. Significa dizer que ao lesado cabe a penas demonstrar que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal, sem qualquer consideração sobre o dolo ou a culpa. Se o dano decorre de fato que, de modo algum, pode ser imputado à administração, não se poderá imputar responsabilidade civil a esta; inexistindo o fato administrativo não haverá, por conseqüência, o nexo casal. Essa é a razão por que não se pode responsabilizar o Estado por todos os danos sofridos pelos indivíduos, principalmente quando decorrem de fato de terceiros ou de ação da própria vítima. O nexo de casualidade é fator de fundamental importância para a atribuição de responsabilidade civil do Estado. O exame supérfluo e apressado de fatos causadores de danos a indivíduos tem levado alguns intérpretes à equivocada conclusão de responsabilidade civil do estado. Para que se tenha uma analise absolutamente consentânea com o mandamento constitucional, é necessário que se verifique se realmente houve um fato administrativo (ou seja, um fato imputável à Administração), o dano da vitima e a certeza de que o dano proveio efetivamente daquele fato. Essa é a razão por que os estudiosos têm consignado, com inteira dose de acerto, que “a responsabilidade objetiva fixada pelo texto constitucional exige como requisito para que o Estado responda pelo dano que lhe for imputado, a ___________________ 42 CAHALI, 2007, p. 69. 26 fixação do nexo casal entre o dano produzido e a atividade funcional 43 desempenhada pelo agente estatal. 2.4 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO Como mencionado anteriormente, o Estado não pode responsabilizar-se por todo e qualquer ato que ocorra, razão pela qual se adotou no ordenamento jurídico pátrio a teoria do risco administrativo, na qual se admite a exclusão da responsabilidade do Estado em determinadas situações. Entretanto, também quanto às excludentes de responsabilidade não há unanimidade doutrinária. A maior parte da doutrina considera como causas que obstam a incidência de responsabilidade a ocorrência de culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiros, o caso fortuito e a força maior. Desse modo, a responsabilidade do Estado surge sempre que se demonstre o dano, a conduta estatal que o ensejou, e a relação de causa e efeito, entre aquele e esta. Sendo que ocorrendo as situações em que não há como se estabelecer um liame entre o dano e conduta estatal, seja ela omissiva ou comissiva, ficará o nexo de causalidade, pressuposto fundamental para se obter a reparação do dano, prejudicado, não havendo que cogitar qualquer pretensão indenizatória por parte do Estado. Tais situações são facilmente visualizadas quando se tratar de caso fortuito, força maior, estado de necessidade, culpa da vítima e ato de terceiro, as quais, ocorrendo, afastam ou atenuam a responsabilidade do Estado. Vejamos a seguir os principais elementos que afastam ou atenuam a responsabilidade Estatal. 2.4.1 Força maior e caso fortuito Apesar das intensas discussões a respeito da diferença entre a força maior e o caso fortuito, ainda não há posicionamento unânime na doutrina. ___________________ 43 CARVALHO FILHO, 2006, p. 458-459. 27 Como caso fortuito entende-se a circunstância provocada por ação ou inação do homem, que intervém na conduta de outros indivíduos de forma irresistível. A força maior, exemplificada pela doutrina tradicional como fenômenos da natureza, tais como, raios, terremotos, erupções vulcânicas e outros, é conhecida como o evento com natureza conhecida, mas impossível de ser evitada pelo homem. Nesse sentido, José Cretella Júnior observa que: [...] fenômenos da natureza (cataclismos, terremotos, ciclones, furacões, raios, inundações, erupções vulcânicas, maremotos, trombas d’água), entre outros que, comprovados, se apresentam com o traço da inevitabilidade mesmo diante das possibilidades técnicas de nossos dias, impotentes para evitar-lhes os efeitos, configuram-se a força maior, evento imprevisível e alheio à vontade do sujeito quem se pretende atribuir a responsabilidade 44 pelo prejuízo. O artigo 393, parágrafo único do Código Civil não faz distinção entre caso fortuito e força maior: O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. Porém, Sérgio Cavalieri Filho aponta distinções entre o caso fortuito e a forma maior. Vejamos: Entendemos, todavia, que diferença existe, e é a seguinte: estaremos em face do caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível e, por isso, inevitável; se o evento for inevitável, ainda que previsível, por se tratar de fato superior às forças do agente, como normalmente são os fatos da natureza, como as tempestades, enchentes etc., estaremos em face da 45 força maior, como o próprio nome diz. Ainda discorrendo sobre o tema, o mesmo autor, em sua obra Programa de Responsabilidade Civil defende que tanto o caso fortuito quanto a força maior são causas que excluem o nexo causal e, portanto, estão fora dos limites da culpa, por constituírem, também, causas estranhas à conduta do aparente agente. A responsabilidade do Estado é afastada quando o prejuízo causado ao lesado for decorrente de força maior, ainda que o evento seja previsível e inevitável, por estar ausente a relação de causalidade entre o dano e a atuação administrativa. ___________________ 44 CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 134/137. 45 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 66. 28 José Carvalho dos Santos Filho denomina esses elementos como fatos imprevisíveis. O Autor sintetiza a matéria trazendo as seguintes observações: Vimos que os pressupostos da responsabilidade objetiva são o fato administrativo, o dano e o nexo de causalidade entre o fator e o dano. Ora, na hipótese de caso fortuito ou força maior nem ocorreu fato imputável ao Estado, nem o fato cometido por agente estatal. E, se é assim, não existe nexo de causalidade entre qualquer ação do estado e o dano sofrido pelo lesado. A conseqüência, pois, não pode ser outra que não a de que tais fatos imprevisíveis não ensejam a responsabilidade do Estado. Em outras 46 palavras são eles excludentes da responsabilidade. Todo o explanado, quanto aos elementos necessários para o ensejo a responsabilidade objetiva do Poder Público, está bem resumido no voto proferido pelo Ministro Celso de Mello no Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 495.740-0: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – ELEMENTOS ESTRUTURAIS – PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – INFECÇÃO POR CITOMELOVÍRUS – FATO DANOSO PARA O OFENDIDO (MENOR IMPÚBERE) RESULTANTE DA EXPOSIÇÃO DE SUA MÃE, QUANDO GESTANTE, A AGENTES INFECCIOSOS, POR EFEITO DO DESEMPENHO, POR ELA, DE ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM HOSPITAL PÚBLICO, A SERVIÇO DA ADMINISTRAÇÃO, A SERVIÇO DA ADMINISTRAÇÃO ESTATAL – PRESTAÇÃO DEFICIENTE, PELO DISTRITO FEDERAL, DE ACOMPANHAMENTO PRÉ-NATAL – PARTO TARDIO – SÍNDROME DE WEST – DANOS MORAIS E MATERIAIS – RESSARCIBILIDADE – DOUTRINA – JURISPRUDÊNCIA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o “eventus damni” e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do poder público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal... (Ag. Reg. no RE 495.740-0. Relator Ministro Celso de Mello. DJ 13/08/2009) O Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão no mesmo sentido: ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO OMISSIVO – QUEDA DE ENTULHOS EM RESIDÊNCIA LOCALIZADA À MARGEM DE RODOVIA.1. A responsabilidade civil imputada ao Estado por ato danoso de seus prepostos é objetiva (art. 37, § 6º, CF), impondo-se o dever de indenizar quando houver dano ao patrimônio de outrem e nexo causal entre o dano e o comportamento do preposto.2. Somente se afasta a responsabilidade se o evento danoso resultar de caso fortuito ou força maior, ou decorrer de culpa da vítima.3. Em se tratando de ato omissivo, embora esteja a doutrina dividida entre as correntes da responsabilidade objetiva e da responsabilidade subjetiva, prevalece, na jurisprudência, a teoria subjetiva do ato omissivo, só havendo indenização culpa do preposto.4. Recurso especial improvido.(REsp 721.439/RJ, Rel. ___________________ 46 CARVALHO FILHO, 2006, p. 461/462. 29 Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/08/2007, DJ 31/08/2007 p. 221) (grifo nosso) 2.4.2 Culpa da vítima Nas hipóteses em que o dano tenha sido causado exclusivamente por conduta da própria vítima, sem que o agente estatal tenha interferido na ocorrência do evento danoso, não haverá o necessário nexo causal entre o dano e a atuação da máquina administrativa e, em conseqüência, a responsabilidade do estado ficará afastada. Sérgio Cavalieri Filho apresenta uma situação hipotética que bem ilustra a ocorrência de culpa da vítima. Confira-se: A culpa exclusiva da vítima – pondera Sílvio Rodrigues – é causa de exclusão do próprio nexo causal, porque o agente, aparente causador do dano, é mero instrumento do acidente (ob. cit., p. 179). Assim, se “A”, num gesto tresloucado, atira-se sob as rodas do veículo dirigido por “B”, não se poderá falar em liame de causalidade entre o ato deste e o prejuízo por aquele experimentado. O veículo atropelador, a toda evidência, foi simples instrumento do acidente, erigindo-se a conduta da vítima em causa única e adequada do evento, afastando o próprio nexo causal em relação ao motorista, e não apenas a sua culpa, como querem alguns. A boa técnica recomenda falar em fato exclusivo da vítima em lugar da culpa exclusiva. O problema, como se viu, desloca-se para o terreno do nexo causal, e não da culpa. O Direito Italiano fala em relevância do comportamento da vítima para os fins do nexo de causalidade material. Para os fins de interrupção do nexo causal basta que o comportamento da vítima represente o fato decisivo do agente. Washington de Barros Monteiro afirma que o nexo desaparece ou se interrompe quando o procedimento da vítima é a causa única do evento (qui sua culpa damnum sentit, damnum sentire non videtur) (Curso de Direito Civil, 25ª ed., v. 1º/279, Saraiva). No mesmo sentido Aguiar Dias, ao dizer: “Admite-se como causa de isenção de responsabilidade o que se chama de culpa exclusiva da vítima, pelo qual fica eliminada a causalidade em relação ao terceiro interveniente no ato 47 danoso” (ob. cit., v. II/313) A ocorrência de culpa da vítima, uma vez provada pela administração, tem o condão de afastar ou atenuar a responsabilidade do Estado. Assim, se o evento danoso foi provocado exclusivamente pelo terceiro, restará ausente o indispensável nexo de causalidade entre o dano e a atividade da Administração, além de não configurar injusto, não se prestando, assim, como causa jurídica de pretensão indenizatória. Nesse sentido Yussef Said Cahali: ___________________ 47 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 64. 30 Estabelecido o liame causal entre a falta administrativa e o prejuízo superveniente, sem culpa ou dolo da vítima, cabe à Administração indenizar o lesado. Disso deflui que, a contrario sensu, sempre que a culpa da própria vítima for a causa imediata do acidente, ainda que envolvido se ache algum agente do Poder Público, não se configura a responsabilidade civil da 48 Administração. Entretanto, o ônus da prova nestes casos pertence à pessoa Jurídica de Direito Público ou de Direito Provado prestadora de Serviço Público demandada em juízo, pois o que se examina não é a culpa da Administração, cuja responsabilidade rege-se pela teoria objetiva, e sim a culpa da vítima, que será regida pela teoria subjetiva. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica do precedente abaixo colacionado: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RISCO ADMINISTRATIVO. RECONHECIDO O NEXO CASUAL, A PROVA DE QUE HOUVE CULPA CONCORRENTE OU EXCLUSIVA DA VITIMA NO EVENTO CABE A PESSOA JURIDICA DE DIREITO PUBLICO. DIREITO A INDENIZAÇÃO POR DESPESAS MEDICO-HOSPITALARES E A LUCROS CESSANTES, A SEREM COMPROVADOS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. AFASTAMENTO DE PENSÃO VITALICIA, DIANTE DA CONCLUSÃO DO LAUDO PERICIAL DE QUE O RECORRENTE NÃO SE ACHA INVALIDO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. .