XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção
Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002
AS INTERFACES ENTRE O MEIO AMBIENTE E O
COMÉRCIO INTERNACIONAL
Janis Elisa Ruppenthal
PPGEP – UFSM / Campus - 97105-900 - Santa Maria/RS
[email protected]
Nilton José Zanini Junior
PPGEP – UFSM / Campus - 97105-900 - Santa Maria/RS
[email protected]
Alessandro de Franceschi
PPGEP – UFSM / Campus - 97105-900 - Santa Maria/RS
[email protected]
Abstract
The globalization and the commercial liberalism impose reflection and actions of
companies and nations about the possible effects of international trading in the
environment degradation, as well as about the manger on which the adoption of national
environment policies interferes in the equity of international commercial relations. The
subjects related to international trading and to the direct foreign investment dominated the
discussions about national and international environment policies until the end of the 90´s
(the nineties). When such matters are raised, these are some questions like: Does the
process of the economy internationalization threaten the environment it is just an
opportunity to preserve it? Don’t the national environmental policies distiguise the
commercial relations affecting, in heterogeneous manner, the competitiveness of all
countries? How can the commercial restrictions be used to achieve environment goals?
Will the environment preservation be compatible to the commercial liberalism?
Key-words: environmental degradation, international trading, commercial liberalism.
1 INTRODUÇÃO
O tema das relações entre o meio ambiente e o comércio internacional é bastante
controverso, tornando-se ainda mais relevante quando se considera o avanço recente do
processo de liberalização comercial e sua influência determinante na competitividade
internacional das empresas e nações.
Os problemas ambientais estão dispersos, possuindo efeitos presentes e futuros, são
locais e globais, estão associados a agentes públicos e privados, grandes e pequenos, ao
crescimento econômico ou à estagnação, as falhas de mercado ou do governo, ao
protecionismo comercial ou a liberalização, possuem uma dimensão global, como é o caso
da camada de ozônio, fazendo com que as soluções passem por acordos internacionais
através do Comitê do Comércio e Meio Ambiente da OMC (Organização Mundial do
Comércio).
A primeira reunião ministerial ocorrida em Cingapura, em dezembro de 1996,
consolidou o compromisso dos membros da OMC em aprofundarem e ampliarem a agenda
de questões ambientais relativas ao comércio internacional. Na visão de Gonçalves (2000),
as cláusulas ambientais de comércio internacional tratam de regulamentações, normas
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práticas e mecanismos orientados para a proteção e melhoria das condições do meio
ambiente. O autor destaca, que as regulamentações e normas podem ser derivadas de
decisões na esfera nacional e, existir como parte de acordos multilaterais sendo incluídas
em tratados ou convenções internacionais.
A questão central nas relações entre o meio ambiente e o comércio internacional
reside no processo de dumping ambiental, a partir do qual os países obtêm competitividade
espúria com base na degradação ambiental. Países com regulamentações, normas e práticas
de controle ambiental menos rígidas beneficiam-se ou geram vantagem comparativa no
sistema mundial de comércio que não existiriam, caso os custos de implementação das
normas ou padrões internacionais fossem internalizados, o que provoca, em função das
diferenças significativas quanto à regulamentação do meio ambiente, um deslocamento de
investimentos para países negligentes em detrimento dos países conscientes quanto à
preservação do meio ambiente.
2 A ABERTURA DO COMÉRCIO INTERNACIONAL
Paralelamente a emergência e disseminação das questões ambientais no plano
internacional, em especial a partir da década de 90, surge uma pressão muito forte pela
liberalização comercial internacional.
A abertura de novos mercados imposta pela crise de superprodução que elevou a
oferta e aumentou a concorrência de produtos em níveis superiores à demanda após os anos
70, a crise financeira do estado que limitou a capacidade de proteger setores nacionais e de
dar continuidade ao estado de bem estar social e o ingresso do Japão e de outros países
asiáticos no comércio internacional, fez com que vários países, inclusive os Estados
Unidos, acumulassem déficits comerciais, o que motivou e pressionou uma maior abertura
comercial nesse final de século.
O protecionismo, que vem diminuindo desde a criação do GATT, provém tanto de
barreiras tarifárias, como de barreiras técnicas e sanitárias, ou de sistemas de garantia de
preços internos. É consenso atualmente que as principais barreiras comerciais no presente
(e no futuro) não são tarifárias, como é o caso das barreiras técnicas, sanitárias e
ambientais. Essa é uma importante interface entre o meio ambiente e o comércio
internacional, qual seja, o papel do primeiro na imposição de barreiras comerciais.
