As Garantias do
Cumprimento da Obrigação
José Roberto de Castro Neves
Professor de Direito Civil da PUC-RJ. Doutor em Direito Civil pela UERJ. Mestre em
Direito pela Universidade de Cambridge,
Inglaterra. Advogado.
1. A GARANTIA DAS OBRIGAÇÕES
Conta Cícero, que, no século VI antes de Cristo, havia um
tirano em Siracusa, na Sicília, chamado Dionísio. Naquela cidade,
viviam dois grandes amigos: Damon e Pítias. Este último começou
denunciar os excessos do tirano. Insatisfeito com as críticas, Dionísio condenou Pítias à morte. Pítias, então, solicitou ao tirano que
lhe permitisse alguns dias de vida, pois precisava fazer uma pequena viagem, a fim de avisar a situação aos seus familiares e acertar
algumas contas. Dionísio riu de Pítias. Ora, se ele permitisse ao
condenado visitar sua família, Pítias jamais voltaria para cumprir
a pena. Foi então que Damon, o amigo figadal de Pítias, afirmou
que morreria no lugar deste, caso o condenado não retornasse.
Dionísio aceitou. Pítias viajou e Damon ficou preso, aguardando
a volta do amigo, com o risco de morrer por ele, se não voltasse.
No último dia do prazo dado pelo tirano Dionísio, Pítias retornou.
Contou que sofreu todo o tipo de problema: foi assaltado, não
havia vento, tudo conspirou contra, mas Pítias foi implacável e
chegou para morrer e salvar seu amigo. Conta-se que Dionísio,
impressionado com a manifestação de amizade, acabou revogando
a pena de morte e todos se salvaram.
A edificante história acima mostra, além de outros aspectos, a importância da garantia. O tirano Dionísio apenas admitiu
a viagem de Pítias porque este deixou uma forte garantia de que
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cumpriria seu dever de voltar: a vida de seu querido amigo Damon.
Muitas vezes, as partes admitem contrair certas obrigações porque
se sentem seguras de que elas serão cumpridas, ou há uma boa
proteção ao seu patrimônio, exatamente pela garantia oferecida
pelo devedor.
A partir de agora vamos estudar precisamente as garantias
da obrigação.
A palavra credor vem do latim. Significa aquele que crê, pois
o credor acredita1. Ele acredita no devedor. Crê que receberá a
prestação. “Crer” e “crédito” têm a mesma origem etimológica.
Entretanto, essa crença não é absoluta e cega. O credor deve proteger-se do inadimplemento. Daí ser relevante reforçar a certeza do
pagamento, o que se faz por meio das garantias. Eis aí a relevância
do estudo das garantias, como meio eficaz de proteção do crédito.
Grande parte das obras relativas ao direito das obrigações
não trata das garantias das obrigações. Isso pode ser explicado
porque o exame destas garantias envolve, necessariamente, diversas áreas do Direito. Há matérias atinentes à parte geral, ao
direito contratual, real, comercial, de família, tributário e processual. O estudo das garantias não está, portanto, contido apenas no
Direito das Obrigações, muito pelo contrário.
Veja-se, por exemplo, a fiança: trata-se de um contrato específico no qual uma pessoa se compromete a pagar a dívida do
devedor, se este falhar. A fiança encontra-se regida pelos artigos
818 a 839 do Código Civil, geograficamente alocado na parte da lei
civil que trata dos contratos em espécie. A hipoteca, por sua vez,
é um direito real regulado pelos artigos 1.437 a 1.505 do Código
Civil. Ela se dá nos casos em que um bem imóvel é oferecido para
garantir uma dívida. Tome-se, ainda, a penhora, um instituto do
direito processual, que, igualmente, funciona como garantidor de
uma dívida cobrada judicialmente em execução. Os seus princípios
se encontram regulados no Código de Processo Civil, como logo
Em termos jurídicos, a palavra aparece, primeiro, nos contratos de empréstimo: credere
pecuniam alicui, emprestar dinheiro a alguém. Credor era aquele que emprestava. A partir
daí o termo passou a designar aquele que tinha algo a receber.
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adiante será exposto. O fato é que, como se observou desse rápido
apanhado, a matéria das garantias não se acha de forma ordenada
na lei, mas os diversos meios de proteger um crédito vêem-se espraiados nos mais diversos campos do Direito.
A dificuldade de sistematização da matéria não pode servir como desestímulo à sua análise, pois, afinal, o tema tem fundamental importância. Muitas vezes, é justamente em função da
existência da garantia que a obrigação será efetivamente adimplida. Daí o interesse em conhecer mais detidamente as garantias de
uma obrigação, o que passamos a fazer.
Cabe ao devedor oferecer a prestação ao credor, na forma,
no lugar e no momento adequado. O devedor é, portanto, responsável pelo pagamento. Se falhar, o credor tem o poder de exigir
do Estado que adote medidas para assegurar o adimplemento do
devedor, acrescido de perdas e danos, ou simplesmente que o devedor repare o prejuízo advindo do inadimplemento.
Se a fonte da obrigação é um ato ilícito, os responsáveis pelo
ato respondem por ele perante o lesado (quem responde pelo pagamento, em regra, é o devedor, ou, do ponto de vista prático, o
seu patrimônio).
O artigo 942 do Código Civil, que trata especificamente da
responsabilidade decorrente do ato ilícito, diz que “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado”. Atente-se em que a lei registra:
respondem os “bens” do responsável. Isso porque as dívidas não são
indenizadas com trabalhos corporais, nem se pode falar em prisão
por dívida, salvo nos casos excepcionalíssimos do inadimplente por
obrigação alimentícia ou do depositário infiel – esta última, inclusive, já vedada pelo Pacto de San José da Costa Rica.
Os casos de prisão civil são mesmo excepcionais, tanto que
as suas hipóteses são referidas pela Constituição Federal, na parte
das garantias individuais. Eis o dispositivo:
“Art. 5º, LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do
responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável
de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;”
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No caso da pensão alimentícia, o artigo 733 do Código de
Processo Civil limita o prazo temporal dessa prisão:
“Art. 733. Na execução de sentença ou de decisão, que fixa
os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor
para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o
fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
§ 1º - Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de um (1) a três (3) meses.”
Para a hipótese de depositário infiel, o artigo 652 do Código
Civil também ajusta o período máximo da prisão:
“Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário
que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.”
Nem sempre foi assim. O devedor, no passado, respondia com
seu corpo e sua vida. No antigo Direito Romano, havia a legis actio
per manus iniectionem. Eis a situação: uma pessoa era condenada a pagar uma indenização à outra. Ela tinha 30 dias para efetuar
o pagamento. Se não honrasse a dívida, o credor poderia conduzir
o devedor a juízo. Se o réu não pagasse em 60 dias, o credor poderia ir à casa do devedor, amarrá-lo e vendê-lo como escravo. O
credor tinha poder, até mesmo, de matá-lo. Se fossem muitos os
credores, o corpo do devedor era dividido entre eles. A perna para
um, o braço para outro e a cabeça ao maior dos credores.
Um grande passo, para o Direito Romano e para toda a civilização, em relação aos meios de cobrar dívidas, foi a promulgação, em 326 a.C., da Lex Poetelia Papiria de nexix. Ela aboliu
a possibilidade de o devedor ser morto ou vendido como escravo,
para saldar sua dívida. Havia, porém, o poder de o credor manter
o devedor como um tipo de servo (chamava-se addictus), para
que pagasse sua dívida com trabalho.
Hoje não se discute: é do patrimônio do devedor, do conjunto de seus bens, que, em regra, sai o objeto corresponden-
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te à prestação. Em função disso, se o devedor deixa de cumprir
seus deveres obrigacionais e não tem bens que possam ressarcir o
credor, este vai amargar um prejuízo. Portanto, ao contrair uma
obrigação, compete ao credor ficar atento à solidez do patrimônio
do devedor. Afinal, em última análise, é esse patrimônio que vai
garantir a entrega da prestação (ou uma eventual indenização pelos danos decorrentes do inadimplemento). O Código Napoleão já
preconizava no seu artigo 2.093 que “les biens du débiteur sont le
gage commum de ses crèanciers”, pois, de fato, os bens do devedor constituem a garantia comum de seus credores.
Será um negócio de altíssimo risco emprestar dinheiro a pessoa insolvente, com patrimônio negativo, cujas dívidas superam os
seus ativos. Isso porque, caso não seja feito o pagamento, o credor
não terá como reclamar pelo descumprimento da obrigação.
Denomina-se garantia exatamente essa proteção patrimonial
do credor que, em última análise, permitirá o adimplemento ou a
reparação.
Numa determinada passagem da ópera de Mozart, Um Baile de Máscaras, o personagem Renato, para mostrar seu propósito de cumprir certa obrigação, indica a vida de seu filho como
garantia. Se não cumprisse com o que prometera, seus credores poderiam matar seu filho. Queria, com isso, demonstrar seu
propósito de cumprir com o que ajustara e apenas dessa forma
convenceu os demais de suas boas intenções. Evidentemente,
essa oferta é totalmente ilícita, mas a passagem demonstra a
importância do oferecimento de garantias para proteger o negócio, até mesmo porque isso deixa transparecer o bom intuito do
devedor.
Em toda relação obrigacional, o patrimônio do devedor serve
como garantia geral do adimplemento. Caso o devedor deixe de
entregar a prestação, o credor irá atrás do patrimônio do devedor
para obter a sua satisfação.
Excepcionalmente, permite-se ao credor buscar o adimplemento no patrimônio de um grupo de pessoas, se os devedores
ajustaram que responderiam pela obrigação de modo solidário.
Essa situação, como antes se examinou, ocorre apenas se as partes
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assim dispuseram expressamente ou se houve determinação legal
nesse sentido (artigo 265 do Código Civil).
A solidariedade passiva, do ponto de vista prático, representa o aumento da garantia de adimplemento, pois o patrimônio
de mais de uma pessoa fica vinculado ao pagamento da dívida.
Nestes casos, qualquer dos devedores está sujeito ao pagamento
da totalidade da dívida (artigos 275 a 285 do Código Civil). Assim,
embora exista uma proteção do credor, não há, do ponto de vista
técnico, uma garantia, pois o reforço da obrigação não reside em
um terceiro elemento, seja pessoal ou real, externo ao sinalágma,
porém no aumento do número de devedores, dos quais é possível,
indistintamente, exigir a prestação. A solidariedade é a garantia
da dívida pelos próprios devedores e pela relação entre eles estabelecida.
