PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Juliana Oliveira Domingues
Defesa da concorrência e comércio internacional no contexto do
desenvolvimento: os cartéis de exportação como isenção antitruste
DOUTORADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2010
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Juliana Oliveira Domingues
Defesa da concorrência e comércio internacional no contexto do
desenvolvimento: os cartéis de exportação como isenção antitruste
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de Doutora em Direito das Relações
Econômicas Internacionais sob a orientação
do Prof. Doutor Cláudio Finkelstein.
SÃO PAULO
2010
Banca Examinadora
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“Porque para Deus nada é impossível.”
Lucas 1:37.
AGRADECIMENTOS
A DEUS, pois Ele sabe exatamente tudo o que foi necessário passar para terminar
esse projeto e capacitou-me para superar todos os obstáculos. Somente tenho a
agradecer tudo o que Ele me proporcionou nesses pouco mais de 30 anos de vida.
Ao meu querido e amado marido Eduardo Molan Gaban, que esteve ao meu lado
nesse período de fé e perseverança. Não só um grande companheiro, mas, acima
de tudo, um grande amigo, que soube apoiar-me nos momentos mais difíceis para
que essa etapa fosse cumprida. Agradeço-lhe também pela leitura de todo material
produzido, assim como pelos nossos debates, longos e profícuos.
Aos meus queridos e amados pais Sandra e Jayro e minha querida e amada irmã
Jordana, minha base, que apesar de não terem intimidade com o universo jurídico,
sempre me apoiaram, com muito amor e carinho, em todos os meus projetos. À
Jordana também agradeço pela leitura atenta de parte desse trabalho.
Ao Prof. Dr. Cláudio Finkelstein, com quem sempre pude contar e que jamais
duvidou da minha capacidade. Além de um professor extremamente querido, seu
entusiasmo e confiança foram fundamentais para a conclusão desse trabalho.
Aos queridos amigos Fabiola Wust Zibetti, Rodrigo C. de Abreu Lima e Gustavo
Assed Ferreira, excelentes professores e advogados, que despenderam tempo com
a leitura parcial da tese, ajudando-me no aprimoramento do material produzido.
Certamente não é fácil listar todos que, ao longo desses anos, ajudaram-me, de
diversas formas, na elaboração desta tese. Assim, peço desculpas, desde logo, por
alguma falta.
A CAPES, pelo apoio fundamental que me foi dado no financiamento dessa
pesquisa.
Aos professores com quem pude discutir ou abordar o meu tema ao longo dos anos.
Agradeço especialmente aos Professores Ivo Waisberg, Vladmir Oliveira da Silveira,
Umberto Celli Junior, Alberto do Amaral Junior, Richard Whish, Daniel Sokol, Florian
Becker e Fábio Nusdeo.
À New York University (NYU), por ter aberto as portas para a minha pesquisa e cujo
acervo bibliográfico foi fundamental para suportar a tese aqui desenvolvida.
A minha querida amiga Emily Ikeda, não apenas pelos mais de 25 anos de amizade,
mas por ter aberto as portas de sua casa em New York em um momento
fundamental.
Aos meus familiares e amigos, incluindo meus cunhados, sogros, tios, primos, que
sempre acreditaram em meu potencial e que, em determinados momentos,
privaram-se da minha presença diante da necessidade de conclusão desse trabalho.
Às acadêmicas Eloá Fígaro e Maria Fernanda Madi, pelo auxílio com a bibliografia.
Aos meus avós (in memorian), que sempre me incentivaram em todas as pequenas
conquistas. Agradeço a Deus pelo tempo que me permitiu conviver com pessoas tão
maravilhosas e que me amaram tanto.
Por fim, agradeço à compreensão dos meus colegas do L.O. Baptista Advogados,
que permitiram que eu desenvolvesse, no último mês, as minhas atividades em
casa, facilitando a conclusão dessa tese.
RESUMO
A discussão sobre a relação entre a defesa da concorrência e o comércio
internacional não é nova. Entretanto, mesmo no mundo globalizado existem países
que ainda carecem do conhecimento necessário para tratar das condutas de
agentes estrangeiros que possam distorcer a concorrência em seus mercados. As
organizações internacionais têm envidado esforços para discutir as melhores
práticas e para oferecer suporte aos países que desejam criar ou aprimorar suas leis
e políticas de concorrência, especialmente para combater os efeitos de práticas
anticoncorrenciais. No passado houve muita argumentação sobre a necessidade de
se criar um conjunto de regras multilaterais de concorrência em razão das condutas
anticoncorrenciais que tem dimensão internacional e também pelo uso de medidas
artificiais com fins protecionistas direcionados a anular a concorrência dos produtos
importados. No entanto, a criação de regras multilaterais de concorrência não tem
sido o foco dos debates recentes. No presente estudo, parte-se da premissa que o
direito possui um papel fundamental na promoção do desenvolvimento. A noção de
desenvolvimento adotada é mais ampla, baseada principalmente no novo
institucionalismo (Douglass North) e no desenvolvimento como liberdade (Amartya
Sen). A análise realizada voltou-se à prática dos cartéis de exportação, que são
isenções antitruste em grande parte das jurisdições e que podem prejudicar o
processo de desenvolvimento. Os cartéis de exportação podem gerar distorções ao
comércio internacional, especialmente aos países menos desenvolvidos ou em
desenvolvimento que não possuem expertise para lidar com essas condutas. Esse
tema tem sido pouco debatido até mesmo por tratar-se de conduta com muitas
particularidades e que conta, muitas vezes, com o apoio governamental. Contudo,
diante da necessidade de fomentar o desenvolvimento e com base nas premissas
adotadas neste estudo, entende-se que o tema precisa ter um tratamento adequado,
considerando a interface existente entre a concorrência e o comércio internacional.
Assim, o presente estudo aprofundará a análise das isenções aos cartéis de
exportação e, dentro do contexto de desenvolvimento adotado, apontará a
necessidade de criação de regras multilaterais específicas que regulem essa prática.
Palavras-chave: Comércio Internacional, Concorrência, Desenvolvimento, Isenções
Antitruste, Cartéis de Exportação, Cooperação.
ABSTRACT
The discussion about the relationship between competition defense and international
trade is not a novelty. However, even in the globalized world there are countries that
still lack the necessary expertise to deal with conducts of foreign agents that may
distort the competition within their markets. International organizations have taken
steps to discuss best practices and offer support to countries that intend to develop
or improve their competition laws and policies and, in particular, to fight against the
effects of anticompetitive practices. In the past it was argued that a set of multilateral
competition rules should be created in view of international anticompetitive conducts
and the use of artificial protectionist measures directed to annul the competition of
imported products. However, the creation of multilateral competition rules has not
been the focus of recent debates. The present study starts from the premise that the
law is fundamental to development. The notion of development adopted herein is
extensive, and based mainly in the new institutionalism (Douglass North) and in
development as freedom (Amartya Sen). The analysis performed in this study was
directed to export cartel practices that are antitrust exemptions in most jurisdictions
and may be harmful to development. Export cartels may generate international trade
distortions, especially in less developed or developing countries that do not have the
expertise to handle such conducts. This theme has not been sufficiently debated
even because it is a very particular conduct that relies on governmental support more
often than not. Notwithstanding, in light of the need to foment development and
based on the premises adopted in the present study, it is clear that such theme
should be granted proper treatment considering the existing interface between
competition and international trade. So, this study intends to deepen the analysis of
export cartel exemptions and, within the development context that was adopted,
indicate the need to create specific multilateral rules to regulate such practice.
Key Words: International Trade, Competition, Development, Antitrust Exemptions,
Export Cartels, Cooperation.
SIGLAS
AAD
— Acordo Antidumping da OMC
ACCC
— Competition and Consumer Commission
ACR
— Acordos Regionais de Comércio
ANZCERTA — Australia-New Zeland Closer Economic Relations Trade Agreement
APEC
— Asia-Pacific Economic Cooperation
ASMC
— Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias
BIRD
— Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
CADE
— Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CAMEX
— Câmara de Comércio Exterior
CAPES
— Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CARC
— Comitê de Acordos Regionais de Comércio
CCM
— Comissão de Comércio do MERCOSUL
CDCS
— Comitê de Defesa Comercial e Salvaguardas do MERCOSUL
CDPC
— Comitê de Direito e Política de Concorrência
CE
— Comunidades Européias
CF/88
— Constituição Federal de 1988
CLP
— Competition Law and Policy
CPR
— Código de Conduta sobre Práticas Comerciais Restritivas da ONU
DECOM
— Departamento de Defesa Comercial
DPDE
— Departamento de Proteção e Defesa Econômica
DRAMS
— Dynamic Random Access Memory Semiconductors
EFTA
— European Free Trade Association
EUA
— Estados Unidos da América
FBI
— Federal Bureau of Investigation
FMI
— Fundo Monetário Internacional
FTC
— Federal Trade Comission
FSIA
— Foreign sovereign immunity Act
GATS
— Acordo Geral sobre Comércio de Serviços
GATT
— Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
IAEAA
— International Antitrust Enforcement Assistance Act
IBRAC
— Instituto Brasileiro de Estudo das Relações de Concorrência e de
Consumo
ICN
— International Competition Network
LDCs
— Least Developed Countries
MDIC
— Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio
MERCOSUL — Mercado Comum do Sul
MITI
— Minister of International Trade and Industry
NCM
— Nomenclatura Comum do MERCOSUL
MRE
— Ministério das Relações Exteriores
NMF
— Nação Mais Favorecida
OCDE
— Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OIC
— Organização Internacional do Comércio
OMC
— Organização Mundial do Comércio
ONG
— Organização Não-Governamental
ONU
— Organização das Nações Unidas
OPEP
— Organização dos Países Exportadores de Petróleo
PEDs
—
PTN
— Princípio do Tratamento Nacional
RPC
— República Popular da China
RNV
— Reclamação de Não Violação
RVE
— Restrições Voluntárias às Exportações
SBDC
— Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
SDE/MJ
— Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça
SEAE/MF
— Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da
Fazenda
SNDE
— Secretaria Nacional de Direito Econômico
SGP
— Sistema Geral de Preferências
TED
— Tratamento Especial e Diferenciado
UE
— União Européia
UNCTAD
— Conferência
das
Desenvolvimento
USDOC
— United States Department of Commerce
USDOJ
— Departamento de Justiça Norte-Americano
USITC
— United States International Trade Commission
WGTCP
— Working Group on the Interaction between Trade and Competition
Policy
WPA
— Webb-Pomerene Export Trade Act of 1918
Países em Desenvolvimento
Nações
Unidas
sobre
Comércio
e
LISTA DE TABELAS
TABELA 01 – Adoção de leis de concorrência...................................................
55
TABELA 02 – Cooperação técnica e capacity-building – UNCTAD...................
79
TABELA 03 – FSIA case law: Interpretação de ato comercial............................
179
TABELA 04 – Pedidos de Aprovação de Ações Concertadas............................
193
TABELA 05 – Isenções a partir da Lei Nacional da Concorrência – Países
Selecionados........................................................................................................
194
TABELA 06 – Número de isenções para cartéis de exportação em vigor entre
1980 – 2003.........................................................................................................
201
TABELA 07 – Grau de consenso relativo aos padrões normativos em nível
nacional e multilateral..........................................................................................
228
TABELA 08 – Acordos Regionais de Comércio em vigor - 2010......................... 233
TABELA 09 – Lista de Acordos Bilaterais e Regionais relativos à Política de
Concorrência – 1998………………………………………………………………….
242
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................
Parte I - A DIMENSÃO INTERNACIONAL
CONCORRÊNCIA E O DESENVOLVIMENTO
DA
POLÍTICA
1
DE
1 A CONCORRÊNCIA E O COMÉRCIO INTERNACIONAL............................
1.1 Breve contexto histórico...............................................................................
1.2 A sobreposição de regimes de concorrência no contexto internacional......
1.3 A interface entre o direito do comércio internacional e o direito da
concorrência......................................................................................................
1.4 As diferentes perspectivas de análise.........................................................
1.4.1 Análise da legislação brasileira: pontos de divergência e objetivos
comuns..............................................................................................................
1.4.2 Estudo de casos: exemplos de interação entre as políticas.....................
1.4.2.1 A análise antitruste do caso da insulina................................................
1.4.2.1.1 Comentários sobre os ajustes realizados após a decisão do CADE
1.4.2.2 A investigação de dumping dos alto-falantes........................................
1.4.3 Observações adicionais sobre os estudos de casos................................
2 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E O CONTEXTO DAS
ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO..........................................................
2.1 O surgimento “tardio” das políticas de concorrência....................................
2.1.1 O processo de adoção nas economias em desenvolvimento...................
2.1.2 O problema da ausência de tradição e de conhecimento.........................
2.2 As organizações internacionais como fomentadoras das políticas de
concorrência.......................................................................................................
2.2.1 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
2.2.2 Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD)...........................................................................................................
2.2.3 International Competition Network (ICN)...................................................
2.2.4 Organização Mundial do Comércio (OMC)................................................
3 O DESENVOLVIMENTO: TEORIAS E PRINCÍPIOS......................................
3.1 O desenvolvimento e sua relação com as políticas de concorrência...........
3.2 O conceito de desenvolvimento aplicável.....................................................
3.2.1 A Escola da Nova Economia Institucional e Douglass C. North................
3.2.2 O Desenvolvimento como Liberdade de Amartya Sen..............................
3.2.3 Ponderações sobre as teorias de North e Sen no contexto da defesa da
concorrência.......................................................................................................
3.3 Regulação, concorrência e desenvolvimento...............................................
3.3.1 Observações com base na Constituição Federal de 1988........................
3.4 A teoria do comércio estratégico, o protecionismo liberal e o princípio da
intervenção assimétrica......................................................................................
3.5 A aplicação do Tratamento Especial e Diferenciado (TED) na OMC...........
3.6 A concorrência como um bem público..........................................................
15
15
23
25
31
32
37
38
40
45
51
53
53
56
59
61
62
69
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85
95
95
98
99
103
106
107
111
113
119
122
PARTE II – OS CARTÉIS DE EXPORTAÇÃO E A PROPOSTA DE UMA
POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA MULTILATERAL
4 OS CARTÉIS DE EXPORTAÇÃO..................................................................
4.1 O que é um cartel de exportação.................................................................
4.2 Os cartéis de exportação como cartéis hard-core e a questão da
extraterritorialidade............................................................................................
4.2.1 A teoria dos efeitos...................................................................................
4.2.2 A abordagem unilateral da extraterritorialidade........................................
4.3 A experiência das Comunidades Européias (CE).......................................
4.3.1 O caso Wood Pulp e a teoria dos efeitos.................................................
4.4 A experiência dos EUA................................................................................
4.4.1 Os casos Alcoa e Timberlane e a teoria dos efeitos.................................
4.4.2 O Export Trading Company Act of 1982 (ETC)…………………………….
4.5 A cortesia positiva e a assimetria normativa................................................
127
128
5 O CASO DA OPEP E AS DIFERENTES APLICAÇÕES DAS ISENÇÕES...
5.1 A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)....................
5.1.1 O Foreign sovereign immunity Act (FSIA).................................................
5.1.2 A doutrina do Act of State..........................................................................
5.1.3 Outros possíveis argumentos....................................................................
5.1.4 Observações complementares sobre a OPEP..........................................
5.2 A situação das isenções aos cartéis de exportação.....................................
5.2.1 O tratamento das isenções em diferentes jurisdições...............................
5.3 A situação dos cartéis de exportação no contexto internacional..................
5.4 Breves considerações sobre o tema no direito brasileiro.............................
176
176
178
183
186
187
189
190
201
204
6 A MULTILATERALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA E O
TRATAMENTO DOS CARTÉIS DE EXPORTAÇÃO.........................................
6.1 O possível tratamento dos cartéis de exportação na OMC..........................
6.2 O Princípio do Tratamento Nacional (PTN)..................................................
6.3 O Acordo sobre Salvaguardas......................................................................
6.4 As Reclamações de Não Violação (RNV)....................................................
6.5 A possibilidade de convergência ou de harmonização das leis de
concorrência.......................................................................................................
6.5.1 Os Acordos Regionais de Comércio (ACR) no contexto da OMC............
6.5.2 Considerações sobre o MERCOSUL........................................................
6.5.3 A cooperação em Acordos Bilaterais........................................................
6.6 A promoção do desenvolvimento por meio de hard law e soft
law......................................................................................................................
136
138
142
146
150
152
159
163
169
208
211
217
219
222
226
231
237
242
244
7 CONCLUSÃO.................................................................................................. 253
8 REFERÊNCIAS...............................................................................................
261
1
INTRODUÇÃO
O presente estudo tratará da defesa da concorrência no contexto do
comércio internacional, especialmente levando-se em consideração a conduta dos
cartéis de exportação, considerada como isenção antitruste em grande parte das
jurisdições. Assim, é valido já nesse início traçar breves comentários sobre essa
conduta, assim como apontar os tópicos que serão explorados em cada capítulo.
Os cartéis exercem sobre os empresários uma grande atração que é
reconhecida há muito tempo. Adam Smith escreveu, em 1776, uma clara referência
sobre essa “atração” ao colocar em seu estudo que as pessoas que atuam no
mesmo ramo comercial raramente se encontram sem que a conversa termine em
uma conspiração contra o povo, ou em algum tipo de acordo para elevar preços1.
Ao estudar o tema na década de 70, BANDEIRA explica que a liberdade de
concorrência,
conhecida
como
mola
propulsora
do
capitalismo,
acabaria
promovendo a expropriação do capitalista pelo capitalista, transformando muitos
capitais pequenos em poucos capitais grandes2. De fato, em seu estudo, o autor
identifica o surgimento de grandes empresas capitalistas ou grupos de empresas
capitalistas, que concentravam parte considerável da produção ou da venda de
determinadas mercadorias, dominando determinados mercados3.
Em sua maioria as empresas buscam a proteção dos acordos de colusão
(i.e., acordos de cartel) para facilitar o enfrentamento aos desafios do mercado.
Cabe esclarecer que o ajuste, ou acordo entre empresas, não se restringe às
empresas concorrentes entre si em um mesmo mercado (formação igualitária – ou
horizontal), mas podem incluir em suas definições os acordos entre empresas
fornecedoras e clientes entre si (formação hierárquica – ou vertical) 4.
1
SMITH, Adam. A riqueza das nações. V. 1. São Paulo: Nova cultural, 1988, p. 109.
BANDEIRA, Moniz. Cartéis e desnacionalização. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1979,
p. 1.
3
BANDEIRA, 1979, p. 2.
4
BARBIERI FILHO, Carlos. Disciplina jurídica da concorrência. São Paulo: Resenha tributária,
1984, p. 142.
2
2
A colusão compromete seriamente o processo natural de competição, ao
suprimir a rivalidade entre as empresas. Em adição, a eliminação da concorrência
faz com que as empresas passem a atuar como um tipo de monopólio5, o que gera
um efeito negativo sobre os consumidores. A colusão é também nociva na medida
em que compromete a confiança pública no sistema de mercado competitivo6.
Historicamente, esses tipos de organizações monopolistas emanaram por
volta da segunda metade do século XIX, identificados principalmente nos Estados
Unidos da América (EUA)7, onde a concentração de capital se desenvolveu
rapidamente.
Considerando este problema nos EUA, os americanos elaboraram o
Sherman Act - lei antitruste8 norte-americana, numa tentativa de coibir os problemas
relacionados principalmente ao abuso de poder econômico. Essa legislação é
considerada como o mais significativo diploma legal no qual se corporificou a reação
contra a concentração de poder em mãos de alguns agentes econômicos, e onde se
procurou discipliná-la9.
Contudo, defende FORGIONI que não é correto dizer que o Sherman Act é
uma reação ao liberalismo econômico, uma vez que essa lei visava, justamente,
corrigir as distorções trazidas pelo excesso de acumulação do capital e pretendia
corrigir as distorções criadas pelo sistema liberal10.
Neste panorama, a concorrência passou a ser vista como primordial para o
sistema econômico, exigindo uma atuação do Estado para eliminar as distorções
que podem ser causadas ao sistema. Deste modo, o Sherman Act tornou-se o
5
O monopólio “corresponde a uma situação na qual apenas uma pessoa ou uma empresa se
apresenta como vendedora de um dado produto. Manifesta-se aqui em toda a sua plenitude o poder
econômico, pois o monopolista está em condições de atuar simultaneamente nas duas variáveis que
caracterizam a compra e venda, isto é, o preço e a quantidade.” NUSDEO, Fábio. Curso de
economia: introdução ao direito econômico. 3.ed. São Paulo: RT, 2001, p. 269.
6
OCDE, Diretrizes para elaboração e implementação de política de defesa da concorrência.
São Paulo: Singular, 2003, p. 65.
7
De acordo com LOWENFELD: “Cartels are agreements among competitors to lessen the
competition among them. In the United States, the most commom form of cartel is the price-fixing
agreement.” LOWENFELD, Andreas F. Modern Competition Law: Substantive Rules and
Principles, Oxford; New York: Oxford University Press, 2002, p. 354-355.
8
Os termos “lei antitruste” e “lei de defesa da concorrência” ou “direito antitruste” e “direito da
concorrência” são utilizados como sinônimos.
9
FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.
65.
10
FORGIONI, 1998, p. 65.
3
núcleo de toda a atividade antitruste nos EUA, servindo como base, ou modelo, para
a legislação de outros países11.
No que diz respeito ao Brasil, a Constituição Federal de 1934 trouxe em seu
artigo 11512 as primeiras preocupações relativas à liberdade econômica. Entretanto,
não havia lei destinada à regular a concorrência, com a exceção do Código de
Propriedade Industrial que tinha elementos destinados a evitar a vantagem
competitiva13.
Em 1945 surgiu a primeira lei brasileira de orientação antitruste, cujo autor
era o então Ministro do Trabalho Agamennon Magalhães. Conhecida como Lei
Malaia, o Decreto-Lei n.º 7.666, criava a Comissão de Defesa Econômica e dava
poderes ao governo para expropriar qualquer organização que possuísse negócios
que lesassem o interesse nacional, mencionando de forma específica, as empresas
nacionais e estrangeiras vinculadas aos trustes14 e cartéis15. Posteriormente, o
presidente Getúlio Vargas, que assinou a Lei Malaia, foi deposto por um golpe de
Estado, e em 09 de novembro de 1945 o presidente provisório, José Linhares,
desfez o seu ato16.
No Brasil a repressão ao abuso de poder econômico foi trazida pela primeira
vez de forma expressa na Constituição Federal de 1946. O seu art. 148 dizia que
haveria repressão a qualquer forma de abuso de poder econômico nos seguintes
termos:
Art. 148. A lei reprimirá a toda e qualquer forma de abuso de poder
econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas
individuais ou sociais, seja qual for a sua a natureza, que tenham por
fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e
aumentar arbitrariamente os lucros.17
11
BANDEIRA, 1979, p. 3.
Art. 115: A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça e as
necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses
ditames, é garantida a liberdade econômica.
13
CARVALHO, Leonardo Arquimimo de. Direito Antitruste & Relações Internacionais –
Extraterritorialidade e Cooperação. Curitiba: Juruá, 2001, p. 119.
14
“Truste é combinação entre empresas para assegurar controle econômico sobre determinados
mercados, a fim de afastar eventuais concorrentes e administrar os preços de vendas de seus
produtos, em busca de lucros elevados.” RUDGE, Luiz Fernando. Dicionário de termos financeiros.
1.ed. São Paulo: Santander Banespa, 2003, p. 324.
15
BANDEIRA, 1979, p. 3.
16
BANDEIRA, 1979, p. 3.
17
Assim afirmava Pontes de Miranda a respeito do art. 148 da Constituição de 1946: “[...] é dificílimo
manobrar as duas políticas a de intervenção na econômica e a luta contra os trustes. Acaba o Estado
por ter tantas armas debaixo do braço – e tantos sabres e machados – que não possa ou não saiba
12
4
É importante mencionar a Lei n.º 1.521, de 26 de dezembro de 1951, pois
embora alterasse os dispositivos da legislação sobre crimes contra a economia
popular, continha uma série de dispositivos basicamente de antitruste, como ficou
claramente disposto em seu art. 3º, III18.
Em que pese essas iniciativas no Brasil, não houve nenhum diploma legal
que regulamentasse a repressão ao abuso de poder econômico, conforme previa o
art. 148 da Constituição Federal, até a promulgação da Lei n.º 4.137 de 10 de
dezembro de 1962, que teve origem no projeto 122, de 1948, de autoria do
Deputado Agamennon Magalhães.
O art. 8º de referida lei criou o CADE (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica), incumbido da apuração e repressão dos abusos ao poder econômico.
O art. 2º da Lei nº 4.137 considerava abuso do poder econômico as seguintes
práticas na medida em que pudessem produzir os seguintes resultados: domínio do
mercado ou eliminação total ou parcial da concorrência; elevação sem justa causa
dos preços, com o objetivo de aumentar arbitrariamente os lucros, sem aumentar a
produção; condições monopolísticas ou abuso da posição dominante, com o fim de
promover a elevação temporária dos preços; formação de grupo econômico19.
Portanto, nos termos da Lei n.º 4.137/62, a associação de empresas seria
considerada ilícita se, e somente se, produzisse determinado resultado ou objetivo
que estivesse tipificado em lei de uma forma bastante aberta. Não foi significativo o
número de casos durante a vigência da Lei n.º 4.137/62, uma vez que até 1975,
apenas onze processos foram julgados pelo CADE20.
Nas palavras de BANDEIRA:
[...] o CADE, em todos os seus anos de existência sempre se
caracterizou pela inoperância, jamais tomando qualquer atitude para
usar, com acerto, nenhuma. Fixar preço e perseguir trustes, sem aparelhamento quase genial, se não
genial, de economia e de administração públicas, é o mais perigoso dos empirismos”. MIRANDA,
Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. 2ª edição aumentada. Vol. I.