Por mais que existam resistências, a liberalização comercial parece ser irreversível,
pode-se acreditar que a tendência é a redução das barreiras ao comércio internacional. A
criação da OMC foi um passo importante na direção de uma maior disciplina no
cumprimento dos acordos, uma vez que essa possui maiores poderes que o GATT para
solucionar disputas no mercado internacional e impor o cumprimento desses acordos.
Pode-se refletir a respeito da interface existente entre a questão ambiental no âmbito
do comércio internacional e a evolução da liberalização comercial, visto que esses temas
emergiram e evoluíram de forma intensa em um mesmo período de tempo.
3 A QUESTÃO AMBIENTAL NO ÂMBITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL
A análise da cronologia das discussões a respeito desse tema demonstra uma estrita
relação com condições históricas específicas, visto que tais discussões se acirram nos
momentos em que a integração comercial assume um papel importante nas pautas políticas
dos países, como ocorreu com o Brasil no período que antecedeu a efetivação do
MERCOSUL, e com os Estados Unidos nas vésperas da consolidação do NAFTA (North
American Free Trade Agreement).
As barreiras ambientais ao comércio têm como finalidade primeira proteger o
ambiente, o que faz parte da soberania nacional dos países, ou de criar um protecionismo
comercial que contraria os acordos que o próprio país possivelmente assinou no GATT.
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No caso das restrições ambientais, verifica-se ainda, o uso discricionário e
discriminatório de barreiras comerciais restritivas relacionadas ao meio ambiente. Os
países desenvolvidos poderão usá-las não como um mecanismo para alcançar objetivos
reconhecidamente de melhoria do meio ambiente, mas sim para legitimar o uso de medidas
protecionistas, com fins especificamente relacionados ao comércio internacional. Contudo,
deve-se reconhecer que a melhoria das condições ambientais, principalmente nos países em
desenvolvimento, depende da interação de fatores tais como: a vontade política dos
governos, pressão da sociedade, pressão internacional, disponibilidade de recursos técnicos
e financeiros, e institucionalidade adequada. Nesse sentido, Gonçalves (2000), salienta que
mesmo os governos dos países desenvolvidos adotando medidas protecionistas orientadas
principalmente para interesses comerciais, e não com objetivo de melhoria ambiental, os
custos derivados da perda de mercado internacional poderão ter um impacto positivo na
luta realizada pelos grupos ambientalistas em cada país.
A imposição de barreiras comerciais relativas ao meio ambiente, certamente afetaria
a competitividade internacional dos países em desenvolvimento, todavia, os custos no
curto prazo seriam mais do que compensados pelos benefícios em longo prazo, tanto no
que se refere à melhoria do meio ambiente quanto ao upgrade das condições gerais de
desenvolvimento econômico.
No processo de ajuste, é imprescindível que os países em desenvolvimento tenham
acesso a tecnologias ambientalmente mais apropriadas, a recursos técnicos e recursos
financeiros. Poderia também ser desenvolvida via um processo de certificação que
premiasse os países que exportam produtos ambientalmente corretos. Todavia, deve-se
considerar no que diz respeito às barreiras de acesso às tecnologias apropriadas em termos
de meio ambiente, que essas tecnologias podem não estar acessíveis por razões comerciais,
financeiras e técnicas. Assim, haveria, dificuldades significativas para a obtenção das
chamadas tecnologias limpas.
Uma diferença importante entre os defensores do meio ambiente e os defensores do
livre comércio reside no fato de que para os ambientalistas, as normas ambientais usadas
nos acordos comerciais deveriam ser as mais elevadas, o que permitiria um processo
generalizado de melhoria das condições ambientais, ao passo que para livre-cambistas, tais
normas deveriam ser mais baixas, de tal maneira que não comprometesse a liberalização
comercial com restrições “indevidas” associadas ao meio ambiente. Assim os
ambientalistas compartilham uma visão maximalista e os livre-cambistas uma visão
minimalista no que se refere ao nível de rigor das normas ambientais.
Os governos dos países comprometidos com a questão ambiental responderão
prontamente às pressões internacionais e, portanto, ficarão livres das sanções impostas pelo
GATT. No entanto, essas pressões poderão ser utilizadas para acelerar reformas e projetos
que estão sendo impedidos por interesses domésticos vinculados a forças políticas e
econômicas que defendem a manutenção de práticas de degradação ambiental.