Admite-se, também, que as partes de uma relação obrigacional ajustem outras formas de garantia, nas quais bens ― não
necessariamente do patrimônio do devedor ― fiquem vinculados
ao negócio, protegendo o credor no caso de um eventual inadimplemento.
Essas garantias podem ser de natureza pessoal, se outra pessoa (isto é, o patrimônio dela) fica conjuntamente responsável por
indenizar o credor se houver inadimplemento; ou de natureza real,
caso se destaque determinado bem, que ficará afetado pelo negócio, de sorte que se o devedor falhar, este bem poderá ser vendido
e o resultado de sua venda servirá para garantir a reparação.
A análise das garantias tem enorme importância prática. Muitas vezes, a avaliação cuidadosa fará a diferença entre o ressarcimento e a desgraça do credor. Se o credor ajustou uma obrigação
com pessoa desprovida de bens, terá o risco de nada receber. Ao
contrário, se a dívida foi contraída com pessoa de enorme patrimônio, o credor terá sempre como se ressarcir pelos danos que
sofreu no caso de inadimplemento.
Assim, a medida da qualidade da garantia se afere pela solidez do patrimônio do devedor. O devedor que tem bens livres
garante a obrigação, ao passo que inexistirá garantia idônea na
dívida do devedor sem patrimônio positivo.
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2. A GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES
O devedor está obrigado a entregar certa soma em dinheiro,
mas deixa de fazer o pagamento. O credor, então, reclamará o
adimplemento, primeiro diretamente ao devedor, mas caso este
se recuse a cumprir seu dever, o credor irá requerer ao Poder Judiciário que condene o devedor a lhe entregar a quantia, objeto
da dívida. Pode o Judiciário, por solicitação do credor, enviar uma
ordem à instituição financeira, onde o devedor tem seu dinheiro
depositado, a fim de promover a transferência do montante ao
credor e, assim, satisfazer o crédito. Evidentemente, isso apenas
pode ocorrer se o devedor tiver dinheiro. Caso ele apenas possua
outros bens, restará ao credor a opção de solicitar que se promova a venda de um ou um grupo desses bens, em leilão público, e
receber o que for apurado com a alienação, até o limite de seu
crédito.
Essa satisfação, de um modo mais rápido ou vagaroso, contudo, apenas pode ocorrer se o devedor tiver bens. Na hipótese
de o devedor encontrar-se absolutamente desprovido de bens, seu
credor nada receberá.
O artigo 391 do Código Civil diz que pelo inadimplemento
respondem todos os bens do devedor. Não havia dispositivo semelhante na Lei de 1916, pois, afinal, decorre da própria essência do
direito obrigacional a noção de que o devedor responde com seu
patrimônio pela obrigação que contraiu.
Não há uma referência expressa no artigo 391, mas essa responsabilidade abrange os bens presentes e futuros, que venham
a ser incorporados no patrimônio do devedor mesmo depois do
nascimento da obrigação. O artigo 591 do Código de Processo Civil, vale citar, refere-se, expressamente, ao fato de que o devedor
responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os
seus bens presentes e futuros. Assim, pode ser que o devedor, no
momento em que deveria pagar sua dívida, não possua bens e, por
isso, não possa pagar.
Caso, portanto, esse mesmo devedor, no futuro, recomponha
seus ativos e passe a ter meios de arcar com as suas obrigações,
seu credor terá como exigir o pagamento da dívida antiga.
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O artigo 391 do Código Civil trata da regra geral, indicando
que todos os bens do devedor responderão pela sua dívida. Entretanto, existem várias exceções à regra; situações nas quais os bens
deste não servem como garantia de dívidas, simplesmente porque
não podem ser alienados. De fato, os bens úteis a proteger o credor são aqueles “livres” para venda. Com os frutos dessa venda,
satisfarão o credor.
Com razão, o artigo 601 do Código Civil português indica que
“pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em conseqüência da separação de patrimônio”. Em igual sentido, a última parte do artigo 591 do nosso
Código de Processo Civil, que, depois de fornecer o conceito de
que os bens do devedor respondem pela dívida, ressalva, ainda
que genericamente, as restrições estabelecidas em lei.
Tenha-se presente que o devedor não pode ficar totalmente
despojado da integralidade de seus bens. Não se admite que uma
pessoa seja impelida a entregar todo o seu patrimônio para arcar
com as suas dívidas para ir morar, digamos, dentro de um barril,
como o filósofo grego Diógenes, sem mais nada.
No direito romano, havia a beneficium competentiae, cuja
finalidade consistia em impedir que alguém experimentasse a mais
completa indigência2. Com efeito, o ser humano não pode ficar
despojado de tudo, sem meios de subsistência, o que fatalmente
afetaria a sua dignidade.
Com base nisso, o legislador romano contemplou uma série
de situações nas quais certos devedores, como os soldados, o doador em relação ao donatário, entre outros, ficam excluídos da
execução pelo credor que importasse na perda total de seu patrimônio.
No nosso sistema, há bens que não podem ser penhorados,
como, para citar o mais relevante caso, o bem de família, referido
pela Lei nº 8.009, de 29.3.90.
José Carlos Moreira Alves, Direito Romano, v. II, 6ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1997,
p. 34.
2
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Segundo o artigo 1º dessa Lei, o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar, onde eles vivam, é
impenhorável (salvo as hipóteses referidas no artigo 3º da
Lei 3).
Também não se admite a penhora de bens indispensáveis ao
exercício da profissão do devedor. Um médico não pode perder seu
estetoscópio por causa de uma dívida, porque, sem seu instrumento de trabalho, jamais conseguirá obter a receita para arcar com
suas obrigações. Além disso, o trabalho é um meio de garantir a
dignidade da pessoa. Se o credor recolher o instrumento de trabalho de seu devedor, estará, ao mesmo tempo, retirando-lhe sua
dignidade, o que não se admite.
Também são impenhoráveis os bens que guarnecem a casa
do devedor4, salvo as obras de arte e adornos suntuosos, informa o
artigo 2º da mencionada Lei do Bem de Família.
3
“Art. 3º.A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal,
previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função de respectivo
contrato;
III – pelo credor de pensão alimentícia;
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em
função do imóvel familiar;
V – para execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou
pela entidade familiar;
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou impedimento de bens;
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”
4
“Processual civil. Embargos à execução. Penhora. TV. Piano. Bem de família. Lei 8.009/90.
Art. 649, VI, CPC.
I- A Lei 8.009/90 fez impenhoráveis, além do imóvel residencial próprio da entidade familiar, os equipamentos e móveis que o guarneçam, excluindo veículos de transporte, objetos
de arte e adornos suntuosos. O favor compreende o que usualmente se mantém em uma
residência e não apenas o indispensável para fazê-la habitável, devendo, pois, em regra,
ser reputado insuscetível de penhora aparelho de televisão.
II- In causu, não se verifica exorbitância ou suntuosidade do instrumento musical (piano),
sendo indispensável ao estudo e futuro trabalho das filhas da Embargante.
III- Recurso conhecido e provido.” (REsp. nº 207762/SP, 3ª Turma do STJ, Relator Ministro
Waldemar Zveiter, julgado em 27.03.00)
“Execução. Impenhorabilidade. Motorista. Ônibus escolar. Microempresa.
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Em algumas hipóteses, admite-se que bens de terceiro, que
não se obrigou, fiquem sujeitos à execução do credor. O artigo 592
do Código de Processo Civil cuida de alguns desses casos.
O inciso II do referido artigo do Código de Processo Civil, por
exemplo, trata do sócio, que, por vezes, responderá pela dívida
da sociedade que integra, como no caso das dívidas tributárias na
liquidação de sociedades de pessoas (artigo 134, VII, do Código
Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25.10.1966). Principalmente,
os diretores, gerentes e representantes de pessoas jurídicas de
direito privado respondem pelas obrigações tributárias se agirem
com excesso de poderes ou em infração da lei (artigo 135 do Código Tributário Nacional). O sócio, contudo, tem, consoante o artigo
596 do Código de Processo Civil, direito a exigir que, primeiro,
sejam executados os bens da sociedade.
Nesse passo, cite-se a possibilidade de desconsideração
da personalidade jurídica. Em regra, o patrimônio das sociedades não se confunde com a de seus sócios. O fato de uma
sociedade ter uma dívida não significa que seu sócio seja também devedor. Essa regra, contudo, cede se houver um abuso
com a divisão entre os patrimônios. Denomina-se desconsideração da personalidade jurídica a quebra desse princípio que
preconiza a divisão entre os patrimônios da pessoa jurídica de
seus membros.
O artigo 50 do Código Civil aumentou consideravelmente o
escopo da desconsideração, admitindo que se houver desvio da
É absolutamente impenhorável o ônibus escolar que serve para o exercício da profissão de motorista
(art. 649, V, do CPV), não obstante registrado em nome de firma individual, da qual o devedor é titular.
A microempresa é forma de atuação do profissional no mercado de trabalho e deve ser
ignorada quando tal desconsideração é necessária para fazer prevalecer a norma instituída
em benefício do profissional.” (REsp. nº 84756/RS, 4ª Turma do STJ, Relator Ministro Ruy
Rosado de Aguiar, julgado em 25.03.96)
“Processo Civil. Penhora. Veículo de representante comercial.
1. Na dicção do art. 649, VI, do CPC, para ser considerado impenhorável um bem, não se
faz necessária a sua indispensabilidade no exercício da profissão. A simples utilidade é
suficiente para mantê-lo fora da constrição judicial.
2. Divergência na jurisprudência do STJ, que se resolve em favor impenhorabilidade.
3. Recurso especial provido.” (REsp. nº 442128/RS, 2ª Turma do STJ, Relatora Ministra Eliana Calmon, julgado em 18.03.04)
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finalidade da pessoa jurídica ou confusão patrimonial, pode haver
determinação judicial para que obrigações da pessoa jurídica sejam estendidas para bens particulares de seus sócios e administradores. Com isso, aumenta-se a proteção do credor.
