A R T I G O D E M O N O G R A F I A A P R E S E N TA D O C O M O C O N C L U S Ã O D A R E S I D Ê N C I A M É D I C A E M P E D I AT R I A D O H O S P I TA L R E G I O N A L D A A S A S U L ( H R A S ) / H O S P I TA L M AT E R N O I N FA N T I L D E B R A S Í L I A ( H M I B ) Síndrome de Hipoventilação Central Congênita – Maldição de Ondina: Relato de caso Clarissa de Lima Honório - R2 em Pediatria Orientadora: Dra Lisliê Capoulade Brasília-DF, 26 de novembro de www.paulomargotto.com.br Introdução A síndrome da hipoventilação central congênita (SHCC), também conhecida como Maldição de Ondina, é uma enfermidade pouco frequente caracterizada por um controle anormal da ventilação, na ausência de doença pulmonar, neuromuscular, neurológica central ou cardíaca evidente. Apresenta uma incidência estimada que varia muito em diferentes estudos, de 1 em 10.000 até 1 em 200.000 nascidos vivos. Introdução 2003 - mutações no gene PHOX2B no cromossomo 4p12 responsáveis por essa síndrome. Esse gene também tem papel na migração das células da crista neural, e por isso muitos pacientes apresentam sintomas de disfunção autonômica associados aos de hipoventilação. Introdução Crianças com SHCC apresentam episódios de cianose ou apneia no período neonatal, e muitos requerem ventilação mecânica imediatamente após o nascimento. Por volta dos 2-3 meses de idade, a hipoventilação fica limitada predominantemente aos períodos de sono. A hipoventilação é mais grave durante a fase não-REM do sono, e isso a diferencia de outras causas de hipoventilação noturna, particularmente aquelas de origem neuromuscular ou por obstrução da via aérea, nas quais as trocas gasosas são geralmente melhores durante o sono não-REM. Introdução Considerar o diagnóstico de SHCC em todas as crianças com evidência de hipoventilação sem disfunção cardiopulmonar, metabólica, neuromuscular ou cerebral subjacentes. Teste genético com screening para o gene PHOX2B identifica mutação em 95% dos casos de SHCC. Avaliação neurológica, biópsia muscular, radiografia de tórax, fluoroscopia do diafragma, broncoscopia, eletrocardiograma, holter, ecocardiograma e RNM do cérebro e do tronco encefálico. Introdução O objetivo do tratamento da SHCC é garantir oxigenação e ventilação adequadas durante ambos sono e vigília. Extrema vigilância devido à incapacidade dos pacientes de detectar hipoxemia e hipercapnia. Acompanhamento clínico por toda a vida, com suporte ventilatório contínuo, ou ao menos durante o sono. Equipe domiciliar treinada e experiente no manejo ventilatório desse pacientes. Descrição do caso JVBL, masculino, nascido no dia 22/07/09, de parto vaginal com período expulsivo prolongado, com 37 semanas e cinco dias de idade gestacional, Apgar 7/8, pesando 2.780g. Mãe fez nove consultas de pré-natal, apresentando gestação sem intercorrências, sorologias negativas. Descrição do caso 1a hora de vida: apneia, cianose, bradicardia e hipotonia generalizada. Foi intubado e transferido para UTI neonatal no 2° dia de vida pela necessidade de suporte ventilatório. Evoluiu com episódios de agitação, convulsões e depressão respiratória mesmo em ventilação mecânica. RNM de crânio de 27/07/09: leucomalácia periventricular, provavelmente por lesão hipóxico-isquêmica, que foi repetida com 1 mês de vida, dessa vez com laudo normal. TC de crânio do mesmo período, também normal. Descrição do caso Descrição do caso 21 dias de vida: geneticista levantou hipótese de erro inato do metabolismo, que posteriormente não foi confirmado. Evoluiu com dificuldade de progressão da dieta e distensão abdominal, sendo feita hipótese diagnóstica de megacólon congênito. Ecocardiograma em 04/08/09: normal. Em 26/08/09 : biópsia muscular com achados de padrão neurogênico compatível com atrofia muscular espinhal, porém análise de DNA realizada posteriormente excluiu diagnóstico de amiotrofia espinhal. Descrição do caso Em 17/09/09: gastrostomia, traqueostomia e biópsia retal, que confirmou aganglionose retal. Em 15/10/09 foi colostomizado, tendo trânsito intestinal reconstruído e colostomia fechada em 08/02/10. Evoluiu com ptose palpebral à direita, sendo posteriormente diagnosticado com síndrome de Claude Bernard-Horner. Aos 10 meses de idade, após várias extubações e tentativas de desmame da ventilação mecânica sem sucesso (gasometrias arteriais evidenciavam hipoxemia e hipercapnia) síndrome de hipoventilação central congênita ou Maldição de Ondina. Descrição do caso Alta da UTI, após 2 anos e 1 mês de internação, em sistema de home care fazendo uso de oxigênio inalatório sob máscara de nebulização na traqueostomia durante o dia e de BIPAP durante o sono. Paciente atualmente com 3 