As restrições impostas internacionalmente tenderão a afetar a correlação das forças
políticas internas em detrimento dos segmentos predadores, permitindo a denúncia da
negligência de governos com relação aos nocivos efeitos sociais e econômicos de normas
ambientais condenáveis internacionalmente. No front externo, ocorre uma perda de
projeção internacional do país decorrente da violação de cláusulas ambientais incorporadas
em acordos internacionais.
Muitos são os mecanismos pelos quais as exigências das políticas ambientais oneram
os custos de produção afetando a competitividade das empresas no front interno e externo.
Alguns estudos argumentam que o efeito das políticas ambientais sobre os custos
empresariais não é significativo a ponto de comprometer a competitividade de um país no
mercado internacional. Procópio Filho et alii (1994) estima que o impacto da
regulamentação ambiental sobre os custos de produção representa, em média, algo em
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torno de 1,75%. Dean (1991), afirma que a tentativa de impor barreiras ambientais com
base nesse argumento de perda de competitividade por parte dos países mais
regulamentados não corresponde à realidade, visto que o custo do controle ambiental é
pouco significativo quando adicionado aos demais custos empresariais. Ferrantino (1997),
analisando o caso dos Estados Unidos conclui de modo semelhante, evidenciando que o
efeito das regulamentações ambientais sobre os custos operacionais das empresas
americanas encontra-se em torno de 2% a 3%. O que demonstra que caso fossem
eliminadas todas as regulamentações ambientais, os preços dos produtos americanos no
mercado internacional cairiam em torno de 2% a 3%, o que não traria um efeito
significativo sobre a economia americana. Contudo, que esses custos podem ser bastante
elevados em alguns setores, como é o caso de indústrias que produzem rejeitos tóxicos. No
Brasil, segundo Souza (2000), 93% das empresas têm custos com gestão ambiental
inferiores a 5% dos custos totais.
As exigências dos mercados mundiais em termos de sanidade ambiental são
crescentes e tendem a acentuar-se com a difusão de inúmeros sistemas de rotulagem
ambiental como a ISO 14.000. As empresas situadas em países com padrões ambientais
mais rígidos tenderiam mais rapidamente e com menores custos a se adequarem aos novos
padrões impostos pelo mercado internacional. Dessa maneira, na medida em que os
mercados se tornarem mais exigentes quanto aos aspectos ambientais dos produtos,
políticas ambientais mais rígidas podem não significar só aumento de custos para as
empresas, mas também oportunidades comerciais.
Em termos genéricos, constata-se que o efeito das regulamentações ambientais sobre
os custos das empresas é, em média pequeno, com baixo potencial para afetar a
competitividade global do país. Todavia, tanto em nível setorial, como empresarial, os
efeitos negativos dependerão do nível das regulamentações e das disparidades existentes
entre os países competidores. Países com políticas ambientais mais restritivas podem
beneficiar-se no comércio internacional na medida em que ele se torne mais exigente, por
permitir uma adequação mais rápida e menos dispendiosa por parte das empresas.
4 A QUALIDADE DO MEIO AMBIENTE E A LIBERALIZAÇÃO COMERCIAL
Uma das interfaces mais polêmicas entre o comércio internacional e o meio ambiente
consiste na relação existente entre a qualidade ambiental e o comércio internacional. A
questão parece residir em saber se a liberalização do comércio internacional representa
uma oportunidade de preservação ambiental ou uma ameaça para o meio ambiente, isto é,
qual seria o efeito da liberalização comercial sobre a qualidade ambiental? Esse assunto
tem gerado grandes controvérsias, apresentando muitas opiniões divergentes, e em
determinados pontos, até mesmo antagônicas. Segundo Gutierrez (1995), as posições
básicas são as seguintes: Em um extremo, encontrar-se-ia o argumento de que o livre
comércio contribui para a degradação ambiental. Os defensores dessa idéia geralmente
sugerem a redução da liberdade de mercado como maneira de garantir a preservação
ambiental. Em outro extremo estariam os defensores incondicionais do livre comércio, que
contrariam a posição anterior, afirmando que a proteção dos mercados domésticos é que
contribui para a degradação ambiental, ao passo que a liberalização representa uma
oportunidade de preservação. Nesse caso, a liberalização dos mercados deveria ser
promovida também com fins de preservação ambiental.