O inciso IV do artigo 592 do Código de Processo Civil faz referência aos bens do cônjuge. Evidentemente, a eventual comunicação da responsabilidade pela reparação decorrente do inadimplemento das obrigações do outro cônjuge depende, em primeiro
lugar, do regime de bens adotado pelo casal.
Ao se casarem, os cônjuges têm a opção de escolher um regime de bens para reger a sua relação patrimonial (artigo 1.639 do
Código Civil). No Brasil, os nubentes não podem criar um regime
específico para regular a sua relação. Ao contrário, devem optar
pelos regimes existentes.
O mais abrangente desses regimes é o da comunhão universal de bens. Neste (artigos 1.667 a 1.671 do Código Civil) há plena
comunhão dos bens presentes e futuros do casal, inclusive das dívidas, que se comunicam.
No regime da comunhão parcial (artigos 1.658 a 1.666), de
um modo geral, comunicam-se os bens adquiridos a partir do casamento. Fundamental, assim, que se averigue o momento em que
a dívida de um dos cônjuges foi adquirida: se antes ou depois do
casamento.
No regime da comunhão parcial, os cônjuges seguirão possuindo bens particulares, sendo certo que as dívidas contraídas
na administração desses bens não se comunicam (artigo 1.666 do
Código Civil).
Entretanto, um cônjuge responde pelas dívidas do outro,
ainda que particulares deste, em razão do proveito que a obrigação trouxe ao casal. Imagine a situação do marido que contrai um
enorme empréstimo no banco e compra as cotas de uma fábrica.
Com o dinheiro decorrente da exploração da fábrica, o casal adquire muitos bens. Depois, contudo, no momento de pagar a dívida
ao banco, o marido não tem o dinheiro. Nessa hora, ele deve entregar seus bens, mas a sua mulher também pode responder com
os dela, caso se demonstre que ela teve algum proveito com o
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empréstimo feito pelo marido (nesse sentido o § 1º do artigo 1.663
do Código Civil).
Mencione-se, por fim, o regime da separação total de bens,
no qual, como o próprio nome indica, o patrimônio do casal não se
confunde, mantendo-se cada um isolado (artigos 1.687 a 1.688).
Em regra, nesses casos, cada cônjuge responde pelas suas dívidas,
salvo se o credor demonstrar que houve benefício do casal com a
obrigação contraída por um dos dois. Nessa hipótese, o credor poderá buscar reparação também no patrimônio do outro cônjuge.
3. A TUTELA DA GARANTIA PATRIMONIAL - PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO DO DEVEDOR PELO CREDOR
O devedor não fica com seu patrimônio congelado. Entre os
momentos nos quais ele contrai a dívida e aquele no qual efetua o
pagamento, o seu patrimônio pode alterar-se. O devedor não tem
o dever de manter seus bens na mesma situação na qual estavam
quando nasceu a obrigação. Se alguém vende o seu carro, haverá
uma substituição: entra o valor em dinheiro do patrimônio do vendedor do carro (devedor da coisa) e sai o automóvel. Ao fim e ao
cabo, economicamente, o valor do patrimônio permanece igual,
dando-se apenas a troca dos bens que o compõem.
O devedor pode alienar seus bens, contrair novas dívidas e
não deve prestar contas de seus negócios aos credores. Com efeito, em regra os negócios não geram um desfalque no patrimônio
das partes. Entretanto, isso pode ocorrer. Um negócio jurídico é
por vezes, do ponto de vista econômico, altamente prejudicial
para uma das partes. Logo se vê que a garantia geral, decorrente
do patrimônio do credor, é volúvel e traiçoeira.
Tome-se, por exemplo, um negócio jurídico realizado com
uma pessoa abastada, contando que o patrimônio desta responderá pela dívida. Antes, entretanto, da data do pagamento, a tal
pessoa perde seus bens, a ponto de comprometer o adimplemento.
Lá se foi a certeza de que não haveria desfalque no pagamento.
O ordenamento jurídico oferece ao credor, portanto, meios
de se proteger dessa diminuição patrimonial do devedor. Com isso,
o credor visa a garantir a sua satisfação.
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4. FRAUDE CONTRA CREDORES
A maldade não foi inventada recentemente. Ela existe e é,
por desgraça, exercida há muito. Os romanos já se tinham dado
conta de que eventualmente um devedor mal intencionado poderia alienar (ou seja, tornar alheio por qualquer forma) seus bens,
de modo a frustrar o credor. Poderia, ainda, o devedor contrair
dívidas, de modo a tornar negativo seu patrimônio, também com o
intuito de impedir que o credor recebesse pela obrigação. Nesses
casos, os romanos imaginaram uma ação, denominada “Pauliana”
(porque, diz-se, o jurista Paulo teria feito referência a ela), cuja
finalidade consistia em anular o ato gratuito do devedor – neste incluído aqueles em que a liberalidade reside na renúncia a aumento
patrimonial, como a renúncia à herança ou a remissão de dívida
– que comprometeu seu patrimônio. O nome “ação Pauliana” foi
preservado até os nossos dias.
Os artigos 158 a 165 do Código Civil tratam da fraude contra
credores, qualificando a situação como vício do negócio jurídico. A
fraude a credores ocorre nos casos em que o devedor diminui seu
patrimônio colocando em risco o pagamento da dívida5.
Segundo os artigos 158 e 159 do Código, os atos, para ensejarem a fraude, devem ser realizados por devedor insolvente ou o próprio ato impugnado deve levar o devedor ao estado de insolvência.
Uma vez verificada a fraude, o credor prejudicado propõe a
ação Pauliana (também conhecida como ação revocatória) contra
o devedor e o terceiro que ficou com o bem – alienado em fraude -,
para que esse terceiro restitua a coisa adquirida ao patrimônio do
devedor, acrescida de seus frutos. Com isso, o patrimônio do devedor
volta, recomposto, a garantir o pagamento dos créditos pendentes.
De acordo com o artigo 158 do Código Civil, apenas os credores quirografários (ou seja, aqueles sem uma garantia real) podem
suscitar o vício. Entretanto, o § 1º do mesmo artigo atribui legitimidade para os credores com garantia real reclamarem a fraude
contra credores, desde que a garantia deles se torne insuficiente.
Sobre fraude contra credores, José Roberto de Castro Neves, Uma introdução ao Direito
Civil – Parte Geral, 2ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2007.
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Dá-se ao credor, dessa forma, o poder de anular um negócio
se nele for verificado um escopo fraudulento para, com isso, impedir a dilapidação do patrimônio do devedor – que representa a
garantia da satisfação do credor.
Um primeiro requisito da fraude contra credores consiste em
que o débito seja anterior ao do negócio a que se visa a anular.
Nesse sentido a regra do § 2º do artigo 158 do Código Civil.
Compete, ainda, ao credor demonstrar que o negócio realizado pelo seu devedor impede ou restringe o pagamento da dívida. Essa demonstração é relevante porquanto o devedor pode, até
mesmo, doar muitos de seus bens se isso em nada comprometer
a sua condição financeira (e, logo, não afetar o adimplemento de
suas obrigações).
Para que se verifique a fraude contra credores, o negócio
deve resultar em perda do patrimônio do devedor a ponto de impedir o pagamento da dívida, isto é, torná-lo insolvente.
Antes, a doutrina emprestava considerável importância ao
aspecto subjetivo na fraude, isto é, a intenção de as partes envolvidas no negócio fraudulento lesarem o credor de uma delas. A
essa intenção lesiva das partes do negócio chamava-se consilium
fraudis, expressando o acordo entre as partes do negócio visando
a lesar o credor de uma delas.
Nos negócios gratuitos, que prejudicavam o credor, presumia-se a presença do consilium fraudis. Nos negócios onerosos,
para reconhecer o vício, devia-se caracterizar esse propósito de
fraudar. Atualmente, contudo, a ênfase na análise da fraude contra credores recai fundamentalmente sobre o aspecto objetivo:
observa-se o efetivo prejuízo dado ao credor com o negócio feito
entre o seu devedor e terceiro (eventus damni).
A conseqüência do julgamento de procedência da ação pauliana é a anulação do ato lesivo. Com isso, o bem transferido em
fraude retorna ao patrimônio do devedor. Dessa forma, em última
análise, o credor restabelece o patrimônio do devedor e solidifica,
conseqüentemente, a garantia para o cumprimento da obrigação.
Tecnicamente, a fraude a credores é uma hipótese de ineficácia relativa, pois os efeitos do ato são ceifados apenas em rela-
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ção ao credor prejudicado, que fica autorizado a exigir o desfazimento do negócio para proteger a garantia da obrigação.
5. FRAUDE À EXECUÇÃO
Caso o negócio lesivo ao credor se dê depois de este ter ajuizado ação para receber a obrigação, haverá fraude à execução.
Entende-se que a fraude à execução é mais séria do que a fraude
contra credores porque, na primeira, o devedor não apenas buscou
lesar seu credor, mas também afrontou o Poder Judiciário, uma vez
que seu ato visa a frustrar a atuação jurisdicional. O artigo 600, I,
do Código de Processo Civil registra que se considera “atentatório à
dignidade da justiça o ato do devedor que: I - frauda a execução;”.
O artigo 593 do Código de Processo Civil trata da fraude de
execução, oferecendo um tipo aberto para defini-la. Segundo a
mencionada norma, haverá fraude sempre que a alienação ou a
oneração de bens ocorrer quando, ao tempo do ato, havia ação
judicial que pudesse levar o devedor à insolvência.
Forçoso reconhecer que o nome “fraude à execução” encontra-se equivocado. Afinal, haverá a fraude não apenas se o devedor se desfizer de seus bens, de modo a prejudicar o pagamento,
no curso de uma ação de execução, como também se o ato viciado
ocorrer quando estiver em curso qualquer outra demanda de cobrança daquele crédito. Com efeito, segundo a regra do inciso II
do artigo 593 do Código de Processo Civil, haverá fraude sempre
que, “ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor
demanda capaz de reduzi-lo à insolvência”. Assim, melhor seria
denominar a situação de fraude ao processo, ou algo similar.
Na fraude à execução é completamente irrelevante discutir
o consilium fraudis. Não se perquire se houve má-fé do alienante.
Suficiente que se demonstre a alienação ou a oneração do bem.