(REsp 60255 / DF, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Rel. p/ acórdão Ministro Adhemar Maciel. SEGUNDA TURMA, julgado em 26/09/1996, DJ 23/06/1997) (grifo nosso) Existem situações em que o comportamento da vítima apenas contribuiu para a ocorrência do evento danoso. Nessa hipótese, a responsabilidade do Estado não poderá ser suprimida, mas será mitigada, de acordo com o nível de interferência de cada conduta no resultado do dano. Nesses casos, a culpa da vítima poderá ser atenuante da responsabilidade pública, devendo o prejuízo ser dividido entre todos os causadores do dano, cabendo ao Poder Público reparar o prejuízo causado na medida de sua culpabilidade. Se para a verificação do evento danoso concorreram a culpa da vítima e a ação conjunta do estado ou de ente prestador de serviço público, todos os fatores determinantes devem ser considerados na fixação proporcional da indenização, restando atenuada a responsabilidade pública. ___________________ 48 CAHALI, 2007, p. 54. 31 2.4.3 Ato de terceiro O terceiro é a pessoa que concorre para o evento e que não figura na posição de pessoa jurídica de Direito Público, pessoa Jurídica de Direito Privado prestadora de serviço Público ou de lesado. Nas hipóteses em que o terceiro cause dano ao particular por sua ação direta, sem que o Estado possa intervir de modo a neutralizar os efeitos dessa conduta, dentro da razoabilidade e diligências possíveis, deve-se excluir a responsabilidade da Administração Pública. Se o terceiro age por sua conta e risco, sem vínculo com a atuação estatal, deve responder pelos prejuízos oriundos de seu comportamento, excluindo, assim, a responsabilidade pública pelo evento danoso, porém, se a atividade desenvolvida pelo particular tiver qualquer vínculo com a Administração pública, a indenização deve ser repartida entre o Estado e o terceiro causador do dano. Vejamos as lições de Yussef Said Cahali: Finalmente, o fato de terceiro pode atuar como fator de quebra do nexo de causalidade, para excluir ou não a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público: “Já decidiu a Corte que o fato de terceiro que não exonera de responsabilidade o transportar ‘é aquele que com transporte guarda conexidade, inserindo-se nos riscos próprios do deslocamento. O mesmo não se verifica quando intervenha fato inteiramente estranho, devendo-se o dano a causa alheia ao transporte em si’ (REsp 13.351, DJ 24.02.1992; REsp 174.382, DJ13.12.1999; REsp 67.921, DJ 08.12.1995). De igual forma decidiu a Corte que, ‘na sistemática do direito brasileiro, o ocasionador direto do dano responde pela reparação a que faz jus a vítima, ficando com ação regressiva contra o terceiro que deu origem à manobra determinante do ato lesivo’ (REsp 127.747).49 Segundo a doutrina dominante, o fato de terceiro equipara-se ao caso fortuito ou a força maior, por se tratar de causa estranha à conduta do agente aparente, imprevisível e inevitável. Nesse sentido, Sérgio Cavalieiri Filho: o fato de terceiro, segundo a opinião dominante, equipara-se ao caso fortuito ou força maior, por ser uma causa estranha à conduta do agente aparente, imprevisível e inevitável. A culpa exclusiva de terceiros foi também incluída pelo Código de Consumidor entre as causas de exclusão 50 de responsabilidade do fornecedor (arts. 12, § 3º, III, e 14, § 3º, II). ___________________ 49 50 CAHALI, 2007, p. 65. CARVALHO FILHO, 2006, p. 65. 32 2.5 PESSOAS JURÍDICAS DO ART. 37, § 6º, DA CF/88 As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de 51 regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (grifo nosso). José dos Santos Carvalho Filho comentando essa regra constitucional considera como pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos as pessoas privadas da Administração Indireta (empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas com personalidade de direito privado), quando se dedicam à prestação de serviços públicos, e os concessionários e os permissionários de serviços públicos como é o caso das empresas de transporte coletivo, de fornecimento de água, de distribuição e fornecimento de energia elétrica e outras dessa natureza.52 No mesmo sentido é a lição de Celso Antonio Bandeira de Mello: Ademais, para fins de responsabilidade subsidiária do Estado, incluem-se, também, as demais pessoas jurídicas de Direito Público auxiliares do Estado, bem como quaisquer outras, inclusive de Direito Privado, que, inobstante alheias à sua estrutura orgânica central, desempenham cometimentos estatais sob concessão ou delegação explicitas (concessionárias de serviço públicos e delegados de função pública) ou implícitas (sociedade mistas e empresas do Estado em geral, quando no desempenho de serviço público propriamente dito). Isto porque não faria sentido que o Estado se esquivasse a responder subsidiariamente – ou seja, depois de exaustas as força da pessoa alheia à sua intimidade estrutural – se a atividade lesiva só foi possível porque o Estado lhe colocou em mãos o desempenho da atividade exclusivamente pública gerada do 53 dano. Um aspecto que merece destaque é o entendimento de que a responsabilidade objetiva das pessoas privadas prestadoras de serviços públicos incide exclusivamente na hipótese em que o dano é ocorrido contra usuários, não se admitindo que essa incida perante terceiros. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, mudou esse entendimento, conforme se verifica em seu informativo nº 557, de 24 de agosto de 2009: Responsabilidade Civil Objetiva e Terceiro Não-Usuário do Serviço Enfatizando a mudança da jurisprudência sobre a matéria, o Tribunal, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que ___________________ 51 Transcrição do art. 37, § 6º, da CF/88. CARVALHO FILHO, 2006, p. 454. 53 MELO, 2006, p. 963. 52 33 concluíra pela responsabilidade civil objetiva de empresa privada prestadora de serviço público em relação a terceiro não-usuário do serviço. Na espécie, empresa de transporte coletivo fora condenada a indenizar danos decorrentes de acidente que envolvera ônibus de sua propriedade e ciclista, o qual falecera. Inicialmente, o Tribunal resolveu questão de ordem suscitada pelo Min. Marco Aurélio, no sentido de assentar a necessidade de se ouvir o Procurador-Geral da República, em face do reconhecimento da repercussão geral e da possibilidade da fixação de novo entendimento sobre o tema, tendo o parquet se pronunciado, em seguida, oralmente. RE 591874/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.8.2009. (RE-591874) No mérito, salientando não ter ficado evidenciado, nas instâncias ordinárias, que o acidente fatal que vitimara o ciclista ocorrera por culpa exclusiva deste ou em razão de força maior, reputou-se comprovado o nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro nãousuário do serviço público, e julgou-se tal condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado, nos termos do art. 37, § 6º, da CF (“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”). Asseverou-se que não se poderia interpretar restritivamente o alcance do art. 37, § 6º, da CF, sobretudo porque a Constituição, interpretada à luz do princípio da isonomia, não permite que se faça qualquer distinção entre os chamados “terceiros”, ou seja, entre usuários e não-usuários do serviço público, haja vista que todos eles, de igual modo, podem sofrer dano em razão da ação administrativa do Estado, seja ela realizada diretamente, seja por meio de pessoa jurídica de direito privado. Observou-se, ainda, que o entendimento de que apenas os terceiros usuários do serviço gozariam de proteção constitucional decorrente da responsabilidade objetiva do Estado, por terem o direito subjetivo de receber um serviço adequado, contrapor-se-ia à própria natureza do serviço público, que, por definição, tem caráter geral, estendendo-se, indistintamente, a todos os cidadãos, beneficiários diretos ou indiretos da ação estatal. Vencido o Min. Marco Aurélio que dava provimento ao recurso por não vislumbrar o nexo de causalidade entre a atividade administrativa e o dano em questão. Precedentes citados: RE 262651/SP (DJU de 6.5.2005); RE 459749/PE (julgamento não concluído em virtude da superveniência de acordo entre as partes). RE 591874/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.8.2009. (RE-591874) Portanto, de acordo com o recente precedente acima transcrito, não só os usuários do serviço público, como, p. ex. o passageiro de um ônibus de transporte coletivo, mas também os não-usuários, como, p. ex., uma pessoa que tem seu veículo abalroado pelo ônibus da concessionária podem ingressar com ação de indenização em desfavor da delegatária de serviços públicos com base na responsabilidade objetiva. Nesses casos, ressalte-se, a responsabilidade primária é da empresa concessionária de serviços públicos, somente respondendo o Estado de forma subsidiária. 34 2.6 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS OMISSIVOS A responsabilidade do Estado por atos omissivos é tema que tem gerado grande controvérsia entre doutrinadores. Para alguns estudiosos da matéria, a responsabilidade do Estado será objetiva tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos. Para outros, em se tratando de atos omissivos surgirá necessidade de se apurar a culpa, não se admitindo a responsabilização sem que ela exista. Sérgio Cavalieri citando entendimentos doutrinários acerca do assunto assim leciona: Na doutrina, ilustres juristas entendem que a responsabilidade estatal é objetiva tanto por ato comissivo como omissivo. Hely Lopes Meirelles: ”O essencial é o que o agente da Administração haja praticado o ato ou a omissão administrativa na qualidade de agente público. Não se exige, pois, que tenha agido no exercício de suas funções, mas simplesmente na qualidade de agente público” (direito Administrativo brasileiro, 29º ed.,São Paulo, Malheiros Editores,2004, p.630-grifamos); Yussef Said Cahali: “Desenganadamente, a responsabilidade objetiva da regra constitucional – concordam todos,doutrina e jurisprudência, em considerá-la como tal – se basta com a verificação do nexo de casualidade entre o procedimento comissivo ou omissivo da Administração pública e o evento danoso verificando como conseqüência [..]” (Responsabilidade civil do Estado, 2º ed., 2ª tir., São Paulo, Malheiros editores, 1996, p.40). No mesmo sentido Celso Ribeiro Bastos ( Curso de Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1999, p. 190) e Odete Medauar (Direito Administrativo moderno, 4ª ed., São Paulo, Ed. RT, 2000, p.430),dentre outros.54 (Programa de Responsabilidade Civil Cavalieri Filho pg. 240 e 241). Por outro lado, José dos Santos Carvalho Filho traz as seguintes considerações: O Estado causa danos a particulares por ação ou por omissão. Quando o fato administrativo é comissivo, podem os danos ser gerados por conduta culposa ou não. A responsabilidade objetiva do Estado se dará pela presença dos seus pressupostos o fato administrativo, o dano e o nexo casal. Todavia, quando a conduta estatal for omissiva, será preciso distinguir se a omissão constitui, ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal; se assim for, não se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omite diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano e que será responsável civilmente obrigado a reparar os prejuízos. A conseqüência, dessa maneira, reside em que a responsabilidade civil do Estado no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa. A culpa origina-se, na espécie, do descumprimento do dever legal, atribuído ao poder publico de impedir a consumação do dano. Resulta, conseguinte que, nas omissões ___________________ 54 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 240/241. 