anos e 3 meses de idade, segue em acompanhamento multidisciplinar ambulatorial com pneumologia, broncoesofagologia, gastroenterologia, genética, neurologia, optometrista, fonoaudiologia, fisioterapia respiratória, nutrição, pediatria geral e home care. Aguardando mapeamento genético e implantação de marca- passo diafragmático. Discussão Paciente com clínica de hipoventilação central congênita que não respondeu a várias tentativas de controle central da ventilação desde o nascimento, sem outra causa demonstrável que o explique. O inadequado desenvolvimento da crista neural (neurocristopatia) é considerado como o principal fator etiopatogênico da Maldição de Ondina: redução de fatores neurotróficos de desenvolvimento do cérebro e da glia no LCR de crianças com SHCC. Discussão 15-20% dos pacientes com SHCC apresentam doença de Hirschsprung causada por anormalidades na migração das células da crista neural, o que pode ser observado no paciente em questão. Neuroblastoma e ganglioneuroma são outros exemplos de neurocristopatias associadas à SHCC. Discussão 1990: Keens e Hoppenbrouwers propuseram os seguintes critérios diagnósticos para SHCC: evidência persistente de hipoventilação durante o sono (PaCO2 > 60mmHg); aparecimento dos sintomas usualmente no primeiro ano de vida; ausência de doença primária pulmonar ou neuromuscular; ausência de doença cardíaca primária. Discussão Casos brandos ou com manifestação tardia: habilidade de prender a respiração por períodos prolongados sem desconforto; episódios de cianose; sonolência e fadiga diurnas; crises convulsivas sem explicação com EEG normal; evidência de falência do coração direito; apneia ou demora na recuperação após anestesia ou uso de anticonvulsivantes; sinais de disfunção autonômica como hipotensão postural e baixa temperatura corporal. Discussão Os diagnósticos diferenciais da SHCC são bastante variados e incluem doenças neurológicas, respiratórias, cardíacas e metabólicas tais como: doença de Leigh; hipotireoidismo; malformação de Arnold Chiari; trauma; tumor; síndrome de Prader Willi; entre outras. Discussão Fisiopatologia: a falta de sensibilidade central à hipercapnia e à hipoxia parece responder a uma falha dos mecanismos neuronais que integram os dados dos quimiorreceptores com os centros de controle da respiração, mas a explicação exata para este controle anormal da respiração permanece incerta. Atenção: a maioria dos pacientes não desenvolve febre, aumento da frequência respiratória nem apresenta dispneia em resposta a pneumonia, nem exibe sintomas graves de hipoxemia e/ou hipercapnia, e por isso os pediatras gerais devem ficar atentos a qualquer sinal que possa sugerir descompensação clínica nesses pacientes. Discussão Durante a primeira infância, pacientes com SHCC tipicamente requerem mais suporte ventilatório do que crianças mais velhas e adultos. As modalidades de ventilação domiciliar incluem ventilador portátil com pressão positiva via traqueostomia, ventilação não-invasiva (VNI), marcapasso diafragmático e mais raramente ventilação por pressão negativa. Discussão Ventilação não-invasiva VANTAGENS: - mais barata; - mais fácil manuseio; - não exige cirurgia; - pode permitir a decanulação traqueal. DESVANTAGENS: - inconveniente para ser adotada 24h por dia, pois pode interferir nas atividades cotidianas do paciente; - pode causar alterações de pele significantes e até hipoplasia facial; - geralmente não oferece pressões tão altas quanto às obtidas com as técnicas de ventilação invasivas. F. Healy, C.L. Marcus. Congenital central hypoventilation syndrome in children. Paediatric Respiratory Reviews 12. 2011; 253 – 263. Discussão Marca-passo diafragmático VANTAGEM: - potencial de tornar o paciente independente do ventilador, o que pode melhorar significativamente sua qualidade de vida. DESVANTAGEM: - cirurgia que requer equipe altamente especializada e que carrega todos os riscos inerentes ao procedimento. F. Healy, C.L. Marcus. Congenital central hypoventilation syndrome in children. Paediatric Respiratory Reviews 12. 2011; 253 – 263. Discussão Investigações contínuas a respeito das complexidades genéticas dessa síndrome são essenciais na tentativa de correlacionar genótipo e fenótipo e melhorar os cuidados com o paciente e seu prognóstico. Obrigada Referências bibliográficas 1. Costa Orsay JA, Pons M. Síndrome de Ondine: diagnóstico y seguimiento. Na Pediatr (Barc). 2005; 63 (5): 426-32. 2. Mellins RB, Balfour Jr HH, Turino GM, Winters RW. Failure of automatic control of ventilation (Ondine´s curse). Report of an infant born with this syndrome and review of the literature. 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