6. A HIPÓTESE DO ARTIGO 477 DO CÓDIGO CIVIL
Um conceito jurídico bastante conhecido é o da exceção do
contrato não cumprido. Segundo ele, ninguém pode ser obrigado
a cumprir a sua prestação enquanto a outra parte, que deveria
cumpri-la primeiro, ainda não efetuou a sua contraprestação. Nor-
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malmente, se alguém pretende adquirir um imóvel, deve, para receber o bem, efetuar, antes, o pagamento. O vendedor do imóvel
pode recusar-se a entregar o bem até que seja efetuado o pagamento, que é a prestação do adquirente.
Esse conceito encontra-se cristalizado no artigo 476 do Código Civil. O dispositivo exatamente seguinte, do artigo 477, cuida
da hipótese de a parte temer um futuro – e ameaçador – inadimplemento.
A lei deve ser inteligente. Cumpre ao legislador antecipar-se
à situação fática, regulando a hipótese para que, se e quando ela
ocorrer, já exista a norma pertinente. Imagine-se a seguinte situação: depois de celebrado um contrato, no qual cada uma das partes deva cumprir certas obrigações, uma delas tem seu patrimônio
duramente afetado. A parte que manteve sua situação financeira,
então, encara o dilema de cumprir a sua prestação, e não receber
a contraprestação, ou, de outro lado, ficar inadimplente, mas, ao
menos, proteger seu patrimônio (pois se cumprisse a sua parte,
há o risco de jamais receber a contraprestação, ou mesmo uma
reparação pelo inadimplemento da contraparte).
Pensando nessa situação, o legislador estabeleceu a regra do
artigo 477 do Código Civil, segundo a qual, em casos como o narrado
acima – de uma das partes sofrer sensível decréscimo patrimonial -,
a parte interessada possa pedir a outra que cumpra, desde logo, a
sua prestação, ou forneça garantias de que irá satisfazê-la.
Trata-se, claro, de uma medida acautelatória. A parte de
uma relação obrigacional, antes de cumprir a sua prestação e antes de receber seu pagamento, invocando o artigo 477 do Código
Civil, requer da contraparte o pagamento antecipado, ou o oferecimento da garantia, quando tiver aquela sofrido considerável
perda patrimonial, que torne duvidosa a sua solvência.
7. ARRESTO
Imagine-se a seguinte situação: o credor toma conhecimento
de que seu devedor está alienando os bens dele, de modo a comprometer o futuro pagamento da dívida. Do ponto de vista material, o credor tem como questionar a eficácia do negócio, alegando
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fraude a credores. Entretanto, o credor pode necessitar de uma
medida mais enérgica, que, de imediato, impeça a alienação dos
bens. Há um remédio processual que ampara o credor com esse
problema: o arresto.
O arresto, assim, é uma medida processual regulada pelos
artigos 813 a 821 do Código de Processo Civil, que visa a proteger
o pagamento da futura cobrança de um crédito. Em última análise,
com o arresto ampara-se a garantia geral da obrigação, mantendose a integridade do patrimônio do credor.
Evidentemente, a medida apenas tem lugar se o credor demonstrar a certeza de seu crédito e a existência de risco de o devedor adotar atitude que prejudique o futuro pagamento (confirase, a propósito, o artigo 814 do Código de Processo Civil). Com o
arresto, o credor busca conservar o patrimônio do devedor, a fim
de que ele possa receber seu crédito.
O arresto não se resume à alienação ruinosa dos bens ou à
oneração deles, mas também incide nos casos nos quais o devedor
tenta ausentar-se furtivamente. A jurisprudência, aliás, entende
que os casos referidos no artigo 813 do Código de Processo Civil
são apenas exemplificativos, ou seja, deve-se admitir o arresto em
qualquer situação, desde que se vislumbre o risco do inadimplemento futuro. Em outras palavras, admite-se que o credor reclame
uma medida enérgica do Poder Judiciário nos casos em que se
entender prudente proteger algum bem do devedor, para garantir
o futuro pagamento.
Caso o juiz defira o arresto, o devedor não poderá alienar o
bem referido na ordem judicial. Esse bem fica reservado ao pagamento futuro da obrigação. Por óbvio, o montante dos bens arrestados deve ser compatível com o valor da obrigação.
O juiz pode determinar ao devedor que deposite o bem em
algum lugar, ou que o próprio devedor seja designado como depositário, ficando o devedor, neste caso, com a posse do bem.
8. GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES
Antes se tratou da garantia geral de qualquer obrigação, fornecida pelo patrimônio do devedor. Admitem-se, contudo, para
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reforçar a obrigação, outras garantias, ditas especiais para distingui-las da geral. Essas garantias podem consistir na indicação
de outra pessoa, cujo patrimônio ficará vinculado ao pagamento;
ou na apresentação de determinados bens, vinculados ao adimplemento da específica obrigação. São, portanto, garantias que,
muitas vezes, extrapolam o patrimônio do devedor.
8.1. Garantias pessoais
Um terceiro pode oferecer seu patrimônio como garantia de
uma dívida de outrem. Com isso, a proteção do credor aumenta,
mormente se o terceiro tem recursos. Caso o devedor falhe no
dever de pagar, o credor pode reclamar a reparação do terceiro.
Com o ajuste dessa garantia, não será mais apenas um patrimônio
a assegurar a obrigação, mas dois.
Essas garantias são também denominadas de fidejussórias,
uma palavra cujo radical “fides” significa, em latim, fé, porque,
afinal, confiou-se em que um terceiro irá arcar com o adimplemento.
Os casos de garantia pessoal são a fiança e o aval.
8.1.1. Fiança
A fiança é a mais comum das garantias pessoais. Nela, ajusta-se, por meio de um contrato, que um terceiro, inicialmente
estranho à relação entre o credor e o devedor, irá garantir a dívida
com o seu patrimônio, de sorte que se o devedor falhar, o credor
poderá reclamar a prestação desse terceiro, denominado fiador.
A fiança, portanto, é um contrato, por meio do qual o fiador
se compromete a assegurar o cumprimento da obrigação, que, a
rigor, lhe é estranha.
Esse tipo específico de contrato encontra-se regulado pelos
artigos 818 a 839 do Código Civil. O primeiro dispositivo citado
define o negócio:
“Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor,
caso este não a cumpra.”
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Se o devedor falhar, o credor pode, então, procurar o fiador
e reclamar o adimplemento. O fiador, entretanto, possui o direito
de exigir que, primeiro, se executem os bens do seu afiançado, ou
seja, do devedor principal (artigos 827 do Código Civil). Chama-se
a isso o benefício da ordem, pois o fiador pode requerer que seus
bens sejam executados apenas num segundo momento. Para isso,
o Código de Processo Civil, no artigo 595, garante que o fiador,
uma vez citado para pagar a dívida, pode indicar à penhora bens
do devedor. Caso esses bens se revelem insuficientes, o fiador, então, fica impelido a apresentar os seus.
A fiança é uma proteção do credor, um acessório da obrigação, tanto que ela pode ser estabelecida mesmo contra a vontade
do devedor, como admite o artigo 820 do Código Civil.
Depois de pagar a dívida, o fiador cobra, regressivamente,
do devedor principal o que despendeu. Afinal, o fiador não tem o
debitum, mas apenas o obligatio.
A fiança é uma obrigação acessória da obrigação principal,
isto é, da relação que existe entre credor e devedor. Se a dívida
deixa de existir, extingue-se a fiança. Se o titular do crédito deixa
prescrever a dívida principal, porque, por exemplo, não toma as
medidas necessárias contra o devedor, tem fim também o direito
de reclamar o pagamento do fiador. Em suma, a relação que existe
com o fiador segue o destino da relação principal, estabelecida
entre credor e devedor, até porque não se admite que o acessório
subsista sem o principal.
Tamanha a relevância dessa acessoriedade que não se admite que o conteúdo da obrigação contida na fiança seja superior ao
da obrigação principal. O fiador não pode ter uma situação mais
onerosa do que a do devedor principal, nem mesmo se admite que
ele dê coisa diversa6.
Exceto no regime de separação absoluta de bens, não se pode
dar fiança sem o consentimento do cônjuge (artigo 1.647, III, do Código Civil). Essa matéria, aliás, encontra-se sumulada pelo Superior
Nesse sentido e fornecendo exemplos Robert Joseph Pothier, Tratado das Obrigações Pessoaes e Recíprocas, Tomo I, Rio de Janeiro, Garnier, 1906, p. 272/278.
6
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Tribunal de Justiça (Súmula nº 332: “A anulação de fiança prestada
sem outorga uxória implica a ineficácia total da garantia.”).
8.1.2. Aval
Comumente, obrigações são expressas e corporificadas em
documentos denominados títulos de crédito (artigo 887 do Código
Civil). Estes documentos registram uma dívida certa. Munido de
um título de crédito, o credor pode exigir do devedor, cujo nome
consta do documento, o pagamento da dívida constante do título.
Há, portanto, uma autonomia do título, conceito fundamental no
direito comercial. Essa autonomia acarreta a segurança do título.
Aliás, enquanto o título estiver em circulação, apenas ele pode ser
executado, informa o artigo 895 do Código Civil.
Há diversos títulos de crédito, como o cheque, as notas promissórias e a duplicata. Os emitentes desses títulos são os devedores da obrigação cristalizada no documento.
Admite-se, aqui também, um reforço à segurança do pagamento constante do título. O artigo 897 do Código Civil indica que
“O pagamento de título de crédito, que contenha obrigação de
pagar soma determinada, pode ser garantido por aval.” O aval
encontra-se regulado pelos artigos 30 a 37 da Lei Uniforme (Decreto nº 57.663, de 24.1.66).
No aval, um terceiro se compromete a pagar a dívida expressa no título. Para isso, ele escreve, no verso do documento, que
será seu avalista (artigo 898 do Código).
Na fiança, como acima se viu, há uma relação contratual,
que vincula, principalmente, o fiador e o credor. No aval, o avalista garante o título de crédito. Não há uma relação contratual,
porém uma situação na qual o avalista ocupa a posição de um devedor solidário ao devedor principal (artigo 899 do Código Civil e
artigo 47 da Lei Uniforme, o Decreto-Lei nº 57.663 de 24.1.66).