São Paulo: Max Limond, 1953, p. 28.
18
O Art. 3º, III, condena o acordo entre empresas com o fim de impedir ou dificultar, para efeito de
aumento arbitrário de lucros, a concorrência em matéria de produção, transporte ou comércio.
19
“É ao cartel e ao grupo empresarial de coordenação que se refere a Lei 4.137, de 1962, ao falar em
‘atos, ajustes, acordos ou convenções entre empresas, de qualquer natureza, ou entre pessoas ou
grupo de pessoas vinculadas a tais empresas ou interessadas no objeto de seus negócios’, que
tenham por efeito uma das finalidades previstas [...]”. COMPARATO. Fabio Konder. Concorrência
desleal. São Paulo: Revista dos Tribunais 375, 1976, p. 27.
20
FORGIONI, 1998, p. 126.
5
coibir os abusos do poder econômico, que lhe chegaram ao
conhecimento 21.
Entendendo a necessidade de ajustes e procurando melhorar a regulação da
concorrência, em 1991 o governo promulgou a Lei n.º 8.158, prevendo uma abertura
do mercado brasileiro e a liberalização da economia. Pretendia-se, com este novo
diploma, dar maior celeridade aos procedimentos administrativos e apuração das
práticas de violação à ordem econômica, com a criação da SNDE (Secretaria
Nacional de Direito Econômico, do Ministério da Justiça - que depois passou a ser
denominada Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça – SDE/MJ)22.
Pouco tempo depois surgiu a Lei n.º 8.884 de 1994, que sistematiza, ainda
hoje, a matéria antitruste no Brasil23, que transformou o CADE em autarquia
federal24. O art. 20 tipifica os atos considerados como contrários à ordem
econômica, que são aqueles que tenham por objeto, ou produzam, os seguintes
efeitos: limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre
iniciativa; dominar mercado relevante de bens ou serviços; aumentar arbitrariamente
os lucros; ou exercer de forma abusiva posição dominante. No contexto da Lei n.º
8.884 de 1994, se um acordo não restringe a livre concorrência, ou não acarreta a
incidência de qualquer inciso do art. 20 de referida lei, não se pode falar na
existência de cartel.
A prática de cartel que geralmente é coibida caracteriza-se pelo ajuste entre
agentes cuja função ou resultado seja o de restringir a concorrência. Por meio do
cartel os agentes econômicos (i.e., produtores, fornecedores etc.) explicitamente
concordam em cooperar por meio de acordos que alteram a concorrência
artificialmente. Essa forma de cooperação empresarial é caracterizada pela
uniformização de certos comportamentos ou pela realização de certa atividade
conjunta, sem interferir na autonomia de cada empresa que permanece
21
BANDEIRA, 1979, p. 136.
Veja-se nesse sentido: FORGIONI, 1998, p. 132. Cabe ressaltar também que não houve revogação
da Lei n.º 4.137/62, e o CADE passou a funcionar junto à SNDE.
23
Vale observar que há um projeto de lei que busca alterar a estrutura o Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência. Veja-se nesse sentido: BRASIL. CÂMARA. Projeto de Lei da Câmara N.º
06/2009 (PL Nº 3937/2004); Projeto de Lei Nº 2731/2008 (PLS 75/2005) e Projeto de Lei
Complementar Nº 265/2007. Disponível em:< http://www.camara.gov.br> Acesso em 20 jul. 2010.
24
"[...] Pode-se conceituar autarquia como a pessoa jurídica de direito público, criada por lei, com
capacidade de auto-administração, para o desempenho de serviços público descentralizado,
mediante controle administrativo exercido nos limites da lei. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 429.
22
6
substancialmente independente naqueles aspectos da atividade que não estão
sujeitos ao acordo25. Esse tipo de cartel é conhecido como cartel hard-core26.
O cartel pode ser nacional ou internacional. Nesse sentido, várias condutas
podem ser descritas como cartéis internacionais, sendo possível, de forma simples,
classificá-los em três tipos: i) os cartéis hard-core, criados por produtores privados
de pelo menos dois países, que cooperam no controle de preços e/ou dividem
mercados no mundo; ii) os cartéis privados de exportação, não ligados ao Estado,
cujos produtores são de um mesmo país e que fixam preços e/ou dividem o mercado
de exportação; iii) os cartéis de exportação do Estado (que possuem algum tipo de
envolvimento do Estado)27.
É pacífico o entendimento de que as atividades dos cartéis chamados hardcore, especialmente que tenham dimensão internacional, provocam distorções no
comércio internacional e diminuem os benefícios que a liberalização comercial pode
oferecer. Com a crescente globalização, pode-se afirmar que existem condutas de
cartel no plano internacional que requerem a ação de prevenção e repressão de
diversos países28.
No entanto, ainda hoje não existe uma opinião pacífica sobre como tratar
dos possíveis efeitos dos cartéis de exportação e quase nada no meio jurídico
brasileiro foi escrito sobre o tema. Há escassez bibliográfica, uma vez que os
estudos que envolvem cartéis internacionais geralmente abordam os cartéis
internacionais do tipo hard-core, até mesmo pelo consenso que existe de que os
cartéis do tipo hard-core são condutas que merecem ser punidas.
Assim, a proposta do presente estudo é estudar de forma aprofundada os
cartéis de exportação que é o tipo de cartel menos explorado na literatura (mesmo
na literatura internacional) em razão se suas características e objetivos. Vale
destacar, neste início, que existem diversos tipos de cartéis, mas a doutrina
25
SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial – as estruturas. São Paulo: Malheiros, 1998, p.
227.
26
Por ser “hard-core”, uma terminologia em inglês, preferiu-se não traduzir a expressão.
27
Em estudo, EVENETT, LEVENSTEIN e SUSLOW apontam que o cartel privado de exportação não
atuaria no país dos agentes, ou seja, seriam direcionados ao mercado externo. Cf. EVENETT, S.J.;
LEVENSTEIN, M.C.; SUSLOW, V.Y. International Cartel Enforcement: lessons from the 1990s. The
Economist. Oxford, 2001, p. 1222-1223. Entretanto, veremos nesse estudo que existe uma
classificação que aponta que existem os cartéis de exportação “mistos” que atuam dentro dos país e
não apenas afeta o mercado externo.
28
Veja-se no mesmo sentido: OLIVEIRA, Gesner. Concorrência no Brasil e no mundo. São Paulo:
Saraiva, 2001, p. 53.
7
majoritária defende que todos tendem a redução da produção e elevação dos
preços, eliminando a concorrência entre as partes do acordo. O problema que torna
os cartéis internacionais de exportação ainda mais complexos reside no fato de que
as leis de concorrência de praticamente todos os países não punem esse tipo de
cartel se não há produção de efeitos em seus territórios, sendo essa conduta, em
geral, isenta pelas autoridades locais.
No contexto desta pesquisa, a Parte I será dedicada à dimensão internacional
do direito da concorrência. No Capítulo 1 se verá que, embora não exista uma
instituição internacional ou acordo multilateral entre Estados29, os regimes nacionais
de concorrência possuem conexão e, na maioria das vezes, interesses comuns.
Como o tratamento (ou a ausência de tratamento dos cartéis de exportação)
ainda carece de uma avaliação mais profunda, a Parte II desse estudo será
dedicada aos cartéis de exportação e à proposta de um acordo multilateral do direito
da concorrência. Entende-se que o tema proposto poderá contribuir para o
aprimoramento e ainda colaborar para o discernimento da melhor forma de análise
dos cartéis de exportação pelas autoridades, que ainda têm grandes dificuldades
oriundas da interdisciplinaridade do tema, que envolve questões de direito, de
economia e de comércio internacional (especialmente relacionada à aplicação de
medidas de defesa comercial30).
Assim, é importante esclarecer o contexto em que essa conduta está
inserida, suas características e os elementos que diferenciam os cartéis de
exportação dos outros tipos de cartéis internacionais. Em parte deste estudo será
realizada uma análise das experiências, assim como das propostas e tendências
para o tratamento do tema, inclusive em esfera multilateral (i.e., pela Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, Organização Mundial do
Comércio - OMC etc.).
29
GUZMAN, Andrew T. The Case for International Antitrust. UC Berkeley: Boalt Hall. 2003, p. 3.
Vale dizer que as condutas consideradas como violadoras ao comércio internacional podem ser
neutralizadas por meio do uso de instrumentos de defesa comercial, isto é, pela imposição de
medidas antidumping, medidas compensatórias, ou pela aplicação de medidas de salvaguarda –
hipóteses que serão apresentadas no presente estudo. Os instrumentos de defesa comercial visam
evitar danos à indústria nacional ou recompor o equilíbrio financeiro no mercado. As práticas
consideradas como desleais no comércio internacional podem ser executadas por empresas (i.e.,
dumping) ou governos de terceiros países (i.e, subsídios), ou assegurar condições de proteção
temporária a um setor produtivo que sofra forte concorrência com a importação (i.e. salvaguardas).
30
8
Ainda hoje a investigação e a punição de cartéis internacionais envolvem
muitas dificuldades que necessitam ser ultrapassadas (como é o caso da obtenção
de provas ou de indícios do conluio) e no caso específico dos cartéis de exportação
a questão é ainda mais delicada, uma vez que, embora tenham, na maioria das
vezes, características dos chamados cartéis hard-core, chamados também no Brasil
de cartéis clássicos31 (acordos voltados a reduzir a concorrência), tratam-se de
condutas permitidas ou até mesmo incentivadas por várias jurisdições.
Conforme indicado anteriormente, o foco atual da análise antitruste tem sido
os cartéis hard-core, conceito que tradicionalmente não inclui os cartéis de
exportação. Ou seja, esta categoria não inclui acordos, práticas concertadas, ou
arranjos que: a) estão relacionados razoavelmente à autorização legal de redução
de custo ou produção, aumentando eficiências; b) quando são excluídos diretamente
ou indiretamente da cobertura da própria lei do país; c) quando autorizados
conforme essas leis32.
Existe, de fato, um entendimento geral de que os cartéis do tipo hard-core são
negativos à concorrência. Nesse sentido, veja-se que em 1998 a Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)33 publicou uma recomendação
sobre uma ação efetiva contra os cartéis hard-core (Cartel Recommendation). Neste
documento, foi colocado que os cartéis hard-core são as mais graves violações da
lei de concorrência, uma vez que prejudicam os consumidores em diversos países,
aumentando os preços e restringindo a oferta, tornando as mercadorias e serviços
completamente impossíveis para compra de alguns consumidores, ou aumentando
31
Há outra classificação, no Brasil, definida pela jurisprudência do CADE, que traz um sinônimo para
o cartel hard-core, denominando-o como cartel clássico, conforme voto do ex-Conselheiro Luis Carlos
Delorme Prado: “Distingo o Cartel Clássico do que chamo Cartel Difuso. Este último é um ato de
coordenação da ação entre as empresas com objetivo similar ao do Cartel Clássico, mas de caráter
eventual e não institucionalizado. Esse é o caso quando um grupo de empresas decide reunir-se para
coordenar um aumento de preço, muitas vezes em função de um evento externo que as afetou
simultaneamente. Isto é, tal ação pode ser considerada eventual e não decorreu de uma organização
permanente para coordenar as ações das empresas envolvidas.” BRASIL. CADE. Processo
Administrativo n. 08012.002127/02-14, 2005. No mesmo sentido: BRASIL. CADE. Voto do
Conselheiro-Relator Luis Carlos Delorme Prado no Processo Administrativo n. 08012.000099/200373, 2006.
32
Segundo a OCDE, todas as exclusões e autorizações do que seriam casos contrários aos cartéis
hard-core deveriam ser transparentes e deveriam ser revisadas periodicamente para verificação se
elas são necessárias para alcançar os objetivos da política perseguida pelos países. Após esta
Recomendação, a OCDE colocou que seus Membros deveriam prover à Organização a notificação
anual de qualquer exclusão nova ou estendida ou categoria autorizada. Conforme será visto nesse
estudo, os cartéis de exportação são condutas que muitas vezes possuem autorização legal ou são
indiretamente aceitos por diversas jurisdições.
33
Essa Organização será vista com maior detalhe no Capítulo 2.
9
os valores de forma desnecessária para outros34. Vale dizer que nessa
recomendação não houve um estudo aprofundado sobre os efeitos dos cartéis de
exportação.
Dois anos após essa publicação, o Cartel Report de 2000 denotou que um
importante passo no fortalecimento da luta contra os cartéis seria a abertura de
conhecimento relativo aos danos que os mesmos podem causar35. O Relatório
também salientou a importância do trabalho adicional de sanções contra cartéis,
reconhecendo que o propósito principal dessas sanções é servir como elementos de
inibição para quem pratica essa conduta36.
Observa-se, então, que desde o início desta década há um movimento forte,
em um contexto internacional, para a implementação de políticas de defesa da
concorrência e para o aumento à repressão de condutas anticoncorrenciais,
especialmente os cartéis.
Atualmente existem numerosos processos e procedimentos realizados pelo
Departamento de Justiça Norte-Americano (USDOJ), pela Comissão Européia
vinculada às Comunidades Européias (CE) e até mesmo pelo Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência (SBDC, que é composto pela SEAE/MF – Secretaria de
Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, SDE/MJ e CADE), para
combater os chamados cartéis hard-core, mas pouquíssimos esforços para o
controle ou monitoramento dos cartéis de exportação, justamente por tratar-se,
muitas vezes, de condutas que possuem isenção antitruste.
Entretanto, independente de qual tipo seja o cartel, há entendimento por parte
de economistas e juristas que, por meio dessa conduta, ocorre uma perda de bemestar que é resultante dos consumidores passarem a comprar menos do produto em
razão da elevação de preços (preço de cartel) e, ao mesmo tempo, que é resultante
dos consumidores terem que pagar um preço mais alto, pela mesma quantidade do
produto37.
Desta maneira, os cartéis “eficientes”, ou seja, que conseguem reduzir com
sucesso a produção e/ou aumentar o preço acima dos valores do mercado, fazem
34
OCDE, 2003, p. 75.
OCDE. Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Cartel Report of 1998, p. 13.
Disponível em: <http:www.oecd.org> Acesso em: 22. set. 2009.
36
OCDE, 1998, p. 19-20.
37
OCDE, 2003, p. 76.
35
10
com que os consumidores, coletivamente, passem a comprar menos do produto
cartelizado, e pagar mais pela mesma quantidade que era adquirida anteriormente.
Vale lembrar que esses efeitos também podem ser vislumbrados nos cartéis de
exportação, em que pese a ênfase dada a esses efeitos nas práticas dos cartéis
hard-core.
É difícil ser indiferente aos efeitos totais que os cartéis podem ocasionar38. As
circunstâncias, somadas aos consensos internacionais sobre o propósito das leis e
políticas de concorrência (os quais serão vistos durante este estudo), fazem com
que os estudiosos da concorrência considerem a transferência de riquezas como um
dos principais danos gerados pelos cartéis. Contudo, são poucos os estudos sobre
os danos e os efeitos específicos gerados pelos cartéis de exportação, até mesmo
porque as trocas de informações entre as agências e autoridades de defesa da
concorrência estão focadas nos cartéis hard-core.
Conforme se verá do Capítulo 2, as trocas de informações entre as
autoridades são importantes em matéria de concorrência, pois ajudam a tratar dos
desdobramentos internacionais, pois nem sempre existe um acordo formal de
cooperação39. As organizações internacionais têm desempenhado um papel
relevante no que diz respeito principalmente à divulgação e ao suporte aos países
em desenvolvimento.
Nesse sentido, além da OCDE e da OMC merecerá destaque neste estudo o
trabalho que vem sendo realizado pela UNCTAD (Conferência das Nações Unidas
sobre Comércio e Desenvolvimento). Ainda, para facilitar os trabalhos das agências
de concorrência, uma Rede Internacional de Concorrência (International Competiton
Network - ICN) foi criada em 2001. Trata-se de fórum especializado em discutir
temas relacionados à concorrência, que já adquiriu respeitabilidade nos últimos anos
38
Os cartéis podem ter outros efeitos econômicos prejudiciais além da alocação de recursos descrita,
pois desta prática pode ocorrer como resultado a redução da pressão para controlar custos e inovar.
39
Os acordos freqüentemente têm os seguintes conteúdos: i) mútua notificação das investigações
iniciadas em cada país; ii) possibilidade de visita no curso das investigações de funcionários de uma
agência à outra; iii) possibilidade de solicitação ao outro país signatário para que inicie uma
investigação das condutas anticompetitivas que ocorrem em seu país, ainda que os efeitos desta
somente sejam sentidos no país solicitante; iv) previsão de assistência recíproca na localização de
testemunhas, coleta de evidências e depoimentos no território do outro signatário; e v) previsão de
encontros regulares das autoridades, a fim de discutir a evolução destas políticas e permitir trocas de
informação. MARTINEZ, Ana Paula. Defesa da concorrência: o combate aos cartéis internacionais.
Revista do IBRAC, São Paulo, v. 10, n.º 1, p. 175-198. 2003, p. 188.
11
e está voltado ao desenvolvimento das “melhores práticas” e ao aprimoramento das
regras de concorrência.
Conforme ser verá, a ICN possui um papel de incentivador de debates e
discussões, e apesar de não estar voltada especificamente à elaboração de uma
política antitruste comum ou multilateral, tem auxiliado o intercâmbio de experiências
entre as autoridades40. Veja-se que a defesa da concorrência torna necessário o
intercâmbio técnico intenso, ainda mais diante da natureza aberta dos tipos de
infração à ordem econômica.
Como bem salienta OLIVEIRA:
Para um país adotar práticas convergentes com o resto do mundo é
fundamental que ele promova o intercâmbio com as diversas
agências. Assim, atividades de cooperação técnica assumem papel
fundamental na integração sub-regional e multilateral.41
Esse estudo apresentará também argumentos de que atualmente a
organização que se mostra mais apta a desenvolver regras multilaterais é a OMC.
Sem dúvida, existem argumentos contrários no sentido de que a concorrência não é,
em regra, matéria de comércio internacional42. Entretanto, veja-se que em 1996,
durante reunião ministerial da OMC em Cingapura, a concorrência recebeu uma
especial atenção com a instituição de um grupo de trabalho - Working Group on the
Interaction between Trade and Competition Policy (WGTCP)43 - para discutir e
estudar as interações entre o comércio e a política de concorrência.
Ainda, na Declaração Ministerial de Doha44, ficou definido que uma das
atribuições do WGTCP seria, até a 5ª Reunião Ministerial, trabalhar para a formação
40
O fundamento principal dos acordos entre Estados ou agências de defesa da concorrência é o
chamado princípio da cortesia positiva (positive comity). Isso significa que a cortesia se fará presente
toda vez que dois países que assinam um acordo de cooperação decidirem aplicar de forma
recíproca suas leis (conforme o princípio da extraterritorialidade que também será objeto de estudo).
Sobre os princípios de cortesia positiva veja-se: EUA E CE. Acordo entre Comunidades Européias
e o governo dos Estados Unidos da América relativo aos princípios de cortesia na aplicação
dos respectivos direitos de concorrência. Disponível em: <http://europa.eu.int/abc/doc/off/bull/pt/
9806/p103067.htm> Acesso em: 12 jun. 2009.
41
OLIVEIRA, Gesner. Concorrência no Brasil e no mundo. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 40.
42
Sobre esta questão veja-se: ANDRADE, Maria Cecília. Concorrência. In: BARRAL, Welber. O
Brasil e a OMC. Curitiba: Juruá, 2002, p. 295-324. Veja-se também: CARVALHO, 2001, p. 172-185.
Cf. GUZMAN, Andrew T. Global governance and the WTO. Research Paper No. 89, US: UC
Berkeley School of Public Law and Legal Theory, 2002, p. 5-88.
43
WT/MIN(96)/DEC, parágrafo 20.
44
A declaração diz que o trabalho tem que levar em conta as necessidades de desenvolvimento. Isto
inclui cooperação técnica e capacidade de construção nestes tópicos (como análise política e de
desenvolvimento), de forma que países em desenvolvimento tenham capacidade de avaliar as
12
de cláusulas sobre cartéis hard-core. Desse modo, tem sido salientado que os
efeitos dos cartéis são capazes de alcançar vários países em um só momento, fato
que por si evidenciava que a regulamentação sobre o tema deveria ser multilateral45.
Por outro lado, países em desenvolvimento e aqueles de economias mais
frágeis expressam preocupação sobre os custos adicionais que um acordo de
concorrência, no âmbito da OMC, poderia trazer especialmente para membros que
não têm políticas ou leis de concorrência na atualidade. Assim, ao mesmo tempo em
que as economias desenvolvidas não entraram em consenso sobre o tema, muitas
economias em desenvolvimento ainda avaliam a inclusão do tema concorrência com
bastante apreensão.
De fato, esses países de economia mais sensível e os Países em
Desenvolvimento (PEDs) preocupam-se com os custos que uma implementação
sobre política concorrencial, ou regras de concorrência, poderia gerar para suas
economias. No entanto, EVENETT aponta que esta apreensão é excessiva46.
Em princípio, o requerimento multilateral de fortalecimento de uma legislação
que combata e regule a atuação dos cartéis em geral (não apenas os chamados
hard-core) parece ser positivo numa perspectiva global, pois poderia reduzir práticas
negativas ao comércio. Nas reuniões da OMC, inclusive, pode ser defendida a
notificação desses cartéis internacionais para um órgão centralizado, o que evitaria
custos maiores para as economias mais frágeis (com a criação de agências, por
exemplo). Em adição, poderia haver economia de tempo que é necessário para
formalização de acordos (sejam regionais, ou bilaterais) de cooperação47.
No entanto, para que regras multilaterais sejam bem sucedidas, entende-se
que as negociações com os países menos desenvolvidos devem levar em
consideração as diferenças e as dificuldades que estes têm para implementar regras
e políticas novas em razão de seu estágio de desenvolvimento e de seus sistemas
implicações da cooperação multilateral na busca por esses objetivos. A cooperação com outras
organizações, como a ONU – UNCTAD, também foi incluída.
45
Sobre esta questão veja-se o documento: WTO. Working Group on the Interaction Between Trade
and Competition Policy to the General Council. WT/WGTCP/W/191. Disponível em:
<http://www.wto.org> Acesso em: 30 ago. 2009.
46
EVENETT, Simon J. Can developing economies benefit from WTO negotiations on binding
disciplines for hard-core cartels? Switzerland: Word Trade Institute, 2003a, p. 35.
47
EVENETT, 2003a, p. 40-3.
13
jurídicos. Assim, a criação de regras de concorrência em âmbito multilateral precisa
ser avaliada dentro de um contexto de desenvolvimento mais amplo48.
As teorias contemporâneas que tratam do desenvolvimento serão vistas no
Capítulo 3. Analisada sob a ótica institucionalista, defende-se nesse estudo que a
OMC pode ser o eixo de um regime que torna mais transparente o fluxo da
diplomacia comercial e que poderia tratar do tema, uma vez que a permissão de um
cartel de exportação pode gerar distorções ao comércio. Vale destacar que, não
havendo um sistema multilateral responsável pelas diretrizes a serem seguidas
pelos países, e também para o intercâmbio de informações, torna-se mais
complicada a adequação dessas condutas que podem ser negativas ao comércio
em um contexto global.
Apesar de ter havido debates no passado para a criação de regras de
concorrência em âmbito multilateral, recentemente esse tema não foi retomado com
maior seriedade e os cartéis de exportações não estão sendo abordados nas
propostas, justamente por tratar-se de tema mais complexo conforme se verá nos
Capítulos 4 e 5.
Entretanto, entende-se que dadas às potenciais distorções que podem ser
causadas no comércio internacional e especificamente a relação que o tema tem
com os instrumentos de defesa comercial, defende-se que o tema dos cartéis de
exportação precisa tornar-se pauta também em âmbito multilateral conforme se verá
no Capítulo 6.
Veja-se que, por meio de uma política de concorrência eficaz possibilita-se o
alcance de objetivos econômicos mais amplos, por estimular a eficiência e o
crescimento econômico. Deste modo, esse estudo também procura mostrar que a
premissa de criação de um instrumento multilateral é possível e que os mercados
competitivos podem melhorar, de maneira geral, o seu desempenho no comércio
internacional.
Com relação à metodologia a ser utilizada, esclarece-se que os métodos
intuitivo, dialético e dedutivo serão aplicados para defender a tese principal de que
os cartéis de exportação não podem permanecer sem uma regulação internacional e
48
Sobre o direito ao desenvolvimento veja-se também: ONU (Organização das Nações Unidas).
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/
direitos/sip/onu/spovos/lex170a.htm> Acesso em 10 jan. 2010.
14
que o foro mais adequado para a criação de regras que tratem dessa conduta seria
a OMC.
O estudo está dividido em duas partes (Parte I e Parte II), cada uma contendo
03 Capítulos numerados seqüencialmente. Na primeira parte será abordada a
interface entre o comércio internacional (principalmente a defesa comercial) e o
direito da concorrência (Capítulo 1), e como a concorrência em um contexto
internacional (i.e., organizações e fóruns multilaterais) tem sido discutida (Capítulo
2). Para consecução do que será proposto ao final deste estudo, também será
apontado o conceito de desenvolvimento que se entende aplicável e necessário para
que todos os países - inclusive os menos desenvolvidos - beneficiem-se de políticas
de concorrência em um contexto global (Capítulo 3), uma vez que políticas globais
e/ou multilaterais têm o potencial de impactar o comércio internacional em geral.