35 estatais, a teoria da responsabilidade objetiva não 55 aplicabilidade como ocorrem nas condutas comissivas. tem perfeita Ressalte-se que em casos de omissão que causem prejuízos a outrem, prevalece na jurisprudência a ideia de responsabilizar o Estado somente quando for comprovada a culpa, ou seja, na responsabilidade por omissão não bastam o fato jurídico, o dano e o nexo de causalidade, exige-se a comprovação de que o Estado tinha conhecimento da omissão e ainda assim manteve-se inerte, causando o prejuízo. Em resumo, em caso de conduta omissiva, a jurisprudência acena para a adoção da responsabilidade subjetiva do Estado, conforme se verifica abaixo: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. ATO OMISSIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. AGENTE PÚBLICO FORA DE SERVIÇO. CRIME PRATICADO COM ARMA DA CORPORAÇÃO. ART. 37, § 6º, DA CF/88. 1. Ocorrência de relação causal entre a omissão, consubstanciada no dever de vigilância do patrimônio público ao se permitir a saída de policial em dia de folga, portando o revólver da corporação, e o ato ilícito praticado por este servidor. 2. Responsabilidade extracontratual do Estado caracterizada. 3. Inexistência de argumento capaz de infirmar o entendimento adotado pela decisão agravada. 4. Agravo regimental improvido. (RE 213525 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 09/12/2008, DJe-025 DIVULG 05-02-2009 PUBLIC 0602-2009 EMENT VOL-02347-05 PP-00947) (grifo nosso). EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: DETENTO FERIDO POR OUTRO DETENTO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º. I. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes -- a negligência, a imperícia ou a imprudência -- não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. - A falta do serviço -- faute du service dos franceses -- não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. - Detento ferido por outro detento: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do serviço, com a culpa genérica do serviço público, por isso que o Estado deve zelar pela integridade física do preso. IV. - RE conhecido e provido. (RE 382054, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 03/08/2004, DJ 01-10-2004 PP-00037 EMENT VOL-02166-02 PP-00330 RT v. 94, n. 832, 2005, p. 157-164 RJADCOAS v. 62, 2005, p. 38-44 RTJ VOL 00192-01 PP-00356) (grifo nosso) ___________________ 55 CARVALHO FILHO, 2006, p. 464, 465. 36 2.7 RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO O § 6º do art. 37 da Constituição Federal possui a seguinte redação: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. A substituição da expressão “funcionários”, contida nas constituições anteriores, por “agente” foi objeto de grande reconhecimento por parte da doutrina (José dos Santos Carvalho Filho, Hely Lopes Meirelles, Yussef Said Cahali). Essa expressão “agente” se revela mais adequada por permitir uma interpretação mais ampla. Por oportuno, transcreveremos adiante o conceito de agentes públicos: “São todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal”.56 A expressão agentes públicos tem sentido amplo. Significa o conjunto de pessoas que, a qualquer título, exercem um função pública como preposto do Estado. Essa função, é mister que se diga, pode ser remunerada ou 57 gratuita, definitiva ou transitória, política ou jurídica [...] A Lei 8.429/1992 também define o conceito de agentes públicos, vejamos: Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior. Outro aspecto que merece destaque é a observação contida no dispositivo Constitucional no sentido de ser imprescindível que o agente esteja nessa qualidade, ou seja, na qualidade de agente público, para que o Estado possa ser obrigado a indenizar. Conforme adverte Hely Lopes Meirelles: o abuso no exercício das funções por parte do servidor não exclui a responsabilidade objetiva da Administração. Antes, a agrava, porque tal abuso traz ínsita a presunção de má escolha do agente público para a missão que lhe fora atribuída. Desde que a administração defere ou possibilita ao seu servidor a realização de certa atividade administrativa, a guarda de um bem ou a condução de uma viatura, assume o risco de sua ___________________ 56 57 MEIRELLES, 2008, p. 76. CARVALHO FILHO, 2006, p. 488 37 execução e responde civilmente pelos danos que esse agente venha a 58 causar injustamente a terceiros. O § 6º, do art. 37, da Constituição Federal permite que a Administração se utilize da ação regressiva em face do causador do dano (agente) para que ele arque com os prejuízos indenizados à vítima. Entretanto, enquanto que para o Poder Público a responsabilidade é objetiva, sem necessidade de se apurar a culpa, para que a Administração utilize-se dessa prerrogativa é necessário comprovar a existência de culpa ou do dolo do agente. É o que se extrai da parte final do dispositivo em comento: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Das lições doutrinárias é possível verificar que o direito da Administração em buscar a reparação do prejuízo por meio de ação regressiva, fica condicionado a ocorrência de dois fatores: que a reparação do dano à vítima já tenha sido satisfeita e que haja culpa ou dolo do agente público. Nesse sentido Hely Lopes Meirelles: A reparação do dano causado pela Administração a terceiros obtém-se amigavelmente ou por meio da ação de indenização, e, uma vez indenizada a lesão da vítima, fica a entidade pública com o direito de voltar-se contra o servidor culpado para haver dele o despendido, através da ação regressiva autorizada pelo § do art. 37 da CF. O legislador constituinte bem separou as responsabilidades: o Estado indeniza a vítima, o agente indeniza o Estado regressivamente. A ação regressiva da Administração contra o causador direito do dano está instituída pelo § 6º do art. 37 da CF como mandamento a todas as entidades públicas e particulares prestadores de serviços públicos. Para êxito desta ação exigem-se dois requisitos: primeiro, que a Administração já tenha sido condenada a indenizar a vítima do dano sofrido; segundo, que se comprove a culpa do funcionário no evento danoso. Enquanto para a Administração a responsabilidade independente da culpa, para o servidor a responsabilidade depende da culpa: aquela é objetiva, esta é subjetiva e se 59 apura pelos critérios gerais do Código Civil. Vejamos as decisões do Superior Tribunal de Justiça acerca da responsabilidade civil do Estado: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. SUICÍDIO. TENTATIVA. NEGLIGÊNCIA. POSSIBILIDADE CONCRETA. DEVER DE VIGILÂNCIA. DIREITO À PROTEÇÃO DA VIDA PRÓPRIA E DE TERCEIROS. NEXO CAUSAL. SÚMULA 7/STJ. 1. O nexo causal ressoa inequívoco quando a tentativa de suicídio respaldase na negligência do Estado quanto à possibilidade de militar deprimido ter ___________________ 58 59 MEIRELLES, op. cit., p. 663. MEIRELLES, 2008, p. 667/669. 38 acesso a armas, colocando em risco não apenas a sua própria existência, mas a vida de terceiros. 2. Ad argumentandum tantum, ainda que se admitisse a embriaguez afirmada pelo recorrente, incumbe ao Estado o tratamento do alcoolismo, reconhecida patologia que acarreta distúrbios psicológicos e mentais, podendo evoluir para quadro grave, como a tentativa de suicídio. Precedente: RMS 18.017/SP, DJ 02/05/2006. 3. In casu, assentou o Tribunal a quo caber ao Estado vigiar o comportamento e o estado psicológico daqueles que sob sua imediata fiscalização e autoridade estão. Formar soldados não significa querê-los - a qualquer preço - bons atiradores, bem preparados fisicamente e cumpridores de ordens. Eventuais desequilíbrios emocionais ou psicológicos podem e devem ser detectados pelo Administrador Público em suas rotineiras rondas. 4. A negligência decorrente dos fatos narrados pelo autor na exordial - em especial no que se refere à configuração da responsabilidade estatal restou examinada pelo Tribunal a quo à luz do contexto fático-probatório engendrado nos autos, é insindicável nesta instância processual, à luz do óbice constante da Súmula 7/STJ. 5. O Estado é responsável pessoas presas cauterlamente ou em decorrência de sentença definitiva; menores carentes ou infratores internados em estabelecimentos de triagem ou recuperação; alunos de qualquer nível (básico, profissionalizante, nível superior etc); doentes internados em hospitais públicos, e outras situações assemelhadas, tornase guardião dessas pessoas (Rui Stocco – in "Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial - Doutrina e Jurisprudência", 4ª Edição, Revista dos Tribunais- página 603). 6. A Fazenda do Estado responde pelo ato ilícito praticado por agentes da Administração, decorrente da deficiência de vigilância exercida sobre oficial da Polícia Militar, portador de esquizofrenia, internado estabelecimento hospitalar da Corporação, que, evadindo-se, suicidou-se com arma por ele encontrada no Batalhão onde servila" (TJSP - 4ª C. - Ap - Rel. Médice Filho - j. 24.8.72 - RT 445/84)" (Rui Stocco - in "Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial - Doutrina e Jurisprudência", 4ª Edição, Revista dos Tribunais- página 604). 7. Precedentes: REsp 466969/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/04/2003, DJ 05/05/2003; REsp 785.835/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/03/2007, DJ 02/04/2007;REsp 847.687/GO, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2006, DJ 25/06/2007. 8. A definição dos níveis de participação da vítima nem sempre é muito clara, de modos que, na prática, têm-se admitido a mesma como excludente apenas nos casos de completa eliminação de conduta estatal. Nos casos em que existam dúvidas sobre tal inexistência, resolve-se pela responsabilização exclusiva do Estado." (grifou-se) (Heleno Taveira Tôrres, in "O Princípio da Responsabilidade Objetiva do Estado e a Teoria do Risco Administrativo", Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 32 - nº 126 - Senado Federal - abril/junho - 1995, páginas 239/240) 9. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 10. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (REsp 1014520/DF Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO. Julgamento: 02/06/2009 Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA) (grifo nosso) PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INCÊNDIO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO DE CASA DESTINADA A "SHOWS". DESAFIO AO 39 ÓBICE DA SÚMULA 07/STJ. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A OMISSÃO ESTATAL E O DANO - INCÊNDIO -. CULPA DE TERCEIROS. PREJUDICADA A ANÁLISE DO CHAMAMENTO DO PROCESSO. 1. Ação indenizatória em face de Município, em razão de incêndio em estabelecimento de casa destinada a shows, ocasionando danos morais, materiais e estéticos ao autor. 2. A situação descrita não desafia o óbice da Súmula 07 desta Corte. Isto porque, não se trata de reexame do contexto fático-probatório dos autos, circunstância que redundaria na formação de nova convicção acerca dos fatos, mas sim de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e à formação da convicção, ante a distorcida aplicação pelo Tribunal de origem de tese consubstanciada na caracterização da responsabilidade civil do Estado. 