Nesse passo, sublinhe-se uma importante alteração trazida
pela nova Lei civil. Segundo o artigo 898 do Código Civil, não
mais se admite o aval parcial. Antes, enquanto a Lei Uniforme
regulava a matéria, admitia-se o aval parcial. O avalista, agora,
apenas pode garantir a totalidade do valor expresso no título e
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não mais apenas parte dele. Neste passo, há interessante discussão relativa à antinomia normativa, porquanto, embora especial
em relação à Lei Uniforme de Genebra, o novo Código Civil é
mais recente. Assim, prevaleceria este quanto à vedação do aval
parcial.
Os títulos de crédito são transferíveis. A garantia estabelecida com o aval acompanha o documento. A obrigação do avalista,
já se disse, é estabelecida a partir do título. Ao contrário do que
acontece na fiança (uma relação acessória da obrigação principal),
há, no aval, uma certa autonomia entre a obrigação original (que
foi a causa da dívida) e a obrigação do avalista, consistente em
pagar a dívida constante do título. O avalista não pode suscitar a
nulidade da obrigação inicial, onde se criou o título, para fugir do
pagamento (artigo 899, § 2º, do Código Civil).
Imagine-se a situação de uma pessoa que emitiu uma nota
promissória para pagar certa dívida. Um terceiro serviu como avalista. Depois, esse título passou para outra pessoa, que, de boa-fé,
o recebeu (é muito comum a circulação de títulos de crédito. Não
raro, uma pessoa faz pagamentos com cheque recebido de terceiro). Adiante, esse título passa de mão em mão, até chegar a uma
pessoa que procura o avalista para cobrar o montante expresso
no documento (no caso, a nota promissória). O avalista não pode
suscitar vício algum na relação inicial da obrigação que justificou o título, para escapar do dever de pagar a dívida, oriundo do
aval. Há uma autonomia do título, sem a qual não seria possível
sua transferência sem que isso implicasse um enorme risco, o que
comprometeria seu valor comercial.
O avalista apenas pode opor as nulidades formais: dizer, por
exemplo, que não foi ele quem assinou o aval, ou que o título é
falso. Não há, contudo, como alegar que a obrigação inicial, que
originou o título, é nula. O título, como se disse, ganha vida própria e assim também o aval.
Há, portanto, uma distinção fundamental entre a fiança e
o aval. Na fiança existe uma obrigação acessória, do fiador em
relação ao afiançado, ao passo que no aval a obrigação é autônoma.
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Evidentemente, o avalista que paga a dívida expressa no título pode, depois, cobrar do devedor ― o emitente do título ― o
ressarcimento do que desembolsou.
Salvo no regime da separação absoluta de bens, tanto o aval
como a fiança, como acima se deu notícia, são apenas admitidos se
houver a autorização do cônjuge (artigo 1.647, III, com a ressalva
dos casados pelo regime da separação total de bens). Com isso,
impede-se que um dos cônjuges coloque o patrimônio do casal em
risco sem o consentimento do outro.
No Código de 1916, não havia necessidade de o cônjuge consentir com o outro para que o aval fosse concedido. Essa inovação
da Lei de 2002 sofreu muitas críticas da doutrina que se ocupa do
Direito Comercial. Segundo muitos comercialistas, essa necessidade da vênia do cônjuge cria obstáculos inconciliável com a agilidade e praticidade que deveriam distinguir o direito cambiário, pois
tornava suspeitos os títulos.
Caso tenha havido a concessão da garantia sem a autorização, o cônjuge lesado pode reclamar a anulação do ato (artigo
1.650 do Código).
9. GARANTIAS REAIS
A palavra real vem do latim res, que significa coisa. Nas garantias reais a obrigação fica protegida por uma coisa: um determinado
bem se vincula ao cumprimento da obrigação (artigo 1.419 do Código Civil). Se o devedor falhar, o credor pode exigir que se promova
a venda, em leilão público, da coisa específica, dada em garantia,
para que, com o fruto dessa venda, ele receba seu crédito.
Evidentemente, se o valor obtido no leilão for superior ao da
dívida, o credor apenas fica com o que era devido e o restante, a
sobra, é entregue ao devedor. Caso não se consiga arrecadar com
a venda o valor da dívida, o credor recebe a quantia e segue com
o crédito no remanescente (artigo 1.430 do Código Civil).
Os bens oferecidos em garantia devem estar aptos a ser alienados. Não se concebe que se dê em garantia um bem que não
se possa vender, sob pena de não haver uma efetiva proteção do
crédito, frustrando-se o propósito da garantia.
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Não será necessariamente do devedor a coisa oferecida em
garantia. O bem oferecido em garantia pode ser de terceiro. A
única exigência é a de que quem forneceu a coisa tenha poder
para dela dispor. O artigo 1.420 do Código diz que apenas pode dar
coisa em garantia quem puder aliená-la.
Atente-se ser proibido ajuste que dê ao credor o poder de
se assenhorear, em caso de inadimplemento, do bem dado em garantia. O artigo 1.428 veda expressamente esse negócio, independentemente do momento em que ele é fixado. Trata-se da cláusula
compromissória, vedada pelo nosso sistema, porque abriria uma
porta para o abuso ao devedor em necessidade. Dessa forma, é nulo
o pacto segundo o qual o credor ficaria com a coisa dada em garantia se o devedor falhar com seu dever de oferecer a prestação.
Não se impede, contudo, que o credor e o devedor ajustem
uma dação em pagamento, na qual o devedor entregue a coisa
(antes oferecida em garantia) para quitar a dívida, como prevê o
parágrafo único do artigo 1.428.
A admissão, feita pelo novo Código Civil, de que o credor fique
com a coisa, por meio da dação, é escolha do legislador que não
pode fugir a críticas. Essa possibilidade, veja-se, era feita pela doutrina7, bem antes do advento da nova lei civil. A restrição que se faz
relaciona-se à possibilidade de o devedor ser constrangido. Afinal,
o credor estará normalmente em uma posição mais forte e poderá
impor a dação, embora o valor da coisa seja inferior ao da dívida.
Não é difícil intuir que as garantias reais são mais eficazes do
que as pessoais. O fiador pode morrer ou ficar insolvente e, com
isso, tornar inútil a garantia. Nas garantias reais, por seu turno, a
coisa fica perenemente vinculada à obrigação e apenas em situações raras o valor do bem dado em garantia será reduzido.
As garantias reais são o penhor, a hipoteca e a anticrese.
Há outras duas figuras bem próximas: a alienação fiduciária em
garantia e o leasing. Eis as características principais de cada uma
dessas garantias reais.
Tito Fulgêncio, Direito Real de Hipoteca, v. I, Rio de Janeiro, Forense, 2ª ed., 1960, p.
111.
7
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9.1. Penhor
No penhor, o credor recebe a posse de um bem móvel, que
fica com ele, para garantir o pagamento de uma obrigação (artigos
1.431 a 1.472 do Código Civil). Diante da inadimplência, o credor
cobra a dívida e promove a venda judicial da coisa empenhada, ficando com o valor obtido com a alienação suficiente para ressarcilo.
A coisa móvel, entregue ao credor, garante, pois, a dívida.
Em caso de inadimplemento, o credor tem a posse daquele bem,
cujo saldo da venda servirá para pagá-lo.
O credor pignoratício é aquele cuja garantia é consubstanciada no penhor. Este termo simboliza a possibilidade de “tomar”
a coisa em caso de inadimplemento do devedor. De fato, pignus
vem do latim “punho”, porquanto o credor toma o bem, dando
origem à garantia do penhor.
Pignus, contudo, também pode ser “prova”, acepção adotada por Virgílio na Eneida: pignus amoris, isto é, prova de amor
(tema que, depois, foi usado como título de um lindo poema de
Byron). O penhor também funciona como prova de que o credor
será protegido pela garantia.
Tenha-se presente que, para ter efeito perante terceiros,
o instrumento, no qual se ajustou o penhor, deve ser levado ao
registro (artigo 1.432). Apenas aí haverá a necessária publicidade.
Somente depois de registrado, o penhor terá efeito perante terceiros.
Uma importante característica dos Direitos Reais de garantia
- e o penhor, claro, se insere nessa categoria - é a necessidade de
publicidade do ato de sua constituição. A rigor, a garantia apenas
se efetiva a partir do momento no qual é adotada uma atitude que
promova a sua publicidade, isto é, torna o ato público, de forma que
terceiros tomem conhecimento dele (ou, ao menos, possam tomar).
No caso específico do penhor, o ato que o instituiu, se for
um contrato, deve ser levado ao registro, indica o artigo 1.432 do
Código Civil. No penhor comum, o registro será o do Cartório de
Títulos e Documentos. Além disso, no penhor, deve haver a efetiva
tradição, a entrega física, da coisa empenhada.
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Havendo o adimplemento, o credor devolve o bem móvel
ao devedor. Caso contrário ― se houve descumprimento do dever
obrigacional ―, o credor pode exigir a venda pública, por leilão,
do bem dado em garantia. Com o valor obtido no leilão, o credor
obtém ressarcimento.
A forma comum de constituição de penhor se dá por meio de
contrato, no qual se indica a coisa que servirá de garantia e, em
seguida, o devedor transfere a sua posse direta ao credor. Assim,
embora seja um direito real sobre coisa alheia, não é errado afirmar que o penhor também é um contrato, porque ele se estabelece por meio do acordo entre credor e devedor.
A rigor, revela-se fundamental ter presente a característica
de contrato acessório do penhor, que visa a assegurar outra obrigação, esta principal. Caso a obrigação principal seja encerrada
por algum motivo, o contrato acessório segue o mesmo destino.
Na hipótese de se entender pela nulidade do contrato principal, o
penhor quedará prejudicado. Igualmente, diante do pagamento da
obrigação principal, o penhor se extinguirá, pois o acessório segue
o destino do principal.
Há, porém, hipóteses de penhor legal, referidas no artigo
1.467 do Código Civil. Nos casos mencionados na Lei, o penhor
se dará por ordem legal. Isso ocorre, por exemplo, nos casos dos
hospedeiros ou fornecedores de alimentos, sobre os bens dos seus
fregueses que estiverem com estes nos estabelecimentos, pelas
despesas que deram.
