III FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES
EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E QUESTÕES DE GÊNERO
11 a 13 de novembro de 2009
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RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, EDUCAÇÃO E SERVIÇO SOCIAL: UMA
CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
SEUS DESDOBRAMENTOS NO SERVIÇO SOCIAL.
Abraão dos Santos Freire (FJAV)1
Sandra da Silva Cândido (FJAV)2
Fernando José Ferreira Aguiar (UFS)3
Dizer e silenciar andam juntos... Há, pois uma declinação política
de significados que resulta no silenciamento como forma não de
calar, mas de fazer dizer “uma” coisa, para não deixar de dizer
“outras”. Ou seja, o silêncio recorta o dizer. Esta é a sua
dimensão política (ORLANDI, 1995: 55).
AÇÕES AFIRMATIVAS NA EDUCAÇÃO E NA SOCIEDADE
Da Escravidão e Diáspora Negra Atlântica ao Estatuto da Igualdade Racial:
trajetórias das discriminações, exclusão e desigualdade sócio-racial e estratégia de
combate na experiência brasileira.
Entres os autores que tratavam as temáticas escravidão e diáspora (TOLEDO, 1996)
expõe que um país como o Brasil foi instituído sobre trabalho forçado e o comércio de
gente, cujos três séculos e meio de regime escravocrata disseminou a concepção de que
trabalho é algo que se obriga outro a fazer e pessoas humanas são mercadorias.
Estudos apontam que entre os séculos XVI e XIX, 40% dos quase 10 milhões de
africanos desembarcaram em portos brasileiros. Isso era produto do comércio negreiro (isto
é, o mercado de braços) que surge como variável central para a determinação das opções
empresariais, consideradas bastantes elásticas.
1
Aluno graduando do 6° período do curso Bacharelado em Serviço Social da Faculdade José Augusto Vieira e
bolsistas do Projeto de Iniciação Cientifica (PIC), FJAV. Lagarto/SE. ([email protected]).
2
Aluna graduando do 6° período do curso Bacharelado em Serviço Social da Faculdade José Augusto Vieira
e bolsistas do Projeto de Iniciação Cientifica (PIC), FJAV. Lagarto/SE. ([email protected]).
3
Professor orientador dos autores do texto, Mestre em História Social/UFBA, Doutorando em Educação
UFS/NPGED. Professor Assistente Mestre dos cursos de História e Serviço Social da FJAV, Orientador PIC
(Projeto de Iniciação Científica).
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Negócio lucrativo aponta (FLORENTINO, 1997), pois existindo a possibilidade,
oferecida pelo tráfico, de substituição imediata e a baixos preços da mão-de-obra escrava,
seria extremamente vantajosa à intensificação da jornada de trabalho do cativo.
Nessa lógica (TOLEDO, 1996), ressalta que os escravos estavam por toda parte.
Dentro de casa nas senzalas, na lavoura, fugindo no mato e no comércio exercendo oficio
especializado. Diante disso (KARASCH, 2000) expõe em sua obra que os estrangeiros
quando chegavam no Brasil sentiam-se que estavam na África, pois seus olhos eram
cercados por escravos negros com rostos cheios de cicatrizes, dentes limados e roupas de
estilo africano.
A oferta era abundante e fácil de ser retida porque os próprios africanos
colaboravam na captura dos seus descendentes e isso contribuía para que os custos da
operação fossem mínimos e o lucro altíssimo.
A partir desses fatos (TOLEDO 1996), apresenta que quase todos os historiadores
possuem a visão de que a escravidão foi o modelo de relações econômicas e sociais mais
estáveis que o Brasil já teve, e diante deste contexto buscaram descobrir por que e quem
seriam os negros rebelados, que circunstâncias teriam levado a não aceitarem tais
condições? E por que as fugas, os levantes causavam pânicos aos grandes fazendeiros e a
economia do país?
Seguindo esta perspectiva, pude-se contar também com a contribuição das idéias
discutidas na obra de (REIS e SILVA, 2005), “Negociação e conflito”, onde visualizou-se
um outro lado da história brasileira sobre a escravidão, cujo escravo foi visto apenas ou
como herói, ou como vítima e sempre como objeto sem valor, passivos ou agressivos.
Descobriu-se uma nova abordagem resgatando as pequenas e grandes conquistas do
dia-a-dia dos escravos que resistiam a se tornar meras engrenagens do sistema que os
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escravizara. Havia uma engenhosidade nos escravos para a negociação em meio a todas as
diversidades e através da sua inteligência procuravam conquistar um espaço onde se
pudesse construir o próprio viver.