Na segunda parte deste estudo será dado enfoque à prática dos cartéis de
exportação. Assim, o conceito será explorado (Capítulo 4), assim como seus
potenciais efeitos. Outro ponto relevante que será estudado diz respeito à
caracterização dos cartéis de exportação como isenção antitruste, as diferenças no
tratamento desta conduta e a aplicação extraterritorial das leis nacionais (Capítulo
5). Por fim, se explorada a proposta de inclusão do tema na OMC como medida
adequada para mitigar os potenciais efeitos negativos dos cartéis de exportação no
comércio internacional, como a criação de regras em âmbito multilateral, de acordo
com o contexto de desenvolvimento proposto no presente estudo (Capítulo 6).
15
PARTE I - A DIMENSÃO INTERNACIONAL DA POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA E
O DESENVOLVIMENTO
1 A CONCORRÊNCIA E O COMÉRCIO INTERNACIONAL
1.1 Breve contexto histórico
Conforme explica Campos, foi em 1925, sob a égide da Liga das Nações,
que ocorreram as primeiras iniciativas para a definição de princípios gerais que
fossem capazes de orientar uma legislação concorrencial no âmbito internacional49.
Nesse período também foram consideradas diversas propostas para o
estabelecimento de um código antitruste internacional, mas estas foram rejeitadas
parcialmente pelos mesmos motivos que levaram ao fim da Liga da das Nações, e
principalmente porque a maior parte das nações considerava os cartéis como
instituições importantes para fomentar o desenvolvimento econômico.
De todo modo, àquela época (após a Primeira Guerra Mundial), ainda não
havia a consciência de que instrumentos adequados de comércio e mercados
abertos eram condições fundamentais para possibilitar o crescimento do comércio
internacional. Tal concepção surgiu apenas a partir de um maior desenvolvimento
das relações internacionais, cujas dificuldades e adversidades possibilitaram a
criação de uma consciência maior a respeito da importância do comércio
internacional e, assim, da criação de mecanismos e normas internacionais que
assegurassem melhores relações entre os países. Nesse contexto, pode-se dizer
que o período entre guerras, em que se verificou a tentativa de criação de
49
Veja-se: CAMPOS, Marcos Vinícius de. Concorrência, cooperação e desenvolvimento – do
falso dilema entre competição ou cooperação ao conceito de concorrência cooperativa. São
Paulo: Singular, 2008, p. 297.
16
mecanismos de colaboração entre Estados que incluíam disposições relativas ao
comércio internacional, foi de fundamental importância.
Voltando ao contexto histórico é importante explicar que com o fim da
Primeira Guerra Mundial os países envolvidos nos conflitos encabeçados por
Woodrow Wilson passaram a reconhecer a necessidade da criação de normas e
instituições internacionais mais eficazes, como forma de evitar a utilização de força
armada para solucionar conflitos de natureza comercial, e para que houvesse
políticas de balanço de poder nas relações internacionais.
Como apontado por NYE, tais políticas, dentre outras, tinham a intenção de
balancear poderes estrangeiros de forma a prevenir que um Estado ganhasse
preponderância de poder50. Ou seja, os Estados envolvidos na guerra reconheciam
que algumas políticas haviam sido fundamentais para a ocorrência dos conflitos, de
forma que se fazia necessária uma mudança de paradigma nas relações
internacionais para a instituição de políticas mais colaborativas.
Dessa forma, os Estados envolvidos, liderados por Woodrow Wilson
(presidente americano à época), passaram a buscar a estruturação de um sistema
internacional pautado em princípios de segurança coletiva. Sobre o modo de
implantação do sistema de segurança coletiva, NYE explica os principais objetivos:
Em primeiro lugar, tornar a agressão ilegal e banir guerras ofensivas.
Segundo, deter agressões por meio da formação de uma coalizão de
todos os Estados não agressivos. Se todos se comprometessem a
auxiliar qualquer Estado que fosse uma vítima em qualquer lugar do
mundo, uma preponderância de poder existiria do lado das forças
não agressivas. Terceiro, se tal dissuasão falhasse e um ataque
ocorresse, todos os Estados concordariam em punir aquele que
cometeu a agressão51.
A tentativa de institucionalização de tal sistema deu-se pela assinatura, em
28 de junho de 1919, do Tratado de Versailles, composto de quinze seções que
incluíam: i) previsões relativas a mudanças políticas eliminatórias do balanço de
poder, ii) medidas preventivas contra novas guerras, e iii) dispositivos relacionados à
50
Conforme o autor, o termo balanço de poder pode também descrever: (i) a distribuição de poder no
sistema internacional; e (ii) os balanços de poder militar que existiram no sistema multipolar europeu
no século XIX. Veja-se: NYE, Joseph. Understanding international conflicts: an introduction to
theory and history. Longman classics in political science. New York: Pearson Longman, 2009. p.
289.
51
NYE, 2009, p. 90.
17
abolição de barreiras econômicas entre os Estados como forma de se atingir maior
cooperação.
Por meio do Tratado de Versailles é que foi instituída a Liga das Nações52. A
Liga das Nações, embora fracassada, desempenhou papel importante naquele
período no tratamento de questões atinentes ao comércio internacional. BARRAL
explica que as modernas origens do atual sistema jurídico do comércio internacional
retroagem a 1890, com a criação de uma União Internacional para a Publicação de
Tarifas Aduaneiras, cujas negociações se prolongaram após a Primeira Guerra
Mundial, com a sua conseqüente promoção pela Liga das Nações, que passou a
incentivar o estudo dos problemas do comércio internacional53.
Não obstante, a despeito de tais esforços para prevenção de novos conflitos
para a mudança de paradigma das relações internacionais, a análise da história
demonstra o fracasso da Liga das Nações no atendimento desses objetivos. As
falhas no seu estabelecimento foram decisivas para a ocorrência de novos conflitos
entre os Estados, destacando a eclosão da Segunda Guerra Mundial.
Como razões para esse fracasso, NYE explica que havia relutância por parte
dos Estados, de modo geral, em abrir mão de parcela de sua soberania54 em nome
da adoção das propostas de segurança coletiva. Ademais, os EUA desempenharam
papel decisivo nesse fracasso, embora as propostas iniciais de segurança coletiva e
da Liga das Nações tenham sido idealizadas por Woodrow Wilson.
52
“Liga das Nações foi uma organização internacional criada em abril de 1919, quando a Conferência
de Paz de Paris adotou seu pacto fundador, posteriormente inscrito em todos os tratados de paz. [...]
A Liga possuía uma Secretaria Geral permanente, sediada em Genebra, e era composta de uma
Assembléia Geral e um Conselho Executivo. A Assembléia Geral reunia, uma vez por ano,
representantes de todos os países membros da organização, cada qual com direito a um voto. Já o
Conselho, principal órgão político e decisório, era composto de membros permanentes (GrãBretanha, França, Itália, Japão e, posteriormente, Alemanha e União Soviética) e não-permanentes,
estes últimos escolhidos pela Assembléia Geral. Não possuindo forças armadas próprias, o poder de
coerção da Liga das Nações baseava-se apenas em sanções econômicas e militares. Sua atuação foi
bem-sucedida no arbitramento de disputas nos Bálcãs e na América Latina, na assistência econômica
e na proteção a refugiados, na supervisão do sistema de mandatos coloniais e na administração de
territórios livres como a cidade de Dantzig. Mas ela se revelou impotente para bloquear a invasão
japonesa da Manchúria (1931), a agressão italiana à Etiópia (1935) e o ataque russo à Finlândia
(1939). Em abril de 1946, o organismo se autodissolveu, transferindo as responsabilidades que ainda
mantinha para a recém-criada Organização das Nações Unidas, a ONU.” FGV. CPDOC. A Era
Vargas: dos anos 20 a 1945. Liga das Nações. Disponível em: < http://cpdoc.fgv.br/producao/
dossies/AEraVargas1/anos20/CentenarioIndependencia/LigaDasNacoes> acesso em 13 fev. 2010.
53
BARRAL, Welber. Dumping e comércio internacional: a regulamentação antidumping após a
rodada Uruguai. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 75.
54
Para NYE, o conceito de soberania está ligado à idéia de que um Estado tenha um governo que
exerça autoridade sobre seu território. NYE, 2009, p. 292 (tradução livre).
18
Ocorre que o Congresso norte-americano acabou por recusar-se a ratificar o
Tratado de Versalhes, cujo conteúdo continha as disposições para a criação da Liga
das Nações. Com a ausência da participação dos EUA, que já se despontava como
importante figura internacional, cada vez menos Estados mostravam-se motivados a
aderir a uma idéia que não havia sido implantada nem mesmo por seus
idealizadores55. Tais divergências ocorridas são apresentadas constantemente como
causa essencial da Segunda Guerra Mundial56.
No plano comercial, os esforços envidados também acabaram por não atingir
os objetivos de liberalização e o contexto da quebra da bolsa de Nova Iorque, em
1929, colaborou ainda mais com a adoção de políticas que iam à contramão da
liberalização idealizada. De acordo com CARR:
A Crise dos Anos Trinta eliminou parcela considerável desses
esforços. Como regra geral, os Estados passaram a adotar práticas
protecionistas, na tentativa de assegurar o mercado para suas
indústrias domésticas e manter o nível de emprego. Exemplo
paradigmático (e que provocou imediata retaliação) foi a aprovação,
pelo Congresso dos EUA, de um aumento médio de tarifas de 60%
em 1930, através do Smoot-Hawley Tariff Act57.
Em resumo, passado esse período de grande protecionismo e após o fim da
Segunda Guerra Mundial, em 1945, os problemas econômicos estavam ligados
principalmente: i) à restauração da economia da Europa, dada a fragilidade do
sistema de exportações quase inexistente e considerando a elevada inflação e
grandes importações que superavam a capacidade de pagamento; ii) à
reestruturação do sistema monetário internacional; e iii) à necessidade de
desenvolvimento dos países considerados subdesenvolvidos58.
55
CARR faz interessante análise sobre esse aspecto do fracasso da Liga das Nações: “Infelizmente,
os políticos europeus mais influentes negligenciaram a Liga durante seus anos críticos de formação.
O racionalismo abstrato ganhou a primeira mão, e de 1922 em diante, em Genebra, essa corrente
levou a Liga decididamente na direção da utopia (por uma curiosa ironia esse desenvolvimento foi
fortemente encorajado por um grupo de intelectuais americanos; e alguns entusiastas europeus
imaginaram que, seguindo este curso, apaziguariam a opinião pública americana. O abismo entre a
teoria dos intelectuais e a prática do governo, que desenvolveu-se na Grã-Bretanha a partir de 1932,
começou nos Estados Unidos em 1919). [...] Houve esforços determinados para aperfeiçoar o
mecanismo, para padronizar o processo, para preencher os ‘lapsos’ do Pacto através de um veto
absoluto contra todas as guerras, e para tornar a aplicação de sanções ‘automática’. [...] O fato de
que os pratos utópicos preparados durante esses anos em Genebra eram intragáveis para a maioria
dos governos interessados constitui um sintoma do divorcio entre teoria e prática.” CARR, Edward
Hallett. Vinte anos de crise: 1919-1939. Brasília. Brasília: Universidade de Brasília, 2001, p. 41-42.
56
Cf. JACKSON, John. Sovereignty, the WTO and changing fundamentals of international law.
Cambridge: Cambridge. University Press, 2006, p. 92.
57
CARR, 2001, p. 76.
58
ELLSWORTH, 1974, apud MACERA, Andrea Pereira. A interação entre antitruste e antidumping:
19
Além disso, durante esse período, os EUA apontavam que um dos principais
fatores desencadeadores da guerra havia sido a excessiva concentração de poder
econômico existente na estrutura industrial e comercial da Alemanha e do Japão, o
que também teria sido um obstáculo para a reestruturação do comércio
internacional59.
Nesse contexto no qual se desenhava um sistema multilateral de comércio,
vale destacar o encontro de Bretton Woods, que ocorreu em 1944, próximo ao final
da Segunda Guerra Mundial. O objetivo primordial consistia na criação de
mecanismos destinados ao estabelecimento de maior cooperação entre os Estados,
tendo em vista a magnitude das duas grandes guerras que haviam ocorrido em
menos de trinta anos. Para a obtenção de tal cooperação, reuniram-se na cidade de
Bretton Woods, New Hampshire - EUA, as quarenta e quatro nações aliadas, com o
propósito específico da reformulação do sistema monetário internacional.
De maneira geral, um sistema monetário internacional possibilitaria o ajuste
de taxas de câmbio e, dessa forma, uma maior fluidez das relações econômicas
internacionais que, por sua vez, teria a capacidade de maximizar lucros provenientes
do comércio internacional e dos movimentos de capital. Nesse sentido, vejam-se
observações de BAUMANN:
O uso de um instrumento monetário aceitável como meio de
pagamento e como unidade de conta para os participantes das
transações internacionais é um pré-requisito para o desenvolvimento
do comércio internacional. Sem um meio de pagamento aceitável e
uma unidade de conta, o comércio internacional tende a reverter
simples trocas.60
A reformulação do sistema monetário internacional mostrava-se, à época,
como medida essencial para a superação do desequilíbrio econômico marcante do
período entre guerras e para a motivação de uma maior cooperação entre os
Estados. Portanto, uma das providências essenciais a serem tomadas pelos países
participantes da Conferência era a criação de um sistema monetário efetivo em
substituição ao chamado “padrão ouro”61.
problema ou solução? SEAE/MF Documento de Trabalho n. 36, dez. 2006, p. 3.
59
CAMPOS, 2008, p. 297.
60
BAUMANN, Renato. Economia internacional: teoria e experiência brasileira. Rio de Janeiro:
Campus, 2004. p. 364.
61
Tal padrão consistia na freqüente conversão de moedas nacionais em ouro, além do
estabelecimento de normativos que criavam relações entre as riquezas circulantes dentro dos
Estados e os estoques de ouro por eles disponíveis.
20
Assim, tal reformulação consistia na criação de condições que tratassem de
maneira mais adequada das finanças internacionais, além da retomada do
desenvolvimento dos Estados no período pós-guerra, pois muitos se encontravam
economicamente fragilizados.
Nesse âmbito, cabe mencionar que os idealizadores dessas medidas foram
principalmente John Maynard Keynes (representante dos ideais britânicos na
negociação) e Harry White (representante dos interesses norte-americanos),
presentes nas negociações realizadas durante a conferência. Como preceitua
SCHWARTZ, Keynes “nunca acreditou na existência efetiva de um padrão
monetário baseado no metal ouro”62.
O autor completa com observações sobre o economista que é fundamental
para a compreensão de suas influências para o estabelecimento do sistema de
Bretton Woods:
Para Keynes, em lugar da “crença irracional” no Padrão Ouro, a
economia depende de convenções e regras criadas por governos,
empresas e mercados. Seu pensamento coloca mais importância na
criação dos contratos do que nos mecanismos de mercado. Entre os
contratos sociais e econômicos, sem dúvida o mais fundamental é
aquele em que se traduz, a cada momento, nosso estado de
confiança no futuro da economia.63
Considerando-se a hegemonia dos interesses norte-americanos que se
consolidava à época, as proposições de Keynes que favoreciam a Grã-Bretanha não
foram adotadas, embora o afastamento do Padrão Ouro tenha persistido.
Inversamente, e considerando-se que as idéias de Harry White também se
adequavam ao Padrão Ouro, a solução foi a adoção de padrões baseados no dólar
americano.
Assim, nos termos de SCHWARTZ, ao final “a ordem de Bretton Woods
acabou refletindo a tríade de políticas de estabilidade de preços, de mercados
flexíveis e de comércio internacional tendente ao liberalismo que era advogada por
Washington”.64
Destarte, com base nesses preceitos e na importância da criação de regras
de fomento à economia, os países reunidos objetivaram a criação de órgãos que
62
SCHWARTZ, Gilson. Conferência de Bretton Woods (1944). In: MAGNOLI, Demétrio (org.).
História da Paz. São Paulo: Contexto, 2008, p. 250.
63
SCHWARTZ, 2008, p. 247.
64
SCHWARTZ, 2008, p. 259.
21
regulassem a economia internacional. Dessa maneira, houve consenso sobre a
necessidade de criação de um Fundo Monetário Internacional (FMI), de um Banco
Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD ou Banco Mundial65,
direcionados principalmente à financiar a reconstrução européia) e, por fim, de uma
organização internacional que regulamentasse os fluxos comerciais: a Organização
Internacional do Comércio (OIC).66
A função do FMI estava relacionada, em especial, com a regulamentação de
políticas cambiais, tendo-se como objetivo maior a manutenção de volumes
consideráveis do comércio internacional. Competia também ao FMI a concessão de
facilidades de crédito aos Estados membros.
Quanto ao Banco Mundial, sua função maior ligava-se à reconstrução das
economias européias que muito haviam se desgastado durante a Segunda Guerra
Mundial. Entretanto, esse papel acabou, na prática, por ser assumido pelo Plano
Marshall67, ficando o Banco Mundial encarregado de promover condições ao
desenvolvimento econômico de uma maneira geral, com atuação muitas vezes
dedicada aos países de menor desenvolvimento relativo por meio do financiamento
de projetos de infra-estrutura, educação, agricultura e urbanização, entre outros.
Veja-se que o estabelecimento da OIC não era tarefa fácil naquele período.
Conforme explica THORSTENSEN, essa organização teria a função de “coordenar e
supervisionar a negociação de um novo regime para o comércio mundial baseado
nos princípios do multilateralismo e do bilateralismo”.68
65
Embora comumente denominados como sendo o mesmo organismo, uma vez que o seu
estabelecimento inicial foi dado dessa forma, é importante ressaltar que o chamado BIRD (Banco
Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento), estabelecido em 1946 após número suficiente
de ratificações do Acordo de Bretton Woods, configura-se como uma dentre as outras agências
existentes atualmente dentro do Banco Mundial. Outras agências do Banco Mundial que podem ser
citadas são a Associação Internacional para o Desenvolvimento, estabelecida em 1960, a Corporação
Financeira Internacional, estabelecida em 1956 e a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos,
estabelecida em 1988. Para mais informações sobre as datas e o estabelecimento das outras
agências veja-se a seguinte obra: ROURKE, John T. International politics on the world stage. 12
ed. McGraw Hill, 2009. p. 429.
66
BARRAL, Welber. O Brasil e a OMC. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002, p. 12.
67
O Plano Marshall foi o primeiro grande programa de ajuda internacional, lançado pelos Estados
Unidos sob o nome oficial de “Programa de Reconstrução Européia”. Tal programa forneceu valores
da monta de 13 bilhões de dólares (aproximadamente 100 bilhões em valores atualizados) aos países
da Europa Ocidental entre 1948 e 1951. Veja-se: ROURKE, 2009, p. 410.
68
THORSTENSEN, Vera. OMC – Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio
internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Aduaneiras, 2003, p. 29.
22
Sobre a participação dos EUA e sua influência para a não concretização da
OIC, veja-se observação de SATO:
[...] a questão central que se colocava para a viabilização de uma
Organização Internacional do Comércio, inevitavelmente, era a
participação dos Estados Unidos, mas esse país, exatamente em
decorrência da enorme diferença que o separava das demais
nações, na prática, podia prescindir do multilateralismo como forma
de resolver seus problemas comerciais. [...] A não existência de uma
organização formal, que delineasse direitos e obrigações através de
estatutos, permitia, como de fato aconteceu ao longo dos anos, que
os padrões de comércio fossem sendo estabelecidos através de
rodadas de negociação, em que cada país podia usar amplamente
seu poder de barganha, o que, obviamente, punha os Estados
Unidos em situação bastante privilegiada.69
Apenas o BIRD e o FMI foram criados70. A OIC não obteve sucesso em
razão de divergência da política interna norte-americana. Assim, como a formação
dessa organização, sem a participação dos EUA, não era possível, em 1947 foi
aprovado o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT).
Conforme explica SATO:
Pode-se dizer que o GATT foi, de um lado, a forma contratual
possível dentro do quadro das dificuldades econômicas e limitações
institucionais do pós-guerra e, de outro, o arranjo que melhor se
adequava à economia política internacional que se configurou na
esteira da Segunda Guerra Mundial. 71
O GATT, realmente, era o acordo possível à época, criado como um
conjunto
de
normas
direcionadas,
primeiramente,
à
redução
das
tarifas
alfandegárias no comércio internacional72.
Entretanto,
mesmo
não
havendo
a
criação
de
uma
organização
internacional, o GATT servia como um amplo foro de negociações e seus principais
pilares eram a Cláusula da Nação Mais Favorecida (NMF)51 e o Princípio do
Tratamento Nacional (PTN)73.
69
SATO, Eiiti. Mudanças estruturais no sistema internacional: do fracasso da OIC à
OMC.UFRGS: 2001, p. 9-10.
70
Consagrando-se novamente a influência dos Estados Unidos à época, as duas instituições foram
estabelecidas nos Estados Unidos, motivando protestos por parte de Keynes.
71
SATO, 2001, p. 20.
72
BARRAL, 2002, p. 13.
73
Tratam-se de princípios que serão explorados ao longo deste estudo.
23
No GATT 1947, o propósito da Cláusula NMF foi o de promover a redução
gradativa das restrições tarifárias, diminuindo as barreiras alfandegárias e as
medidas de proteção aos mercados (por exemplo, restrições quantitativas). Para
tanto foi introduzido o método das rodadas multilaterais periódicas de negociações,
objetivando eliminar ou reduzir os obstáculos ao comércio internacional e, ao mesmo
tempo, fiscalizar o cumprimento dos direitos e obrigações decorrentes das
transações mundiais.
O princípio da não discriminação foi elaborado com a finalidade de proteger
o livre comércio, estando instrumentalizado pela Cláusula NMF. A criação da
Cláusula NMF demonstra a necessidade de se abolir as discriminações
ocasionadas pela concessão de preferências comerciais que geralmente prejudicam
os países de menor representatividade econômica e comercial.
Neste contexto, as reduções tarifárias passaram a ser negociadas em longas
rodadas periódicas Em suma, foram estabelecidos vários acordos comerciais, em
oito rodadas de negociações multilaterais74. No âmbito do GATT, a mais abrangente
foi a oitava, chamada de Rodada Uruguai, iniciada em 1986 e finalizada em 1993.
No entanto, os acordos finais que consubstanciaram na criação da OMC
foram firmados em Marraqueche, no Marrocos, em abril de 1994 e o início das
atividades da Organização foram fixadas para 1.º de janeiro de 199575.
1.2 A sobreposição de regimes de concorrência no contexto internacional
Atualmente ainda não existem regras internacionais de direito da concorrência
(ou direito antitruste), sendo aplicáveis as leis nacionais de cada país. Conforme tem
74
O Art. XXVIII do GATT prevê as rodadas como forma dos Membros da OMC negociarem. Entre
1947 a 1994 ocorreram 8 Rodadas de Negociação e uma (a Rodada Doha) ainda está em curso: 1ª
Rodada: Genebra-1947-23; 2ª Rodada: Annecy - 1949; 3ª Rodada: Torquay-1950-51; 4ª Rodada:
Genebra-1955-56; 5ª Rodada: Dillon-1960-61; 6ª Rodada: Kennedy-1964,67 (dastaque para o
tratamento das medidas antidumping); 7ª Rodada: Tóquio-1973-79 (onde foi tratada a questão da
cláusula de habilitação); 8ª Rodada: Uruguai-1986-93 (momento em que houve um novo marco
jurídico e estabelecimento da OMC); 9 ª Rodada: Doha-2001-cuja previsão de término era 2006. A
Rodada Doha chegou a um impasse, mas esperasse que seja concluída em 2010. Nesse sentido
veja-se: EUA/CANADA. WTO’s Lamy says Doha preparing for final deal. Agência Reuters.
Disponível em:<http://in.reuters.com/article/idINIndia-50171720100716> acesso em 20 jul. 2010.
75
A OMC será analisada melhor nos Capítulos 2 e 6.
24
ponderado GUZMAN, é possível se afirmar que, de certo modo, vive-se em um
mundo de política de concorrência internacional (ainda que difuso), embora não
exista uma instituição internacional ou acordo internacional que regule uma política
global de concorrência entre os países76.
A conclusão de GUZMAN, indicada acima, deve-se muito ao fato de que, na
prática, as empresas acabam por fazer negócios internacionalmente enfrentando a
sobreposição dos regimes nacionais de defesa da concorrência, o que obriga que
haja uma adequação.
Entretanto, apesar de a sociedade vivenciar o mercado cada vez mais
globalizado
que
acaba
“ajustando-se”
independentemente
de
um
acordo
internacional que trate do direito da concorrência, ainda existem poucos estudos que
enfrentam a suposta necessidade de se criar um acordo internacional para regular a
política de concorrência em um contexto internacional. Veja-se que o sistema atual,
tal como se encontra (ou seja, de sobreposição de regimes), precisa ser analisado
de forma mais profunda para que se possa concluir se seria melhor do que qualquer
outro que possa existir.
Existem evidências de que os Estados são, na verdade, tendenciosos na
aplicação de suas políticas de concorrência. A evidência mais óbvia, também
identificada por GUZMAN, refere-se à existência de isenções nas exportações77,
uma vez que diversos países que possuem lei de concorrência possibilitam que
empresas exportem via cartéis de exportação78.
Ao mesmo tempo, a repressão às violações na prática pode ser “seletiva”, ou
seja: mais agressiva quando do envolvimento de empresas estrangeiras do que
quando do envolvimento de empresas nacionais. Isto pode ocorrer quer porque os
próprios órgãos reguladores, governos, ou agências de defesa da concorrência,
tratem as empresas locais de forma mais favorável, ou porque os líderes políticos
exercem pressão sobre os órgãos regulatórios no sentido de incentivá-los a
prosseguir investigações que envolvam empresas estrangeiras ao invés das
nacionais.
76
GUZMAN, 2003, p. 03.
GUZMAN, 2003, p. 05.
78
Veja-se a Parte II do presente estudo.