3. "O conceito de reexame de prova deve ser atrelado ao de convicção, pois o que não se deseja permitir, quando se fala em impossibilidade de reexame de prova, é a formação de nova convicção sobre os fatos. Não se quer, em outras palavras, que os recursos extraordinário e especial, viabilizem um juízo que resulte da análise dos fatos a partir das provas. Acontece que esse juízo não se confunde com aquele que diz respeito à valoração dos critérios jurídicos respeitantes à utilização da prova e à formação da convicção. É preciso distinguir reexame de prova de aferição: i) da licitude da prova; ii) da qualidade da prova necessária para a validade do ato jurídico ou iii) para o uso de certo procedimento; iv) do objeto da convicção; v) da convicção suficiente diante da lei processual e vi) do direito material; vii) do ônus da prova; viii) da idoneidade das regras de experiência e das presunções; ix) além de outras questões que antecedem a imediata relação entre o conjunto das provas e os fatos, por dizerem respeito ao valor abstrato de cada uma das provas e dos critérios que guiaram os raciocínios presuntivo, probatório e decisório". (Luiz Guilherme Marinoni in "Reexame de prova diante dos recursos especial e extraordinário", publicado na Revista Genesis - de Direito Processual Civil, Curitiba-número 35, págs. 128/145) 4. A jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de que em se tratando de conduta omissiva do Estado a responsabilidade é subjetiva e, neste caso, deve ser discutida a culpa estatal. Este entendimento cinge-se no fato de que na hipótese de Responsabilidade Subjetiva do Estado, mais especificamente, por omissão do Poder Público o que depende é a comprovação da inércia na prestação do serviço público, sendo imprescindível a demonstração do mau funcionamento do serviço, para que seja configurada a responsabilidade. Diversa é a circunstância em que se configura a responsabilidade objetiva do Estado, em que o dever de indenizar decorre do nexo causal entre o ato administrativo e o prejuízo causado ao particular, que prescinde da apreciação dos elementos subjetivos (dolo e culpa estatal), posto que referidos vícios na manifestação da vontade dizem respeito, apenas, ao eventual direito de regresso. Precedentes: (REsp 721439/RJ; DJ 31.08.2007; REsp 471606/SP; DJ 14.08.2007; REsp 647.493/SC; DJ 22.10.2007; REsp 893.441/RJ, DJ 08.03.2007; REsp 549812/CE; DJ 31.05.2004) 5. In casu, o Tribunal de origem entendeu tratar-se da responsabilidade subjetiva do Estado, em face de conduta omissiva, consoante assentado: "[...]Também restou incontroveso nos autos que o incêndio teve como causa imediata as faíscas advindas do show pirotécnico promovido irresponsavelmente dentro do estabelecimento, não obstante constar da caixa de fogos o alerta do fabricante para soltá-los sempre em local aberto, ao ar livre, e nunca perto de produtos inflamáveis. Ainda assim, me parece óbvio que, se o município tivesse sido diligente, exercendo regularmente seu poder de polícia, fiscalizando o estabelecimento e tomando as medidas condizentes com as irregularidades constatadas, certamente evitaria o incêndio, porque a Casa não estaria funcionando, ou, alternativamente, 40 daria às pessoas ali presentes a possibilidade de se evadirem do local de maneira mais rápida e segura .[...]" (fls. 410) 6. Desta forma, as razões expendidas no voto condutor do acórdão hostilizado revelam o descompasso entre o entendimento esposado pelo Tribunal local e a circunstância de que o evento ocorreu por ato exclusivo de terceiro, não havendo nexo de causalidade entre a omissão estatal e o dano ocorrido. 7. Deveras, em se tratando de responsabilidade subjetiva, além da perquirição da culpa do agente há de se verificar, assim como na responsabilidade objetiva, o nexo de causalidade entre a ação estatal comissiva ou omissiva e o dano. A doutrina, sob este enfoque preconiza: "Se ninguém pode responder por um resultado a que não tenha dado causa, ganham especial relevo as causas de exclusão do nexo causal, também chamadas de exclusão de responsabilidade. É que, não raro, pessoas que estavam jungidas a determinados deveres jurídicos são chamadas a responder por eventos a que apenas aparentemente deram causa, pois, quando examinada tecnicamente a relação de causalidade, constata-se que o dano decorreu efetivamente de outra causa, ou de circunstância que as impedia de cumprir a obrigação a que estavam vinculadas. E, como diziam os antigos, 'ad impossibilia nemo tenetur'. Se o comportamento devido, no caso concreto, não foi possível, não se pode dizer que o dever foi violado.[...]" (pág. 63). E mais: "[...] é preciso distinguir 'omissão genéria' do Estado e 'omissão específica'[...] Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que estava na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado. [...]" (pág. 231) (Sérgio Cavalieri Filho, in "Programa de Responsabilidade Civil", 7ª Edição, Editora Atlas). 8. In casu, o dano ocorrido, qual seja o incêndio em casa de shows, não revela nexo de causalidade entre a suposta omissão do Estado. Porquanto, a causa dos danos foi o show pirtotécnico, realizado pela banda de música em ambiente e local inadequados para a realização, o que não enseja responsabilidade ao Município cujas exigências prévias ao evento não foram insuficientes ou inadequadas, ou na omissão de alguma providência que se traduza como causa eficiente e necessária do resultado danoso. 9. Neste sentido, bem preconizou a sentença a quo: "em face dos elementos carreados aos autos, verifica-se que a causa do incêndio foram as fagulhas provocadas pelo show pirotécnico dentro do estabelecimento, evidentemente promovido e autorizado pelos seus administradores que não observaram, devidamente, o aviso do fabricante, estampado na caixa dos fogos para soltá-los em local amplo e aberto, ou seja, ao ar livre 'sendo desaconselhável seu uso perto de produtos inflamáveis'. f. 151. Diante disto, não restaram dúvidas que o ato culposo foi praticado por terceiros que, de forma inescrupulosa decidiram promover o show pirotécnico, sem qualquer zelo com as 1.500 pessoas que superlotaram aquela casa noturna, não obstante terem conhecimento possuía capacidade para 270 pessoas." (fl. 329) 10. O contexto delineado nos autos revela que o evento danoso não decorreu de atividade eminentemente estatal, ao revés, de ato de particulares estranhos à lide. 11. O chamamento ao processo dos proprietários da casa de shows e do empresário da banda, revela-se prejudicada, por pressupor existência de 41 uma relação jurídica de direito material, na qual o chamante e o chamado figure como devedor solidário do mesmo credor, o que in casu pressupõe a procedência da demanda. 12. Recurso Especial provido. (REsp 888420/MG. Relator: Min. LUIZ FUX. Julgamento: 07/05/2009. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA) Após o exame sobre a responsabilidade civil do Estado por ação e omissão, no capítulo seguinte, que é o núcleo da presente monografia, será analisada a possibilidade de se responsabilizar o Estado pelos prejuízos causados a terceiros em decorrência da prática de atos jurisdicionais. 42 CAPÍTULO 3 – RESPONSABILIDADE JURISDICIONAIS 3.1 CIVIL DO ESTADO POR ATOS INTRODUÇÃO A responsabilidade civil do estado por atos jurisdicionais já foi objeto de intensas discussões no mundo jurídico. Yussef Said Cahali observa que a irresponsabilidade dos danos causados pelos atos judiciais constitui o último reduto da teoria da irresponsabilidade civil do estado.60 O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juízes, a não ser nos casos expressamente declarados em lei. No que se refere à previsão legislativa, a própria Constituição Federal prevê a hipótese de responsabilidade civil do Estado nos casos de erro judiciário, art. 5º, inciso LXXV: “O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”. Para aqueles que defendem a responsabilidade civil do estado por atos jurisdicionais, o citado artigo deve ser interpretado de maneira ampla de modo a alcançar outras situações de erro judiciário além daqueles ocorridos na esfera penal. Na seara penal temos a regra inserida no art. 630, do Código de Processo Penal: O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos. § 1º Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça. § 2 º A indenização não será devida: a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder; b) se a acusação houver sido meramente privada. Por outro lado, nas relações de natureza cível o art. 133 do Código de Processo Civil dispõe sobre a responsabilidade pessoal do magistrado nos casos em que agir com dolo ou fraude ou ainda se comportar com desídia no exercício de suas funções, vejamos: ___________________ 60 CAHALI, 2007, p. 469. 43 Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte. Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no nº II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias. Analisaremos adiante alguns aspectos que envolvem o tema. 3.2 ATIVIDADE JUDICIÁRIA COMO SERVIÇO PÚBLICO O conceito de serviço público não é unânime entre os doutrinadores, assim vale à pena mencionar o entendimento de alguns estudiosos da matéria: Conceituamos serviço público como toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas 61 à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade. É toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob o regime jurídico total ou 62 parcialmente público. Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer as necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples 63 conveniências do Estado. Discorrendo acerca do assunto, Augusto do Amaral Dergint conclui que a atividade judiciária constitui serviço público por se compor de todos os elementos de sua definição, vejamos: A função jurisdicional (assim como a administrativa, à qual é ontologicamente semelhante) constitui um serviço público, monopolizado pelo Estado. A própria origem da atividade jurisdicional atesta seu caráter de típico serviço público. Em dada fase evolutiva, o Poder Público vedou aos particulares o exercício da justiça de mão própria, chamando a si a tutela dos direitos ameaçados ou violados, Instituiu-se, então, um “serviço público judiciário” (Silva, J. C., 1985, p 118). Como bem observa Carlos Maximiliano (1923, p. 737 e 1948, p. 257), “o Estado impõe o serviço, não o propõe”. Se a prestação da tutela jurisdicional é exclusivamente incumbida ao Poder Público, em caráter obrigatório, não podendo os particulares “fazer justiça” ___________________ 61 CARVALHO FILHO, 2006, p. 267. DI PIETRO, 2007, p. 90. 63 MEIRELLES, 2008, p. 333. 62 44 de mão própria, o serviço judiciário configura, inequivocamente, um serviço 64 Público. No mesmo sentido, se posicionou Oreste Nestor de Souza Laspro: Ora, a atividade jurisdicional encontra-se elencada dentre as funções essenciais e exclusivas do Estado, razão pela qual é inquestionável sua natureza pública. Aliás, se a prestação da tutela jurisdicional é exclusivamente incumbida ao Poder Público, em caráter obrigatório, não podendo os particulares, ‘fazer justiça’ de mão própria, a prestação jurisdicional configura, inequivocamente, um serviço público. Da mesma forma, trata-se de uma função estatal que se encontra à 65 disposição de toda a sociedade. 3.3 O DIREITO À JURISDIÇÃO O direito à jurisdição ou acesso à justiça está inserido na Constituição Federal entre os direitos fundamentais. Dispõe o art. 5º, inciso XXXV: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direto”. Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco analisando as circunstâncias que envolvem o direito à jurisdição fizeram importantes ponderações, que por oportuno trazemos à colação: Acesso à justiça não se identifica, pois, como a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo. Como se verá no texto, para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se é adequadamente (inclusive em processo criminal), sendo também condenáveis as restrições quando a determinadas causas (pequeno valor, interesse difusos); mas, para a integralidade do acesso à justiça é preciso isso e muito mais. A ordem jurídico-positiva (Constituição e leis ordinárias) e o lavor dos processualistas modernos têm posto em destaque uma série de princípios e garantias que, somados e interpretados harmoniosamente, constituem o traçado do caminho que conduz as partes à ordem jurídica justa. O acesso à justiça é, pois, a idéia central a que converge toda a oferta constitucional e legal desses princípios e garantias. Assim, (a) oferece-se a mais ampla admissão de pessoas e causas ao processo (universalidade da jurisdição), depois (b) garante-se a todas elas (no cível e no criminal) a observância das regras que consubstanciam o devido processo legal, para que (c) possam participar intensamente da formação do convencimento do juiz que irá julgar a causa (princípio do contraditório), podendo exigir dela a (d) efetividade de uma participação em diálogo -, tudo isso com vistas a preparar uma solução que seja justa, seja capaz de eliminar todo resíduo de insatisfação. Eis a ___________________ 64 DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. São Paulo: RT, 1994. p. 113. 