Sendo assim, (REIS e SILVA, 2005), aponta que as oportunidades de negociação
com os proprietários eram várias: nas lavouras, no comércio, na vida religiosa, sentimental
(relacionada a casamentos) e cultural. Até mesmo quando havia conflitos ou rebeliões, os
proprietários buscavam algum tipo de negociação com os escravos para regularizar a
situação.
Nesse contexto, muitos direitos adquiridos pelos escravos não foram porque os
senhores brancos eram benevolentes ou caridosos, mas porque viam neles uma constate
ameaça. Foi através de muito jogo de cintura, esperteza, inteligência, e principalmente luta,
resistência e união que aos poucos iam conquistando melhor espaço em meio à condição de
cativos.
Nessa averiguação foi importante perceber, após os caminhos percorridos pelos
historiadores (PINSKY e ELUF, 2000), as raízes e mecanismos da discriminação e
preconceito em nosso país. Tais atitude e ações pelas quais mantemos freqüentemente são
tidas como normas em relações de conivência diária.
De maneira bem clara e objetiva, abre-se à percepção da sociedade e em especial da
rede educacional quando afirmam que, de nada adianta pratica nossa indignação moral
diante da televisão, protestando contra limpezas raciais e discriminações pelo mundo a fora
se não ficarmos atentos ao preconceito nosso de cada dia.
Os autores fazem-nos perceber que não nos detemos em analisar a questão um
pouco mais a fundo e não nos interessamos em estudar o papel que a escravidão teve na
formação histórica de nossos negros. Isso reflete na problemática de que só falamos sobre
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a inferioridade do negro a partir da observação empírica que fazemos mediante sua
condição sócio-econômica.
Ainda ressalta (PINSKY e ELUF, 2000) que a maioria dos livros escolares
apresenta-nos como povo branco que no máximo recebeu algumas contribuições de outras
raças, infelizmente é isso que a maioria das escolas reproduz uma visão historicamente
equivocada, de que somos os brancos que absorvem aspectos pitorescos das outras raças
(inferiores).
Diante dessa percepção (PINSKY e ELUF, 2000) lançam um alerta para a
sociedade e professores, de que a história registra muitos outros genocídios onde o racismo
entra como motivo principal ou como pretexto, por isso a que está muito atento cada vez
que atitudes de intolerância racial aparecerem nas nossas relações, seja em que parte for do
mundo.
É importe ressaltar que a obra de (KARASCH, 2000), de título A vida dos escravos
no Rio de Janeiro (1808 - 1850) foi grande valia pelos detalhes que até então em nenhuma
outra obra vimos a respeito da vida dos escravos.
A partir da leitura da obra citada, percebe-se que (KARASCH, 2000) foi bastante
profunda nos estudos sobre a escravidão neste período, a vida e a cultura dos afrodescendentes, desfez mitos, como a da benevolência dos senhores, cujos alguns autores
teimam publicar em seus livros. Provou que muitas coisas ainda estão por ser descobertas,
basta uma boa investigação através de fontes como registros de sepultamentos, e teses
médicas foi confirmado o auto grau de mortalidade, já que os senhores calculavam que a
vida útil de um escravo ia de dez a doze anos (dentre os mais fortes).
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Em 1808, com a chegada da corte portuguesa que fugia do exército de Napoleão, o
Porto abriu-se para os navios do mundo, a cidade prosperou e cresceu atraindo toda mãode-obra necessária, por isso a demanda por escravos estimulou a renovação do tráfico.
Neste período o Rio de Janeiro tinha a maior população escrava urbana das
Américas e, mediante relatos documentais, (KARASCH, 2000) expôs que os visitantes
ficavam impressionados com a cor negra da cidade, que era a capital do Império brasileiro.
Podemos observar nesta obra a descrição minuciosa, de quem eram, do que faziam, de
como viviam e morriam os negros que moravam no Rio de Janeiro.
Dentre outros fatores (FLORENTINO, 1997) cita causas de morte dos escravos
vindas do continente africano. Sendo que o contanto com os europeus, americanos e
africanos significou a implicação de esfera microbianas diferenciadas, produzindo choques
de múltiplos sentidos nos quais os cativos que chegavam teriam que conviver como vírus,
parasitas e bactérias para as quais não possuíam defesas.