77
25
Assim, não é possível inferir que a sobreposição de regimes ocorre de forma
adequada até mesmo porque muitos países ainda carecem de políticas ou leis
antitruste (sendo que muitos necessitariam de tais leis para aumentar suas chances
de proteção às condutas anticoncorrenciais). Já que existe essa diferença entre as
jurisdições, e considerando-se os compromissos de abertura comercial que são
assumidos no âmbito da OMC, a sobreposição de regimes poderá apresentar
diversas falhas, além de dar vantagem aos países que possuem leis e políticas
antitruste mais desenvolvidas.
Considerando que o tema proposto analisará a conduta específica dos cartéis
de exportação, é necessário também explorar a relação entre o direito do comércio
internacional e o direito da concorrência, para que seja possível adiante avaliar
como essa conduta pode ser tratada e qual seria a forma mais adequada,
considerando-se a interdisciplinaridade do tema e os diferentes graus de
desenvolvimento dos países que adotam, ou pretendem adotar, políticas adequadas
de defesa da concorrência.
1.3 A interface entre o direito do comércio internacional e o direito da
concorrência
A discussão sobre a interface entre o direito antitruste (ou direito da
concorrência como também é chamado)79 e o direito do comércio internacional não é
nova no âmbito nacional e internacional. Entretanto, o tema segue instigando os
pesquisadores por diversas razões.
Conforme bem pontua STEPHAN “excetuando uma economia fechada,
concorrência e política comercial são as duas faces da mesma moeda”80. No mesmo
sentido, para LEVINSOHN o comércio internacional e a concorrência não existem
79
Veja-se que direito antitruste (ou direito da concorrência) é diferente de “política” antitruste ou de
defesa da concorrência. No entendimento de HOEKMAN, antitruste é um subconjunto da política
concorrencial como um todo. Enquanto a legislação antitruste relaciona-se com instrumentos que
controlam ou regulam o comportamento permissível de agentes privados ou pessoas, a política
concorrencial está ligada às medidas e instrumentos que podem ser perseguidos por governos para
aumentar a contestabilidade dos mercados. Cf. HOEKMAN, Bernard. Competition Policy and
Preferential Trade Agreements. World Bank and Center for Economic Policy Research, 1998, p. 03.
80
STEPHAN, Paul B. Competitive Competition Law? An Essay Against International Cooperation.
University of Virginia Law & Economics Research Paper No. 03-3, Spring, 2003, p. 05.
26
um sem o outro e ignorar as relações entre as duas matérias pode levar à criação de
diretrizes políticas enganosas81.
De modo análogo, a realização de análise eficaz sobre o intercâmbio entre
os dois temas pode ser vantajosa, pois há uma imbricada relação entre o direito do
comércio internacional e o direito da concorrência, que remonta até mesmo as bases
históricas exploradas no início deste capítulo. Avaliar as interações entre os temas
pode fomentar a geração de benefícios, em que pese as lógicas de análise de cada
um desses direitos apresentarem diferenças e determinadas particularidades.
Inicialmente, cabe ressaltar que, em uma economia globalizada, as políticas
nacionais de uma maneira geral, e em especial aquelas relacionadas ao direito da
concorrência, podem ter implicações relevantes em um contexto internacional.
Em um panorama internacional, em que a grande maioria dos Estados
compromete-se a liberalizar cada vez mais o comércio, por meio de compromissos
assumidos em âmbito bilateral, regional ou multilateral - como é o caso dos
compromissos assumidos dentro da OMC -, as políticas concorrenciais nacionais
(que têm relações diretas com padrões de produção, prática de preços e
comercialização) podem ter impactos decisivos no desenvolvimento do comércio
internacional.
Sobre esse aspecto do relacionamento entre as duas matérias, vejam-se as
importantes considerações de HOEKMAN:
[...] práticas anticompetitivas nacionais podem limitar as
oportunidades de acesso ao mercado e efetivamente anular ou
prejudicar os compromissos de um país a liberalização do comércio;
de tal modo os regimes nacionais de defesa da concorrência podem
impor externalidades negativas em outros países (por exemplo, a
tolerância aos cartéis de exportação); ou para a eficaz aplicação da
legislação antitruste contra as empresas com poder de mercado
global requer-se certo grau de harmonização das regras e da
cooperação entre as agências nacionais de controle, igualmente para
ser eficaz e para reduzir os custos de compliance e de incerteza para
as empresas multinacionais.82 (tradução livre).
A relação entre os dois temas pode ser verificada sob diferentes
perspectivas. Em primeiro lugar, entende-se que a relação entre o direito do
81
“[...] neglecting interactions between the two types of policies may provide misleading policy
guidelines. Trade and competition policies typically promote competing interests”. LEVINSOHN,
James. Competition Policy and International Trade. National Bureau of Economic Research. Working
Paper No. 4972, 1994, p. 12.
82
HOEKMAN, 1998, p.1.
27
comércio internacional e o direito da concorrência pode ser analisada em dois níveis:
i) Genérico - quando da realização de análise teórica sobre a interação das matérias;
e ii) Específico - quando da realização de análise prática sobre a interação dos
temas, ou seja, sobre os efeitos da adoção de políticas comerciais e concorrenciais
dentro de um Estado ou entre os Estados.
Nesse segundo nível, importante é enfatizar que as interações sofrerão
modificações conforme a influência de variáveis, tais como: o tamanho da economia
dos países, as políticas por eles adotadas, o grau de envolvimento com as regras de
liberalização do comércio, dentre outras.
No plano genérico das interações entre as matérias, podem ser
mencionados, por exemplo, os reflexos das medidas antidumping. O dumping
definido por BARRAL e BROGINI é:
[...] a prática de discriminação de preços em mercados nacionais
distintos: uma empresa exportadora vende um produto no mercado
importador a um preço inferior ao valor normal praticado em seu
mercado de origem.83
A medida antidumping é mecanismo de defesa comercial que relaciona, de
modo intrínseco, as duas matérias em seu sentido genérico. A relação entre as
matérias resta demonstrada uma vez que o comércio internacional dos produtos
importados a preço injustificável pode prejudicar a concorrência representada pelos
produtores nacionais do bem envolvido84.
Nesse âmbito, LEVINSOHN, em estudo sobre a questão, já ponderou que a
discussão sobre as interações entre a política da concorrência e a política de
comércio internacional não seria completa sem pelo menos alguma menção às
relações entre a discriminação de preços (ligada à política da concorrência) e o
direito antidumping (ligada à política de comércio internacional)85.
83
BARRAL, Welber; BROGINI, Gilvan Damiani. Manual prático de defesa comercial. São Paulo:
Aduaneiras, 2007, p. 236. De acordo com BAGNOLI: “Dumping é a prática de introduzir um produto
no mercado de outro país a preço inferior ao “valor normal”, ou seja, o preço de exportação é inferior
ao preço efetivamente praticado para produto semelhante em operações comerciais normais, que
destinem o tal produto ao consumo interno no país exportador.” BAGNOLI, Vicente. Introdução ao
direito da concorrência. 1.ed. São Paulo: Singular, 2005, p. 128.
84
Ademais, o conceito de dumping assemelha-se com o conceito de “preço predatório”, tema
freqüentemente abordado em legislações concorrenciais nacionais.
85
“Further, price discrimination is only possible with market power in a domestic setting or segmented
markets in a international setting”. LEVINSOHN, 1994, p. 17.
28
No plano específico das interações entre as matérias, ressalta-se a
influência que as políticas de comércio internacional podem ter na alteração dos
cenários concorrenciais e vice-versa. LEVINSOHN analisa situações peculiares
presentes em diferentes países e tamanhos de economias. Vejam-se, nesse
contexto, as observações do autor quando da realização de uma análise com a
utilização de diferentes variáveis no plano específico de interações entre comércio
internacional e concorrência:
Como um primeiro exemplo de interações entre política comercial e
concorrencial, considere o caso de um país que implementa uma
política concorrencial muito restritiva. Empresas que antes podiam
aliar-se ou formar conluios livremente são agora forçadas a competir.
Em um padrão de estrutura neoclássica, a política mais rigorosa, que
perde retornos de escala, conhecimento ou outras sinergias,
aumentaria o bem estar econômico. [...] Se as firmas produzem
produtos diferenciados, como é o caso da maioria das indústrias
manufatureiras, que competem umas com as outras ajustando
preços, uma taxa de exportação ou tarifa de importação tem o efeito
de aumentar os preços e os lucros à custa dos consumidores. Numa
situação de oligopólio, essa política comercial tem o efeito de
deslocar implicitamente as firmas para mais perto do equilíbrio do
conluio - exatamente o contrário do objetivo da restritiva política
concorrencial. Suponha, então, que uma tarifa ou taxa de exportação
é implementada enquanto a política concorrencial é fortalecida.
Então, se uma política comercial não é considerada quando a política
concorrencial é mais rigorosa, os ganhos do consumidor em relação
à política concorrencial são diminuídos.86 (tradução livre).
Ainda, analisando a interação entre direito do comércio internacional e o
direito da concorrência que é aplicado no âmbito nacional, sob a influência de
variáveis específicas, o autor complementa suas explicações com importante
observação:
[...] A política comercial é muitas vezes dirigida para permitir que as
empresas nacionais exerçam poder de mercado para deslocar para
longe os lucros das empresas estrangeiras, enquanto a política de
concorrência é geralmente orientada para restringir o exercício do
poder de mercado. A exceção óbvia é quando a política de
concorrência explicitamente permite cartéis de exportação.87
(tradução livre).
Vale destacar, com base nas observações de LEVINSOHN transcritas
acima, assim como nas de HOEKMAN previamente apresentadas, que os cartéis de
exportação, objeto deste estudo, são exemplos importantes da ligação entre o direito
86
87
LEVINSOHN, 1994, p. 15.
LEVINSOHN, 1994, p. 15.
29
do comércio internacional e o direito da concorrência. De uma maneira geral (e
considerando-se também o nível da análise da interação entre as matérias), pode-se
dizer que parte da relação entre comércio internacional e concorrência nacional dáse em referência à cartelização para fins de exportação.
Essas características aparecem especialmente quando da análise detalhada
de políticas comerciais e concorrenciais de diversos países. As diferentes políticas
adotadas pelos Estados tornam ainda mais complexa a relação entre essas duas
matérias. Para isso, alguns autores fazem propostas de harmonização de políticas
como forma de melhorar o desempenho da relação entre os temas88.
No
entanto,
não
obstante
a
relação
de
interação
e
até
de
complementaridade que se verifica entre o direito do comércio internacional e o
direito da concorrência é importante notar que também há diferenças na forma de
adoção de políticas comerciais e políticas concorrenciais pelos Estados, o que
traduz a existência de determinados antagonismos entre as matérias.
De modo geral, e conforme apontado por LEVINSOHN, as políticas de
comércio internacional podem ser classificadas de maneira simples, uma vez que
variam de modelos mais liberais aos mais conservadores89. As políticas
concorrenciais, por sua vez, possuem caracterização mais complexa na medida em
que, embora também envolvam a existência de modelos mais ou menos severos,
estes se relacionam à diferentes mercados, quais sejam: o mercado doméstico e o
mercado internacional (ou de exportação)90. Em adição, vale lembrar que não existe
um modelo único de legislação nacional antitruste ou de política antitruste.
De maneira geral, verifica-se que muitos países realizam uma diferenciação
na adoção de políticas antitruste, no que se refere ao grau de severidade em relação
a mercados domésticos e aos mercados de exportação. Em grande parte dos casos,
os governos acabam por ser mais negligentes no que se refere aos efeitos nos
mercados de exportação do que com relação aos mercados domésticos,
considerando fatores como o lucro91 que poderá ser gerado pelas operações de
88
Para mais informações sobre harmonização de políticas, veja-se LEVINSOHN, 1994, p. 18-27.
Ainda, vale lembrar que existem os compromissos assumidos no âmbito da OMC.
90
LEVINSOHN, 1994, p. 3.
91
Sobre o lucro como fator determinante para políticas concorrenciais mais negligentes com relação
aos mercados de exportação, vejam-se as observações de LEVINSOHN: “The basic trade-off that
countries face in constructing their competition policies is that between firms profits and consumer
89
30
exportação, assim como pelo simples fato de incentivar os produtores nacionais a ter
mais força na competição internacional.
LEVINSOHN bem resume essa tendência ao lembrar que vários países são
mais rigorosos com as empresas que atuam no mercado nacional, já que o governo
reconhece o interesse do consumidor em preços baixos e em uma grande variedade
de mercadorias. No entanto, esses mesmos governos, também reconhecem que os
lucros auferidos no exterior podem ser positivos e, assim, as firmas exportadoras
que praticam condutas que poderiam ser condenadas com rigor nacionalmente
passam a ter tratamento muito diferenciado ao praticar a conduta no exterior92.
Com base nesse tipo de incentivo, é possível a constatação clara da
permissibilidade de cartéis de exportação em diversos países, como é o caso, por
exemplo, do Japão e dos EUA93. Cumpre denotar que essa “permissibilidade” dos
cartéis de exportação, que geralmente ocorre por meio das isenções antitruste, pode
ser verificada como exemplo claro da relação entre comércio internacional e o direito
da concorrência, pois ocorre uma alteração artificial dos padrões de concorrência em
razão de um incentivo para os produtores e/ou empresas locais nas exportações.
Voltando à relação entre concorrência e comércio internacional, veja-se
também que apesar dos pontos de intereção e de influência, existem características
divergentes entre os temas as quais se referem a dois pontos em especial: (i)
alcance das normas; e (ii) sujeitos beneficiados pelas normas.
Quanto ao primeiro ponto, vale lembrar que as políticas de concorrência são
geralmente definidas em nível nacional, sem distinção com relação às indústrias ou
aos mercados abrangidos pelas normas, enquanto as políticas de comércio
internacional são, de modo geral, delimitadas pelas regras multilaterais da OMC,
mas também possuem algumas particularidades, considerando as características de
indústrias específicas. Quanto ao segundo ponto, pode-se dizer que as políticas de
comércio internacional são implementadas tendo em vista os interesses de
produtores, enquanto as políticas concorrenciais visam, em geral, ao atendimento
welfare. When the consumers effected by collusion are not citizens, since the firms are exporters, the
trade-off vanishes and the search for firm profits guides policy.” (1994, p. 10).
92
LEVINSOHN, 1994, p. 5.
93
Veja-se o Capitulo 05.
31
dos interesses dos consumidores94, ou da manutenção de um ambiente
concorrencial saudável.
Independentemente das relações, interações ou diferenças existentes entre
esses direitos, ou até mesmo do nível em que essa análise pode ocorrer (genérico
ou específico, teórico ou prático), é essencial ressaltar a inegável existência de
importantes relações entre as duas matérias e o fato de que, em meio a essas
relações, encontram-se as condutas dos cartéis de exportação, que serão
analisados em profundidade ao longo deste estudo.
1.4 As diferentes perspectivas de análise
Conforme explicado anteriormente, embora tanto o comércio internacional e
a política de concorrência busquem a melhoria do bem-estar e tenham pontos
comuns ou pontos que influenciam uma a outra, não se pode dizer que seus
objetivos e características sejam idênticos.
Por exemplo, as leis desenvolvidas no contexto do comércio internacional,
aplicadas à defesa comercial, estão mais preocupadas com o acesso dos traders
aos mercados estrangeiros, enquanto o objetivo central das leis nacionais de
concorrência costuma ser o de preservar a competição nos mercados, assim como
atender ao interesse dos consumidores que buscam preços competitivos e uma
concorrência saudável no mercado.
Apesar deste não ser o objetivo central do presente estudo, vale observar,
como exemplo, as perspectivas diferentes e os problemas de convergência
encontrados no Brasil. Nesse sentido, entende-se que também é válido avaliar
exemplos práticos. Com isso ficará mais claro e será possível concluir que, apesar
de diferentes, as políticas se comunicam e podem interferir e/ou contribuir uma com
a outra.
94
LEVINSOHN, 1994, p. 12.
32
1.4.1 Análise da legislação brasileira: pontos de divergência e objetivos
comuns
No Brasil, assim como em diversos países - especialmente os que são
Membros da OMC - existem leis distintas que regem o direito da concorrência e os
compromissos assumidos no âmbito do comércio internacional.
No Brasil, a lei de concorrência vigente é a Lei n˚. 8.884, de 11 de junho de
1994,95 enquanto as políticas de defesa comercial estão previstas em outros
instrumentos legais, pautados pelos Acordos firmados no âmbito da OMC, os quais
foram devidamente incorporados96.
Conforme destaca MACERA, pode-se dizer que “de certo modo, a política de
concorrência e a política de liberalização comercial apresentam objetivos comuns, à
medida que visam à remoção de barreiras concorrenciais”97. Entretanto, é
necessário que sejam ponderadas algumas diferenças relevantes, uma vez que há
uma dicotomia jurídica e procedimentos diferenciados de análise e aplicação dessas
medidas.
A chamada “política de concorrência”98 visa proteger o processo competitivo,
ou
seja,
não
pretende
dar
proteção
meramente
aos
agentes
privados
(competidores). Por meio da boa aplicação da política concorrencial, procura-se
garantir à sociedade maior eficiência econômica, que se reflete, por exemplo, em
preços melhores, melhor qualidade dos produtos e incentivo às inovações.
95
De acordo com o art. 1.º da Lei n. 8.884/94: “Esta Lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às
infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de
iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão do
abuso do poder econômico”.
96
Veja-se: BRASIL. Lei n˚. 9.019, de 30 de março de 1995. Dispõe sobre a aplicação dos direitos
previstos no Acordo Antidumping e no Acordo de Subsídios e Direitos Compensatórios, e dá outras
providências. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9019.htm> Acesso em: 10
abr. 2010 e BRASIL. Decreto n˚. 1.602, de 23 de agosto de 1995. Disponível em: <
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1995/d1602.htm> Acesso em 10 abr. 2010.
97
MACERA, 2006, p. 5.
98
Conforme bem coloca MUNHOZ: “A política de concorrência, conforme já foi apontado, não pode
ser usada como sinônimo de direito da concorrência, pois constitui um conceito mais amplo, que
abarca este último. Parte-se do princípio de que a vigência de uma legislação concorrencial não
garante a manutenção de um ambiente concorrencial, sendo cada vez mais necessária a existência
de uma infra-estrutura jurídica e econômica que complemente a legislação antitruste, de forma a
garantir o processo competitivo” MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, livre concorrência e
desenvolvimento. São Paulo: Lex, 2006, p. 151.
33
De outro lado, a política de liberalização comercial busca facilitar o acesso
aos mercados por meio da redução de tarifas ou restrições quantitativas e também
por meio da eliminação de barreiras ao investimento estrangeiro direto99.
Vale destacar também que as análises de mercado realizadas no âmbito da
tutela concorrencial e da defesa comercial são bem distintas. Veja-se que, ao
analisar um mercado, o direito antitruste define o chamado “mercado relevante” no
aspecto do produto e no aspecto geográfico100, critério que não é usado nas
investigações de defesa comercial.
Fixados os limites do mercado analisado (na análise antitruste), passa-se
então a avaliar o comportamento dos consumidores e produtores diante de
mudanças nos preços. Para essa análise é aplicável o “teste do monopolista
hipotético”101 que avalia o grau de substitutibilidade entre bens e serviços para a
definição do mercado relevante.
Conforme explica a própria SEAE/MF em Parecer preparado para o
famigerado caso Ambev, a definição de um mercado nem sempre é simples, pois
envolve a identificação do conjunto de agentes econômicos (consumidores e
produtores) que teriam potencial efetivo de limitar as decisões economicamente
99
GUASCH, J. Luis e RAJAPATIRANA, Sarath. 1998, p. 03. Cf. MACERA, 2006, p. 5.
O mercado relevante se determinará em termos de produtos e serviços que o compõem (dimensão
produto) e da área geográfica para a qual a venda destes produtos é economicamente viável
(dimensão geográfica). BRASIL. SEAE/MF. Guia para análise econômica de atos de concentração.
Disponível em: <http://www.seae.fazenda.gov.br/ central_documentos/notas_imprensa/1999-1/guiapara-analise-economica-de-atos-de-concentracao-1999> Acesso em: 10 jun. 2008.
101
“Segundo o teste do monopolista hipotético, o mercado relevante é definido como o menor grupo
de produtos e a menor área geográfica necessários para que um suposto monopolista esteja em
condições de impor um ‘pequeno porém significativo e não transitório’ aumento de preços. [...] O teste
do ‘monopolista hipotético’ consiste em considerar, para um conjunto de produtos e área específicos,
começando com os bens produzidos e vendidos pelas empresas que estão se concentrando e com a
extensão territorial em que estas empresas atuam, qual seria o resultado final de um ‘pequeno porém
significativo e não transitório’ aumento dos preços para um suposto monopolista destes bens nesta
área. Se a resposta é que a redução das vendas seria suficiente para fazer com que o suposto
monopolista não considere o aumento de preços rentável, então a SEAE acrescentará o produto que
é o mais próximo substituto do produto da empresa concentrada e a região de onde provém a
produção que é a melhor substituta da produção da empresa em questão à definição original de
mercado relevante. O exercício é, em seguida, repetido com referência a este novo mercado e assim
sucessivamente, até o ponto em que seja identificado um grupo de produtos e um conjunto de
localidades para o qual seja economicamente interessante, para um suposto monopolista, impor um
‘pequeno porém significativo e não transitório aumento’ dos preços. O primeiro grupo de produtos e
localidades identificado segundo este procedimento será o menor grupo de produtos e localidades
necessário para que um suposto monopolista esteja em condições de impor um ‘pequeno porém
significativo e não transitório’ aumento dos preços, sendo este o mercado relevante delimitado”.
BRASIL. SEAE/MF, 1999, p. 09.
100
34
relevantes, tais como aquelas referentes a preços e quantidades. Assim, nos termos
do próprio Parecer:
Dentro dos limites de um mercado, a reação dos consumidores e
produtores a mudanças nos preços relativos - o grau de substituição
entre os produtos ou fontes de produtores - é maior do que fora
destes limites. Assim, um mercado pode ser definido como a área em
que a concorrência entre as empresas é mais acirrada. A
possibilidade de substituir produtos, entretanto, não termina nos
limites do mercado. A economia como um todo é uma cadeia de
possibilidades de substituição. A substitutibilidade e, portanto, a
competição econômica são uma questão de grau. O teste do
“monopolista hipotético”, descrito a seguir, é o instrumental analítico
utilizado pela SEAE para a aferição do grau de substitutibilidade
entre bens ou serviços. Segundo essa metodologia, o mercado
relevante é definido como o menor grupo de produtos e a menor área
geográfica necessários para que um suposto monopolista esteja em
condições de impor um “pequeno porém significativo e não
transitório” aumento de preços.102
De modo diferente é realizada a análise e investigação para a eventual
aplicação do direito antidumping, que cuida da definição da “indústria doméstica”: a
totalidade dos produtores nacionais do produto similar ao importado, ou aqueles cuja
produção conjunta constitua parcela significativa da produção nacional total da
mercadoria em análise. Veja-se que o bem tutelado, nesse caso, é a indústria
nacional, não existindo uma análise de mercado tal qual a realizada pelo direito
antitruste.
No que se refere à indústria doméstica, conforme os termos do art. 17 do
Decreto n˚. 1.602, de 23 de agosto de 1995103, que regulamenta as normas que
disciplinam os procedimentos administrativos, relativos à aplicação de medidas
antidumping explica:
Para os efeitos deste Decreto, o termo ‘indústria doméstica’ será
entendido como a totalidade dos produtores nacionais do produto
similar, ou como aqueles, dentre eles, cuja produção conjunta
constitua parcela significativa da produção nacional total do produto,
salvo se: I – os produtores estejam vinculados aos exportadores ou
aos importadores, ou seja, eles próprios, importadores do produto
alegadamente importado a preços de dumping, situação em que a
expressão ‘indústria doméstica’ poderá ser interpretada como alusiva
102
BRASIL. SEAE/MF. Parecer n.º 188/99/MF/SEAE/COGSE/COGDC, Brasília, 11 de novembro de
1999, p. 6.
103
Esse decreto foi o resultado do Acordo Relativo à Implementação do Artigo VI do Acordo Geral
sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio - GATT/1994, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 30, de 15
dezembro de 1994, e promulgado pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994, e na Lei nº
9.019, de 30 de março de 1995, na parte que dispõe sobre a aplicação dos direitos previstos no
Acordo Antidumping.
35
ao restante dos produtores; II – em circunstâncias excepcionais,
como definidas no § 4.º deste artigo, o território brasileiro puder ser
dividido em dois ou mais mercados competidores, quando então o
termo ‘indústria doméstica’ será interpretado como o conjunto de
produtores de um daqueles mercados.
Além disso, no que diz respeito ao mercado do produto, o conceito de like
product utilizado nas investigações de dumping é realmente bastante vago, não
havendo um critério de substitutibilidade tal como ocorre no “teste do monopolista
hipotético” aplicável ao direito antitruste brasileiro.
Em complemento, conforme explicam SCHMIDT, SOUSA e LIMA:
[...] enquanto as medidas antidumping são aplicadas
independentemente da estrutura de mercado em questão ou da
capacidade de financiamento da empresa acusada, pois se referem
ao tema da defesa comercial (em que há uma violação no fluxo do
comércio), estes fatores são de extrema relevância sob uma ótica
antitruste.104
Veja-se que, apesar de inexistir levantamentos oficiais detalhados sobre
analises de definição do “like product” no Brasil, existem alguns exemplos
interessantes de segmentações realizadas pelo DECOM (Departamento de Defesa
Comercial, inserido na estrutura da Secretaria de Comércio Exterior - SECEX, no
âmbito do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC) no
que diz respeito à definição de produto em investigações de dumping, tais como as
seguintes: i) no caso do dumping dos ventiladores105 - em que os ventiladores foram
diferenciados em ventilador de mesa e de coluna; ii) no caso do dumping do papel106
– em que houve distinção entre o cartão de papéis em geral; iii) o caso do dumping
do leite107 – em que o leite foi diferenciado em leite em pó genérico de leite em pó
integral ou desnatado, não acondicionado para varejo; entre outras.