65 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 172. 45 dinâmica dos princípios e garantias do processo, na sua interação 66 teleológica apontada para a pacificação com justiça. Maria Helena Diniz, citando as lições de Arruda Alvim, define a função jurisdicional como aquela realizada pelo Poder Judiciário, tendo em vista aplicar a lei a uma hipótese controvertida, mediante processo regular, produzindo, afinal, coisa julgada, com o que substitui, definitivamente, a atividade e a vontade das partes.67 3.4 ATOS ADMINISTRATIVOS PODER JUDICIÁRIO E JURISDICIONAIS PRATICADOS PELO Os atos judiciais são aqueles praticados no exercício específico da magistratura. Enquanto que os demais atos praticados pelo Poder Judiciário são denominados de administrativo ou judiciário, nesse sentido José dos Santos Carvalho Filho: As expressões atos judiciais e atos judiciários suscitam algumas dúvidas quanto a seu sentido. Como regra, tem-se empregado a primeira expressão como indicando os atos jurisdicionais do juiz (aqueles relativos ao exercício específico da função do juiz). Atos judiciários é expressão que tem sido normalmente reservada aos atos administrativos de apoio praticado no judiciário. Para o tema da responsabilidade civil do Estado, é preciso distinguir a natureza dos atos oriundos do Poder Judiciário. Como todo Poder do Estado, o judiciário produz inúmeros atos de administração além daqueles que correspondem efetivamente à sua função típica. São, portanto, atos administrativos, diversos dos atos jurisdicionais, estes peculiares ao exercício de sua função. Os atos jurisdicionais, já antecipamos, são aqueles praticados pelos magistrados no exercício da respectiva função. São, afinal, os atos processuais caracterizadores da função jurisdicional, como os despachos, 68 as decisões interlocutórias e as sentenças. No mesmo sentido é a lição de Yussef Cahali: Impende distinguir função jurisdicional da função judiciária; a última como gênero, por ser mais ampla, engloba também hipóteses distintas das atividades decisórias: na expressão “atividade” ou “função judiciária” enquadram-se todos os atos praticados pelo Estado-juiz e seus auxiliares, de natureza não necessariamente decisória, destinados a perfeita 69 consecução da prestação jurisdicional. ___________________ 66 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 35, 36, 37. 67 DINIZ, 2003, p. 573. 68 CARVALHO FILHO, 2006, p. 469, 460. 69 CAHALI, 2007, p. 474. 46 Quanto aos atos administrativos ou judiciários não há dúvida de que são suscetíveis de atrair a responsabilidade civil do Estado. Esse é o posicionamento de Sergio Cavalieri: No que respeita aos danos causados pela atividade judiciária, aqui compreendidos os casos de denegação da justiça pelo juiz, negligência no exercício da atividade, falta do serviço judiciário, desídia dos serventuários, mazelas do aparelho policial, é cabível a responsabilidade do Estado amplamente com base no art.37, § 6º, da Constituição ou na culpa anônima (falta serviço), pois trata-se, agora sim, de atividade administrativa realizada pelo Poder Judiciário. Ora, já ficou assentado que o arcabouço da responsabilidade estatal está estruturado sobre o princípio da organização e do funcionamento do serviço público. E, sendo a prestação da justiça um serviço público essencial, tal como outros prestados pelo Poder Executivo, não há como e nem por que escusar o Estado de responder pelos danos decorrentes da negligência judiciária, ou do mau funcionamento da justiça, sem que isto moleste a soberania do judiciário ou afronte o princípio da autoridade da coisa julgada.70 Assim, pode-se concluir que função judiciária é gênero da qual ato jurisdicional é espécie. 3.5 RESPONSABILIDADE PELO DANO DEVIDO À DEMORA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL Conforme verificamos no item 3.2 (direito à jurisdição), o direito à jurisdição compreende vários aspectos que visam garantir não apenas o acesso à justiça como também meios adequados para a sua efetividade. De fato a morosidade da justiça pode criar para o jurisdicionado prejuízos de ordem moral e patrimonial. Não há dúvida de que a falha na atividade jurisdicional, caracterizada pela demora na sua efetiva entrega, poderia ensejar a responsabilidade objetiva do Estado. Entretanto, o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal é de que, em regra, não cabe indenização por danos decorrentes da atividade jurisdicional, salvo nos casos expressamente previstos em Lei. Esse posicionamento tem sido objeto de intensas críticas por parte da doutrina. Vejamos o entendimento de Yussef Cahali: ___________________ 70 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 2. 47 De nossa parte, temos sustentado – divergindo da orientação jurisprudencial dominante – que deve o Estado responder civilmente pelos danos causados pela excessiva morosidade no desempenho da atividade jurisdicional, pela incompetência ou desleixo de alguns magistrados. Insistindo na ausência de responsabilidade do Estado pelo dano conseqüente da atuação do juiz, antigo acórdão majoritário do STF, em caso de réu processado por emissão de cheques sem fundos que teve contra si decretada prisão preventiva e permaneceu na cadeia pública 3 anos e 17 dias, dos quais 2 anos e 9 meses em virtude de desídia do juiz, que, recebendo ao autos conclusos depois do interrogatório em 15.04.1961, conservou-os consigo, displicentemente, sem qualquer despacho ou providência, até 16.01.1964, vindo o réu ao final a ser absolvido a requerimento do próprio Ministério Público, afirmava: “É fora de dúvida a responsabilidade do Estado em razão de danos causados por funcionários administrativos. Porém, quando se cogita da responsabilidade do Estado em virtude de ato jurisdicional, a quaestio juris assume feição polêmica na doutrina e mesmo na jurisprudência. No caso concreto as decisões nas instâncias ordinárias seguiram a diretriz predominante na jurisprudência pátria, ou seja, de que a responsabilidade do Estado por ato judicial somente se verifica quando prevista em lei, como se dá na hipótese de revisão criminal julgada procedente e em que se reconhece ao interessado 71 o direito a indenização pelo prejuízos sofridos (§ 1º do art. 630 do CPP) Não obstante as precisas considerações do autor a respeito do assunto, entendemos que a situação acima colacionada se enquadraria, perfeitamente, nas hipóteses que permitem a responsabilização pessoal do magistrado, pois, pelo o que se extrai da situação descrita, o juiz laborou com desídia, atraindo a incidência da previsão legislativa inserida no art. 133, do Código de Processo Civil. Não havendo o que se falar em responsabilidade objetiva do Estado. É importante lembrar que o Estado não está totalmente alheio ao problema da morosidade do Judiciário. Tanto é assim que as alterações inseridas na Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional nº 45 tem como objetivo a busca da celeridade processual e da razoável duração do processo, sendo esses, inclusive, princípios constitucionais inseridos por meio da referida Emenda. Art. 5º (omissis) LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. A questão ainda carece de aprofundamento. Porém entendemos que, na atual situação em que se encontra o Poder Judiciário, atribuir ao Estado responsabilidade por danos decorrentes da tardia prestação jurisdicional não seria o suficiente para a solução do problema. Certamente, adviriam outros ainda maiores em razão da quantia vultosa que o Estado teria que arcar com tais indenizações. ___________________ 71 CAHALI, 2007, p. 4513. 48 3.6 RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE ATOS JURISDICIONAIS A maior parte da doutrina comunga do entendimento de que os atos jurisdicionais não geram para o Estado a responsabilidade objetiva, vejamos alguns desses posicionamentos: Não obstante, é relevante desde já consignar que, tanto quanto os atos legislativos, os atos jurisdicionais típicos são, em principio, insuscetíveis de redundar na responsabilidade civil do estado. São eles protegidos por dois princípios básicos. O primeiro é da soberania do Estado: sendo atos que traduzem umas das funções estruturais do Estado, refletem o exercício da própria soberania. O segundo é o princípio da recorribilidade dos atos jurisdicionais: se um ato do juiz prejudica a parte no processo, tem ela os mecanismos recursais e até mesmo outras ações para postular a sua revisão. Assegura-se ao interessado, nessa hipótese, o sistema do duplo 72 grau de jurisdição. Por atos (permissão, licença) ou fatos (atos materiais, a exemplo da construção de obras públicas) administrativos que causem danos a terceiros a regra é a responsabilidade civil do Estado, mas por atos legislativos (leis) e judiciais (sentenças) a regra é a irresponsabilidade (RDA, 105:217 e 144:162) patrimonial. Em princípio, o Estado não responde por prejuízos decorrentes de sentenças (o Poder Judiciário é soberano; os juízes devem agir com independência e sem qualquer preocupação quanto a seus atos ensejarem responsabilidade do Estado; o magistrado não é servidor público; 73 a indenização quebraria o princípio da imutabilidade da coisa julgada). Para os atos administrativos, já vimos que a regra constitucional é a responsabilidade objetiva da Administração. Mas, quanto aos atos legislativos e judiciais, a Fazenda Pública só responde mediante a comprovação de culpa manifesta na sua expedição, de maneira ilegítima e lesiva. Essa distinção resulta do próprio texto constitucional, que só se refere aos agentes administrativos (servidores), sem aludir aos agentes políticos (parlamentares e magistrado), que não são servidores da Administração Pública, mas sim membros de Poderes de Estado. O ato judicial típico, que é a sentença ou decisão, enseja responsabilidade civil da Fazenda Pública, nas hipóteses do art. 5º, LXXV, da CF/88. Nos demais caso, tem prevalecido no STF o entendimento de que ela não se aplica aos atos do Poder Judiciário e de que o erro judiciário não ocorre quando a decisão judicial está suficientemente fundamentada e obediente aos pressupostos que a autorizam. Ficará, entretanto, o juiz individual e civilmente responsável por dolo, fraude, recusa, omissão ou retardamento injustificado de providência de seu oficio, nos expressos termos do art. 133 do CPC, cujo ressarcimento do que foi pago pelo Poder Público deverá ser cobrado em ação regressiva contra o magistrado culpado. Porém, nos casos de referido art. 5º, LXXV, a responsabilidade pelo dano é do Estado, não do juiz.74 Entretanto, é crescente o número dos defensores da tese da responsabilidade civil objetiva por atos jurisdicionais, nesse sentido as seguintes colocações: ___________________ 72 CARVALHO FILHO, 2006, p. 469, 460. GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 981/982. 74 MEIRELLES, 2008, p. 666, 667. 