Além disso, pode-se atribuir as mortes a bordo a fatores como a escassez de
alimentos e água, maus tratos super lotação e até mesmo ao medo, que propagava a
resistência física, moral e espiritual de contingentes formados muitas vezes por fadigados
prisioneiros de guerra.
É importante mostrar que (FLORENTINO, 1997) elucida que além de transformar
os cativos em força de trabalho na América, a escravidão desempenhava um papel
estrutural na África. Pois significava um meio de troca por mercadorias européias que
implicava numa questão de sobrevivência.
Essa relação fez parte da vida dos africanos, por mais de 350 anos. Pois sem ter
alternativa de comércio, o tráfico era o meio mais simples de resistir às mazelas existentes
na África. Implicando assim, a reprodução de cativos as Américas por muitos anos.
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A diferença existente no trafico na colônia é que exercia como um comércio, tipo
de empresa com lógica de funcionamento e estruturação próprias, que se tornava o item de
maior peso para suas importações. Assim, quem exercia esse oficio era o traficante por
definição, um comerciante, o que significa dizer que o móvel de sua atuação era a obtenção
não apenas de lucros líquidos razoáveis, mas sim da mais alta taxa de lucros possíveis.
As referentes explicações detalhadas que (KARASCH, 2000) nos forneceu foi
mediante seu estudo documentado a respeito dos tratamentos, das punições, das condições
de vida, da dieta e das doenças dos escravos.
Visualiza-se atualmente um reflexo dessa história, cuja a cultura afro, tão forte e
fascinante ainda é muito discriminada e isso nos leva a perceber a questão do preconceito
racial e porque era um grande desafio para um escravo no Rio de Janeiro criar uma vida
com sentido em meio a chibatadas e indivíduos que não compartilhavam valores, ou seja,
criar um grupo a partir dos caos de muitos.
Isso nos mostra que os africanos não absorviam passivamente a cultura européia de
seus senhores, e mesmo diante da total exclusão os escravos, a seu modo, criaram formas
culturais e religiosas para ajudá-los a enfrentar a situação e sobreviver enquanto cativos.
Dessa forma criou-se uma rica cultura afro-carioca viva até hoje.
Para maior compreensão, a obra de (MATTA, 1984), proporcionou ao nosso
entendimento uma realidade brasileira ainda mergulhada no tradicionalismo mas com
tendências modernas. Uma sociedade hierarquizada que ainda não se definiu como tal, que
através do “jeitinho” dribla a lei e esconde sua hierarquia ocultada pela cordialidade, e isso
se caracteriza numa forma muito mais perigosa de preconceito, visto que quando não se
admite o que é dificilmente se procura mudar suas concepções.
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Esclarece (MATTA, 1984) que, na ideologia nacional somos formados por três
raças (que se constitui um mito) o branco, o negro e o índio. Mas, o fato historicamente
decisivo é que somos um país feito por portugueses brancos e aristocráticos, formada
dentro de valores rígidos e discriminatórios, pois muito antes de terem chegado ao Brasil
os portugueses já tinham uma legislação excludente e discriminatória conta judeus, mouros
e negros, e quando aqui chegaram apenas ampliaram essas formas de preconceitos.
Na obra analisamos as opiniões de outros teóricos que influenciaram o racismo, em
particular no Brasil. Colocavam-se terminantemente contra o contato social intimo entre
brancos e negros, a ponto de afirmarem que a mistura de raças causava graves males à
sociedade e que rapidamente apagaria a melhores qualidades do branco, do negro e do
índio, mas deixaria um tipo de raça deficiente em energia física e mental que lhes daria o
nome de mulato. Daí a palavras “mulato”, que vem de mulo, o animal ambíguo e híbrido
por excelência, aquele que é incapaz de reproduzir-se enquanto tal, pois é o resultado de
um cruzamento entre tipos genéticos altamente diferenciados.
A Revista Consciência Negra permitiu ampliar nossos conhecimentos, ao nos
mostrar que para os escravos conseguir sua liberdade marcavam com sangue a sua história
lutando e fugindo para os quilombos. Diante disso Palmares era um enclave africano que
se apresentava de forma contrária ao sistema oficial. Não só por ser um esconderijo de
escravos, mas por manter uma economia voltada apenas para subsistência.