Uma posição intermediária, afirma que a liberalização comercial é benéfica para os
países que compõe uma determinada zona de livre comércio, mas que esta deveria ser
reduzida quando fosse detectada degradação ambiental associada a fluxos comerciais
específicos. Essa concepção se recusa a associar linearmente a liberalização comercial com
a degradação ambiental, destacando que existem diferentes interfaces entre o comércio
internacional e a degradação ambiental, ora utilizando argumentos do primeiro grupo, ora
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argumentos do segundo grupo, concordando que ambos estão parcialmente corretos, não
podendo dessa maneira ser excludentes do ponto de vista analítico.
Essas diferentes concepções possuem argumentos que representam posições
ideológicas diferenciadas, que extrapolam as questões ambientais. A primeira corrente esta
relacionada a posições ideológicas nacionalistas que apresentam um grau de prioridade
bem maior relacionado à preservação ambiental e soberania nacional, responsabilizando as
atividades privadas, o crescimento econômico e os mecanismos de mercado como os
principais responsáveis pela degradação ambiental.
A segunda posição, por sua vez, está associada às argumentações liberais, de defesa
da livre iniciativa e do livre trânsito de mercadorias com o mínimo de regulamentação
governamental. Normalmente estando vinculadas aos princípios de organismos
multilaterais como o GATT, o Banco Mundial e o Fundo monetário Internacional, que
atuam na defesa do livre mercado, da livre iniciativa e da desregulamentação. Essa posição
também é defendida por um grupo que Colby (1991), chamou de paradigma do frontier
economics, que geralmente, negligenciam as questões ambientais por acreditarem que os
mecanismos de mercado, através de sinalizações dos preços relativos para a melhoria da
eficiência e para a substituição de produtos e recursos, seriam capazes de superarem
automaticamente os impasses ambientais, bem como seriam a melhor e a mais eficiente
alternativa para a alocação dos recursos naturais.
Os problemas ambientais parecem estar muito mais associados às falhas de governo
e a problemas com o direito de propriedade dos recursos ambientais, do que propriamente
a falhas no regime de funcionamento dos mercados. Desta maneira, minimizar o estado,
liberalizar os mercados e assegurar direitos de propriedade aos recursos ambientais seria a
melhor forma de solucionar esses problemas.
A argumentação intermediária que oscila entre a prudência e o interesse em não
assumir posições a priori, é formada por um grande número de intelectuais e pesquisadores
da questão ambiental que preferem não estar atrelados a ortodoxias ou tornarem-se
prisioneiros de idéias pré-concebidas, defendem que o comércio internacional possui
interfaces positivas e negativas com o meio ambiente.
5 A LIBERALIZAÇÃO COMERCIAL COMO UMA OPORTUNIDADE DE
PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE
Os defensores dessa tese entendem a liberalização comercial como sendo uma
medida não apenas específica para o meio ambiente, mas também como necessária para a
garantia da preservação ambiental do planeta. Além de todos os economistas liberais e os
defensores do chamado “ambientalismo de mercado”, o principal defensor dessa tese é o
próprio GATT, seguido também por alguns setores do Banco Mundial e por relatórios
oficiais das Nações Unidas sobre o meio ambiente.
Segundo os relatórios do Banco Mundial (1992), o meio ambiente é, sobretudo um
problema da pobreza e das populações pobres. Os países ricos não possuem apenas
melhores padrões ambientais, fruto de maiores demandas por qualidade ambiental e de
políticas de regulamentação mais rígidas, como também possuem mais recursos para
financiar políticas de proteção ambiental. Segundo o referido relatório, as políticas de
liberalização comercial não só promoveriam o desenvolvimento econômico nos países
pobres, como também incrementariam a demanda pública por qualidade ambiental. Da
mesma forma, mais recursos para o meio ambiente, promoveriam também eficiência maior
e uma produtividade mais elevada, reduzindo também a poluição através do estímulo ao
desenvolvimento de indústrias menos poluentes e do incentivo a adoção e difusão de
tecnologias menos poluentes.
O protecionismo, sobretudo dos países industrializados consiste em um impedimento
para o desenvolvimento sustentável, fazendo-se necessário à remoção de todas as barreiras
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do comércio internacional como forma de possibilitar aos países pobres desenvolverem-se
e engajarem-se no “esforço mundial” pela preservação ambiental.
O meio ambiente como qualquer outro “bem” seria beneficiado pelo livre comércio,
visto que seria protegido indiretamente através de um maior crescimento, o que aumentaria
a demanda pela proteção ambiental. Por outro lado, além de disponibilizar aos
consumidores uma maior quantidade de produtos “verdes”, o livre comércio se constitui
em um importante instrumento de difusão de tecnologias menos poluidoras.