Obviamente há casos que a definição do like product pode instigar
discussões e debates, até mesmo porque a lei dá margem para interpretação ao
colocar que na ausência de produto idêntico pode ser considerado como similar o
104
SCHMIDT; SOUSA; LIMA, 2002, p. 11.
BRASIL. Processo MDIC/SECEX - 52500.004770/2006-98. Veja-se também: Resolução n˚. 23, de
19 de Junho de 2007.
106
BRASIL. Processo MDIC/SECEX-RJ 52500-017061/2006-72
107
BRASIL. MDIC. SECEX. Processo MDIC/SECEX-RJ 52500.023916/2005-13. No mesmo sentido,
veja-se Circular N.˚ 60, de 5 de setembro de 2006, publicada no DOU de 08/09/2006.
105
36
produto que apresente características muito próximas às do produto que está sendo
investigado108.
A definição do produto objeto da investigação, com base na qual será
definido o produto similar (like product), é um dos mais importantes conceitos para
efeito da aplicação de uma medida antidumping. É por meio desse conceito que se
define a indústria doméstica, os exportadores – prováveis causadores de dano à
indústria doméstica – e o mercado sobre o qual será feita a análise.
Na análise antidumping, diferentemente da antitruste, não há preocupação
em avaliar alterações ao bem-estar do consumidor ou a manutenção de um
ambiente concorrencial. De fato existem óticas diferentes: enquanto as regras
antidumping têm como objetivo proteger os produtores domésticos contra as
importações com suposto dumping, as regras concorrenciais têm a finalidade
proteger a concorrência saudável no mercado e viabilizar o estado de bem-estar
econômico.
Outro ponto bem diferente diz respeito à utilização pelas autoridades de
defesa comercial da melhor informação disponível (best information avaiable) que
também é controversa, uma vez que essa informação pode não corresponder à
realidade do mercado que se está analisando na investigação109.
Há também diferença na análise do dano. Veja-se que, na investigação de
dumping, quando se avalia o dano causado, ou o dano potencial, as autoridades não
buscam avaliar o dano ao consumidor, mas apenas à indústria doméstica. Nas
regras antitruste, apesar do dano ao consumidor não ser o fator determinante (uma
vez que outras questões são analisadas considerando o mercado) este pode ser um
elemento sensível para a decisão das autoridades responsáveis pela investigação.
Por outro lado, veja-se que, em tese, ao se sobretaxar um produto (e.g.,
aplicação de medida antidumping) que chega aos consumidores a um preço melhor
e com boa qualidade pode ocorrer a redução das opções de compra e diminuir o
108
Sobre a definição do produto para fins de aplicação de direito antidumping, o art. 5.º, § 1.º, do
Decreto n. 1.602, de 23 de agosto de 1995 determina que: “O termo ‘produto similar’ será entendido
como produto idêntico, igual sob todos os aspectos ao produto que se está examinando, ou, na
ausência de tal produto, outro produto que, embora não exatamente igual sob todos os aspectos,
apresente características muito próximas às do produto que se está considerando”.
109
Basicamente, a utilização da melhor informação disponível ocorre quando qualquer parte
interessada negar acesso à informação necessária; quando a parte não fornecer a informação
solicitada dentro do prazo; ou quando a parte criar obstáculos à investigação antidumping.
37
bem estar do consumidor que poderá ficar limitado há poucos ou apenas uma única
opção, a depender do produto em questão. Essa perspectiva não é relevante para a
aplicação das regras de dumping, por exemplo, que analisam o dano sobre outro
viés.
Conforme bem pontua MACERA:
O impacto econômico da aplicação de medidas antidumping é
considerável, visto que afeta o processo concorrencial nos mercados
nacionais e internacionais. À medida que o antidumping tem como
foco o dano à indústria e não à concorrência, é natural que se
estabeleça um viés protecionista.110
Vale destacar que, em alguns mercados, a concorrência das importações
torna-se essencial, especialmente quando existem elevadas barreiras à entrada,
pois por meio da concorrência das importações é possível contestar o eventual
exercício de poder de mercado da(s) empresa(s) considerada(s) dominante(s) no
território nacional. O SBDC (formado pela tríade SEAE/MF, SDE/MJ e CADE) tem
sido sensível a essa questão, conforme se observará no próximo tópico que analisa
um estudo de caso que ilustra essa interação.
1.4.2 Estudo de casos: exemplos de interação entre as políticas
Existem alguns casos que foram analisados no âmbito do SBDC que
ilustram a interface e/ou comunicação entre a defesa da concorrência e os
elementos de comércio internacional.
Em que pese não ter sido encontrado no Brasil um caso típico de cartel de
exportação que tenha sido analisado (o que seria o ideal ao tema proposto), foram
escolhidos dois exemplos distintos de casos analisados - um sob a ótica antitruste e
outro sob a ótica de defesa comercial - que demonstram a interação e/ou a interface
desses dois direitos na prática.
Assim, serão analisados: i) o caso Novo Nordisk e Biopart Ltda (Ato de
Concentração n˚. 08012.007861/2001-81), e ii) o caso da investigação de dumping
sobre as importações de alto-falantes quando originárias da República Popular da
China - RPC.
110
MACERA, 2006, p. 6.
38
1.4.2.1 A análise antitruste do caso da insulina
O caso Novo Nordisk e Biopart Ltda refere-se à operação celebrada entre a
NN Brasil e a Biopart, mediante a qual a maioria das ações da Biobrás S.A.
(pertencentes à Biopart e aos seus quotistas), passou à propriedade da NN Brasil.
Em decorrência da operação, foi criada a empresa Biomm S.A., parte cindida da
Biobrás, que seria detentora da patente norte-americana para o processo de
produção de cristais de insulina111.
Ao realizar a análise do mercado, a SEAE/MF ponderou que essa operação
resultava em elevadas concentrações horizontais, com possibilidade de exercício
unilateral de poder de mercado nos seguintes mercados relevantes:112 i) mercado
mundial de cristal de insulina animal (setor privado); ii) mercado nacional de insulina
humana formulada (setor público e privado); iii) mercado nacional de insulina animal
formulada (setor público).
Em resumo, após detalhada análise, ao concluir que esse Ato de
Concentração resultava em elevadas concentrações horizontais nos mercados
público e privado de insulina humana, e também que a baixa probabilidade de
exercício de poder de mercado estava condicionada à entrada de novos laboratórios
111
De acordo com o Voto do Conselheiro Relator Thompson Almeida Andrade: “A NN Brasil é uma
sociedade de participações do Grupo Novo, de origem dinamarquesa, que desenvolve suas
atividades no setor de fabricação de medicamentos para o tratamento de diabetes, produzindo
insulina, medicamentos antidiabéticos orais (OHA) e diversos outros produtos usados no tratamento
desta doença” [...]. Enquanto a Biobrás S.A. “é uma empresa de nacionalidade brasileira, integrante
do Grupo Biopart, cuja atividade inclui, também, a produção de insulina e medicamentos
antidiabéticos orais (OHA) e diversos outros produtos usados no tratamento do diabetes”. p. 03.
112
Quando realizou a análise da probabilidade do exercício unilateral do poder de mercado pela
empresa concentrada, foram identificadas as seguintes situações pela SEAE/MF: 1) Mercado mundial
de cristal de insulina animal (setor privado): existe um forte processo de substituição do cristal de
insulina animal pelo cristal de insulina humana, uma vez que este reflete o desvio de demanda do
medicamento de insulina animal para o medicamento de insulina humana. Portanto, foi considerada
baixa a probabilidade de exercício de poder de mercado; 2) Mercado nacional de insulina humana
formulada (setor público e privado): a entrada no referido mercado sob a forma de importação
dependente pode ser considerada provável, tempestiva e suficiente; ademais, verificou-se a
existência de concorrentes potenciais. Além disso, foi identificado pela SEAE que a empresa Eli Lilly
seria capaz de rivalizar com a firma concentrada. Logo, também nesse caso foi considerada como
baixa a probabilidade de exercício de poder de mercado; 3) Mercado nacional de insulina animal
formulada (setor público): apesar de a entrada ter sido considerada como improvável e ter sido
observado o processo de substituição da insulina animal pela humana, verificou-se que uma empresa
havia obtido à época registro para a comercialização deste produto junto à ANVISA, e que essa
empresa possuía capacidade de abastecer e disciplinar os preços nesse mercado. Portanto, também
nesse caso, a SEAE considerou baixa a probabilidade de exercício de poder mercado. Veja-se:
BRASIL. SEAE/MF. Parecer técnico n.˚ 199. CONDU/COGPI/COGPI/MF. Ato de Concentração n˚.
08012.007861/2001-8.
39
no mercado brasileiro de insulina humana, para manter condições mínimas de
concorrência nos referidos mercados até a entrada de novos participantes, a
SEAE/MF considerou que a operação poderia ser aprovada, sugerindo, para tanto,
duas condições: i) o cancelamento da cláusula de não concorrência fixada no
contrato entre as requerentes; e ii) o cancelamento do art. 2.º da Resolução n. 2, de
23 de fevereiro de 2001, da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), que
homologava Compromisso de Preços, para as importações do produto originárias
dos EUA e da França, de interesse da Eli Lilly and Company e da Lilly France S.A.
O Conselheiro-Relator responsável pelo caso, Thompson Almeida Andrade,
divergiu da SEAE/MF no que diz respeito à definição dos mercados relevantes. Para
o Conselheiro-Relator, na dimensão do produto, o mercado deveria ser definido
como: i) o mercado público de insulinas em geral; e ii) o mercado privado de
insulinas em geral113. Já o mercado relevante geográfico nessas duas hipóteses foi
definido como nacional114.
Em observação ao mercado de insulina, o Conselheiro-Relator teceu
algumas importantes considerações, uma vez que aquele já era concentrado antes
da operação, além de ser um mercado dependente do conhecimento de tecnologias
específicas para a sua produção, conforme se extrai do excerto abaixo:
Como se pode ver, estamos tratando de um produto cujo mercado é
altamente concentrado no Brasil. Na realidade, como mostrado nos
autos, este é um mercado bastante concentrado em todas as partes
do mundo, uma vez que são poucas as empresas que produzem e
comercializam o mesmo. O conhecimento e o domínio da tecnologia
necessária à produção da insulina são bastante limitados, o que faz
com que haja poucas empresas capacitadas a produzi-la. Não foi a
presente operação que produziu a concentração observada deste
mercado no Brasil; visto que esta característica já existia antes da
operação, embora seja inegável que a mesma veio a ampliar o nível
de concentração.
Ponderando que a elevada concentração é uma característica deste
mercado, é importante considerar para a aprovação da presente
operação se existem no mercado brasileiro empresas que se
apresentam como competidores efetivos ou potenciais com
capacidade de ter um comportamento rival.115
113
BRASIL. CADE. Voto do Conselheiro Relator Thompson Almeida Andrade. Ato de Concentração
n. 08012.007861/2001-8, de 25 de junho de 2003, p. 13.
114
BRASIL. CADE. Voto do Conselheiro Relator Thompson Almeida Andrade. Ato de Concentração
n. 08012.007861/2001-8, de 25 de junho de 2003, p. 15.
115
BRASIL. CADE. Voto do Conselheiro Relator Thompson Almeida Andrade. Ato de Concentração
n. 08012.007861/2001-8, de 25 de junho de 2003, p. 18.
40
Portanto, dadas as características do mercado, houve a necessidade de
avaliar a presença de rivalidade. Nesse sentido, por meio da avaliação dos autos, o
Conselheiro-Relator apontou que existiam rivais fortes, com elevada capacidade
econômica nos mercados envolvidos na operação, tais como as empresas Aventis e
Eli Lilly.
Assim, compreendeu-se que esses concorrentes seriam capazes de
confrontar qualquer tentativa de eventual abuso de poder de mercado116 pela Novo
Nordisk.
Contudo, o Conselheiro-Relator advertiu que, por existir Compromisso de
Preços assinado junto ao MDIC/DECOM, resultante de investigação de dumping, a
capacidade da Eli Lilly de disputar o mercado oferecendo um preço mais baixo
estaria prejudicada. Portanto, para que houvesse o reforço da rivalidade, foi
ponderada a importância de se afastar esta restrição.
Ainda no que concerne aos potenciais rivais, o Conselheiro-Relator destacou
que, durante a realização da operação, uma parte da Biobrás não entrou nas
negociações, sendo constituída a Biomm: empresa que também poderia ser
considerada como concorrente potencial nesse mercado. Entretanto, para viabilizar
a potencial rivalidade, também foi destacado que a cláusula de não concorrência,
fixada em 3 (três) anos no contrato, também teria que ser afastada.117
1.4.2.1.1 Comentários sobre os ajustes realizados após a decisão do CADE
Esse caso demonstra como uma decisão de comércio internacional (no caso
de defesa comercial – aplicação de medida antidumping) pode interferir no mercado
116
“Na tradição da Organização Industrial, e por extensão na análise econômica antitruste, poder de
mercado é simplesmente - e de forma algo simplista - definido como poder de fixação discricionária
de preços num dado mercado.” (destaque no original). POSSAS, Mario Luiz. Os conceitos de
mercado relevante e de poder de mercado no âmbito da defesa da concorrência. p. 11.
Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br/grc/pdfs/os_conceitos_de_mercado_relevante_e_de_poder_
de_mercado.pdf> Acesso em 20 jul. 2010.
117
Conforme os termos do voto: “uma parte da Biobras não entrou nas negociações, sendo
constituída a Biomm, a qual é uma potencial concorrente neste mercado, com patentes modernas
para a produção de insulina e conhecimento técnico suficientes para entrar neste mercado tão logo
sejam eliminados os impedimentos que por enquanto são obstáculos intransponíveis para a sua
operação. Estes impedimentos resultam da cláusula de não concorrência por três anos prevista no
‘Swap Agreement’. A rivalidade potencial se transformará em efetiva em um prazo razoavelmente
curto (um ano) se for afastada esta limitação, a qual pode ser entendida como razoável do ponto de
vista privado em uma transação deste tipo, mas que não pode ser aceita no quadro de um mercado
tão concentrado como este”. BRASIL. CADE, 2003, p. 17.
41
de forma a alterar a análise e a decisão que pode ser tomada em um caso de
aplicação do direito antitruste. Veja-se que o contrário também poder ser afirmado e
por isso é interessante avaliar a sugestão dada na decisão do CADE.
No entanto, antes de apresentar o que de fato ocorreu como resultado dessa
decisão, vale a pena tecer breves explicações sobre os resultados do pedido da
Biobrás de abertura de investigação para a aplicação de direito antidumping sobre
os medicamentos originários da Dinamarca (referentes à Novo Nordisk), EUA e da
França (referentes à Eli Lilly), que ocorreu antes da decisão do CADE.
Após a investigação e análise de dados pelo DECOM118, responsável pelo
processo de investigação de dumping, foi celebrado com a empresa Eli Lilly um
Compromisso de Preços, por meio do qual essa empresa se comprometeu a não
vender seus medicamentos contendo insulina abaixo de determinado preço. Ao
mesmo tempo, decidiu-se pela aplicação de sobretaxa antidumping, afetando os
produtos da Novo Nordisk, que, diferentemente da Eli Lilly, não assinou um
Compromisso de Preços.
Entretanto, conforme bem destaca a decisão do CADE e nos termos do voto
do Conselheiro-Relator do caso, a cobrança da alíquota fixada para combater o
dumping não chegou a se tornar exeqüível em razão de haver decisão judicial à
época suspendendo a aplicação do direito antidumping119.
Contudo, com a aquisição da Biobrás pela Novo Nordisk (que ocorreu após
o término da investigação de dumping), as condições no mercado de insulina
restavam totalmente distorcidas: de um lado a concorrente Eli Lilly teve os seus
preços amarrados pelo compromisso firmado com o DECOM, ou seja, não possuía
qualquer mobilidade e, de outro, a Novo Nordisk, que nunca chegou a ser
efetivamente sobretaxada em razão de decisão judicial, passou também a ter o
controle acionário da empresa que produzia esses medicamentos no Brasil.
Logo, durante a análise do SBDC, anteviu-se que a Novo Nordisk poderia
usar o Compromisso de Preços para excluir a empresa Eli Lilly do mercado e a
situação seria mais sensível após a aprovação da operação, porque, ao mesmo
118
Veja-se: BRASIL. CAMEX. Resolução CAMEX n˚. 02 de 23 de fevereiro de 2001, publicada no
Diário Oficial da União (DOU) de 06 de março de 2001.
119
Quando da análise do Ato de Concentração pelo CADE, havia decisão no Mandado de Segurança
2001.34.00.006298-1, que à época estava em trâmite na 8.ª Vara Federal de Brasília – DF.
42
tempo, esta empresa passaria a deter, em conjunto com a sua controlada Biobrás,
quase 100% do mercado nacional de insulina.
Diante desse cenário, o SBDC verificou que algo deveria ser feito para
restabelecer a concorrência no mercado nacional e que, portanto, a medida ideal
seria a cessação do compromisso de preços. No entanto, essa medida não era da
competência dos órgãos de defesa da concorrência, não sendo possível que as
autoridades antitruste realizassem diretamente esse ajuste no mercado. Cabia ao
CADE apenas apontar essa distorção e pedir para que providências fossem
tomadas para que o compromisso de preços não se transformasse em um
instrumento de dominação naquele mercado.
De acordo com o voto do Conselheiro-Relator Thompson Andrade:
[...] o Compromisso de Preços não pode ser um instrumento de
dominação de mercado. Seu objetivo é proteger empresas nacionais
de condutas anticompetitivas por parte de empresas estabelecidas
fora do território nacional. Assim, cessado o Compromisso de Preços
firmado entre o DECOM e a empresa Eli Lilly, estariam
restabelecidas as condições de concorrência no mercado nacional de
insulina”.120
Conforme já mencionado, a análise do caso motivou a aprovação da
operação com a restrição referente à cláusula de não concorrência e foi indicada
também a necessidade de se oficiar o DECOM/MDIC, para que tomasse
providências relacionadas à imposição da alíquota antidumping:
Como complemento importante desta decisão e elemento essencial
para que se efetivem os efeitos esperados provenientes da
aprovação deste Ato de Concentração, com maior rivalidade
competitiva neste mercado altamente concentrado, indico que caberá
ao CADE oficiar o DECOM sobre a necessidade de ser revisto o ato
que gerou a imposição de alíquota antidumping contra a Novo
Nordisk (preliminarmente sustada pela limitar concedida a esta) e do
Compromisso de Preços assinado pela Lilly.
Registre-se que a Novo Nordisk cumpriu adequadamente até agora
os termos do APRO assinado com o CADE121. Uma vez que o
Plenário venha aprovar a operação, como faz este Relator, e
satisfeita a condição estabelecida neste voto e outras que venham a
ser estabelecidas pelos outros Conselheiros, ficará esgotado o seu
objetivo, sendo o mesmo arquivado.
120
BRASIL. CADE, 2003, p. 21-22.
O APRO - Acordo de Preservação de Reversibilidade de Operação, é um instrumento que as
partes podem estabelecer com o CADE, com a finalidade de impedir que durante a instrução
processual ocorram mudanças decorrentes do negócio que sejam de difícil reversão (ou irreversíveis)
caso seja necessário retornar ao status quo ante. Geralmente o APRO é assinado antes da
preparação dos pareceres por parte da SEAE/MF e da SDE/MF e do julgamento pelo CADE.
121
43
É o voto.122
Em que pese existir esta decisão pedindo providências, vale ressaltar que
não havia – como de fato não há - qualquer obrigatoriedade para a adoção da
recomendação do CADE pelo DECOM/MDIC, já que não existe uma hierarquia entre
as autoridades, cujas competências são distintas. Entretanto, decorrente da decisão
do CADE, foi motivada a revisão da decisão pelas autoridades responsáveis pela
aplicação das medidas de defesa comercial, conforme se pode observar nos termos
da Resolução n˚. 04, de 03 de março de 2005123.
Assim, o Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX),
em reunião realizada em 03 de março de 2005, com fundamento no inc. XV do art.
2.º do Decreto n. 4.732/2003124 e considerando os termos do Processo
MDIC/SAA/CGSG52000.028532/2003-66, resolveu suspender, pelo prazo de um
ano, as medidas antidumping – notadamente o direito antidumping definido com a
alíquota ad valorem de 76,1% sobre as importações originárias da Dinamarca
(relacionadas à empresa Novo Nordisk A/S e outras) e compromisso de preços
sobre as importações originárias dos EUA e da França (relacionadas às empresas
Eli Lilly and Company e Lilly France S.A.), – aplicadas às importações de
medicamentos contendo insulina, classificados no item 3004.31.00 da Nomenclatura
Comum do MERCOSUL, que haviam sido estabelecidas pela Resolução CAMEX n˚.
2, de 23 de fevereiro de 2001.
Na fundamentação da decisão da CAMEX foi explicado que o DECOM/MDIC
havia recebido um ofício, encaminhado pelo CADE, em que este último informava
que havia aprovado por unanimidade a operação do Ato de Concentração n˚.
122
BRASIL. CADE, 2003, p. 24. O acórdão dessa decisão foi o seguinte: “ACÓRDÃO. Vistos,
relatados e discutidos os presentes autos, na conformidade dos votos e das notas eletrônicas,
acordam o Substituto Eventual do Presidente e os Conselheiros do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica – CADE, por unanimidade, aprovar a operação com a exclusão da cláusula de
não concorrência e com a recomendação ao DECOM para revisar a decisão de impor medidas
antidumping à Novo Nordisk e à Eli Lilly. Participaram do julgamento o Substituto Eventual do
Presidente Conselheiro Thompson Almeida Andrade e os Conselheiros Roberto Augusto Castellanos
Pfeiffer, Miguel Tebar Barrionuevo, Fernando de Oliveira Marques e Cleveland Prates Teixeira.
Presente a Procuradora-Geral Maria Paula Dallari Bucci. Ausente, justificadamente, o Presidente
João Grandino Rodas. Brasília, 06 de agosto de 2003”. BRASIL. CADE. Acórdão do Ato de
Concentração n. 08012.007861/2001-8. Requerentes: Novo Nordisk Holding do Brasil Ltda. e
Biopart Ltda.
123
BRASIL. CAMEX. Resolução CAMEX nº 04, de 03 de março de 2005. Disponível em:<
http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1197658477.pdf> Acesso 20 jan. 2010.
124
O Decreto n˚. 4.732/2003, assim determina no art. 2.º, XV: “Compete à CAMEX, dentre outros atos
necessários à consecução dos objetivos da política de comércio exterior: [...] XV – fixar direitos
antidumping e compensatórios, provisórios ou definitivos, e salvaguardas”.
44
08012.007861/2001-91, com a recomendação de que fosse revisada a decisão de
impor medidas antidumping à Novo Nordisk A/S da Dinamarca, e às empresas Ely
Lilly and Company da França e dos EUA.
Nesse contexto, também foi colocado pelo CADE, como anexo a esse ofício,
cópia do referido Ato de Concentração, assim como os demais votos dos
Conselheiros e o acórdão publicado125. Ainda, para demonstrar a sua competência
para modificar essa medida, foi apontado na Resolução que a legislação que
regulamenta os procedimentos aplicáveis aos processos antidumping (no caso o
Decreto n˚. 1.602, de 1995), confere à autoridade investigadora a atribuição para
proceder à revisão de medidas aplicadas (direito antidumping ou um compromisso
de preços)126.
Veja-se que, o art. 60 do Decreto n˚. 1.602/95, prevê a possibilidade de
suspensão de aplicação de medidas pelo prazo de um ano, prorrogável por igual
período, em caso de alterações temporárias nas condições de mercado e desde que
o dano não se reproduza ou subsista em função da suspensão. Em complemento, a
indústria doméstica deve ser ouvida.
A CAMEX concluiu que, em razão de o prazo de vigência das medidas
aplicadas às importações de insulina encerrar-se em 06 de março de 2006, a
suspensão por um ano, prorrogável por mais um, seria suficiente para atender ao
pedido do CADE. Assim, este foi o meio encontrado para adequar a situação que
tinha potencial de modificar a estrutura concorrencial do mercado, diante da decisão
do caso pelo CADE.
Com esse breve resumo do caso é possível observar que a análise realizada
pelo SBDC foi bastante interessante e precisou do auxílio das autoridades de defesa
comercial para manter a competitividade no mercado.
Vale destacar que, por se tratar de mercado altamente concentrado, com
poucos players, ao invés de meramente vetar a operação – o que poderia ser alvo
de críticas e/ou gerar fortes impactos entre os agentes envolvidos –, tanto a
SEAE/MF quanto o CADE analisaram cuidadosamente o mercado para verificar a
possibilidade de alternativas para aprovar a operação, mas ao mesmo tempo que
125
126
Veja-se: BRASIL. CAMEX. Resolução CAMEX n˚. 04, de 03 de março de 2005, p. 2.
BRASIL. CAMEX, 2005, p. 3.
45
pudessem promover uma rivalidade potencial, que somente seria possível com a
revisão da medida de defesa comercial.
Nesse sentido, foram pontuadas pelas autoridades algumas medidas que
deveriam necessariamente ser tomadas para facilitar o aumento da concorrência
nos mercados afetados pela operação. Dessa maneira, uma alternativa foi
encontrada com o pedido de suspensão do Compromisso de Preços para manter a
rivalidade no mercado mediante importações, sem que para isso fosse
desconstituída a operação.