73 49 [...] a posição da jurisprudência brasileira é lamentável porque existem erros flagrantes não só em decisões criminais, em relação às quais a Constituição adotou a tese da responsabilidade, como também nas áreas cível e trabalhista. Pode até ocorrer o caso em que o juiz tenha decidido com dolo ou culpa; não haveria como afastar a responsabilidade do Estado, mas, mesmo em casos de dolo ou culpa poderia incidir essa responsabilidade, se comprovado erro da decisão.75 São inconsistentes, data vênia, as razões apresentadas em prol da tese da irresponsabilidade do estado por atos jurisdicionais. Além da imprecisão do vocábulo “soberania” e da polêmica existente em torno do seu sentido, como considerar o Judiciário um Poder soberano sem situar no mesmo plano os outros dois Poderes? O Judiciário não é um superpoder colocado sobre os outros. Ademais, soberano é o Estado como um todo, como entidade titular máxima do poder político. Os três Poderes, não obstante exerçam suas atribuições como componentes do Estado, e o façam em seu nome, não são soberanos. Apenas implementam e tornam factível, na medida em que exercem as suas funções, a soberania estatal. Nesse mister estão em pé de igualdade, o que importa dizer que o juiz é órgão do Estado tal como qualquer colégio legislativo ou autoridade executiva.Destarte, a prevalecer a tese da irresponsabilidade fundada na soberania do Judiciário, seria ela também aplicável ao executivo, em relação ao qual ninguém mais admite o privilégio.76 O § 6º desse mesmo artigo não mais fala em funcionário, mas sim em agentes, que, como já visto, compreende “todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal” (Hely Lopes Meirelles, ob. Cit., 28º ed., p. 73). Nesta categoria incluem-se, sem dúvida, não somente os membros do Poder Judiciário como agente político, como, também, os serventuários e auxiliares da justiça em geral, em vez que desempenham funções estatais. Após a constituição de 1998 fortaleceu-se a corrente doutrinária que advoga a responsabilidade ampla do Estado por atos judiciais, fundada na teoria do risco administrativo. Excelentes monografias vieram a lume sustentado a aplicabilidade do art.37, § 6º, nesta questão porque o “serviço judiciário é uma espécie do gênero serviço público do Estado e o juiz, na qualidade de prestador deste serviço, é um agente público, que atua em nome do Estado. Ademais, o texto constitucional, ao tratar da responsabilidade do Estado, 77 não excepciona a atividade judiciária. 3.6.1 Soberania do Poder Judiciário José Afonso da Silva conceitua a soberania como: “poder supremo consistente na capacidade de autodeterminação”.78 ___________________ 75 DI PIETRO, 2007, p. 607. CAVALIERI FILHO, 2008, p. 258. 77 DERGINT, 1994, p. 160-161 apud CAVALIERI FILHO, 2008, p. 258, 259. 78 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 100. 76 50 Aqueles que advogam a tese da responsabilidade do estado por atos jurisdicionais, sustentam que a soberania é algo pertencente à pessoa jurídica do Estado e não ao Poder Judiciário isoladamente. Nesse sentido, vejamos os ensinamentos de alguns autores: Para Augusto do Amaral Dergint: Com relação à função jurisdicional, por muito tempo, justificou-se a irresponsabilidade do estado no fato desta ser uma manifestação da soberania estatal. O poder judiciário, no exercício “soberano” de suas atribuições era, assim, colocado em uma posição supra legem, não se admitindo tanto a responsabilidade estatal quanto a pessoal do juiz. “como a soberania é intocável, ela funciona como um ‘campo de forças’ que, 79 envolvendo o corpo judiciário, o protegeria dos ataques dos cidadãos. Antes de tudo, cabe atentar ao princípio da “unidade do poder estatal”. A soberania é um atributo da pessoa jurídica Estado, de forma una, indivisível e inalienável. Soberano é o estado como um todo, e não o legislativo, o executivo ou o judiciário (independente ou conjuntamente), estes, alias, são mais propriamente “funções” e não “poderes” do estado. A cada qual compete unicamente o exercício da soberania estatal, dentro dos limites constitucionalmente traçados. A unidade e a totalidade caracterizam a idéia de soberania, que, em verdade, não designa o poder, mas uma qualidade 80 do poder estatal - o grau supremo deste poder. Maria Sylvia Zanella Di Pietro assim leciona: Com relação à soberania, o argumento seria o mesmo para os demais poderes; a soberania é o estado e significa a inexistência de outro poder acima dele; ela é una, aparecendo nítida nas relações externas com outros Estados. Os três poderes – executivo, legislativo e judiciário – não são soberanos, porque devem obediência à lei em especial á Constituição. se fosse aceitável o argumento da soberania ,o estado também não poderia responder por atos praticados pelo poder executivo, em relação aos quais não se contesta a responsabilidade.81 Por outro lado, há aqueles que entendem que o Poder Judiciário é dotado de soberania e em razão dela os atos típicos são insuscetíveis de atrair a responsabilidade civil do Estado. Esse é o ensinamento de José dos Santos Carvalho Filho que entende que os atos emanados pelo magistrado são: “atos que traduzem uma das funções estruturais do Estado, refletem o exercício da própria soberania.”82 ___________________ 79 SOUZA, 1990, p. 33 apud DERGINT, 1994, p. 130/131. DERGINT, 1994, p. 130/131. 81 DI PIETRO, 2007, p. 606. 82 CARVALHO FILHO, 2006, p. 470. 80 51 3.6.2 Incontrastabilidade da coisa julgada O próprio Código de Processo Civil em seu art. 467 traz a definição de coisa julgada: “Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário” A Constituição Federal deu especial tratamento à coisa julgada ao disciplinar em seu art. 5º, inciso XXXVI que: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Sobre o tema, coisa julgada, vale à pena transcrever as lições de José Afonso da Silva: Tutela-se a estabilidade dos casos julgados, para que o titular do direito aí reconhecido tenha a certeza jurídica de que ele ingressou definitivamente no seu patrimônio. A coisa julgada é, em certo sentido, um ato jurídico perfeito; assim já estaria contemplada na proteção deste, mas o constituinte a destacou como um instituto de enorme relevância na teoria da segurança jurídica.83 Humberto Theodoro Júnior bem define a função e a importância da coisa julgada, vejamos: Tão grande é o apreço da ordem jurídica pela coisa julgada, que sua imutabilidade não é atingível nem sequer pela lei ordinária garantida que se acha a sua intangibilidade por preceito da Constituição federal (art. 5º, XXXVI). [...] Na realidade, porém, ao instituir a coisa julgada, o legislador não tem nenhuma preocupação de valorar a sentença diante dos fatos (verdade) ou dos direitos (justiça). Impele-o tão-somente uma exigência de ordem prática, quase banal, mas imperiosa, de não mais permitir que se volte a discutir acerca das questões já soberanamente decididas pelo Poder Judiciário. Apenas a preocupação de segurança nas relações jurídicas e de paz na 84 convivência social é que explicam a res iudicata. Um forte argumento que sustenta a tese da irresponsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais é exatamente o da incontrastabilidade da coisa julgada. Sustenta-se que o ordenamento jurídico pátrio já possui número excessivo de recursos que permitem que a decisão monocrática seja amplamente revisada pelas instâncias superiores. E assim, permitir nova discussão a respeito do objeto do litígio seria o mesmo que atentar contra a segurança jurídica. Augusto Dergint elucidou com propriedade a questão abordada: ___________________ 83 84 SILVA, 2004, p. 435. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 43. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 574. 52 A força de coisa julgada que se liga ao ato jurisdicional sempre foi um obstáculo (e o fundamento mais sério) à adoção da teoria da responsabilidade em matéria de atos judiciais A lei estabelece uma série de precauções – regras de procedimento, regras de instrução, vias de impugnação, recursos - a que os julgamentos sejam imparciais e esclarecidos. A aplicação destas regras haveria de tornar os erros judiciários e os mal julgados muito raros – tão raros a ponto de tronar inquestionável a coisa julgada, que seria, então, presumida como “verdade legal”. As regras processuais, ditadas pelo legislador, garantiriam, pois, suficientemente, a legitimidade da decisão. Contra a eventual injustiça das decisões judiciárias possuem as partes as vias recursais. O ato judicial decisório, quando não mais sujeito a recurso, torna-se definitivo, adquirindo a autoridade de coisa julgada. A decisão transita em julgado, ainda que contendo erro de fato ou de direito, cria sua própria “verdade” e seu próprio direito (res iudicata facit ius). Por tal razão, pressuposta legítima, a decisão não pode ensejar a responsabilidade civil, 85 que pressupõe dano gerado por ato contrário ao direito. 3.7 A ATIVIDADE JURISDICIONAL QUE ACARRETA A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO-JUIZ Como visto, no ordenamento jurídico brasileiro prevalece o entendimento de que os juízes não são, em regra, responsáveis pelos atos que praticarem na função jurisdicional. Entretanto, casos existem em que a regra é excepcionada para atender aos ditames da justiça, essas situações são exatamente aquelas previstas em lei. Quanto ao erro judiciário e a prisão além do tempo fixado pela sentença prevê o art. 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal: “O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”. Vejamos as lições de Sergio Cavalieri no que respeita ao erro de julgamento: No exercício da atividade tipicamente judiciária podem ocorrer os chamados erros judiciais, tanto in procedendo. ao sentenciar ou decidir, o juiz por não ter bola de cristal nem o dom da adivinhação,está sujeito aos erros de julgamento e de raciocínio, de fato ou de direito.importa dizer que possibilidade de erros é normal e até inevitável na atividade jurisdicional. Ora, sendo impossível exercer a jurisdição sem eventuais erros, responsabilizar o estado por eles, quando involuntários,inviabilizaria a própria justiça, acabando por tornar irrealizável a função de uma infalível, qualidade, esta ,que só a justiça divina tem. É justamente para evitar ou corrigir erros que a lei prevê os recursos, por vezes até em numero excessivo. A parte agravada ou prejudicada a uma sentença injusta ou equivocada pede a sua revisão, podendo chegar, neste mister, até a suprema corte. Mas, uma vez esgotados os recursos, a coisa julgada se constitui em fator inibitório da responsabilidade do estado, que tudo fez, dentro das possibilidades humanas, para prestar uma justiça justa e correta. ___________________ 85 DERGINT, 1994, p. 135. 53 Daí o entendimento predominante, no meu entender mais correto, no sentido de só poder o estado ser responsabilizado pelos danos causados por atos judiciais típicos nas hipóteses previstas no art.5, LXXV. Da Constituição Federal. Contempla-se, ali, o condenado por erro judiciário, assim como o que fica preço alem do tempo fixado na sentença por erro judiciário deve ser entendido o ato jurisdicional equivocado e gravoso a alguém,tanto na orbita penal como civil;ato emanado da atuação do juiz(decisão judicial)no 86 exercício da função jurisdicional”. Ainda no que diz respeito à indenização por erro judicial na esfera criminal o art. 630, do Código de Processo Penal: O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos. § 1º Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça. § 2 º A indenização não será devida: a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder; b) se a acusação houver sido meramente privada. No que concerne a incidência da obrigação do Estado de indenizar a vítima de erro judicial, surgem na jurisprudência alguns questionamentos quanto às prisões cautelares e a absolvição do acusado que se manteve preso e ao final da instrução penal foi declarado inocente. É possível verificar que existe grande divergência jurisprudencial acerca da matéria. Vejamos o entendimento dos Tribunais Pátrios: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: ATOS DOS JUÍZES. C.F., ART. 37, §6º. I. – A responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juízes, a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Precedentes do Supremo Tribunal federal. II. – Decreto judicial de prisão preventiva não se confunde com o erro judiciário. III Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido. (RE 429518 AgR / SC. Relator Min. Carlos Velloso. DJ 05/10/2004. Segunda Turma) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. DANO MORAL. GARANTIA DE RESPEITO À IMAGEM E À HONRA DO CIDADÃO. INDENIZAÇÃO CABÍVEL. PRISÃO CAUTELAR. ABSOLVIÇÃO. ILEGAL CERCEAMENTO DA LIBERDADE. PRAZO EXCESSIVO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA PLASMADO NA CARTA CONSTITUCIONAL. MANIFESTA CAUSALIDADE ENTRE O "FAUTE DU SERVICE" E O SOFRIMENTO E HUMILHAÇÃO SOFRIDOS PELO RÉU. 1. A Prisão Preventiva, mercê de sua legalidade, dês que preenchidos os requisitos legais, revela aspectos da Tutela Antecipatória no campo penal, por isso que, na sua gênese deve conjurar a idéia de arbitrariedade. ___________________ 86 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 260. 