Esses quilombos eram constituídos por homens e mulheres negras, índios e brancos
pobres, que se organizava na mais avançada e sofisticada resistência coletiva. Além de
possuir um ideal comunitário forte e ter-se formado sob a inspiração do sentimento de
liberdade.
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Nesse processo de luta pela liberdade a partir dos anos 60 do século XIX, o
movimento abolicionista mobilizou uma ampla frente popular contra a escravidão, mas não
produziu nenhum projeto político social e econômico para o pós-escravidão.
Sendo assim, a história mostra a desarticulação do negro brasileiro frente a esse
impasse que os deixou a margem sem uma política de inclusão social, perdendo seus
aliados de lutas. Causando uma regressão dos direitos alcançados, gradativamente foram
sendo substituídos por imigrantes.
Todo esse mecanismo de alcançar liberdade resultou na busca da consciência negra
que resgata a memória histórica e busca uma ação política de desconstrução do racismo.
Essa consciência é um processo que incorpora uma complexa teia de valores civilizatórios,
ético morais e socioculturais.
A Lei nº 3.198 de 2000 institui o Estatuto da Igualdade Racial em defesa dos que
sofrem preconceito ou discriminação em função de sua etnia, raça e /ou cor. Sendo assim,
ao longo dos seus X capítulos garantem os seguintes direitos: a saúde, educação, cultura,
esporte, lazer, liberdade de consciência, de crença e livre exercício dos cultos religiosos, da
promoção da igualdade racial, da questão da terra, do mercado de trabalho, do sistema de
cotas, dos meios de comunicação, das Ouvidorias permanentes nas Casas Legislativas bem
como do acesso à justiça.
É inegável a contribuição que o Estatuto da Igualdade Racial nos forneceu e como
foi importante a ajuda do movimento negro em prol dessa lei. Segundo o mesmo,
justificando a norma de direito, durante 500 anos de história do Brasil ficamos atrelados
aos grilhões da discriminação e do preconceito racial. Milhares de pessoas pagaram,
primeiro com a vida e depois com uma história de marginalização e miséria para que esse
hediondo sistema de dominação pela discriminação racial fosse combatido.
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Expõe ainda que não queremos a cultura afro-brasileira sendo vista, sentida e
experimentada somente nas práticas religiosas, músicas ou alimentação. Queremos a
cultura do negro inserida nas escolas, no mercado de trabalho, nas universidades, pois o
negro faz parte do povo brasileiro.
Cultivas as raízes da nossa formação histórica evidentes na diversificação da
composição étnica é o caminho mais seguro para garantirmos a afirmação de nossa
identidade nacional e reservarmos os valores culturais que conferem autenticidade e
singularidade ao nosso país.
O Estatuto da Igualdade Racial afirma que, durante toda nossa vida recebemos as
verdades de terceiro. Na infância quando sentimos não questionamos, na adolescência é a
da revelação que dói, que choca, é a percepção que nos impuseram uma grande mentira. A
partir daí percebemos a necessidade de emancipação que está acompanhada com a
dignidade humana, é a verdade da transformação da realidade em que sempre viveram os
que sofrem discriminação.
Diante disso, concluo que por meio do processo histórico de colonização do Brasil
pelos portugueses montou-se nas terras do Novo Mundo um sistema de exploração
econômica baseado no trabalho escravo de índios e negros. Secularizado e sedimentado
pelo tempo essa realidade legou aos descendentes dessas populações uma marginalização
social e tratamento excludente, desigual, desumano, estigmatizado, onde a reprodução das
desigualdades são camufladas a partir de um discurso igualitarista, em nada pondo em
prática o conceito jurídico de equidade social como forma capaz de senão sanar ao menos
minimizar esses efeitos drásticos sobre a gente de cor.
Trezentos anos de escravidão deixaram marcas na prática social desses indivíduos
que normalmente são vistos pela sociedade como incapazes, desqualificados e inferiores.
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Mesmo com o processo de abolição no final do século XIX os negros permaneceram em
situação de desigualdade situando-se na marginalidade e exclusão social, sendo esta última
compreendida por uma relação complexa de dimensões múltiplas - econômica, política,
educacional e cultural. Na verdade, tivemos uma abolição geradora de liberdade mas não
de cidadania (DIMENSTEIN e GIANSANTI, 2003).
DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCAÇÃO NO
BRASIL: A PROPOSITURA, O OBJETO E OS OBJETIVOS DA PESQUISA NO
MUNICÍPIO DE LAGARTO-SE
A desigualdade social brasileira não atinge todas as etnias da mesma forma. Ainda
carregamos uma perversa herança desse passado escravista: o racismo (muitas vezes não
assumido e até disfarçado pela idéia da cordialidade brasileira na boa convivência entre
brancos e negros) que coloca os descendentes dos negros com menores oportunidades de
acesso ao ensino, ao emprego, á saúde e a todos os demais direitos de cidadania.
A realidade dessa situação para o negro faz com que ele vivencie situações em
todos os espaços e no cotidiano de preconceitos, descrédito, idéias estereotipadas sobre seu
caráter e comportamento, evidenciando a sua difícil inclusão social. Suas principais
vítimas encontram-se nos bairros de comunidades populares, onde estão principalmente as
crianças negras e pobres, filhas dos trabalhadores e produtos de uma sociedade que
reproduz a desigualdade e a injustiça. Sem o acompanhamento dos órgãos de assistência, a
inserção desses indivíduos certamente ocorre de forma incompleta, precária e sem
conscientização.
Mesmo com as recentes conquistas e todos os esforços do poder público
manifestado nas ações afirmativas nos últimos anos, essa população continua a ter motivos
para mobilização, como a busca do direito efetivo à equidade social, o combate ao
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preconceito e a discriminação e a busca de superação das desigualdades socais e
econômicas herdadas do sistema escravocrata.
Neste aspecto, a escola adquire papel fundamental, pois é a instituição responsável
pelo processo de socialização infantil e na qual desde muito cedo se estabelecem as
relações das crianças com os diferentes núcleos familiares e étnicos. Esse contato faz da
escola o primeiro espaço de vivência das tensões raciais, uma vez que ela reproduz não só
discriminações mas também as desigualdades.
A relação estabelecida entre crianças brancas e negras numa sala de aula pode
acontecer de modo tenso, ou seja, segregando, excluindo, promovendo a desvalorização
dos atributos individuais e culturais da criança negra, fazendo com que adote em alguns
momentos uma postura introvertida, por medo de ser rejeitada ou ridicularizada pelo seu
grupo social, com conseqüências para a sua formação escolar e profissional
(CAVALLEIRO, 2001).
As crianças em processo de desenvolvimento emocional, cognitivo e social,
incorporam rapidamente as mensagens com conteúdos discriminatórios que permeiam as
relações sociais, o que ajuda a consolidar a suposta inferioridade de determinados grupos.
Dessa forma, compreendemos que a escola tanto pode ser um espaço de disseminação
quanto um meio eficaz de prevenção e diminuição do preconceito. Cabe identificar e
questionar se a escola trabalha para promover um ou outro fenômeno (MENEZES, 2002).
Sendo assim, busca-se por meio deste trabalho compreender como são construídas
as relações raciais num dos espaços sociais mais significativos da prática social, a escola, e
como ela contribui para a formação da identidade das crianças negras em Lagarto, visando
contribuir para um conhecimento mais crítico e apurado sobre a questão. Assim,
tomaremos como local da pesquisa de campo as escolas públicas estaduais da cidade de
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Lagarto e seus alunos do 1º grau, bem como a Fundação José Augusto Vieira. Este último
espaço foi escolhido por ter uma reconhecida atuação na promoção do desenvolvimento
educacional e social da comunidade carente desta mesma cidade.
Busca-se, em última instância subsidiar com conteúdo e informações mais
concretas que auxiliem na elaboração de projetos sociais específicos para o tratamento do
problema da discriminação racial. Entendemos que enquanto os brasileiros negros e pardos
permanecerem alijados do processo de desenvolvimento jamais haverá no Brasil justiça
social e justo crescimento socioeconômico.
Sabe-se que a maioria da população carente atendida pelos assistentes sociais é de
origem negra, o que reforça a dimensão racial das desigualdades e da exclusão social no
Brasil (DIMENSTEIN e GIANSANTI, 2003). Em nosso país, quando da análise dos
assuntos históricos, culturais, religiosos, esportivos, dificilmente as abordagens negam o
papel e a importância do negro. Porém quando se tenta avaliá-lo na busca da compreensão
sobre o quadro de estratificação e desigualdade social, poucas pesquisas se dedicam a
detalhar a presença e os problemas sociais da população negra, resultando numa produção
bibliográfica escassa e insuficiente para a complexidade e profundidade do assunto. Sobre
o tratamento da questão em Sergipe nota-se o agravamento da situação acima apontada.