Se uma pessoa vai a um hotel e deixa de arcar com a sua conta, o hoteleiro pode ficar com algum bem do seu hóspede, a título
de penhor, para garantir o pagamento. Uma vez paga a dívida, o
hoteleiro devolve o bem que tomou em garantia.
No penhor legal, deve o credor, assim que tomar o bem, requerer ao Judiciário a homologação do ato. Os artigos 874 a 876 do Código de Processo Civil tratam da homologação do penhor legal. Como se
vê, é uma interessante hipótese de autotutela, ao menos até a correspondente homologação judicial do ato, que lhe dá respaldo legal.
Recebida a coisa, o credor pignoratício passa a ocupar a posição de depositário do bem, com os deveres daí inerentes.
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O Código Civil regula o penhor rural, que pode ser agrícola
ou pecuário (artigos 1.438 a 1.446). No agrícola, admite-se o penhor de bens relacionados à agricultura, como máquinas, colheitas, lenha etc. Já no pecuário, o penhor recai sobre animais que
integram a atividade pastoril, principalmente o gado.
Inovando, em relação ao Código anterior, a Lei de 2002 regula o penhor industrial e mercantil (artigos 1.447 a 1.450). Os
penhores de direitos e títulos de crédito (artigos 1.4521 a 1.458)
são oferecidos em garantia de direitos sobre coisas móveis, que
podem ser cedidas. Os penhores industrial e mercantil se referem
às máquinas, aparelhos e tudo mais usado nas indústrias.
Como na cessão de crédito, o penhor de títulos de crédito
só ganha eficácia quando notificado o devedor (artigo 1.453). Somente a partir daquele momento, o devedor fica ciente de que seu
débito garante uma outra obrigação (artigo 1.460).
No penhor de títulos de crédito, o credor pignoratício fica
com a posse do documento. Esse tipo de penhor era, no Código
Civil de 1916, denominado de “caução de título” (antigo artigo
792).
O Código de 2002 inovou, ainda, ao tratar do penhor de veículos (artigos 1.461 a 1.466). Nele, não há a transferência da posse
do bem, mas a celebração de instrumento público, devidamente
registrado em cartório de títulos e documentos, no qual se convenciona a garantia.
Nos penhores rural, industrial, mercantil, de direitos e no
de veículos não haverá a transferência da posse direta da coisa
empenhada (no penhor de título de crédito há, apenas, a entrega
física do título). A posse direta segue com o devedor.
A prova do penhor se dá com o documento registrado no cartório público específico. No penhor industrial e mercantil, por exemplo, o registro do instrumento de penhor deve ser feito no Registro
de Imóveis do local onde estiver situado o bem (artigo 1.448).
9.1.1. Caução
Não raro, ao celebrar um contrato, o credor solicita ao devedor: “preciso de uma caução, de uma garantia”. O credor quer
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uma proteção contra um futuro e eventual inadimplemento. O
termo caução é, assim, usado indistintamente – e de modo pouco
técnico - como sinônimo de garantia. De fato, caução vem do latim cautio, que significa precaução. E isso não deixa de ser muitas
vezes correto. Afinal, como acima se deu notícia, até o advento do
Código Civil de 2002, chamava-se caução de crédito o que hoje se
denomina penhor de crédito.
Pode-se dizer que há três tipos de caução: a legal, a negocial
e a processual.
A caução legal é aquela imposta pela lei. Há diversos casos espalhados pela legislação. O artigo 1.280 do Código Civil, por
exemplo, indica que o proprietário ou possuidor de um prédio pode
exigir do dono do prédio vizinho que esteja ameaçando desabar, a
reparação deste e uma caução. O artigo 1.400 do Código, por sua
vez, informa que o usufrutuário, ao receber a coisa, deve, se assim
exigir o dono, prestar caução, para garantir eventuais danos para
a hipótese de não se devolver a coisa em bom estado. A caução
legal ocorre também, por exemplo, se uma pessoa estrangeira,
sem bens no Brasil, decide propor uma ação judicial neste país.
Segundo o artigo 835 do Código de Processo Civil, a pessoa estrangeira deve oferecer caução ao juiz suficiente a cobrir as custas
judiciais e os honorários dos advogados da parte contrária. Isso
porque se essa pessoa estrangeira perder a ação, o réu, vencedor
da demanda, e seu advogado poderão mais facilmente receber os
ônus da sucumbência.
A caução pode ser negocial. Aqui, o termo caução é usado
genericamente para significar uma garantia qualquer, seja ela real
ou fidejussória.
Por fim, a caução pode ser processual. Os exemplos mais
práticos talvez sejam os artigos 804 e 805 do Código de Processo
Civil. Esses dispositivos se encontram na parte relativa ao procedimento cautelar, no qual a parte pretende obter do Judiciário uma
decisão imediata, uma liminar, que lhe proteja numa situação de
emergência. No artigo 804 do Código de Processo Civil, admite-se
que a parte, que deseje receber uma medida liminar do Judiciário,
garanta o juízo com uma caução (assim, se, depois, a liminar for
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revogada, a parte prejudicada poderá ressarcir-se com a garantia). O artigo 805, por sua vez, admite que a parte, contra quem
a liminar foi requerida, apresente uma caução, exatamente para
garantir que, se, ao final, se entender que a liminar era justa, a
outra parte, que requereu a enérgica media judicial, tenha como,
rapidamente, obter reparação. Nesses casos, a caução funciona
como contracautela.
O Código de Processo Civil examina a ação de prestação e
requerimento de caução, nos seus artigos 826 a 838. Esse procedimento serve tanto para quem deseja prestar a caução e encontra
resistência da outra parte, como para quem deseja reclamar a
caução devida, mas a contraparte se recusa a oferecê-la.
9.2. Hipoteca
Hipoteca é um nome curioso. Numa primeira análise pode
dar a idéia de ser a junção de duas palavras: “hipo” e “teca”.
“Hipo”, em grego, quer dizer cavalo, enquanto “teca” significa
“conjunto de”. Hipopótamo significa cavalo d’água, porque se
imaginou inicialmente que essa era a sua natureza, daí a junção de
“hipo” e “potamo”. No caso do sufixo “teca”, há os mais variados
exemplos: discoteca (conjunto de discos), biblioteca (conjunto de
livros) e por aí vai. Entretanto, hipoteca não tem nada a ver com
um conjunto de cavalos, nem essa é a origem da palavra, embora
o instituto seja muito antigo. Segundo Tito Fulgêncio, em sua obra
clássica sobre o tema, a origem etimológica é mesmo grega: hypo
significa “por baixo” e tithermi quer dizer “eu ponho”8. Assim,
hipoteca é uma garantia que se põe debaixo do crédito.
A hipoteca era conhecida no Egito antigo, na Grécia e em Roma9.
Na hipoteca, a garantia é dada por um bem imóvel, que fica
vinculado ao pagamento da obrigação (artigo 1.473). Trata-se da
Tito Fulgêncio, op. cit., p. 8.
Um interessante histórico do instituto pode ser visto em Traité Élementaire de Droit
Civil Belge, Henri de Page, Tome Septième, 10ª ed., Bruxelas, Émile Brylant, 1957, p.
331. Especificamente sobre o desenvolvimento do instituto em Roma: Lafayette Rodrigues
Pereira, Direito das Cousas, 3ª ed., Rio de Janeiro, Livraria Editora Freitas Bastos, 1940,
p. 386/392.
8
9
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201
sujeição dos bens de raiz do devedor para proteção do credor.
Excepcionalmente, pode haver hipoteca sobre duas coisas móveis:
navios e aeronaves. De fato, embora sejam bens móveis, a constante movimentação que seria exigida caso fossem objeto de penhor
traria inevitavelmente diversos problemas. Para tanto, estendeuse a tais coisas o regime da hipoteca, muito mais consubstanciado
na imobilidade, diminuindo-se consideravelmente o risco. A lista
do artigo 1.473 arrola os bens suscetíveis de hipoteca.
Diferentemente do penhor, na hipoteca o bem dado em garantia segue na posse do devedor. Daí ser ainda mais importante
na hipoteca que se dê o seu registro no Registro Geral de Imóveis
competente, pois essa é a única forma de permitir que terceiros
fiquem cientes do gravame (artigo 1.492 do Código Civil).
Caso uma pessoa deseje adquirir um imóvel, cabe a ela obter a certidão do registro de imóveis onde se situa o bem (artigo
1.492). Na certidão, haverá a referência a eventual existência de
uma ou mais hipotecas. O fato de haver esse ônus real incidente
sobre o bem não impede a transferência da propriedade. A hipoteca não é óbice à alienação do bem. Porém, a transferência da
coisa não acaba com a garantia real. A rigor, uma das mais importantes características da garantia real é precisamente a de que ela
subsiste mesmo na alteração de proprietário. A garantia segue a
coisa, ficando presa a ela, como a pele ao corpo.
Caso o devedor da obrigação na qual se estabeleceu a hipoteca não pague a dívida, o credor poderá exigir a venda judicial
da coisa para receber seu crédito, independentemente de quem
seja o proprietário da coisa. Daí porque, em regra, deve-se evitar
a compra de um imóvel hipotecado (atente-se: é nula a cláusula
que impede o dono de um imóvel hipotecado vender seu bem,
consoante o artigo 1.475 do Código).
O credor hipotecário tem o direito de fazer executar a coisa,
objeto da garantia, para satisfazer o seu crédito, independentemente de quem seja o proprietário.
Antes se mencionou a possibilidade de constituição, sobre o
mesmo bem imóvel, de mais de uma hipoteca (artigo 1.476). Desde que o valor do bem suporte, é absolutamente lícita a criação de
mais uma hipoteca sobre o mesmo bem.
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Se o bem for vendido para pagar alguma dívida, com o valor
obtido se quitará, antes de mais nada, a dívida garantida pela hipoteca registrada em primeiro lugar. Apenas depois será paga a dívida garantida pela segunda hipoteca. Se houver outras hipotecas,
sempre se observará a ordem cronológica de seu registro. A ordem
se dá em função de quando a hipoteca foi registrada no registro
de imóveis (e não em razão do momento no qual o seu contrato foi
firmado). Diante disso, deve o credor, que ajustou uma hipoteca
para proteger sua obrigação, correr no registro de imóveis para
promover o registro da sua garantia. Aplica-se, aqui, o princípio
segundo o qual mais forte o direito se mais antigo: prius in tempore potior in jure.