54 2. O cerceamento oficial da liberdade fora dos parâmetros legais, posto o recorrente ter ficado custodiado 741 (setecentos e quarenta e um) dias, lapso temporal amazonicamente superior àquele estabelecido em Lei - 81 (oitenta e um) dias - revela a ilegalidade da prisão. 3. A coerção pessoal que não enseja o dano moral pelo sofrimento causado ao cidadão é aquela que lastreia-se nos parâmetros legais (Precedente: REsp 815004, DJ 16.10.2006 - Primeira Turma). 4. A contrario senso, empreendida a prisão cautelar com excesso expressivo de prazo, ultrapassando o lapso legal em quase um décuplo, restando, após, impronunciado o réu, em manifestação de inexistência de autoria, revela-se inequívoco o direito à percepção do dano moral. 5. A doutrina legal brasileira à época dos fatos assim dispunha: Código Civil de 1916: Art. 159 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano. Art. 1550 - A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e no de uma soma calculada nos termos do parágrafo único do art. 1.547. Art, 1551 - Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal (art. 1.550): [...] III- a prisão ilegal (art. 1.552). Art. 1552 - No caso do artigo antecedente, no III, só a autoridade, que ordenou a prisão, é obrigada a ressarcir o dano Por sua vez, afere-se do Código Civil em vigor que: Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art.954 - A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente. Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal: [...] III - a prisão ilegal. Do Código de Processo Penal: Art. 630 - O Tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos; § 1º - Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça. § 2º - A indenização não será devida: a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder; b) se a acusação houver sido meramente privada. 6. O enfoque jurisprudencial do tema restou assentado no Resp 427.560/TO, DJ 30.09.2002 Rel. Ministro Luiz Fux, verbis: PROCESSO CIVIL. ERRO JUDICIÁRIO. ART. 5º, LXXV, DA CF. PRISÃO PROCESSUAL. POSTERIOR ABSOLVIÇÃO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. 1. A prisão por erro judiciário ou permanência do preso por tempo superior ao determinado na sentença, de acordo com o art. 5º, LXXV, da CF, garante ao cidadão o direito à indenização. 2. Assemelha-se à hipótese de indenizabilidade por erro judiciário, a restrição preventiva da liberdade de alguém que posteriormente vem a ser 55 absolvido. A prisão injusta revela ofensa à honra, à imagem, mercê de afrontar o mais comezinho direito fundamental à vida livre e digna. A absolvição futura revela da ilegitimidade da prisão pretérita, cujos efeitos deletérios para a imagem e honra do homem são inequívocos (notoria no egent probationem). 3. O pedido de indenização por danos morais decorrentes de restrição ilegal à liberdade, inclui o dano moral, que in casu, dispensa prova de sua existência pela inequivocidade da ilegalidade da prisão, duradoura por nove meses. Pedido implícito, encartado na pretensão às perdas e danos. Inexistência de afronta ao dogma da congruência (arts. 2º, 128 e 460, do CPC). 4. A norma jurídica inviolável no pedido não integra a causa petendi. "O constituinte de 1988, dando especial relevo e magnitude ao status libertatis, inscreveu no rol da chamadas franquias democráticas uma regra expressa que obriga o Estado a indenizar a condenado por erro judiciário ou quem permanecer preso por tempo superior ao fixado pela sentença (CF, art. 5º, LXXV), situações essas equivalentes a de quem submetido à prisão processual e posteriormente absolvido. 5. A fixação dos danos morais deve obedecer aos critérios da solidariedade e exemplaridade, que implica na valoração da proporcionalidade do quantum e na capacidade econômica o sucumbente. 6. Recurso Especial desprovido. 7. A prisão ilegal por lapso temporal tão excessivo, além da violação do cânone constitucional específico, afronta o Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil, consistente na tutela da Dignidade Humana, norma qualificada, que, no dizer insuperável de Fábio Konder Comparato é o centro de gravidade do direito na sua fase atual da ciência jurídica. 8. É que a Constituição da República Federativa do Brasil, de índole póspositivista e fundamento de todo o ordenamento jurídico expressa como vontade popular que a mesma, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito ostentando como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana como instrumento realizador de seu ideário de construção de uma sociedade justa e solidária. 9. Consectariamente, a vida humana passou a ser o centro do universo jurídico, por isso que a aplicação da lei, qualquer que seja o ramo da ciência onde se deva operar a concreção jurídica, deve perpassar por esse tecido normativo-constitucional, que suscita a reflexão axiológica do resultado judicial. 10. Direitos fundamentais emergentes desse comando maior erigido à categoria de princípio e de norma superior estão enunciados no art. 5º da Carta Magna, e dentre outros, o que interessa ao caso sub judice destacamse: [...] LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; 11. A garantia in foco revela inequívoca transgressão aos mais comezinhos deveres estatais, consistente em manter-se preso um ser humano por quase 800 (oitocentos) dias consecutivos, preventivamente, e , sem o devido processo legal após exculpado, com afronta ao devido processo legal. 12. A responsabilidade estatal, quer à luz da legislação infraconstitucional (art. 159 do Código Civil vigente à época da demanda) quer à luz do art. 37, §6º da CF/1988 sobressai evidente. 13. Deveras, a dignidade humana retrata-se, na visão Kantiana, na autodeterminação e na vontade livre daqueles que usufruem de uma vida sadia. 14. O reconhecimento da dignidade humana, outrossim, é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal dos direitos do homem, inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1º que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos" . 56 Deflui da Constituição Federal que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual. 15. Deveras, à luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente sustentável assentar que a proteção da dignidade da pessoa humana perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento. 16. O direito à liberdade compõe a gama dos direitos humanos, os quais, segundo os tratadistas, são inatos, universais, absolutos, inalienáveis e imprescritíveis. Por isso que a exigibilidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz. 17. A ampliação da responsabilidade estatal, com vistas a tutelar a dignidade das pessoas, sua liberdade, integridade física, imagem e honra, não só para casos de erro judiciário, mas também de cárcere ilegal e, igualmente, para hipóteses de prisão provisória injusta, embora formalmente legal, é um fenômeno constatável em nações civilizadas, decorrente do efetivo respeito a esses valores (Roberto Delmanto Junior - In "As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração - 2ª edição - Renovar - páginas 377/386) 18. A Responsabilidade estatal é inequívoca porquanto há causalidade entre o "faute du service" na expressão dos doutrinadores franceses, doutrina inspiradora do tema e o sofrimento e humilhação experimentados pelo réu, exculpado após ter cumprido prisão ilegal, princípios que se inferem do RE 369820/RJ, DJ 27-02-2004, verbis: [...] a falta do serviço - faute du service dos franceses – não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. " 19. Por esses fundamentos DOU PROVIMENTO ao Recurso Especial, divergindo do Relator, para restaurar, in totum, a indenização fixada na sentença a quo. (REsp 872630/RJ. Relator Ministro Francisco Falcão. Relator p/ Acórdão Ministro Luiz Fux. DJ 13/11/2007. Primeira Turma) Por outro lado, nas relações de natureza cível o art. 133 do Código de Processo Civil dispõe sobre a responsabilidade pessoal do magistrado nos casos em que agir com dolo ou fraude ou ainda se comportar com desídia no exercício de suas funções, vejamos: Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte. Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no nº II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias. Sergio Cavalieri sustentando a importância da garantia da independência do Poder Judiciário traz preciosas lições que merecem destaque: Ressalte-se, por derradeiro, que o juiz só pode ser pessoalmente responsabilizado se houver dolo ou fraude de sua parte e, ainda, quando, sem justo motivo, recusar, omitir ou retardar medidas que deve ordenar de ofício ou a requerimento da parte (Código de Processo Civil, art.113, I e II, e 57 lei Complementar nº 35/1979, art.49). “A independência funcional, inerente à Magistratura, tornar-se-ia letra morta se o juiz, pelo fato de ter proferido decisão neste ou naquele sentido, pudesse ser acionado para compor perdas e danos” em favor da parte que sucumbiu, “pelo fato de ter sido a decisão reformada pela instância superior; nenhum juiz ousaria divergir da interpretação dada anteriormente pela instância superior; seria a morte do Direito, uma vez que cessaria o pendor para a pesquisa, estiolar-se-ia a formulação de novos princípios.87 José dos Santos Carvalho Filho, lecionando quanto as condutas dolosa e culposa do Magistrado que ensejam o dever de indenizar, faz as seguintes considerações: Há hipóteses, embora não muito comuns, em que o juiz pratica ato jurisdicional com o intuito deliberado de causa prejuízo à parte ou a terceiro. No caso, a conduta e dolosa e revela, sem dúvida, violação a dever funcional, como estatuído na Lei Orgânica de Magistratura. Contudo, ninguém pode negar que o juiz é um agente do estado. Sendo assim, não pode deixar de incidir também a regra do art. 37, § 6º, da CF, sendo, então civilmente responsável a pessoa jurídica federativa (a União ou o Estado-membro), assegurando-se-lhe, porém, direito de regresso contra o juiz. Para a compatibilização da norma do Código de Processo Civil com a Constituição, forçoso será reconhecer que o prejudicado pelo ato jurisdicional doloso terá a alternativa de propor a ação indenizatória contra o Estado ou conta o próprio juiz responsável pelo dano, ou, ainda, contra ambos, o que é admissível porque o autor terá que provar, de qualquer forma, que a conduta judicial foi consumada de forma dolosa.88 O ato jurisdicional causador do dano pode, entretanto, ter sido praticado de forma culposa. È o caso, por exemplo, em que o juiz, profere sentença de modo negligente, sem ter apreciado devidamente as provas produzidas processo. Se a solução é tranqüila no que diz respeito a atos jurisdicionais de natureza penal, o mesmo não se pode dizer em relação a atos de natureza cível. Como regra, já se viu, os atos jurisdicionais decorrentes de conduta culposa do juiz na área cível não ensejamos a responsabilidade civil do Estado, pois que afinal teria o interessado os mecanismos recursais com vistas a evitar o dano. No entanto, o texto que está no art. 5º, LXXV, da CF dá margem a duvidas, vistos que se limita a mencionar o condenado por erro judiciário, sem especificar que tipo de condenação, civil ou criminal. Apenas da duvida que suscita, entendemos que o legislador constituinte pretendeu guindar à esfera constitucional à norma legal anteriormente, contida no Código de Processo Penal, sem todavia, estender essa responsabilidade a atos de natureza civil. Em nosso entendimento, portanto, se um ato culposo do juiz, de natureza civil, possibilita a ocorrência de danos à parte, deve ela valer-se dos instrumentos recursais e administrativos para evitá-los, sendo inviável a responsabilização civil do Estado por fator desse tipo. A não ser assim, os juizes perderiam em muito a independência e a imparcialidade, bem como permaneceriam sempre com a insegurança de que atos judiciais de seu convencimento pudessem vir a ser considerados resultantes de culpa em sua conduta. ___________________ 87 88 CAHALI, p. 625 apud CAVALIERI FILHO, 2008, p. 263. CARVALHO FILHO, 2006, p. 470, 471. 