Finalmente, dentro das argumentações desenvolvidas pelo GATT, a cooperação
multilateral seria fundamental para a resolução de vários problemas ambientais, em um
contexto de livre comércio, que por sua vez seria o melhor cenário para que tal cooperação
ocorresse. As conclusões do GATT apontam no sentido de que não existem razões para se
reduzir o livre comércio a partir de restrições comerciais motivadas por razões ambientais,
bem como não existe risco da questão ambiental vir a ser usada como pretexto para
protecionismo. O que na verdade, está acontecendo. Por outro lado, para Silva & Bravo
(1994), o fato de que agir de maneira ambientalmente correta, limitando o consumo de
matérias-primas e energia, elevando a eficiência e reduzindo os desperdícios, não só
contribui decisivamente para a preservação do meio ambiente, como também para a
redução dos custos e aumento da qualidade e a produtividade nas indústrias, fatores
indispensáveis na busca da competitividade internacional.
Dessa forma, a proteção do meio ambiente deixa de ser apenas uma exigência de
regulamentações governamentais, significando também, principalmente a partir da difusão
dos selos ambientais, das auditorias ambientais e da série ISO 14000, condições de
permanência, ampliação ou mesmo perda de mercado.
Motivada pela liberalização comercial, estaria ocorrendo uma espécie de
“autorregulamentação” por parte das empresas no sentido de se adequarem aos padrões e
exigências ambientais crescentes, não necessariamente dos governos, mas sim dos
mercados consumidores. Assim, o aumento da competição provocada pelo incremento do
comércio internacional estaria atuando sobre três fatores que estão intimamente associados
à melhoria da qualidade ambiental no processo de produção: a necessidade de reduzir
custos via a melhoria da eficiência energética e redução do consumo de materiais e do
aproveitamento de rejeitos produtivos; e a necessidade de melhorar a performance
ambiental da produção como forma de melhorar a imagem dos produtos e da empresa,
inclusive por meio de rotulagem ambiental, frente a um consumidor cada vez mais
exigente e consciente em termos ambientais.
Uma vez que a liberalização comercial acentua a concorrência, disponibilizando um
número maior de produtos, existe a tendência de ocorrer uma acentuação desses fatores de
pressão sobre a performance ambiental das empresas.
Os fatores que fariam da liberalização comercial um instrumento de melhoria de
qualidade ambiental são: 1) A liberalização comercial estimula a concorrência e,
conseqüentemente, a eficiência produtiva permitindo uma redução no consumo de energia
e materiais por unidade de produto. 2) Uma vez que reduz as barreiras comerciais, a
liberalização comercial possibilita a disseminação de tecnologias limpas e/ou limpadoras e
de serviços de proteção ambiental. 3) Visto que pressupõe a eliminação de políticas de
garantia de preços que gerem distorções no comércio internacional, como no caso dos
subsídios à exportação de produtos agrícolas na União Européia, a liberalização comercial
reduz o que muitos autores qualificam como “falhas do governo”, isto é incentivos
econômicos a degradação ambiental. Cabe salientar que no caso da Política Agrícola
Comum (PAC) da União Européia, o sistema de garantia de preços internos representa um
substancial incentivo à intensificação da agricultura, ao uso de fertilizantes e agrotóxicos, e
à ocupação crescente de terras propícias para a agricultura, com reconhecidos prejuízos ao
meio-ambiente daquela região. 4) A liberalização comercial estimula a concorrência,
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aumentando a disponibilidade de produtos e de empresas nos mercados, permitindo aos
consumidores maior seletividade em termos de qualidade. Isso representa um incentivo de
mercado para que as empresas busquem diferenciação por meio de sua performance
ambiental e da qualidade ambiental de seus produtos. Estimula também a criação de
sistemas de rotulagem ambiental que significam a elevação do nível de exigência de
qualidade ambiental por parte dos mercados. 5) Finalmente, a liberalização comercial
estimula o crescimento econômico, elevando a renda das pessoas e proporciona maior
demanda por qualidade ambiental e por produtos ambientalmente mais adequados. O
crescimento econômico, por sua vez, também proporciona maiores recursos financeiros
para serem investidos em proteção ambiental.
6 CONCLUSÃO
Existem posições bastante divergentes a respeito dos efeitos da liberalização
comercial sobre o meio ambiente. A relação entre a liberalização comercial e a degradação
é um tema bastante complexo. Existem diferentes ângulos que podem ser observados e
avaliados, fazendo com que as generalizações sejam a pior conduta a ser adotada, visto que
derivam mais de posições ideológicas do que de reflexões consistentes.