9.3. Anticrese
“O que há num simples nome? O que chamamos rosa com
outro nome não teria igual perfume?” Nessa passagem de Romeo
e Julieta, a jovem comenta com seu amado que o nome significa
pouco diante da essência das coisas. Ela diz isso porque descobre
que seu amado Romeu é da família dos Montéquios, desafeto dos
Capuletos. Diante disso, Julieta, uma Capuleto, pergunta ao seu
amado qual a diferença se ele é Montéquio, qual a diferença desse
nome, pois ela seguiria apaixonada por Romeu de toda sorte, independentemente do nome que ele tivesse.
Pois vamos tratar agora de um dos mais estranhos nomes
do mundo jurídico: a anticrese. Pobre anticrese. Além do nome
curioso e feio, trata-se de uma garantia real sem nenhum prestígio.
Por meio dela, o credor recebe um imóvel para administrar
- normalmente um negócio - e dele receber os frutos, ensina o
artigo 1.506 do Código Civil. O credor vai auferindo esses frutos
e os abate da dívida até receber tudo o que for devido. Ao final,
devolve a coisa.
O credor, todavia, fica obrigado a prestar contas ao devedor
do que recebeu e a zelar pela coisa oferecida em anticrese.
Por diversos motivos práticos, a anticrese é muito raramente
utilizada. Em primeiro lugar, ela cria um ônus ao credor, que assume o dever de administrar um bem e a disso prestar contas.
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Além disso, com a anticrese, o devedor fica sem a coisa, com
a qual poderia auferir algum valor para pagar a dívida. Em suma,
a anticrese acarreta ônus para o credor e para o devedor e daí ser
uma garantia em total desuso.
10. PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA
A propriedade fiduciária não é tecnicamente uma garantia.
Entretanto, nela, a segurança do credor é, sem dúvida, muito
maior em comparação com qualquer das garantias reais mencionadas no Código Civil, o que explica o exponencial aumento de casos em que é empregada. Isso porque, na propriedade fiduciária,
o devedor, embora fique com a posse da coisa móvel infungível,
transfere a sua propriedade ao credor, ajustando que a propriedade será devolvida no pagamento da obrigação.
Caso se dê o inadimplemento, o credor não pode ficar com a
coisa, mas deve promover a sua alienação e receber o valor obtido
na venda e, assim, satisfazer seu crédito (artigo 1.364). Repetese, aqui, o conceito que veda a estipulação de cláusula compromissória, já registrado no artigo 1.428.
Se o montante percebido com a venda da coisa for maior do
que o do crédito, o credor devolve o que receber a mais; se for
menor, o credor segue podendo cobrar o que faltou (artigo 1.366
do Código Civil).
O Código de 2002 passou a regular a situação, mencionando
a hipótese no artigo 1.361. Exige-se, neste tipo de transferência
momentânea de propriedade, que se registre o documento no qual
a propriedade fiduciária foi estabelecida, no Registro de Títulos e
Documentos do domicílio do devedor (§ 1º do art. 1.361).
O devedor, na propriedade fiduciária, fica como depositário.
Daí porque se diz “propriedade fiduciária”, pois necessário haver
uma certa confiança entre as partes. A palavra fiduciária tem o
radical “fides”, que, como antes se deu notícia, significa fé. Da
união de “Com” e “fides” adveio o termo confiança. Afinal, como
a posse da coisa segue com o devedor (§ 2º do artigo 1.361), o
depositário mal intencionado pode destruir ou sumir com o bem
móvel, sendo, pois, essencial a existência da relação de credibilidade entre as partes.
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É fundamental distinguir a situação do penhor. Neste, a posse direta do bem oferecido em garantia é transferida ao credor,
mas não a sua propriedade, que segue com o devedor. Na propriedade resolúvel, por sua vez, passa-se a propriedade ao credor, mas
a posse direta se mantém com o devedor.
Interessante observar que a propriedade resolúvel deu uma
nova roupagem a um meio vetusto, que existiu no Direito Romano
antigo, de proteção do crédito: a fiducia cum creditore. Neste, o
devedor transferia a propriedade (junto com a posse direta) de um
bem ao credor, que ficava com o dever de restituir a coisa assim
que a dívida fosse paga.
11. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA
A alienação fiduciária em garantia tem grande aplicação nos
dias de hoje. Para financiar a aquisição de um bem infungível, o credor adquire a propriedade do referido bem, que fica, entretanto, na
posse direta do devedor. Este vai pagando o valor do bem ao credor e,
uma vez quitada a totalidade do valor financiado, o credor transfere
a propriedade da coisa ao devedor. Trata-se, pois, de uma espécie de
propriedade fiduciária, com a diferença de que o bem é financiado.
Essa alienação fiduciária em garantia é muito comum na
aquisição de máquinas e veículos. Instituições financeiras oferecem o crédito para a compra desses bens, que ficam no nome
delas, porém na posse do financiado. Este paga o valor da coisa
aos poucos a instituição financeira e, ao quitar a dívida, recebe a
propriedade da coisa financiada.
Há uma discussão acerca de quem pode ser o credor de alienação fiduciária. Para a maioria, fiduciante é apenas e necessariamente uma instituição financeira, enquanto para outros, em
minoria, não haveria essa restrição10.
O credor será o proprietário fiduciário, ao passo que o devedor recebe a designação de fiduciante. A propriedade, aqui, é
Sobre a discussão, vale ler os acórdãos do Supremo Tribunal Federal, RE nº 90.636–SP, do
qual o Ministro Moreira Alves foi relator, e do Superior Tribunal de Justiça, REsp nº 1.121 –
RS, no qual funcionou como relator o Ministro Cláudio Santos.
10
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resolúvel e, como se disse, será transferida assim que o preço total
do negócio for quitado.
A alienação fiduciária em garantia é regulamentada pelo artigo 66 da Lei nº 4.728, de 14.7.65, e pelo Decreto nº 911, de
1.10.69. Segundo o § 1º do artigo 66 da Lei nº 4.728/65, a alienação
fiduciária apenas se prova com documento escrito que será “necessariamente” arquivado no Registro de Títulos e Documentos.
Diante do inadimplemento, o credor pode requerer a busca e
apreensão da coisa (artigo 3º do Decreto nº 911/69) e a execução
do valor devido. Note-se, entretanto, que, se o devedor já pagou
40% do valor da coisa, ele pode solicitar a purgação da mora, isto
é, pagar o que falta para ficar com a propriedade do bem.
Uma vez com a coisa, o credor pode vendê-la da forma que
lhe parecer mais conveniente. Não há necessidade de que essa
alienação se dê em hasta pública (artigo 2º do Decreto nº 911/69),
o que a torna mais ágil do que as garantias convencionais.
Muito comumente pessoas adquirem bens por meio da alienação fiduciária. Embora haja uma proteção ao credor, ela se caracteriza principalmente por ser uma forma de financiamento,
com a vantagem de que o devedor já pode, desde logo, usar e
fruir da coisa.
A razão de o termo “fidúcia” constar deste negócio é simples:
o credor deve confiar no devedor, pois a coisa dada em garantia fica
fisicamente (posse direta) com o devedor. Se a coisa perecer por
responsabilidade do devedor, não haverá mais a “super” garantia.
A grande vantagem da alienação fiduciária em garantia reside no fato de que, num eventual concurso de credores ou de
falência, o credor não precisa habilitar seu crédito, pois ele já tem
a propriedade, de sorte que seu patrimônio fica protegido.
Justamente em vista desse fato, a nova Lei de Falências e
Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101, de 9.2.05) previu inúmeras situações nas quais serão priorizados esses credores.
12. ARRENDAMENTO MERCANTIL
Também conhecido como leasing financeiro, o arrendamento
mercantil se distingue por ser uma mistura de locação com compra
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e venda. Nele, o credor adquire um bem por indicação do devedor
e, imediatamente em seguida, dá esse bem em locação ao devedor. No final do prazo ajustado de locação, o devedor pode optar
por ficar com a coisa, desde que pague um determinado valor ajustado inicialmente.
O credor recebe o nome de arrendador e o devedor de arrendatário. O arrendador, por determinação legal (Lei nº 6.099, de
12.9.74 e Resolução nº 2.309, de 28.8.96 do Banco Central), deve
ser forçosamente uma pessoa jurídica especializada em arrendamento mercantil ou instituições financeiras, embora o arrendatário possa ser tanto pessoa jurídica como natural.
Se não se pagar o valor da locação, o credor (arrendador)
pode não apenas reaver o bem, para vendê-lo, mas exigir o valor
dos aluguéis inadimplidos.
Neste caso, assim como na alienação fiduciária, há mais do
que uma garantia, pois a coisa, objeto do negócio, pertence ao
credor.
13. PENHORA
O direito processual é um instrumento. Por meio dele, os
interessados invocam a prestação jurisdicional e buscam proteger
seus direitos.
Dentre as ações disponíveis, há uma mais violenta, denominada execução. Nela, o credor solicita uma medida enérgica do
Judiciário, no sentido de que recolha bens do patrimônio do devedor para satisfazer seu crédito.
Para tanto, exige-se que o credor porte um documento ―
chamado título executivo ―, referido nos artigos 585 e 475-N do
Código de Processo Civil, no qual se apresente um crédito líquido
(sob o qual não paire dúvida do exato montante), certo (inequívoco quanto à existência) e exigível (já pode ser cobrado).
Apresentando esse título, o credor pode reclamar do Judiciário que cite o devedor para pagar imediatamente a dívida.
Essa ação enérgica, como se disse, se chama execução. Dizse que o credor executa seu devedor. Esse procedimento, claro,
está regulado no Código de Processo Civil. Há uma parte inteira do
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207
Código de Processo Civil referente ao processo de execução (Livro
II, que abrange os artigos 566 a 795).
No processo de execução, o devedor não responde ou contesta: ele paga e pronto.
Se o título executivo oferecido para execução for judicial
(normalmente uma decisão judicial condenatória), arrolado nos
incisos do artigo 475-N do Código de Processo Civil, o devedor
apenas pode impugnar a execução, de forma muito limitada, pois
sua irresignação somente pode versar sobre as matérias mencionadas no artigo 475-L do Código de Processo Civil. Essa impugnação, diz o artigo 475-M da Lei Processual, não terá efeito
suspensivo.