58 Não obstante, parece-nos inteiramente cabível distinguir os atos tipicamente jurisdicionais do juiz, normalmente praticado dentro do processo judicial, dos atos funcionais, ou seja, daquelas ações ou omissões que digam respeito à atuação do juiz fora do processo. Neste último caso, diferentemente do que sucede naqueles, se tais condutas provocam danos à parte sem justo motivo, o Estado deve ser civilmente responsabilizado, ainda que o juiz tenha agido de forma apenas culposa, porque o art. 37, § 6º, da CF é claro ao fixar a responsabilidade estatal por danos que seus agentes causarem a terceiros, e entre seus agentes encontraram-se, à evidência, inseridos os magistrados. É o caso, por exemplo, em que o juiz retarda, sem justa causa, o andamento de processos; ou perde processos por negligencia em sua guarda; ou deixa, indevidamente, de atender a advogado das partes, ou ainda pratica abuso de poder em decorrência de seu cargo. Todos essas hipóteses, que refletem condutas mais de caráter administrativo do que propriamente jurisdicionais, rendem ensejo, desde que provados o dano e o nexo causal, é responsabilidade civil do Estado e ao conseqüentemente dever de indenizar, sem contar, é óbvia, a responsabilidade funcional do juiz. O Estado, todavia, nos termos do referido mandamento constitucional, tem direito de regresso contra o juiz responsável pelo dano, o qual, demonstrada sua culpa, deverá ressarcir o Estado pelos prejuízos que lhe causou. O mesmo, em nosso entender, aplica-se aos membros do Ministério Público em face de sua posição no cenário jurídico pátrio.89 Um outro aspecto que merece ser lembrado é no que diz respeito à possibilidade da incidência da responsabilidade civil do Estado mesmo diante da expressa disposição inserida no art. 133 do Código de Processo no sentido de que “Responderá o juiz por perdas e danos”. Conforme se verifica, parte da doutrina sustenta que a responsabilidade prevista no mencionado artigo possui as mesmas características da responsabilidade civil do Estado advindas das demais hipóteses em que ele responde objetivamente. O Estado indenizaria o dano causado ao particular e teria o direito de buscar regressivamente a reparação perante o magistrado que agiu com dolo, fraude ou desídia no exercício das suas funções. Nesse sentido Sergio Cavalieri Filho: Tenho sustentado que a responsabilidade do juiz, em que pese as respeitáveis opiniões em contrário, não exclui a do Estado, por uma razão muito simples. Se o Estado responde, como já sustentado, pela simples negligência ou desídia do juiz, por mais forte razão deve também responder quando ele age dolosamente. Em ambos os casos o juiz atua como órgão estatal, exercendo função pública. Entendo que, no último caso, poderá o lesado optar entre acionar o Estado ou diretamente o juiz, ou, ainda, os dois, porquanto haverá, aí, uma solidariedade estabelecida pelo ato ilícito. 90 Neste sentido já começa a se inclinar a jurisprudência (RTJ 105/225-234). ___________________ 89 90 CARVALHO FILHO, 2006, p. 471-472. CAVALIERI FILHO, 2008, p. 264. 59 3.8 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL DO ESTADO-JUIZ PELO São excludentes da responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais as mesmas causas que ensejam a isenção da responsabilidade da Administração Pública: culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiros, o caso fortuito e a força maior. Além dessas hipóteses há também a previsão contida no § 2º do artigo 630 do Código de Processo Penal que dispõe que a indenização não será devida se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder e se a acusação houver sido meramente privada. 3.9 PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS A seguir, são transcritos importantes precedentes acerca da responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais: EMENTA: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ATO DO PODER JUDICIÁRIO. O princípio da responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário, salvo os casos expressamente declarados em lei. Orientação assentada na Jurisprudência do STF. Recurso conhecido e provido. (RE 219117 / PR – Paraná. Relator: Min. ILMAR GALVÃO. Julgamento: 03/08/1999 Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA) EMENTA: - Responsabilidade objetiva do Estado. Ato do Poder Judiciário. A orientação que veio a predominar nesta Corte, em face das Constituições anteriores a de 1988, foi a de que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Precedentes do S.T.F. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 111609/AM – Amazonas. Relator: Min. MOREIRA ALVES. Julgamento: 11/12/1992. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA) EMENTA: Erro judiciário. Responsabilidade civil objetiva do Estado. Direito à indenização por danos morais decorrentes de condenação desconstituída em revisão criminal e de prisão preventiva. CF, art. 5º, LXXV. C.Pr.Penal, art. 630. 1. O direito à indenização da vítima de erro judiciário e daquela presa além do tempo devido, previsto no art. 5º, LXXV, da Constituição, já era previsto no art. 630 do C. Pr. Penal, com a exceção do caso de ação penal privada e só uma hipótese de exoneração, quando para a condenação tivesse contribuído o próprio réu. 2. A regra constitucional não veio para aditar pressupostos subjetivos à regra geral da responsabilidade fundada no risco administrativo, conforme o art. 37, § 6º, da Lei 60 Fundamental: a partir do entendimento consolidado de que a regra geral é a irresponsabilidade civil do Estado por atos de jurisdição, estabelece que, naqueles casos, a indenização é uma garantia individual e, manifestamente, não a submete à exigência de dolo ou culpa do magistrado. 3. O art. 5º, LXXV, da Constituição: é uma garantia, um mínimo, que nem impede a lei, nem impede eventuais construções doutrinárias que venham a reconhecer a responsabilidade do Estado em hipóteses que não a de erro judiciário stricto sensu, mas de evidente falta objetiva do serviço público da Justiça. (RE 505393 / PE – Pernambuco. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. 1ª Turma. DJ 26/06/2007) EMENTA: No acórdão objeto do recurso extraordinário ficou acentuado que o Estado não e civilmente responsável pelos atos do Poder Judiciario, a não ser nos casos expressamente declarados em lei, porquanto a administração da justiça e um dos privilégios da soberania. Assim, pela demora da decisão de uma causa responde civilmente o Juiz, quando incorrer em dolo ou fraude, ou ainda sem justo motivo recusar, omitir ou retardar medidas que deve ordenar de oficio ou a requerimento da parte (art. 121 do Cod. Proc. Civil) Além disso, na espécie não se trata de responsabilidade civil decorrente de revisão criminal (art. 630 e seus paragrafos do Cod. de Processo Penal). Impõe-se a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público quando funcionário seu, no exercício das suas atribuições ou a pretexto de exerce-las, cause dano a outrem. A pessoa jurídica responsável pela reparação e assegurada a ação regressiva contra o funcionário, se houve culpa de sua parte. "In casu" não se caracteriza negativa de vigência da regra do art. 15 do Código Civil, nem tão pouco ofensa ao princípio do art. 105 da Lei Magna. Aferição de matéria de prova (súmula 279). Recurso extraordinário não conhecido. (RE 70121 / MG - Minas Gerais. Relator: Min. Aliomar Baleeiro. Relator p/ Acórdão: Min. DJACI FALCÃO Julgamento: 13/10/1971 Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO Assim, verifica-se que a tese da irresponsabilidade do Estado por atos jurisdicionais vem sendo mitigada, em razão, além de outros aspectos, do principio da igualdade dos encargos sociais, segundo o qual o lesado fará jus a uma indenização toda vez que sofrer um prejuízo causado pelo funcionamento do serviço público.91 ___________________ 91 DINIZ, 2003, p. 575. 61 CONCLUSÃO Como visto no decorrer deste trabalho, atualmente prevalece o posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que os atos dos magistrados são insuscetíveis de atrair a responsabilidade civil do estado, com exceção daquelas hipóteses legalmente previstas. Ao iniciar a pesquisa a primeira impressão que tivemos foi a de que esse entendimento do Supremo feria de morte alguns princípios que regem o ordenamento jurídico brasileiro. Porém, após pesquisas e em uma análise percuciente a respeito do assunto, pode-se concluir que, mesmo havendo a possibilidade de os atos emanados pelos membros do Poder Judiciário causar prejuízos aos particulares, é preciso, em nome da boa administração da justiça, que se preserve a autonomia da atividade jurisdicional. Imaginemos a atuação do juiz premido pelo receio de arcar, mesmo que de forma regressiva, com possíveis prejuízos decorrentes de sua atuação. Certamente restariam comprometidas todas as medidas de urgência que, em regra são baseadas na aparência do direito, carecendo de provas cabais, e o resultado disso seria a ineficácia dessas decisões. Contribuindo-se ainda mais para o quadro de morosidade que já está instalado no Poder Judiciário. É preciso lembrar que o atual sistema não permite que o magistrado seja irresponsável por todo e qualquer ato que praticar, vez que as partes têm o direito de buscar a reparação dos danos com amparo no art. 133, do Código de Processo Civil, que prevê a responsabilidade do juiz nos casos em que agir com dolo, fraude ou se comportar com desídia no exercício de suas funções, assim como no art. 5º, LXXV, da CF/88 e art. 630 do Código de Processo Penal, nas hipóteses de erro nas decisões de natureza penal. Ademais, como bem observado por diversos doutrinadores citados ao longo do desenvolvimento deste trabalho, o sistema legislativo brasileiro já possui um extenso rol de recursos que possibilita o reexame das decisões proferidas pelos juízes no exercício de suas funções típicas. Entretanto, não se pode perder de vista que o magistrado, como agente público que é, tem suas condutas imputadas, em regra, ao Estado, razão pela qual seus atos – e omissões – estariam também abarcados pela norma do art. 37, § 6º, 62 CF, Por isso, é cada dia mais crescente o número de pessoas que militam a favor da tese da responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais, tendo inclusive algumas decisões dos tribunais pátrios que reconhecem o direito à reparação dos prejuízos causados por atos decorrentes do exercício da magistratura. Entendemos que essa mudança deve ser precedida de análise mais apurada da matéria, pois, ainda que o modelo atual não seja o ideal, é preciso ter em mente que a irrestrita responsabilização dos magistrados pode gerar efeitos imprevisíveis e irreparáveis para a Administração Pública e, em consequência, para toda sociedade. 63 REFERÊNCIAS CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 3. ed. São Paulo: RT, 2007 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. Rio de Janeiro: Forense, 1998. DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. São Paulo: RT, 1994. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007. DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 4. LASPRO, Oreste Nestor de Souza. 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