Contudo, conforme explicado acima, essa medida só poderia ser
implementada pelas autoridades de defesa comercial (DECOM/MDIC e CAMEX), as
quais compreenderam as preocupações colocadas na decisão do CADE e
autorizaram então as modificações necessárias para a suspensão da aplicação da
medida antidumping que estava em vigor.
Portanto, esse caso ilustra bem como na prática uma decisão de direito
antitruste pode interferir no comércio internacional e vice-versa. No caso em
questão, as autoridades procuraram ajustar as medidas adotadas de defesa
comercial considerando a operação notificada e aprovada pelo CADE, mas isso foi
feito de forma cooperativa entre as autoridades, já que a CAMEX e o MDIC possuem
autonomia em suas decisões e não estão obrigadas a implementar as sugestões.
1.4.2.2 A investigação de dumping dos alto-falantes
Existem também alguns casos que foram analisados no âmbito do direito do
comércio internacional que ilustram aspectos sensíveis da análise de defesa
comercial que podem receber contribuição do direito da concorrência. Um desses
aspectos refere-se à definição do “produto” nas investigações de dumping conforme
se verá a seguir.
No Brasil, um caso interessante envolveu como produto os alto-falantes.
Nesse caso, em 26 de julho de 2006, as Peticionárias (Reclamantes) protocolizaram
pedido de abertura de investigação de dumping, dano e relação causal nas
exportações para o Brasil, de alto-falantes da República Popular da China - RPC,
bem como de aplicação de direito antidumping provisório sobre as importações do
produto objeto da investigação.
46
Nesse contexto, por meio da circular SECEX n.º 63, de 14 de setembro de
2006, foi iniciada a investigação e, em 29 de junho de 2007, seguindo
recomendação do Parecer DECOM n°. 11, de 14 de junho de 2007 (ou seja, após 09
meses de investigação), foi aplicado direito antidumping provisório específico, de
US$ 2,75 por quilograma, sobre as importações brasileiras de alto-falantes
(montados ou desmontados) provenientes da China, classificados nos itens NCMs
8518.29.00,
8518.21.00,
8518.22.00
e
8518.29.90
(Resolução
CAMEX
nº
127
25/2007
). A Resolução foi posteriormente retificada em nova publicação, realizada
em 13 de julho de 2007.
Com relação à determinação preliminar, vale esclarecer que a lei brasileira é
clara ao estabelecer que esta é um juízo de valor provisório a respeito das
condições necessárias para a aplicação de medida antidumping. Portanto, não há
obrigatoriedade de aplicação de medida provisória nas investigações de dumping no
Brasil, conforme o artigo 2º do Decreto n°. 1.602/95 que afirma que “poderão” ser
aplicados direitos provisórios. Essa aplicação, em regra, só é possível se o DECOM,
quando da sua análise preliminar, encontrar indícios da prática de dumping e
verificar que tal prática causa dano ou ameaça de dano à indústria nacional.
Por uma questão de transparência, o ato de imposição dos direitos
provisórios deve indicar uma descrição bem detalhada do produto atingido e as
próprias razões pelas quais a decisão foi tomada, nos termos do parágrafo único,
art. 6º da Lei nº. 9.019/95. Contudo, quando da imposição da determinação
preliminar de media antidumping no caso dos alto-falantes entende-se que a análise
restou prejudicada em razão da definição do produto, como se verá a seguir.
No exemplo do caso dos alto-falantes, por não haver conclusões iniciais
sobre a definição do produto, acabou considerando diversos tipos de alto-falantes128
quando da imposição da medida antidumping provisória, alcançando produtos que
apenas ao final foram excluídos da investigação.
127
Veja-se: BRASIL. CAMEX. Resolução CAMEX nº 25, de 27 de junho de 2007. Disponível em:<
http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1197398519.pdf> Acesso 20 jan. 2010.
128
De acordo com o Parecer DECOM nº. 11, de 14 de junho de 2007: “[...] o DECOM entende que,
nessa etapa da investigação, não cabe exclusão desses tipos de alto-falantes da definição do produto
objeto da investigação. Isso porque as informações obtidas até a data considerada na elaboração
deste parecer não permitem alcançar uma determinação final quanto à matéria.” BRASIL. DECOM,
2007, p. 20.
47
Veja-se que a imposição da medida provisória com base nos NCMs dos altofalantes, englobava diversos modelos de diversos tamanhos, tecnologias e
capacidades. Isto acabou distorcendo a aplicação da medida, pois para efeito da
aplicação de uma medida antidumping o produto similar (like product) deve ser bem
definido. É por meio deste conceito que se define a indústria doméstica, os
exportadores (prováveis causadores de dano à indústria doméstica) e o mercado
sob o qual será feita a análise.
Nos termos do Acordo Antidumping da OMC - AAD, produto similar é o
produto idêntico e, caso não haja esse, o produto com semelhanças físicas muito
próximas ao produto produzido no mercado importador (conceito incorporado à
legislação brasileira – Decreto n˚. 1.602, de 23 de agosto de 1995).
Para evitar equívocos na aplicação de uma medida de defesa comercial,
entende-se que o produto objeto de investigação deve ser definido com base em
critérios
apropriados,
tais
como:
características,
aplicações,
grau
de
intercambialidade. Vale destacar que esses elementos são avaliados de forma
detalhada na análise antitruste quando da definição do mercado relevante, mas nem
sempre usados de forma apropriada nas investigações de defesa comercial.
Assim, a distorção que pode ser observada quando da aplicação da medida
antidumping provisória nesse caso especifico demonstra que apenas com base em
critérios (i.e., aplicações, grau de intercambialidade) é que seria possível concluir
que produtos cobertos por uma mesma definição (NCM) destinam-se efetivamente
ao mesmo mercado129.
No caso de distintos produtos estarem cobertos por uma única definição,
conforme indica o documento TN/RL/W/31, assinado pelo Brasil e outros Membros
da OMC, deveria ser avaliada a aplicação desses produtos para afastar eventuais
dúvidas sobre tratar-se de produtos similares. É interessante observar que nesse
documento há sugestões sobre os critérios que deveriam ser usados para definir a
129
Sobre códigos e descrições da NCM, veja-se: BRASIL. MDIC. SECEX. Seções e Capítulos da
TEC - Tarifa Externa Comum. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area
=5&menu=1095> Acesso em 22 jun. 2010.
48
similaridade, tais como a substitutibilidade, a fungibilidade e a intercambialidade130
(que estão muito próximos dos critérios usados na definição de mercado na análise
antitruste).
O próprio governo brasileiro já adotou posição de que a ausência clara de
critérios para definição do produto, objeto de investigação dumping, implica a
possibilidade de adoção de definições amplas que podem gerar determinações
arbitrárias de existência de dumping e dano, como acabou por ocorrer na fase
preliminar de análise na investigação dos alto-falantes.
De fato existem investigações que são iniciadas com uma definição ampla
de produto, entretanto, a prática tem sido a de verificar, no curso da investigação, a
propriedade dessa definição, de forma a garantir se a mesma não engloba produtos
distintos; isto é, produtos que se destinem a segmentos de mercado distintos131.
No entanto, na investigação de dumping dos alto-falantes, a despeito do
DECOM: i) ter sido informado sobre a existência de distintos segmentos de mercado
e da existência de características técnicas diferenciadas dos alto-falantes destinados
para cada segmento; ii) ter aceitado a solicitação das peticionárias de excluir os altofalantes para celular, sob a alegação de que, em função de suas características
técnicas o mesmo não concorreria com alto-falantes destinados para os outros
segmentos; iii) ter recebido manifestações de importadores a respeito das diferenças
observadas entre os alto-falantes em função dos segmentos a que se destinam;
mesmo assim fez uma definição ampla do produto investigado, ainda que em caráter
preliminar.
130
“We consider that the basic criteria to determine the product scope should be, for example, the
characteristics of the product, uses of the products that correspond to those characteristics as well as
the degree of interchangeability, fungibility or substitutability of those products. Based on these
criteria, it would be possible to determine whether the products covered by a description are effectively
destined to the same market or whether they are destined to different markets. If the products referred
to by petitioners or reviewed ex officio by authorities for possible investigation are destined to different
markets, i.e. they have different applications and are not closely substitutes, they could not be
considered as a single product covered by a single antidumping investigation”. WTO. TN/RL/W/31, 25
November 2002. Paper by Brazil, Chile, Colombia, Costa Rica, Hong Kong, China, Israel, Japan,
Korea, Norway, Separate Customs Territory of Taiwan, Penghu, Kinmen, and Matsu, Singapore,
Switzerland, and Thailand.
131
Nesse sentido, vale citar o precedente do caso da investigação do dumping de leite em pó.
Conforme a Circular SECEX nº 17, de 23 de agosto de 1999, a investigação foi aberta para o “produto
– leite em pó”. Contudo, posteriormente, para efeito de determinação preliminar e final, o produto em
questão foi restrito ao “leite em pó, integral ou desnatado, não acondicionado para varejo”, visto que
foi considerado que os produtos destinados para varejo e para as indústrias não seriam concorrentes
entre si, não sendo, portanto, cabível englobá-los em uma única definição de produto.
49
Dessa maneira, ocorreu a aplicação da medida provisória antidumping para
todos os alto-falantes englobados nas NCMs, mesmo aqueles que sequer possuíam
produção nacional132. Contudo, se naquele momento da investigação tivesse
ocorrido uma análise detalhada da possibilidade de substituição entre os diversos
alto-falantes existentes, definidos em função de sua aplicação e substitutibilidade,
possivelmente teria se evitado a aplicação de uma medida provisória equivocada.
Diante da aplicação da medida provisória, a indústria nacional de eletroeletrônicos participou ativamente da investigação para que a determinação final
fosse coerente com a realidade. Sem dúvida, a definição equivocada do produto
(que culminou com a medida antidumping provisória) gerou sérias implicações sobre
a determinação de dumping e de dano, visto que o “produto importado” e o “produto
similar” não necessariamente se referiam ao mesmo tipo de alto-falantes.
Ou seja, se eventualmente existisse dumping e dano em alto-falantes para
um segmento de mercado (por exemplo, alto-falante para TV LCD), o mesmo
alegado dano poderia não ser observado em outro segmento (por exemplo, altofalante para subwoofer ou para home-theater), não existindo, conseqüentemente,
qualquer relação de causalidade que é necessária para a aplicação de uma medida
antidumping.
As diferenças dos produtos envolvidos (diversos tipos de alto-falantes)
afastavam a similaridade. Desse modo, após a aplicação da medida provisória e
com as manifestações e novos dados apresentados pelas as autoridades passaram
a considerar algumas características que eram fundamentais para demonstrar a
diferenciação dos produtos, tais como a aplicação, o mercado a que se destinavam
e a intercambialidade. Veja-se que esse tipo de critério no direito antitruste é
essencial para a definição de mercado justamente para que se evitem distorções133.
132
Veja-se que, ocorre o dumping quando uma empresa exporta para o Brasil um produto a preço de
exportação inferior àquele que pratica para produto similar nas vendas para o seu mercado interno
(valor normal). Para a aplicação de direito antidumping deve haver o dumping, o dano a indústria
doméstica (que concorre com os produto importado) e nexo causal entre o dumping e o dano. Por
uma questão lógica, se não há produção nacional de determinado produto cujo valor alega-se ser
resultado de dumping, não há que se falar em dano e, portanto, não deve ser aplicado direto
antidumping.
133
“O mercado relevante possui duas dimensões que sempre devem ser consideradas – a material
(ou do produto) e a geográfica. Para a definição da primeira, há que se levar em conta a
substitubilidade do produto (ou serviço) do qual se busca encontrar o mercado relevante. Assim, caso
o consumidor esteja disposto a trocar um produto por outro, é razoável supor que ambos estarão no
mesmo mercado relevante material – é a chamada fungibilidade ou intercambialidade dos produtos,
50
Por fim, a medida provisória aplicada não foi mantida. Conforme explicado,
os diferentes tipos e modelos de alto-falantes não competiam entre si. Portanto, tais
produtos deveriam ser considerados, desde o início, como pertencentes a diferentes
mercados, cujos padrões de competição são distintos, seja em função de suas
características, seja em função de sua precificação ou de seu grau de
substitutibilidade.
Tal entendimento restou confirmado até mesmo pelas empresas que
estavam pleiteando a medida antidumping, que também esclareceram que não
existia um único alto-falante que fosse capaz de cobrir, de forma eficiente, todas as
freqüências audíveis. Ademais, as autoridades acabaram reconhecendo que as
aplicações do produto investigado eram diversas134.
Dessa maneira, a concorrência do produto importado com o fabricado
nacionalmente refletia o padrão de competição dessa indústria, ou seja: um altofalante importado para automóveis concorre única e exclusivamente com o altofalante também destinado a este mercado, não concorrendo, por exemplo, com os
alto-falantes de micro-systems. Logo, para efeito de análise, os alto-falantes
fabricados no Brasil deveriam ser analisados à luz de suas características físicas, de
seu mercado e não de sua classificação tarifária, tendo em vista que os produtos
importados concorrem tão-somente com aqueles que se destinam ao mesmo uso no
mercado interno.
A falta de intercambialidade e substitutibilidade também já havia sido
caracterizada em outros produtos classificados na mesma NCM, tal como no caso
dos pneumáticos novos de borracha para bicicletas, em que foi excluído um
determinado tipo que não era produzido pelos fabricantes nacionais135.
No caso dos tipos de alto-falantes, esses produtos não só eram distintos
como a indústria doméstica sequer possuía meios de atender a demanda para todas
as linhas de áudio e vídeo, conforme foi noticiado pelas empresas consultadas
durante o processo de investigação. Em adição, ainda que algumas das instalações
sob a ótica do consumidor.” CAVALCANTE, Léia Baeta. Poder de Compra do Varejo
Supermercadista: Uma Abordagem Antitruste. SEAE/MF Documento de Trabalho nº 30. Fevereiro,
2004, p. 11.
134
BRASIL. DECOM. Parecer nº.11/2007.
135
Processo MDIC/SECEX 52000.012812/2006-03. Veja-se também: Circular Nº 74, de 31 de
Outubro de 2006 (publicada no DOU. de 03/11/2006). Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/
arquivo/legislacao/cirsecex/2006/circ2006-74.pdf> Acesso em 10 jan. 2010.
51
industriais e equipamentos de produção de alto-falantes para automóveis pudessem,
em tese, servir para a fabricação de alguns tipos de alto-falantes da linha de áudio e
vídeo, identificou-se que eram necessários grandes investimentos de ferramental
para a fabricação de peças, o que acarretaria elevados custos.
Portanto, sem adentrar na questão da incapacidade de fabricação pela
indústria nacional de todos os diversos tipos de alto-falantes, era fato incontroverso
que a importação de alto-falantes para equipamentos eletroeletrônicos (de áudio e
vídeo) não poderia prejudicar os fabricantes domésticos de alto-falantes para o
segmento automotivo, pois esses produtos não poderiam ser considerados como
substitutos. Assim, foi realizada a separação entre os produtos e os alto-falantes
para linha de áudio e vídeo foram excluídos da medida antidumping aplicada ao final
da investigação.
1.4.3 Observações adicionais sobre os estudos de casos
Em que pese ser possível identificar algumas semelhanças, a política
concorrencial é distinta da política de defesa comercial, especialmente no que diz
respeito aos seus objetivos, regras e métodos de análise. Vale destacar que há uma
diferença que emerge da própria concepção destas políticas, pois a defesa
comercial é pró-indústria enquanto a defesa da concorrência é pró-competição e, em
última análise, mais pró-consumidor.
O estudo de casos trazidos não estão relacionados ao cartel de exportação
que será a conduta abordada com maior atenção neste estudo. De todo modo são
exemplos interessantes de que: decisões no âmbito da defesa da concorrência ou
no âmbito do direito do comércio internacional (i.e., defesa comercial) afetam ambas
as políticas (veja-se o caso da insulina – item 1.4.2.1) e também que elementos
utilizados na análise antitruste poderiam ser utilizados nas investigações de defesa
comercial (dumping136) como ferramentas para seu refinamento (veja-se a questão
da substitutibilidade no caso dos alto-falantes – item 1.4.2.2).
136
Uma infração internacional não punida na ordem interna pode distorcer o mercado. O AAD é
prescrito multilateralmente, mas aplicado localmente por meio de investigações que ocorrem nos
países que supostamente estão sofrendo com a prática de dumping. Entretanto, pode ser
questionada eventual aplicação incorreta de medida ou eventual violação aos termos do AAD, por
exemplo, na própria OMC.
52
É importante observar que no caso da insulina a decisão do SBDC (i.e.,
CADE) foi importante para motivar a adaptação da decisão que havia no âmbito das
políticas de defesa comercial. Já no caso dos alto-falantes, por meio de critérios que
são usados na análise antitruste as autoridades brasileiras acertadamente reavaliaram a medida antidumping provisória imposta e separaram os alto-falantes
utilizados pelas indústrias de áudio e vídeo dos alto-falantes para automóveis (setor
automotivo)137.
Assim, em que pese não ter havido afirmação das autoridades de que
critérios comuns ao direito antitruste foram usados, na prática observa-se que isso
ocorreu e a medida antidumping foi mantida apenas para o setor automotivo,
preservando a coerência do critério de substitutibilidade e deixando de afetar toda
cadeia de produção da indústria nacional de eletroeletrônicos de áudio e vídeo.
137
Conforme Resolução CAMEX n.º 66, de 11 de dezembro de 2007: “Foram, também, excluídos da
definição do produto objeto da investigação os alto-falantes para câmeras fotográficas e de vídeo,
para notebooks, para uso em equipamentos de segurança (normas EVAC BS 5839-8, IEC 60849 ou
NFPA) e aqueles destinados a aparelhos de áudio e vídeo, que não sejam de uso em veículos
automóveis, tratores e outros veículos terrestres.”
53
2 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E O CONTEXTO DAS ECONOMIAS
EM DESENVOLVIMENTO
2.1 O surgimento “tardio” das políticas de concorrência
Para melhor compreensão deste estudo é necessário também trazer
algumas observações introdutórias sobre o contexto da criação das leis de
concorrência e das políticas de defesa da concorrência nos países que não tinham
qualquer tradição ou familiaridade com a matéria.
Conforme explica WAISBERG:
As principais metas das leis de concorrência não são iguais em todos
os países que as possuem. Mas, em um sentido mais amplo, é
possível dizer que o maior objetivo é evitar distorções de mercado
(preços monopolísticos, colusão, cartelização, abuso de posição
dominante, etc.) para se atingir um bem-estar social.138
Em um contexto histórico, sem dúvida, mudanças eram necessárias a partir
da segunda metade do século 20, uma vez que a maioria dos ex-países comunistas
e economias estadistas passaram por um grande período onde encontravam-se
praticamente fechadas. Assim, os consumidores dos países da America Latina, da
África, da Ásia e dos ex-integrantes do bloco soviético, muitas vezes tinham que
aguardar muito para obter os melhores produtos já disponíveis em outros mercados,
ou tinham que se contentar com produtos de pior qualidade diante da pouca – ou
quase nenhuma – possibilidade de escolha139 considerando a ausência de produtos
importados que concorressem com os nacionais.
A abertura comercial pode ser simbolizada pela queda do muro de Berlin140,
momento em que muitas nações partiram para a entrada no mercado globalizado.
138
WAISBERG, Ivo. Direito e Política da Concorrência para os países em desenvolvimento. São
Paulo: Aduaneiras, 2006, p. 18.
139
RODRIGUEZ, Armando; MENON, Ashok. The Limits of Competition Policy: The Shortcomings
of Antitrust in Developing and Reforming Economies. Kluwer Law International. New York:
Wolters Kluwer, 2010, p. 19.
140
Veja-se: BANCHER; Flavia. A queda do muro de Berlim e a presentificação da história. Cotia:
Atelie Editorial, 2003, passim.
54
De acordo com Rodriguez; Menon: “Desregulamentação - reduzir ou eliminar
regulamentações onerosas e ineficientes - figurou como um dos componentes
centrais dos programas de liberalização”141.
A privatização de boa parte das empresas estatais ocorreu com base nos
programas de liberalização econômica e o livre comércio e a abertura ao
investimento estrangeiro passaram a ser reconhecidos como instrumentos de
crescimento e desenvolvimento142.
O objetivo das reformas econômicas era impulsionar as nações com o
aumento da competitividade e também com o crescimento e a melhoria da qualidade
de vida. Nesse sentido, era esperado o crescimento da concorrência, resultando em
empresas mais eficientes, com a remoção ou redução da rígida regulação estatal,
combinado com o aumento da entrada do investimento estrangeiro143.
Da mesma forma, com o aumento da concorrência, imaginava-se que os
consumidores seriam beneficiados com maior poder de escolha e possivelmente
com produtos de maior qualidade e preços menores. Entretanto, os resultados
obtidos foram abaixo do esperado e as razões têm sido amplamente debatidas144.
De acordo com BREMMER, os países em desenvolvimento, onde a
intervenção estatal na economia era intensa, sinalizavam uma rejeição estratégica
da doutrina de livre mercado145. Assim, quando o sucesso da liberalização começou
a diminuir, ao mesmo tempo começou a crescer a apreensão de que as empresas
privatizadas poderiam falir nas mãos de grupos privilegiados, ou que esses mesmos
grupos estavam trabalhando para efetivamente impedir a antecipação dos ganhos
que seriam gerados pela liberalização.
De fato, a ausência de concorrência e a privatização do monopólio
garantiram, meramente, a continuidade da existência de negócios ineficientes que
em nada beneficiaram a população146. É neste cenário que a política antitruste
141
RODRIGUEZ; MENON, 2010, p. 19.
Nesse sentido, veja-se, por exemplo: WACZIARG, Roman; WELCH, Karen Horn. Trade
Liberalization and Growth: New Evidence. Research Paper n˚. 1826, Stanford GBS: 2003, passim.
143
Empresas eficientes tornar-se-iam necessariamente mais produtivas e capazes de concorrer
efetivamente na economia global em expansão. Nesse sentido, veja-se: RODRIGUES; MENON;
2010, p. 20.
144
Veja-se: BREMMER, Ian. State Capitalism Comes of Age. The end of the free market? Foreing
Affairs, May/June, 2009, p. 40-55.
145
BREMMER, 2009, passim.
146
RODRIGUEZ; MENON, 2010, p. 20.
142
55
aparentava-se como um instrumento natural para combater os abusos de poder de
mercado e as práticas anticompetitivas. Observa-se que o modelo defendido pelos
operadores do direito à época, que eram mais versados na teoria do
desenvolvimento e economia internacional do que em antitruste, tinha muito do
imaginário popular de que uma política antitruste seria mais eficiente147. Ou seja,
pressupunha-se uma descrição mais tecnocrata e apolítica do antitruste.
A racionalidade por trás das recomendações desenvolvidas nas políticas de
concorrência afirmava que uma lei de defesa da concorrência deveria conter regras
contra práticas anticompetitivas e, ao mesmo tempo, deveria ser administrada por
uma agência profissional independente e autônoma, responsável pelos mecanismos
necessários para reduzir os efeitos negativos de cartéis, monopólios e outras
condutas protecionistas148.
Seguindo essa lógica, a elaboração de legislações e políticas de
concorrência tornou-se lugar comum em diversos mercados de economias em
transição que buscavam reformar seus mercados. Nesse sentido, veja-se que,
praticamente todos os países do Leste Europeu, praticamente toda a América
Latina, muitos dos países que se separaram da União Soviética e alguns países
africanos adotaram, nas últimas décadas, programas e política de concorrência ou
estão em processo de adoção.
A tabela abaixo indica que aproximadamente metade das adoções ocorreu
nas últimas duas décadas, principalmente na década de 90.
TABELA 01 - Adoção de leis de concorrência149
Período
1985-1990
1991-1995
1996-2000
Total 1985-2000
147
Número de Jurisdições que decretaram uma Lei de
Concorrência pela primeira vez
8
25
16
49
Veja-se, no mesmo sentido: RODRIGUEZ; MENON, 2010, p. 20.
Veja-se: KOVACIC, William E. Institutional Foundations For Economic Legal Reform in
Transition Economies: The case of competition policy and antitrust enforcement. Chicago Kent
Law Review 77 n˚.1, 2001, p. 265-315. Cf. FRANCISCO, Marcos. Do Developing Countries Need
Competition Law and Policy? September, 2006. Disponível em:<http://ssrn.com/abstract=930562>
Acesso em: 10 jan. 2010.
149
WTO. World Trade Report 2004, p. 181.
148
56
Vale destacar que os dados acima subestimam, de certo modo, a
“popularidade” dos programas de defesa da concorrência150 porque analisam apenas
as adoções de 1985 a 2000, sendo que ocorreram algumas recentes que são
bastante relevantes, tal como ocorreu na China151.
2.1.1 O processo de adoção nas economias em desenvolvimento
Vale destacar que os dados da OCDE (Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico) também apontam que as políticas de concorrência
adotadas recentemente pelas economias emergentes ou em desenvolvimento152
estão em pleno crescimento. A missão atual dos operadores é justamente promover
a chamada “cultura da concorrência”153 não apenas à população em geral, mas
principalmente aos quadros que compõem as agências, aos políticos e aos
legisladores.
É importante observar que a aplicação de uma política antitruste demanda
treinamento amplo que atinja todos os temas relevantes para a aplicação da
150
Note-se que, excluindo as Comunidades Européias (CE), 80 jurisdições reportaram ter algum tipo
de lei antitruste em 2001. Nesse sentido, veja-se: WTO. World Trade Report 2004, p. 181.
Disponível em: <http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/anrep_e/world_trade_report 04e. pdf >
Acesso em: 10 jun. 2010.
151
CHINA. Anti-monopoly Law of the People's Republic of China. Disponível em:
<http://www.china.org.cn/government/laws/2009-02/10/content_17254169.htm> Acesso em: 20 jun.