De modo geral quando se objetiva refletir sobre as questões raciais e os
preconceitos relativos aos negros, percebemos que nesta discussão imperam certas noções
derivadas do senso comum. Assim, seu aprofundamento teórico é dificultado pela falta de
conhecimento e de um tratamento acadêmico do assunto, o que impede ainda mais o
diálogo, e inviabiliza o planejamento e a execução de projetos sociais. O país passa
atualmente por um momento único de possibilidade de debate e intervenção para o
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tratamento das questões sociais da população negra, sendo alvo de políticas públicas de
alcance nacional e regional.
Sendo a universidade produtora de conhecimento ela pode contribuir para esse
processo de discussão e combate das desigualdades sociais. Uma das formas é agir para
que não se mantenha as discussões generalistas para resolução de problemas raciais. A
adoção de políticas focais voltadas para grupos socialmente vulneráveis, baseadas nas
evidencias dos indicadores sociais referendados na realidade local deve levar a uma
concentração de forças visando um alcance maior das ações. Neste sentido, é importante e
necessário que surjam pesquisas sobre estas questões no âmbito local, de maneira a
sensibilizar e oferecer suporte teórico, especialmente aos educadores e profissionais
envolvidos nesta realidade, com vistas a uma intervenção segura e consciente em nosso
sistema social (MENEZES, 2002). Só conhecendo a realidade poderemos saber se há
desigualdade racial na educação e em que profundidade, e assim combatê-la.
A ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS: PERFIS IDENTIFICADORES
Para que efetivássemos uma ação diagnóstica de como são processadas as relações
de discriminação e preconceitos raciais no campo educacional, aplicamos um questionário
em duas Unidades de Ensino localizadas na região central da cidade de Lagarto, ambas da
rede estadual, bem como ofertando a modalidade de Ensino Fundamental Regular, tendo
sido escolhida turmas do oitavo e do nono ano, antigas sétima e oitavas sérias, perfazendo
50% de uma totalidade de 400 alunos matriculados e freqüentando regularmente a Escola,
perfazendo, portanto, 200 alunos entrevistados. Destes, 96 da Escola Estadual Silvio
Romero e 104 da Escola Estadual Dom Mário Rino Silviere, da E.E. Sílvio Romero, 50
alunos do oitavo ano e 46 do nono ano, totalizando 96 alunos. Da outra escola analisada,
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51 alunos matriculados no oitavo ano e 53 do nono ano, predominantemente estudando no
turno vespertino.
No quesito auto classificação racial 128 alunos de um universo de 200 se autoreconhecem como negros, considerando a classificação negro somando as suas variações
negro, pardo e mulato. Onde apenas 12 alunos se reconhecem como negros. 12 sua autoclassificam como índios e os demais 52 como brancos e 05 como amarelos.
Se considerarmos que pardos e mulatos não se reconhecem como negros, de um
universo de 200 alunos pesquisados, apenas 12 de fato estabelecem um autoreconhecimento coerente com seu perfil étnico expresso e legitimado a partir das questões
fenotípicas.
Da totalidade dos entrevistados a maior parte é composta por adolescentes do sexo
feminino (114) complementado por um restante de 86 do sexo masculino,
predominantemente adolescentes com idades variando de 13 a 16 anos, sendo, portanto,
adolescentes em formação enquanto que apenas 03 tem idade superior a 18 anos. Tendo o
seu lar constituído por mais de 4 membros, cuja renda maior de sustentação é proveniente
do salário do pai, que predominantemente trabalham no comércio, seguido pelos que
dependem financeiramente da agricultura. Residem majoritariamente no centro da cidade
de Lagarto.
Um fato que chama a atenção é que enquanto apenas 03 têm idade superior a 18
anos, 29 entrevistados afirmam que trabalham. Logo, 26 destes duzentos alunos em idade
exclusivamente escolar executam alguma forma de atividade laboral, fato que certamente
incide na sua atividade estudantil.
Ao analisarmos os seus perfis no quesito educação, notamos que 144 dos
entrevistados estudaram e continuam a estudar exclusivamente na rede pública, 34 estudou
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a maior parte na rede pública de educação e uma minoria estudou majoritariamente em
escolas particulares. Dos 200 entrevistados 115 nunca reprovou de ano, 87 já reprovou
uma ou mais vezes e os demais têm constantemente reprovado. E destes 200 entrevistados
15 já evadiu da escola.