Caso, contudo, o título for extrajudicial, como uma nota
promissória ou um cheque, por exemplo (as hipóteses vêm referidas no artigo 585 do Código de Processo Civil), permite-se ao executado uma defesa mais ampla. Entretanto, para apresentar essa
defesa, o devedor executado deve, antes, garantir o Juízo.
O Judiciário atua, rapidamente, para separar bens do patrimônio do executado, que servirão como garantia do próprio Juízo,
onde tramita a execução. Essa garantia do Juízo denomina-se penhora.
Caso se execute um crédito com garantia real, a penhora
recairá, de preferência, sobre a coisa dada em garantia, diz o § 1º
do artigo 655 do Código de Processo Civil.
O executado de um título extrajudicial se protege de uma
execução por meio dos embargos de devedor (artigo 736 do Código
de Processo Civil). Estes serão autuados em apenso aos autos do
processo de execução e julgados pelo mesmo juiz que examina a
execução.
Estes embargos, em regra, não têm o condão de suspender o
andamento da execução, salvo excepcionalmente, se houver risco
de dano ao executado e se o Juízo estiver garantido pela penhora
(artigo 739-A, § 1º, do Código de Processo Civil).
Os bens dados em penhora são, pois, aqueles oferecidos para
garantir o juízo em um processo de execução. Segundo o artigo
655 do Código de Processo Civil, o executado deve observar uma
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ordem ao fazer a nomeação de bens. A jurisprudência, contudo,
entende que essa ordem não é rígida.
Se os embargos de devedor forem julgados procedentes,
para decidir que não existe dívida, a penhora se resolve e os bens
ficam liberados. Caso, contudo, os embargos não sejam providos,
o credor executará os bens penhorados, promovendo a venda deles em leilão público.
Com a penhora, há a individualização do bem ou conjunto de
bens que serão alienados para satisfazer o crédito. Trata-se, pois,
de um ato processual com enormes repercussões práticas, pois
compromete certo bem, que passa a garantir a dívida de modo
especial.
Segundo o artigo 612 do Código de Processo Civil, a penhora
dá ao credor, em cuja execução ela foi constituída, uma preferência em relação aos demais credores. Isto é, esse credor com penhora receberá o resultado da venda desse bem antes dos demais
credores, que não desfrutem dessa garantia (embora isso não se
aplique ao concurso no caso de insolvência, como ressalva o próprio artigo 612, ou no de falência).
Importante ressaltar que, na maioria dos casos, a penhora
não retira a propriedade e a posse da coisa do devedor (ou de
quem quer que seja o dono ou possua o bem penhorado). A penhora, todavia, afeta o bem, de sorte que a alienação dele é ineficaz
em relação ao credor.
O Código de Processo Civil alista, no artigo 649, uma série
de bens considerados impenhoráveis, com fundamento em questões de natureza humanitária, sempre com vistas a preservar a
dignidade da pessoa humana. Nesse conceito se assentam todas as
limitações à penhora de bens. Provisões de alimentos, o anel nupcial, salários e congêneres não podem, por exemplo, ser objeto de
penhora.
14. AS GARANTIAS NO CASO DE INSOLVÊNCIA
Especial relevância será a avaliação das garantias no caso
de insolvência, isto é, se o devedor não dispôr de bens suficientes
para arcar com todas as suas dívidas. Isso ocorre se o devedor tiver
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dívidas superiores ao seu ativo patrimonial. O Código Civil indica
uma ordem de pagamento aos credores no caso de insolvência (artigos 955 a 965 do Código Civil).
Privilegia-se, na ordem de pagamento, o crédito em função
de sua natureza e de sua garantia. Diz-se que há preferências. Os
devedores são, por conta disso, divididos em classes. Na hipótese
de haver vários credores na mesma classe, a relação entre eles e o
devedor comum será presidida pela igualdade no tratamento (o artigo 962 do Código traduz um princípio, aplicável à espécie, da par
conditio creditorum). De outro lado, não havendo preferências,
todos os credores terão igual direito sobre os bens do devedor,
indica o artigo 957 do Código.
O Código Civil, tenha-se presente, cuida da insolvência do
devedor não-empresário. Se a insolvência for do empresário ou da
sociedade empresária, aplica-se a Lei de Falência (Lei nº 11.101,
de 9.2.05), que, embora guarde os mesmos conceitos e princípios,
possui regras específicas.
Em linhas gerais, pode-se dizer que, num concurso de crédito há a seguinte regra de preferências: em primeiro lugar, pagamse os créditos que derivem de indenizações trabalhistas, salários
e acidentes de trabalho. O artigo 449, § 1º, da Consolidação das
Leis Trabalhistas registra que esses créditos são privilegiados, mas
o dispositivo legal que põe os créditos trabalhistas na frente de todos os demais é o artigo 186 da Lei nº 5.172, de 25.10.66, o Código
Tributário Nacional. Diz o mencionado artigo:
“Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro,
seja qual for a natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho
ou do acidente do trabalho.”
Entende-se, corretamente, que, pela sua origem e sua função, normalmente o de sustento do empregado e de sua família,
esse pagamento deva ser feito antes dos demais.
Não há, como se alertou, uma referência ao privilégio do
crédito trabalhista no Código Civil, embora exista na Lei de Fa-
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lências, no artigo 83, que coloca esse tipo de crédito como o primeiro na ordem de pagamento, embora limitado a 150 salários
mínimos. A razão desse esquecimento pode ser explicada pelo fato
de que, na época de promulgação do Código Civil de 1916, não
havia o privilégio trabalhista. O Código de 2002, neste particular,
praticamente copiou o seu antecessor de 1916, deixando de fazer
referência à questão dos créditos trabalhistas e tributários. Isso se
deu propositalmente, pois os redatores da Lei de 2002 preferiram
apenas fazer referência aos créditos de natureza cível, deixando
os demais para as leis específicas.
Os créditos de natureza tributária, de dívidas oriundas de
impostos e taxas, são pagos antes das demais dívidas (preceitua o
acima transcrito artigo 186 do Código Tributário Nacional), assim
como os que tenham por origem a previdência social (Lei Orgânica
da Previdência Social, Lei nº 3.807, de 26.8.60, artigo 15711).
Das dívidas que não tenham as naturezas acima referidas,
aplica-se o artigo 961 do Código Civil:
“Art. 961. O crédito real prefere ao pessoal de qualquer
espécie; o crédito pessoal privilegiado, ao simples; e o privilégio especial, ao geral.”
Assim, primeiro pagam-se as dívidas que apresentem uma
garantia real, ou seja, as que foram garantidas por um bem específico, afetado para proteger o credor de um eventual inadimplemento (vale notar que, segundo a Lei de Falência, os créditos
com garantia real são recebidos antes dos tributários, consoante
os incisos II e III do artigo 83).
Interessante notar, nesse passo, que, em muitos países, os
créditos com garantia real, nas leis de falência, são os primeiros
a ser pagos, antes mesmo dos créditos de natureza trabalhista ou
“Art. 157. Os créditos da previdência social relativos a contribuições e seus adicionais ou
acréscimos de qualquer natureza por ela arrecadadas, inclusive a quota de previdência, a
correção monetária e os juros de mora correspondentes, nos processos de falência, concordata ou concurso de credores, estão sujeitos às disposições atinentes, aos créditos da
União, aos quais são equiparados, seguindo-se a estes na ordem de prioridade.”
11
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tributária. Assim é, segundo as leis de falência, na Alemanha, nos
Estados Unidos, na Inglaterra, no Japão e em Portugal, por exemplo.
Depois das dívidas com garantias reais, avalia-se se o crédito é privilegiado ou simples. Os créditos privilegiados receberão
antes dos simples. Note-se, ainda, que, entre os privilegiados há
duas sub-classes: o privilégio especial e o geral, conforme o privilégio recaia “especialmente” sobre um certo bem do devedor, ou
seja, “geral” sobre o patrimônio do devedor (veja-se, a propósito,
o artigo 963 do Código Civil).
As hipóteses de privilégio especial encontram-se referidas no
artigo 964 do Código Civil. Relacionam-se as situações nas quais o
credor tem uma vantagem de precedência ao receber seu crédito,
com relação dos demais débitos, decorrente de certo fato relacionado à dívida. Por exemplo, se o credor beneficiou uma coisa, ele
terá direito de receber pelas benfeitorias úteis e necessárias que
fez antes dos demais (inciso III do artigo 964). Trata-se do direito
de retenção: uma faculdade dada pela Lei ao credor que pode
conservar a coisa, antes detida legitimamente, até o pagamento
do que lhe é devido. Dessa forma, até cumprir com a sua obrigação
de indenizar a benfeitoria, o proprietário fica alijado da coisa.
Situação distinta do privilégio especial é a do privilégio geral, referida pelo artigo 965 do Código Civil. Embora créditos sem
garantia, estes devem ser pagos antes dos demais créditos também sem qualquer garantia. O primeiro inciso, por exemplo, trata
das dívidas com o funeral do devedor falecido. Entende-se que
essa dívida merece uma prevalência diante das demais dívidas sem
garantia.
Embora não tenha sido contemplado pelo Código Civil, o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906, de 4.7.94) estabelece, no artigo 24, que os créditos do advogado decorrentes de honorários
constituem crédito privilegiado. Trata-se também de um privilégio
especial.
Se o crédito não estiver contido em nenhum dos casos acima
referidos, ele será pago por último, conjuntamente com todos os
demais em igual situação.
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O pagamento em caso de insolvência não é complicado. Apura-se a massa de bens do devedor e os pagamentos começam a ser
feitos por classes. Como antes se deu notícia: primeiro pagam-se
os credores com os créditos considerados socialmente mais relevantes (os trabalhistas e os tributários), depois, os credores com
garantias reais. Passado isso, os credores com os privilégios especiais e, depois, os privilégios gerais. Por fim, recebem os credores
sem privilégio. Se os bens apurados do devedor não forem suficientes para saldar uma classe, haverá entre eles um rateio proporcional ao valor de cada um desses créditos, como dispõe o artigo 962
do Código Civil, sempre respeitando a paridade de tratamento dos
credores da mesma classe.4
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