2010.
152
O critério principal do Banco Mundial para a classificação das economias é o Produto Interno Bruto
per capita (PIB). Com base no seu PIB per capita, cada economia é classificada como de baixa
renda, de média renda (subdividida em média baixa e média alta), ou de alta renda. As economias de
baixa renda e as de média renda são classificadas como as economias em desenvolvimento.
Segundo o Banco Mundial o uso do termo é conveniente, pois não sugere que todas as economias
estejam em um estágio de desenvolvimento semelhante. De acordo com os valores dos PIBs per
capita de 2009, calculado pelo método do Banco Mundial, são considerados países de baixa renda
aqueles que possuem PIB per capita inferior ou igual a 995 dólares; de renda média baixa de 996
dólares a 3,945 dólares; renda média alta de 3946 dólares a 12.195 dólares, e de alta renda aqueles
que possuem PIB per capita igual ou superior a 12.196 dólares. WORLD BANK. Country
Classifications Disponível em: <http://data.worldbank.org/about/country-classifications>. Acesso em:
19 jul. 2010.
153
Vejam-se observações sobre a divulgação da cultura da concorrência no Brasil: “Nos últimos 5
anos, a Advocacia da Concorrência ganhou maior destaque e importância na atuação do SBDC.
Através de diversos projetos, buscou-se alavancar a difusão da cultura da concorrência em todo o
território nacional, a fim de alcançar toda a população e território nacional através da conscientização
da importância da proteção do livre mercado. Nesse período, além da crescente atuação acadêmica
e governamental, o SBDC realizou projetos que ultrapassaram a atuação tradicional da advocacia e
atingiu diretamente a sociedade civil e empresarial. Criou-se, portanto, uma rede de informações de
modo a enraizar a idéia da concorrência na cultura popular brasileira”. CADE. PINCADE. Advocacia
da concorrência. Disponível em:< www.cade.gov.br>. Acesso em 08 jun. 2010.
57
legislação. Assim, aspectos técnicos como: i) a definição do mercado relevante154, ii)
o estabelecimento de índices de concentração, iii) a análise da entrada155, iv)
questões procedimentais, como endereçar a produção de provas e outras,
necessitam de guidelines que estejam aptos a estabelecer critérios objetivos156.
No passado, acreditava-se, por exemplo, que existia um nexo causal claro
entre
a
concentração
de
determinados
mercados
e
o
comportamento
anticompetitivo. Mas, atualmente, a análise desta relação não é tão simples, uma
vez que o pensamento antitruste evoluiu.
De fato, não se poder negar que a concentração em determinados mercados
nacionais muitas vezes leva ao comportamento anticompetitivo. Em adição, verificase que em economias pequenas e pouco desenvolvidas157 não é raro encontrar
mercados concentrados, uma vez que, muitos países possuem atraso tecnológico,
fato que não justifica a existência de muitos concorrentes em determinados
mercados158
Entretanto, diante das particularidades das economias em desenvolvimento
e menos desenvolvidas, às vezes é necessário contar com certo grau de
concentração para se fazer frente à concorrência internacional. Isto fica mais
154
“Mercado relevante é aquele em que se travam as relações de concorrência ou atua o agente
econômico cujo comportamento está sendo analisado. [...] Se a delimitação do mercado relevante
implica, necessariamente, a identificação do mercado no qual atua determinado agente econômico
(ou agentes econômicos), estamos tratando do mercado em que este concorre. Ou seja, a busca do
mercado relevante passa pela identificação das relações (concretas, ainda que potenciais) de
concorrência de que participa o agente econômico.” FORGIONI, 1998. p. 200.
155
“[...] as barreias à entrada, em geral, podem ser definidas como o conjunto de circunstâncias que
permeiam as atividades do mercado relevante, estabelecendo as condições de entrada, em termos
de custos, aprendizagem, tempo de adaptação, condições de desenvolvimento e retorno de
investimentos do agente em determinado segmento da economia.” GABAN; DOMINGUES, 2009, p.
144-145.
156
RODRIGUES; MENON, 2010, p. 21-22.
157
De acordo com a Organização das Nações Unidas, país subdesenvolvido ou país menos
desenvolvido (LDCs - Least Developed Countries) são países que apresentam os mais baixos
indicadores de desenvolvimento socioeconômico e humano entre todos os países do mundo. É
tomado por base três principais aspectos: i) baixa renda (média trienal do PIB per capita de menos de
US$ 750), ii) baixos índices de recursos humanos (nutrição, saúde, educação e da alfabetização de
adultos); iii) vulnerabilidade econômica (instabilidade da produção agrícola, das exportações de bens
e serviços, desvantagens econômicas etc.). Veja-se: UNITED NATIONS. The Criteria for the
identification of the LDCs. Disponível em: <http://www.un.org/specialrep/ohrlls/ldc/ldc%
20criteria.htm>. Acesso em: 20 jul. 2010.
158
RODRIGUES, MENON, 2010, p. 22.
58
evidente, quando se está diante de mercados relevantes internacionais que tendem
a consolidação para aumentar a competitividade (i.e., mercado de autopeças159).
O que muitas vezes não é encontrado nas economias em desenvolvimento é
um movimento popular anti-monopólio associado com o desejo de controle social da
indústria (o que, por exemplo, está enraizado nas questões culturais envolvidas na
American Civil War - que levou à elaboração da primeira lei antitruste americana, o
Sherman Act de 1890160).
Ainda, a tentativa de incorporação de regras e políticas sem atentar para a
as realidades de cada Estado tende a fazer com que as regras e leis antitruste
deixem de ser efetivas. Contudo, ao longo do tempo, espera-se que as políticas de
concorrência deixem de se tornar pouco efetivas nos PEDs, uma vez que grupos de
interesse aprendam quais são os benefícios que podem derivar da presença das
agências e da sua respectiva atuação. Veja-se, aqui, a importância da chamada
divulgação da “cultura da concorrência”.
Algumas leis de concorrência foram (e tem sido) planejadas em condições
desfavoráveis, sendo importante ressaltar que a lei, por ela própria, não garante a
solução dos problemas que emergem de mercados concentrados ou de condutas
anticompetitivas. Isto é, cada vez mais se denota a importância da disseminação do
know how antitruste e das chamadas “best practices” para que essas economias em
desenvolvimento aproveitem da experiência das jurisdições com maior tradição161.
Cabe observar, conforme já foi dito anteriormente, que muitas políticas de
concorrência nos países em desenvolvimento foram desenvolvidas, de forma
inadequada, sem atentar para as realidades locais de cada economia. Isto, de certa
maneira, não é suprido por missões de treinamento aos operadores das novas leis
de concorrência, que muitas vezes são realizadas com o auxilio das equipes de
concorrência de jurisdições mais maduras, ou com maior experiência no tema.
Assim, sem atentar para as realidades de cada país e de cada economia é
muito difícil programar uma lei ou uma política de concorrência de forma que esta
seja benéfica e efetiva.
159
Nesse sentido, veja-se: RAMACHANDRAN, Vijaya; COTTON, Linda. The Global Auto Parts
Industry: Consolidation and other Trends. January 2000, p. 1-13.
160
RODRIGUEZ; MENON, 2010, p. 23.
161
Isto é o que ocorre nas reuniões da OCDE, ICN e UNTAD, que resultam em documentos que
destacam a troca de experiência e políticas adotadas por cada país e suas respectivas agências.
59
2.1.2 O problema da ausência de tradição e de conhecimento
A falta de conhecimento do que está em jogo leva muitos consumidores a
ignorar o impacto potencial que o direito da concorrência pode causar. E,
certamente, o desenvolvimento de uma cultura, com a disseminação de
conhecimento sobre o assunto, trata-se de tarefa custosa. Em países cujos
problemas com educação são latentes, seria até mesmo irracional investir recursos
no aprendizado do direito da concorrência, uma vez que os custos poderiam exceder
os benefícios auferidos em pequenas economias162.
Assim, como uma economia em desenvolvimento assimilaria uma lei de
defesa da concorrência em pouco tempo? Como bem explica RODRIGUES e
MENON, seria importante primeiro examinar o processo pelo qual foi definido que
aquela nação precisava ou seria beneficiada com a lei de defesa da concorrência163.
Em um estudo recente, a OCDE explica, conforme análise das motivações
em cada caso, que a adoção de políticas de concorrência foi muitas vezes o
resultado da pressão de agências de outros países do que propriamente uma
política interna de reforma164.
Sem dúvida essa influência acontece porque a maior parte dos relatórios dos
principais fóruns e organizações internacionais (incluindo a própria OCDE)
recomenda a adoção de uma lei e de uma política de defesa da concorrência.
Os argumentos geralmente são os mesmos, tais como: i) o significativo
ganho de eficiência econômica que a lei antitruste traz; ii) a estruturação de medidas
que indiquem a presença de setores altamente concentrados; iii) o crescimento
potencial da produtividade da indústria doméstica; iv) os possíveis benefícios de
preços menores aos consumidores obtidos por meio de combate a cartéis; e,
quando a política antitruste e de defesa comercial são estabelecidas conjuntamente,
somam-se ainda os benefícios gerados pela eliminação de barreiras tarifárias e não
tarifárias como resultado da vigilância e avaliação da agência165.
162
Cf. RODRIGUEZ; MENON, 2010, p. 25.
RODRIGUEZ; MENON, 2010, p. 25.
164
OCDE. Competition Policy Enforcement Experiences from Developing Countries and
Indications for Investiment. OCDE Global Forum on International Investment VII, March, 2008, p. 4.
165
RODRIGUEZ; MENON, 2010, p. 27.
163
60
Veja-se que na prátcia ocorre uma sobrecarga financeira deixada aos
consumidores como resultado de práticas monopolísticas em economias em
desenvolvimento. Aliás, a perda dos consumidores também é percebida nos países
desenvolvidos, mas estimar de forma segura os ganhos dos consumidores gerados
pelo controle antitruste não é das tarefas mais simples.
Vale dizer que, mesmo as empresas monopolistas, nem sempre têm
conhecimento dos preços que seriam sensíveis aos consumidores, ao menos
quando o produto já é colocado no mercado, ou seja, há uma assimetria de
informação166 que deve ser considerada.
Não é trivial e fácil desenvolver uma política antitruste considerando todas as
particularidades e realidades de cada economia, o que dificilmente estaria contido
em um único guideline. Ainda, apesar da intenção de desenvolver políticas
atendendo até mesmo às pressões internacionais, seria ingênuo assumir que todas
as agências de defesa da concorrência agiriam de acordo com “o interesse da
sociedade” (o que varia de acordo com cada jurisdição).
No entanto, os especialistas geralmente assumem que as leis de
concorrência e as agências fariam um trabalho impecável e que, ao mesmo tempo,
os alvos das investigações ficariam à mercê das medidas tomadas pelas agências,
tidas como “último bastião” contra a “tirania dos monopólios” e “influências
políticas”167.
Assim, com base muitas vezes em premissas equivocadas é que algumas
leis e políticas de concorrência acabam sendo elaboradas, com pouco êxito, nos
países menos desenvolvidos e nos PEDs que possuem pouca, ou quase nenhuma,
familiaridade com o direito antitruste.
Em razão da falta de conhecimento sobre o assunto tem sido cada vez mais
valorizado o trabalho realizado em organizações internacionais que procuram
auxiliar os países na elaboração e desenvolvimento de políticas de defesa da
concorrência.
166
Sobre assimetria de informação, veja-se: GABAN, Eduardo Molan. Regulação econômica e
assimetria de informação. Revista do IBRAC, São Paulo, v. 9, n. 5, p. 97-167, 2002.
167
RODRIGUEZ; MENON, 2010, p. 29. Os autores afirmam também que é equivocado acreditar
puramente no fato de que a mera existência e atuação da agência antitruste em benefício dos
consumidores implicaria sua legitimidade popular e seu sucesso.
61
2.2 As organizações internacionais como fomentadoras das políticas de
concorrência
No plano internacional, cada vez mais a concorrência vem ganhando
espaço,
especialmente
diante
da
existência
de
condutas
anticompetitivas
internacionais cujos efeitos negativos podem ser sentidos em vários países ao
mesmo tempo168. Nesse sentido, destaca-se a atuação das organizações
internacionais, ou fóruns internacionais de discussão, para o intercâmbio de idéias e
informações.
No que diz respeito às condutas anticompetitivas, pode-se dizer que existe
um consenso de que cartéis internacionais que fixem preços ou dividam mercados,
ou qualquer atividade com o propósito de excluir empresas estrangeiras e negar
acesso aos mercados, seriam práticas inaceitáveis no mundo globalizado, mas
ainda há muito debate no sentido de criação de regras multilaterais e até mesmo
sobre a aplicação das regras existentes. Nesse sentido, existem estudos
importantes que denotam o papel das organizações internacionais como a OMC, a
OCDE e a UNCTAD.
Os esforços dessas organizações e foros multilaterais são elogiosos e
muito tem contribuído para a propagação de uma cultura geral de defesa da
concorrência, especialmente na última década. Vale observar que muitas
recomendações, guidelines e a divulgação das best practices têm oferecido
suporte para os países menos desenvolvidos implementarem as suas políticas e
leis de defesa da concorrência, em que pese isso não ser o suficiente para o
desenvolvimento de políticas antitruste que sejam efetivas.
Portanto, esse tópico traçará um breve panorama do papel e das atividades
das organizações e foros multilaterais para a promoção do direito da concorrência
em geral (considerando todos os temas) o que influencia não apenas seus
membros efetivos, mas também os chamados membros “observadores”, que muitas
168
Como é o caso dos cartéis internacionais hard core. Para a OCDE, o cartel hard core é: [...] um
acordo anticoncorrencial, uma prática concertada anticoncorrencial ou arranjo anticoncorrencial
realizado por competidores para fixar preços, fraudar licitações (collusive tenders), estabelecer
restrições de produção ou cotas, ou partir ou dividir mercados, alocando os clientes, provedores,
territórios, ou linhas de comércio. OCDE, 1998, p. 02.
62
vezes tem a intenção de combater condutas anticompetitivas e fomentar a livre
concorrência em suas jurisdições, mas precisam de suporte.
2.2.1 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
A OCDE é uma organização internacional que possui sede em Paris, cujo
objetivo principal é servir de foro para a discussão, o desenvolvimento e o fomento
de políticas econômicas e sociais que sejam de interesse de seus membros.
Fundada em 1961, a OCDE é constituída atualmente por 31 países considerados
democráticos e de elevado desenvolvimento industrial169.
Uma característica importante da OCDE é que dela também podem
participar como não-membros outros países, organizações não-governamentais e
sociedades civis.170
Trata-se de foro bastante profícuo em que há uma coordenação de políticas
domésticas e internacionais para auxiliar os membros e os não-membros a lidarem
com os problemas que abrangem tanto temas econômicos e sociais de
macroeconomia, como também educação, ciência e desenvolvimento. O fato de a
OCDE ter aberto as discussões aos não membros da organização foi muito
importante como meio de globalizar os debates e tentar conjugar os interesses
comuns.
Na OCDE, o Comitê de Direito e Política de Concorrência (CDPC), procura
auxiliar diversos países na obtenção de informações sobre as políticas de
concorrência, sendo responsável pela promoção das discussões e apoiado pela divisão
Competiton Law and Policy (CLP).
169
Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Coréia do Sul, Dinamarca, Espanha,
Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo,
México, Nova Zelândia, Noruega, Países Baixos, Polônia, Portugal, República Eslovaca, República
Tcheca, Suécia, Suíça, Turquia e Reino Unido. Veja-se: OCDE. About. OECD. Disponível em:
<http://www.oecd.org/pages/0,3417,en_36734052_36761800_1_1_1_1_ 1,00.html> Acesso em 20 jul.
2010.
170
O Brasil ainda avalai o seu ingresso na OCDE. De acordo com COZENDEY: [...] o Brasil
reconhece na OCDE um organismo relevante, influente na agenda internacional e de grande
capacidade técnica. A maior aproximação do Brasil com a organização, entretanto, não será uma
busca de imagem ou identidade diferente, mas sim um capítulo a mais de nossa contribuição para o
reforço da gestão coletiva do sistema econômico internacional, que só será eficaz se levar em conta
de forma adequada os interesses dos países em desenvolvimento. COZENDEY, Carlos Márcio. O
Brasil e a OCDE: não é de hoje, não é para amanhã. Pontes. v. 3, n. 4, ago. de 2007. Disponível
em: <http://ictsd.org/i/news/12438/> Acesso em: 15 jul. 2010.
63
Vale destacar que, desde 1967, a OCDE promove um trabalho e prepara
documentos de “recomendação” aos seus membros, para a elaboração de normas
que facilitem o controle de práticas e negócios potencialmente restritivos à
concorrência. Esses documentos sevem como “guias” que procuram dar suporte ao
desenvolvimento de política da concorrência e auxiliar a cooperação entre as
agências nacionais de defesa da concorrência
Cada vez mais a OCDE esta priorizando o auxílio técnico aos países,
elaborando respostas aos problemas comuns. O CDPC procura identificar práticas
recomendáveis de aplicação voluntária e desenvolver uma possível harmonização
das políticas de concorrência. Vale observar, também, que existe um fórum sob
coordenação do CDPC - o Fórum Global em Concorrência - que têm a finalidade de
aprofundar as relações entre os membros e os não-membros.
O Fórum Global em matéria de concorrência é formado por autoridades de
concorrência dos países-membros e não-membros, representantes de Organizações
Não-Governamentais (ONGs), empresas e consumidores, além do Banco Mundial, a
UNCTAD e a OMC171.
As recomendações da OCDE são consideradas como soft law172, já que os
Membros não são obrigados a adotá-las, não havendo sanções em caso de não
adoção. Isto não retira a importância dessas recomendações, uma vez que os
materiais produzidos, seus Comitês e grupos de estudo buscam o fortalecimento de
políticas e leis antitruste.
Há quase 40 anos observam-se trabalhos e estudos relevantes no âmbito da
OCDE no que diz respeito ao direito da concorrência. Em 1971 houve uma
recomendação em que já se procurava estimular os países-membros a vigiar
condutas comerciais que pudessem ter efeitos restritivos à livre concorrência173.
171
OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. Direito e economia da concorrência. São Paulo:
Renovar, 2004, p. 405.
172
Diferentemente da soft law, a chamada hard law requer que as partes contratantes observem os
termos do acordo. Em um acordo imperativo, os participantes são requisitados a observar os seus
termos e a modificar suas leis nacionais, adequando-as aos mandamentos do acordo, caso seja
necessário, pelos menos em um mínimo de exigências que sejam fundamentais. Cf. MATSUSHITA,
Mitsuo. International Cooperation in the Enforcement of Competition. Washington University
Global Studies Law Review, Washington, Vol. 1, 2002, p. 468.
173
“CONSIDERING moreover that consumer policy can contribute to more rational consumer
behaviour, which is essential for the effective functioning of price and quality competition; I.
RECOMMENDS to the Governments of Member countries: 1. That they should promptly take steps,
within the framework of their existing legislation: i) To apply their restrictive business practices
64
A Recomendação do CDPC de 1978 reconhecia também que as legislações
de direito da concorrência dos países encontravam grandes dificuldades para
enfrentar as condutas anticoncorrenciais, especialmente quando era necessária a
busca de provas e quando os agentes localizavam-se no exterior. Este documento
ressalta que tais práticas afetam negativamente todo o comércio internacional e, por
isso, algumas medidas devem ser tomadas, tais como a edição de legislações
nacionais, a cooperação internacional e o desenvolvimento de regras em
conformidade com o direito internacional174.
Um ano após, em 1979, houve outra Recomendação que versou sobre a
política de concorrência e os setores isentos ou regulamentados. Esta Recomendação
traduziu um convite da OCDE para que os Estados-membros procedessem a uma
reavaliação geral das normativas relacionadas à isenção de condutas abusivas
anticoncorrenciais175.
legislation with great vigilance against the detrimental effects especially: a) Of price-fixing and marketsharing agreements, b) Of monopolistic and oligopolistic practices affecting prices, and c) Of restrictive
business practices in the field of patents and patent licensing; ii) To keep under review the price
situation in key sectors of their economies which have a monopolistic or oligopolistic structure in order
to reduce any excessive prices by administrative or legal means at their disposal; iii) To examine
whether the bodies responsible for the enforcement of the restrictive business practices legislation
have adequate means at their disposal to carry out the measures outlined in paragraphs i) and ii)
above; iv) To strengthen their consumer policies in relation to consumer protection, education and
information, where they assist competition to function more effectively;”. (destaques no original)
OCDE. Recommendation of the council concerning action against inflation in the field of
Competition Policy – 14 dez. 1971 — C(71)205(Final). Disponível em: <http://webnet.oecd.org/
oecdacts/Instruments/ListNoGroupView.aspx?order=title> Acesso em 12 jan. 2010.
174
OCDE. Recommendation of the council concerning action against restrictive business
practices affecting international trade including those involving multinational enterprises 20
july 1978 – C(78)133 (Final). Disponível em: <http://webdomino1.oecd.org/horizontal/
oecdacts.nsf/Display/519F1CBC34FDA70BC12570880057B9E5? OpenDocument > Acesso em 13
out. 2009.
175
“3.Where the reviews mentioned in paragraph 1 indicate that regulation remains desirable to
achieve public policies or where public enterprises are involved, to consider whether increased
competition and increased application of restrictive business practices laws, consistent with the
objectives of regulatory policy, would be useful in alleviating the adverse effects which may result from
extensive regulation. More specifically, they should: a) Reconcile, as far as possible, existing
regulatory schemes with their competition policy and restrictive business practices laws;
b) Ensure that express or implied exemptions from restrictive business practices statutes are no
broader than necessary to achieve the public interest objectives of the regulatory schemes; c) Exempt
from the operation of competition laws only those restrictive activities of enterprises in regulated
industries which are required or expressly approved by the competent authorities as desirable or
necessary to achieve the purposes of the regulatory scheme; 4.To grant competition authorities
appropriate powers to challenge abusive practices, including unfair discriminations and refusals to
deal, by monopolies or cartels approved by the competent authorities particularly where such
behaviour is beyond the purposes for which the regulatory scheme was enacted; 5.To make efforts to
detect non-filed or unapproved agreements which, although lawful if notified to or approved by the
competent authorities, have not been so notified and approved; and to treat such agreements under
appropriate restrictive business practices standards;” OCDE. Recommendation of the council on
competition policy and exempted or regulated sectors. 25 September 1979 – C(79)155(Final).
65
Outra Recomendação relevante foi a de 1986, que deixou claro a existência
de efeitos negativos provocados pelas práticas anticompetitivas e apontava que a
aplicação efetiva da política de concorrência tinha um papel fundamental na
promoção do comércio. Esta Recomendação incentivou também a troca de
informações sobre cartéis de exportação, controle de limitação de exportação, cartéis
de importação e cooperação com as autoridades de outros países em qualquer
investigação de possíveis efeitos anticompetitivos176.
Essa Recomendação tem especial importância para este estudo, pois trata
da prática de cartéis de exportação e mostra que já na década de 80 existia uma
preocupação com esse tipo de isenção, ou da permissibilidade desta conduta. Em
adição, veja-se que também havia consciência sobre os efeitos que essa conduta
poderia causar ao comércio internacional.
Em um dos parágrafos da Recomendação foi expresso que quando uma
ação aprovasse ou isentasse um cartel de exportação, as leis de concorrência ou os
governos deveriam fazer o possível para avaliar os impactos dessas práticas no
mercado nacional ou internacional. Foi colocado ainda que, os países que não
procediam dessa forma deveriam considerar a possibilidade de requerer a
notificação de cartéis de exportação às autoridades de defesa da concorrência ou
estabelecer critérios similares para obter mais informações sobre a natureza e
extensão dessas práticas177.
Disponível em: <http://webdomino1.oecd.org/horizontal/oecdacts.nsf/Display/519F1CBC34FDA70BC
12570880057B9E5?OpenDocument > Acesso em 13 out. 2009.
176
OCDE. Recommendation of the Council for Co-operation between Member Countries in
Areas of Potential Conflict between Competition and Trade Policies – 23 out. 1986 –
C(86)65(final).
Disponível
em:
<http://webdomino1.oecd.org/horizontal/oecdacts.nsf/Display/
519F1CBC34FDA70BC12570880057B9E5?OpenDocument > Acesso em 13 out. 2009.
177
“6.When considering action to approve or otherwise exempt export cartels, export limitation
arrangements or import cartels from the application of their competition laws, governments should, as
far as possible, within existing national laws, take into account the impact of such practices on
competition in domestic and foreign markets. Member countries which have not yet done so should
consider the possibility of requiring the notification of export cartels, export limitation arrangements
and import cartels to competition authorities or similar procedures to obtain more information about the
nature and extent of these practices.” OCDE. Recommendation of the Council for Co-operation
between Member Countries in Areas of Potential Conflict between Competition and Trade
Policies – 23 out. 1986 – C(86)65(final). Disponível em: <http://webdomino1.oecd.org/
horizontal/oecdacts.nsf/Display/519F1CBC34FDA70BC12570880057B9E5?OpenDocument > Acesso
em: 13 out. 2009.
66
Veja-se que, apesar de reconhecer que essas políticas poderiam estimular o
fluxo de comércio, a OCDE recomendou que os governos não encorajassem o
exercício de poder de mercado por meio dos cartéis de exportação178.
A OCDE também recomendou que os países que tinham conhecimento
dessas condutas deveriam agir de acordo com a Recomendação (sem prejuízo da
total liberdade de ação dos governos) estando dispostos a cooperar com as leis
nacionais existentes e com as autoridades de qualquer país, em qualquer
investigação em que pudessem ser sentidos efeitos anticompetitivos. Desse modo, a
OCDE reconhecia a dificuldade jurisdicional que poderia surgir quando as
informações necessárias precisam ser obtidas fora do país ou quando as partes dos
acordos que restringiam a concorrência estavam localizadas em outros países179.