Os defensores do liberalismo comercial acreditam que o livre comércio estimula o
desenvolvimento econômico, aumenta a renda das populações e assim contribui para a
preservação ambiental. Visto que a renda possui uma relação positiva com a demanda por
qualidade ambiental, o liberalismo torna-se insustentável em seus próprios pressupostos.
Em primeiro lugar, não existe garantia de que a liberalização comercial proporcione um
desenvolvimento econômico equilibrado entre os países. Ao contrário, com a liberalização
comercial alguns países saem fortalecidos economicamente (aqueles com maior
capacidade de atrair novos investimentos), enquanto os outros ficam totalmente
marginalizados. A economia de mercado distribui de forma desigual os benefícios e os
custos da liberalização comercial. Ainda, é inegável que o desenvolvimento econômico e a
elevação do consumo a que esse corresponde, possui uma relação direta e positiva com a
degradação ambiental.
É verdade que para a solução de muitos problemas ambientais mais importantes, as
sociedades desenvolvidas, não só têm mais recursos para tratá-los, como possuem uma
forte presença da opinião pública a demandar uma melhor qualidade ambiental, o que
implica maiores investimentos e regulamentações mais rígidas. De maneira geral, percebese que os países desenvolvidos são extremamente eficazes em defender a qualidade
ambiental naqueles aspectos que atingem as populações locais e são sentidas por elas,
como é o caso da poluição das águas e do ar, contudo, são reticentes em contribuir para a
solução de problemas que, mesmo não tendo efeitos locais sensíveis, são importantes em
nível global, como é o caso das emissões de dióxido de carbono.
Da mesma maneira, cabe salientar, que o aumento das exportações dos países em
desenvolvimento seria extremamente benéfico para o progresso e desenvolvimento dos
mesmos, e que a liberalização de alguns dos mais importantes mercados internacionais,
como o da Comunidade Econômica Européia contribuiria para isso. Mas como o comércio
internacional não é uma via de uma única mão, não se pode afirmar que os aumentos das
importações oriundos de um processo de liberalização comercial não anulariam esses
efeitos positivos comprometendo determinados setores que não fossem competitivos
internacionalmente, ou ainda, se o processo de adequação das empresas aos padrões
internacionais de competitividade não traria efeitos sociais negativos que superariam os
possíveis benefícios gerados pelo aumento das exportações.
Existe também uma forte correlação entre o aumento de competitividade ocasionado
pela liberalização comercial, e o desenvolvimento de estratégias empresariais que
privilegiam a performance ambiental das empresas, a partir da racionalização de custos de
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materiais e energia, pelo reaproveitamento de resíduos da produção, e pela busca de
ampliação ou garantia de mercados através de auditorias e atestados (Eco-label e ISO
14000) que comprovem a sua produção ambientalmente sustentável. Para Beghin et al
(1994), esse fator é chamado de autorregulamentação das empresas em contraste com as
regulamentações derivadas da ação do estado que não pode garantir por si só uma
produção e um consumo em harmonia com o meio ambiente.
Por outro lado, existe o risco de que a institucionalização de selos ambientais e de
sistemas de certificação como a ISO 14000 distancie-se do seu objetivo de preservar o
meio ambiente, e passem a ser utilizadas como barreiras não tarifárias no comércio
internacional. Nesse sentido, a liberalização tarifária poderia estar sendo neutralizada por
poderosos instrumentos de discriminação de importações não tarifários, que poderiam
acabar sendo utilizados para o propósito de proteção comercial, deixando para segundo
plano o efetivo ambiental dessas normatizações.
Por outro lado, frente ao desemprego crescente e a necessidade de proporcionar
condições de competitividade as empresas que se encontram inseridas em ambientes com
condições diferenciadas e, sobretudo, com políticas e padrões ambientais com variados
níveis de regulamentação, os governos acabam por relaxar em suas exigências ambientais.
Devido a existência do livre transito de capital e de mercadorias, as empresas podem se
instalar em qualquer lugar do mundo, as políticas públicas de modo geral, e as políticas
ambientais em particular, transformam-se em um importante elemento de barganha em que
os governos acabam geralmente por ceder em suas exigências ambientais.
O livre trânsito de capital e de mercadorias, aliado a possibilidade das empresas se
instalarem em qualquer parte do mundo faz com que as políticas públicas de modo geral, e
as políticas ambientais em particular, constituam-se num importante elemento de barganha
que geralmente, faz com que os governos cedam em suas exigências ambientais.
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