Ao sondarmos a capacidade dos entrevistados em detectar alguma forma de
preconceito no livro didático, 33 entrevistados afirmaram que sim e demonstraram as
formas de preconceito detectado no livro didático adotado e usado na unidade Escolar.
Mas certamente sem nunca ter denunciado tal fato.
Após coletarmos as informações acima descritas, adentramos no quesito
discriminação e preconceito, iniciando o questionamento pela relação do entrevistado e seu
universo de amigos. Quando questionados se eles teriam amigos negros, 196 afirmaram
que possuem, enquanto que quatro afirmam categoricamente que não têm amigos negros,
expressando claramente uma relação não só preconceituosa como discriminativa. Quando
questionamos se o entrevistado namoraria com uma pessoa negra, 13 alunos ouvidos
declararam de forma objetiva e direta que não namoraria, quando os demais não
demonstraram nenhuma oposição em estabelecer uma relação afetiva com uma pessoa
negra.
Quando questionamos as relações discriminatórias e preconceituosas, suas
tipologias , as pessoas vitimizadas e os locais onde foram vivenciadas essas relações,
chamou-nos muito a atenção o fato de 147
já ter
preconceito, esse tendo sido empregado com amigos,
presenciado alguma forma de
seguidos
pela vitimização de
professores e funcionários da escola, majoritariamente ocorrido na escola e na rua, sendo
estas espacialidades o lócus privilegiado das ações preconceituosas e reprodutoras das
mesmas ações de preconceitos.
ANAIS DO III FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES
GEPIADDE/UFS/ITABAIANA
ISSN 2176-7033
III FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES
EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E QUESTÕES DE GÊNERO
11 a 13 de novembro de 2009
UFS – Itabaiana/SE, Brasil
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Ao questionarmos se já foram preconceituosamente discriminados, 75 alunos
afirmaram que já foram vítimas, tendo ocorrido esse ato negativo e ultrajante
predominantemente na escola, seguida pela rua e dentro da própria casa.
Os entrevistados afirmaram ainda que na escola tem havido o trabalho com
conteúdos de História da África e história da Cultura Afro Brasileira, sendo que 57 dos
ouvidos afirmaram que não, nunca foram trabalhados conteúdos destas temáticas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante desta descrição dos dados obtidos percebe que a escola tem sido o palco
privilegiado para as reproduções da cultura da discriminação e do preconceito racial. Os
costumes e comportamentos construídos nas relações estabelecidas no lar e na rua
extravasam e tem na escola o espaço mais fecundo para a sua reprodução. Discriminações
e preconceitos de toda a sorte ocorrem e geralmente são naturalizados nas vivências
escolares.
A ação do assistente social em parceria com os profissionais da pedagogia na escola
certamente concorrem para uma ação de intervenção para o combate das insustentáveis
práticas das ações discriminatórias. Podendo o assistente social e o pedagogo em parceria
atuarem junto aos adolescentes, suas respectivas famílias e na própria escola.
Certamente que este artigo não possui nenhuma pretensão de concluir o tema, uma
vez que trata tão somente de uma análise parcial de um trabalho mais amplo, mas que
certamente se constitui em um ato reflexivo/provocativo para duas questões que estão
posta na ordem do dia: a permanência e insistência das práticas discriminatórias e
preconceituosas e sua respectiva reprodução no campo educacional e a parca produção de
estudos envolvendo a temática étnico-racial no campo de serviço social. Silenciar diante
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EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E QUESTÕES DE GÊNERO
11 a 13 de novembro de 2009
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desta pequena amostra aqui trabalhada é corroborar politicamente com a naturalização do
preconceito e da discriminação étnico-racial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2001.
CONDEDINE – (Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro) ao Estatuto da
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FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre
África e o Rio de Janeiro: séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia da Letras, 1997.
KARASCH, Mary C. A Vida dos Escravos no Rio de Janeiro - 1808-1850. São Paulo:
Companhia das Letras; 2000.
MATTA, Roberto da. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1984.
MENEZES, Waléria. O preconceito racial e suas repercussões na instituição escola.
Revista da Fundação Joaquim Nabuco, n.147, Agosto de 2002.
PINSKY, Jaime & ELUF, Luiza Nagib. Brasileiro (a) é assim mesmo: cidadania e
preconceito. 2 ed. São Paulo: Contexto, 1993.
REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil
escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
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