Outra Recomendação que interessa para esse estudo foi a de 1995, que
trata da questão da extraterritorialidade da legislação antitruste, detalhando as
maneiras de se buscar informações em países-membros da OCDE. Essa mesma
Recomendação sugeriu formas de conciliação em caso de existência de conflitos de
interesse180.
178
“7. While recognising that policies designed to allow interfirm co-operation in export trade can
stimulate trade flows, governments in general should not encourage the exercise of market power in
foreign markets through the use of export cartels. Nor should they encourage other restrictive
business practices in export or import markets, e.g., export limitation arrangements and import cartels,
which restrain competition in these markets.” OCDE. Recommendation of the Council for Cooperation between Member Countries in Areas of Potential Conflict between Competition and
Trade Policies – 23 out. 1986 – C(86)65(final). Disponível em: <http://webdomino1.oecd.org/
horizontal/oecdacts.nsf/Display/519F1CBC34FDA70BC12570880057B9E5?OpenDocument> Acesso
em 13 out. 2009.
179
“8. The government of the country where such cartels or export arrangements exist, should, without
prejudice to each government's full freedom of action and according to the procedures of the Revised
Council Recommendation concerning Co-operation between Member Countries on Restrictive
Business Practices Affecting International Trade, be ready to co-operate within existing national laws
with the authorities of other countries in any investigation into possible anti-competitive effects of
arrangements located in their countries, recognising the jurisdictional difficulties that sometimes arise
when information is sought from abroad or where the parties to a restrictive agreement are located
abroad.”. OCDE. Recommendation of the Council for Co-operation between Member Countries
in Areas of Potential Conflict between Competition and Trade Policies. 23 October 1986 –
C(86)65(final).
Disponível
em:
<http://webdomino1.oecd.org/horizontal/oecdacts.nsf/Display/
519F1CBC34FDA70BC12570880057B9E5? OpenDocument> Acesso em: 13 out. 2009.
180
“8. In the event that no satisfactory conclusion can be reached, the Member countries concerned, if
they so agree, should consider having recourse to the good offices of the Competition Law and Policy
Committee with a view to conciliation. If the Member countries concerned agree to the use of another
means of settlement, they should, if they consider it appropriate, inform the Committee of such
features of the settlement as they feel they can disclose.” OCDE. Recommendation of the Council
concerning Co-operation between Member Countries on Anticompetitive Practices affecting
International Trade – 28 jul. 1995 – C(95)130(final). Disponível em: <http://webdomino1.
oecd.org/horizontal/oecdacts.nsf/Display/519F1CBC34FDA70BC12570880057B9E5?OpenDocument
>. Acesso em: 11 set. 2009.
67
Este documento teve o propósito de esclarecer os procedimentos
recomendados, assim como buscou fortalecer a cooperação e minimizar conflitos na
execução das leis antitruste. Caso haja diferenças entre os países-membros durante
o processo de investigação, o CDPC pode ser acionado e o seu presidente deve ser
informado do conflito, para então buscar uma conciliação. No apêndice desta
Recomendação foram indicados princípios para os processos de notificação, troca
de informação, cooperação em investigações, consulta e conciliação nas condutas
potencialmente restritivas ao comércio internacional181.
A Recomendação de 1998 reconheceu os benefícios das informações
compartilhadas (mesmo diante da confidencialidade) e tratou em especial dos
chamados cartéis hard-core. Conforme mencionado no início deste estudo, estas
condutas anticompetitivas são consideradas como flagrantes violações do direito
da concorrência, uma vez que são realizadas para alterar a competição de forma
artificial: para fixar preços, controlar a oferta, estabelecer restrições de produção
ou cotas, compartilhar ou dividir mercados, alocando os clientes, fornecedores,
territórios, ou linhas de comércio182
Este documento, em sua primeira parte, aponta para a importância de uma
convergência entre as normas dos países-membros na proibição e luta contra os
cartéis, enquanto a segunda parte trata da cooperação internacional e do princípio
da comitas gentium (cortesia internacional183, que permite a aplicação extraterritorial
das leis nacionais).
A necessidade de cooperação decorre, por exemplo, de uma prática
anticompetitiva que é realizada em um país que reflete seus efeitos em outro.
181
Veja-se que essa Recomendação reforçou a dimensão internacional da tutela da livre
concorrência. Cf. DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Olga Maria (Orgs.). Direito Internacional
Econômico em Expansão: Desafios e Dilemas. 2ed. Ijuí: Unijuí, 2005, p. 653.
182
OCDE. Recommendation of the Council concerning Effective Action Against Hard Core
Cartels. Disponível em: <http://www.oecd.org/dataoecd/39/4/2350130.pdf>. Acesso em 22 set. 2009.
183
“[Le droit international] ne doit pás être confondu avec la courtoisie international (comitas gentium),
ensemble d´usage suivis a titre de simple convenance ET pour dês raisons de commodité pratique”.
ROUSSEAU, Charles. Droit International Public. a.II, v. 1. Paris: Sirey, 1977, p. 28. “Diríamos que a
cortesia internacional forma um código de ética internacional. Eventualmente, algumas das regras
desse código moral podem vir a se transformar em regras jurídicas do direito internacional,
consuetudinárias ou escritas, tal como ocorreu com a isenção tributária dos agentes diplomáticos,
inicialmente uma cortesia e hoje prevista na Convenção de Viena de 1961. Mas, não custa repetir,
não se pode ter como cortesia a imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros.” MADRUGA
FILHO, Antenor Pereira. A imunidade de jurisdição e a aplicação direta do costume internacional pelo
judiciário brasileiro. In. BASSO, Maristela; ALMEIDA PRADO, Mauricio; ZAITZ, Daniela (Orgs.).
Direito do Comércio Internacional - Pragmática, Diversidade e Inovação. Curitiba: Juruá Editora,
2005, p. 72.
68
Nessas situações, o compartilhamento de informações passa a ser imprescindível
para as investigações. Portanto, essa Recomendação de 1998 trouxe a idéia de se
criar um centro de registros, dentro do CDPC, com as exclusões e autorizações
notificadas à OCDE. Entendeu-se que isto poderia ser útil para consultas sobre
como os países-membros atuam no combate aos cartéis, assim como para avaliar
experiências.
Outra Recomendação que se mostra interessante para o presente estudo é
a de 2001, que tratou da separação estrutural nas indústrias reguladas. O
documento aponta que os países-membros devem balancear cuidadosamente os
benefícios e os custos das medidas estruturais contra os benefícios e os custos das
medidas comportamentais184.
Com base nas características econômicas do país que está sob análise, os
benefícios e custos a serem balanceados incluem: i) efeitos na concorrência, na
qualidade e no custo da regulação, ii) os custos de transação das modificações
estruturais, e iii) os benefícios públicos e econômicos da integração vertical185.
Vale destacar que dentro da OCDE existe o pensamento comum de que a
concorrência não pode mais ser pensada apenas em nível local (nacional). A
aproximação e o intercâmbio entre as autoridades continuam sendo necessárias,
representando uma força complementar aos processos em andamento. Veja-se que,
com a troca de informações que ultrapassam os limites nacionais, as autoridades
têm maior capacidade de realizar um mapeamento eficiente das condutas
anticoncorrenciais, mesmo aquelas que ocorreram no plano internacional.
A OCDE vem tentando desempenhar papel importante para encontrar os
melhores meios de suporte e para auxiliar na eficácia das leis nacionais de direito da
concorrência e seus documentis serão utlizados também em outros capítulos desse
estudo.
184
OCDE. Recommendation of the Council concerning Structural Separation in Regulated
Industries. 2001. Disponível em: <http://www.oecd.org/dataoecd/24/49/25315195. pdf>. Acesso em
13 dez. 2009.
185
Os benefícios e os custos analisados devem ser aqueles reconhecidos pelas agências relevantes
e autoridades de concorrência, baseados nos princípios definidos pelo país-membro. Este balanço
pode ocorrer especialmente no contexto de privatização, liberalização ou reforma regulatória. Nessa
Recomendação foram trazidos os conceitos de: firma, firma regulada, atividade competitiva, atividade
não-competitiva e complementar. Veja-se: OCDE. Recommendation of the Council concerning
Structural Separation in Regulated Industries. 2001. Disponível em: <http://www.oecd.org/
dataoecd/24/49/25315195.pdf>. Acesso em 13 dez. 2009.
69
No mesmo sentido da OCDE, mas ainda mais voltada a atender às
necessidades dos PEDs e economias mais frágeis, vale também observar os
esforços da UNCTAD que será analisada no próximo tópico.
2.2.2 Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD)
O termo UNCTAD corresponde à sigla em inglês para Conferência das
Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento. A UNCTAD possui atualmente
193 países-membros186, sendo o órgão do sistema das Nações Unidas que busca
discutir e promover o desenvolvimento econômico por meio do incremento ao
comércio mundial.
Este foro intergovernamental foi estabelecido em 1964 (03 anos após o
estabelecimento da OCDE), com o objetivo de dar auxílio técnico aos países em
desenvolvimento para que estes se integrem ao sistema de comércio internacional.
A UNCTAD procura apoiar os países em desenvolvimento a se beneficiar das
oportunidades oriundas do comércio e do investimento internacional, para atingir
suas metas de desenvolvimento auxiliando estes a se integrarem na economia
mundial.
A UNCTAD tem procurado envolver também a sociedade civil em seu
processo de deliberação governamental, criando parcerias visando iniciativas
conjuntas com as ONGs187, instituições acadêmicas, parlamentares e representantes
da iniciativa privada.
A Resolução n˚. 33/153 da Assembléia Geral da ONU, de 20 de dezembro
de 1978, solicitou com base nos trabalhos do Terceiro Grupo Especial de
especialistas em práticas comerciais restritivas, um conjunto de princípios e normas
186
UNCTAD. Membership of UNCTAD and TDB Disponível em: <http://www.unctad.org/
Templates/Page.asp?intItemID=1929&lang=1> Acesso em: 20 jul. 2010.
187
De acordo com o parágrafo 7 da resolução 1296 (XLIV) do Conselho Econômico e Social
(ECOSOC), de 23 de maio de 1968, as ONGs são “organizações internacionais que não foram
criadas pela via de acordos intergovernamentais”. De acordo com Vieira: “[...] a contribuição das
ONGs Internacionais é multifacetada: mobilizam recursos para refugiados e para projetos de
desenvolvimento, colaboram para assistência humanitária em situações de emergência. Também
desempenham um papel de influência ao engajarem-se em trabalhos de educação e de assistência
social. São perseverantes em exigir dos governos ações mais conscientes no nível nacional e
multilateral para fixar altos padrões de direitos humanos e ambientais, estabelecer e manter a paz e
para atender aspirações e necessidades básicas dos cidadãos”. VIEIRA, Liszt. Os argonautas da
cidadania - a sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2001, p. 125.
70
equitativos, estabelecidos multilateralmente, para o controle das práticas comercias
restritivas que repercutiram de forma negativa sobre o comércio internacional,
particularmente aos países em desenvolvimento188.
Em 1979 que as Nações Unidas convocaram uma Conferência com o fim de
analisar as práticas comercias restritivas à livre concorrência internacional, e na
sequência, os Princípios das Nações Unidas sobre a Concorrência foram aprovados
pela Assembléia Geral em 1980189 (Seção F, parágrafos 6º e 7º). Isto instigou a
UNCTAD e seus membros a prestar assistência técnica, consultoria e treinamento
no que diz respeito ao combate das práticas comerciais restritivas, principalmente
para países em desenvolvimento190. Assim, na XXXV Assembléia Geral da ONU foi
adotada, por consenso, a Resolução n˚. 35/63191, que visava a criação de um
ambiente internacional em que houvesse a possibilidade de se aprovar um corpo de
princípios e normas multilaterais em matéria de práticas comerciais restritivas.
O conjunto de princípios192 e regras - Set of Multilatetaly Agreed Equitable
Principles and Rules for lhe Control of Restrictive Business Practices193 – foi
188
UNCTAD. TD/RBP/CONF/10/Rev.2, p. 7.
A Conferência das Nações Unidas sobre as Práticas Comerciais Restritivas, que fora convocada
pela Assembléia Geral, em virtude da Resolução n. 33/153, de 20 de dezembro de 1978, teve seu
primeiro período de trabalho compreendido entre 19 de novembro e 8 de dezembro de 1979. O
segundo período realizou-se de 08 a 22 de abril de 1980 e teve convocação da Assembléia Geral, por
meio da decisão n.34/447 de 19 de dezembro de 1979.
190
Resolução da Assembléia Geral 35/63 de 05 de dezembro de 1980. Veja-se:
TD/RBP/CONF.10/Rev.2, p. 5.
191
A Conferência das Nações Unidas sobre as Práticas Comerciais Restritivas, convocada pela
Assembléia Geral, em virtude da Resolução n. 33/153, de 20 de dezembro de 1978, teve seu primeiro
período de trabalho compreendido entre 19 de novembro e 08 de dezembro de 1979. O segundo
período realizou-se de 08 a 22 de abril de 1980 e teve convocação da Assembléia Geral por meio da
decisão n.34/447 de 19 de dezembro de 1979.
192
“i) Principios generales- 1. En los planos nacional, regional e internacional, deberían adoptarse
medidas apropiadas que se refuercen mutuamente para eliminar o contrarrestar de modo eficaz las
prácticas comerciales restrictivas, incluídas las de las empresas transnacionales, que repercuten en
forma desfavorable sobre el comercio internacional, particularmente el de los países en desarrollo, y
sobre el desarrollo económico de estos países. 2. Debería establecerse, y mejorarse donde ya se
haya establecido, una colaboración entre los gobiernos en los planos bilateral y multilateral para
facilitar el control de las prácticas comerciales restrictivas. 3. Deberían idearse en el plano
internacional mecanismos apropiados, o utilizarse mejor los mecanismos internacionales existentes
para facilitar el intercambio y la difusión de información entre los gobiernos sobre las prácticas
comerciales restrictivas, o ambas cosas. 4. Deberían idearse los medios adecuados para facilitar la
celebración de consultas multilaterales sobre cuestiones de política relativas al control de las
prácticas comerciales restrictivas. 5. Las disposiciones del Conjunto de principios y normas no
deberían interpretarse en el sentido de justificar una conducta de las empresas que sea ilegal según
la legislación nacional o regional aplicable.” TD/RBP/CONF.10/Rev.2, p. 15.
193
Com a adoção dos “Princípios” em 1980, a UNCTAD foi responsável por quatro Conferências
qüinqüenais de revisão. A revisão que ocorreu entre 25 a 29 de setembro de 2000 reafirmou a
validade dos princípios e recomendou que o subtítulo passasse a ser “UN Set of Principles and Rules
on Competition”.
189
71
aprovado por consenso pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de
dezembro de 1980, fazendo menção à autoridade dos Estados de coibir os atos que
“tenham, ou possam ter efeitos desfavoráveis sobre o seu comércio ou o seu
desenvolvimento econômico”194
Nas economias mais frágeis geralmente os fatores básicos precisam ser
complementados por políticas para construir capacidades locais e integração eficaz
dos países em desenvolvimento no mundo. Assim, é crucial que haja o
fortalecimento,
a
eficácia,
a
coerência
e
a
consistência
de
políticas
macroeconômicas.
A UNCTAD, por meio dos compromissos firmados, busca identificar as
necessidades específicas, contribuir para melhor compreensão e coerência entre
as regras econômicas internacionais, políticas nacionais e estratégias de
desenvolvimento além de apoiar os países em desenvolvimento para formular
estratégias de desenvolvimento adaptadas aos desafios da globalização195.
No âmbito da UNCTAD as negociações sobre o controle do poder
econômico foram marcadas por debates e diferentes pontos de vista, por exemplo:
os norte-americanos pretendiam a adoção de uma harmonização legislativa,
enquanto os países em desenvolvimento procuravam incluir na definição de práticas
comerciais restritivas uma referência expressa sobre os seus efeitos nocivos para o
desenvolvimento econômico.
Com a adoção dos princípios e normas, a UNCTAD passou a ter
efetivamente um empenho maior na discussão sobre a concorrência e o comércio
internacional. De acordo com o texto final, os objetivos são, em resumo: i) manter os
benefícios da liberalização econômica, especialmente para o comércio dos países
em desenvolvimento; ii) maior eficiência do comércio internacional nos países em
desenvolvimento, por meio da proteção da concorrência; iii) controle da
194
“Principios y normas que deben seguir los Estados en los ámbitos nacional, regional y
subregional [...] 2. Los Estados deberían fundar su legislación primordialmente em el principio de
eliminar o contrarrestar eficazmente los actos o el comportamiento de las empresas que, mediante el
abuso o la adquisición y el abuso de una posición dominante en el mercado, limiten el acceso a los
mercados o de otro modo restrinjan indebidamente la competencia y tengan o puedan tener efectos
desfavorables sobre su comercio o su desarrollo económico, o que, mediante acuerdos o arreglos,
formales o no formales, escritos o no escritos, entre las empresas tengan las mismas repercusiones.”
(destaques no original) UNCTAD. TD/RBP/CONF/10/Rev.2, p. 20.
195
Veja-se: UNCTAD. São Paulo Consensus – TD/410. Disponível em: <http://www.unctad.org
/en/docs/td410_en.pdf> Acesso em: 21 jul. 2010.
72
concentração de capitais e desenvolvimento; iv) promover o bem-estar dos
consumidores; v) eliminar as desvantagens para o comércio e obstáculos ao
desenvolvimento que as práticas comerciais restritivas possam produzir; vi) criar um
conjunto de normas e princípios acordados multilateralmente com o fim de controlar
práticas comerciais restritivas para adoção internacional196.
Conforme previsto, estas normas deveriam ser universais, no entanto, elas não
se aplicam às práticas comerciais restritivas decorrentes de acordos governamentais.
Segundo DAL RI JUNIOR, os princípios contidos no corpo da Resolução n˚. 35/63
foram divididos em três categorias: i) os princípios eqüitativos acordados em âmbito
multilateral para o controle das práticas comerciais restritivas; ii) os princípios e
normas aplicáveis às empresas, inclusive as transnacionais; e iii) os princípios e
normas que os Estados devem seguir em âmbito nacional, regional e sub-regional.197
A colaboração internacional dentro da UNCTAD foi enfatizada como reforço
para melhor o controle das práticas comerciais restritivas à concorrência. Assim, a
UNCTAD funcionaria como órgão de consulta e também teria um papel importante
para a capacitação e desenvolvimento da cultura da concorrência.
No entanto, em que pese o estabelecimento de normas e princípios ainda há
uma grande dificuldade na prática para o fortalecimento das políticas de defesa da
concorrência, e uniformização dos princípios em um contexto multilateral. Assim,
esta tentativa da ONU, por ora, não conseguiu atender de forma ampla aos anseios
dos países e jurisdições envolvidos.
Vale mencionar que a concorrência ainda foi tema estudado na
Conferência da UNCTAD realizada em Bangkok, do dia 12 ao dia 19 de fevereiro
de 2000198. O Relatório final desta conferência proporcionou uma reflexão
importante sobre o papel das empresas multinacionais no comércio internacional,
assim como sobre o impacto de possíveis fusões e condutas comerciais
restritivas à concorrência.
196
Ocorreram outras conferências diplomáticas em 1985, 1990, 1995 e 2000 para rever o CPR.
Entretanto, nada chegou a ser alterado. Veja-se no mesmo sentido: DAL RI JUNIOR, 2003, nota 37,
p. 642.
197
DAL RI JUNIOR, 2003, p. 644-645. Cf. CARVALHO, 2001, p. 163.
198
UNCTAD TD/390. Disponível em: <http://www.unctad.org/en/docs//ux_td390.en.pdf> Acesso em
20 jun. 2010.
73
Esse relatório tem certa relevância com o tema aqui proposto, pois a sua
maior preocupação refere-se ao fato de as condutas restritivas não impedirem ou
invalidarem a obtenção de benefícios alcançados com a liberalização das barreiras
tarifárias e não tarifárias que regem o comércio mundial. Veja-se que havia
especialmente uma preocupação expressa com as condutas que diretamente afetam
o comércio e o desenvolvimento dos países em desenvolvimento199.
Percebe-se que, para a UNCTAD, a liberalização do comércio e dos
investimentos, dentro e fora da OMC, funciona como um incentivo para a
globalização. Ainda, observa-se que as medidas que procuram ser defendidas são
destinadas a controlar e a combater as práticas restritivas ao comércio, com maior
eficiência.
Desse modo, a UNCTAD também tem como meta estudar profundamente o
impacto que os possíveis acordos internacionais sobre concorrência teriam para o
desenvolvimento. Nesse contexto, com base em casos concretos acredita-se que a
relação entre concorrência e competitividade deve ser estudada de forma clara e
objetiva200.
Na Conferência da ONU realizada em setembro de 2000, em Genebra, as
delegações reafirmaram o papel fundamental desempenhado pela lei e pela política
da concorrência para o desenvolvimento econômico. A UNCTAD buscou promover
novamente a cooperação entre os Estados em todos os níveis (i.e. regional,
multilateral) para reforçar o controle de fusões e de práticas anticoncorrenciais
nocivas, entretanto, não ocorreram resultados relevantes201.
De acordo com CARVALHO, os pontos principais que deveriam continuar sob
a análise pelo grupo de especialistas de direito e política de concorrência na UNCTAD
são: a) criação de capacidades institucionais; b) a promoção da concorrência e
educação do público; c) os estudos sobre a concorrência, competitividade e
199
Cf. UNCTAD. TD/390.
UNCTAD. TD/390. Disponível em: <http://www.unctad.org/en/docs//ux_td390.en.pdf> Acesso em
20 jun. 2010.
201
Forth United Nations Conference to review all aspects of the set of multilaterally agreed equitable
principles and rules for the control of restrictive business practices TD/RBP/CONF.5/15-4. Disponível
em <http://www.unctad.org/en/docs/tdrbpconf5d16.en.pdf>. Acesso em 15 fev. 2010.
200
74
desenvolvimento; d) as contribuições para os possíveis acordos internacionais sobre
concorrência202.
A Quinta Conferência das Nações Unidas para rever todos os aspectos dos
Princípios (parágrafo 4º da Resolução), registrou, com satisfação, as contribuições
financeiras voluntárias e outras contribuições recebidas para o chamado “capacitybuilding” e cooperação técnica. Todos os Estados-Membros foram incitados a
continuarem dando assistência a UNCTAD, voluntariamente: disponibilizando
especialistas, oferecendo treinamentos e outros recursos203.
A tentativa de criação das “capacidades institucionais” pela UNCTAD referese ao oferecimento de suporte para ampliar a assistência técnica e assessoramento
aos países. Conforme se verá nesse estudo, as instituições são estruturas que
modelam o funcionamento do processo econômico como um todo e por isso são um
fator indispensável para o desenvolvimento204.
Para a divulgação de uma “cultura da concorrência” o encontro denominado
Expert Meeting on Competition Law and Policy da UNCTAD procura implementar
medidas de auxílio, tais como: publicação de documentos com as localidades das
agências de concorrência, manual de legislação de concorrência, e comentários
sobre a legislação de alguns países.
O Expert Meeting on Competition Law and Policy Ad-hoc que foi realizado
em outubro de 2006 teve como temas principais: a) a relação entre a lei e a política
de concorrência com subsídios205; e b) análise da cooperação e os mecanismos de
solução de controvérsias relacionados com a política de concorrência nos acordos
regionais de comércio. Esses temas levaram em consideração as matérias
particulares relacionadas aos pequenos países em desenvolvimento.
202
CARVALHO, 2001, p. 166. No mesmo sentido: TD/RBP/CONF.5/15-4. Disponível em
<http://www.unctad.org/en/docs/tdrbpconf5d16.en.pdf>. Acesso em 15 fev. 2010.
203
UNCTAD. Report Of The Fifth United Nations Conference To Review All Aspects Of The Set
Of Multilaterally Agreed Equitable Principles And Rules For The Control Of Restrictive
Business Practices Held At Antalya, Turkey, From 14 To 18 November 2005 TD/RBP/CONF 6/15.
10 February 2006, p. 6.
204
Sobre a abordagem institucionalista, vale mencionar o trabalho e os conceitos desenvolvidos por
Douglass North, que será estudado no Capitulo 4.
205
“O subsídio caracterizar-se-ia por um benefício em decorrência da existência no país exportador
de qualquer sustentação de renda ou preços que contribuam, mesmo que indiretamente, ao aumento
das exportações ou a redução da importação de qualquer produto, ou pela existência de contribuição
financeira governamental ou de algum órgão público, no próprio país exportador.” BAGNOLI, 2005,
p. 128.
75
A UNCTAD, com a colaboração de outras organizações internacionais, como
o Banco Mundial, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
e a OMC, organizou também reuniões regionais que versaram sobre o tema de
direito e política de concorrência. Veja-se que o ponto de partida dessas reuniões
foi o conteúdo exposto nos parágrafos 23 e 24 da Declaração de Doha, relativas à
interação entre concorrência e comércio internacional. Trata-se de uma assistência
aos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, para avaliem os
prováveis efeitos de uma cooperação multilateral em matéria de defesa da
concorrência.206
Na Declaração da XII UNCTAD realizada em Acra, em 2008, foi
recomendado que esforços deviam ser feitos para prevenir e desmembrar estruturas
e práticas anticompetitivas para promover responsabilidade e punição de agentes
em nível nacional e internacional. Defende-se que isto possibilitaria aos produtores,
empresas e consumidores de países em desenvolvimento a auferir vantagens da
liberalização comercial207.
Nas
conclusões
acordadas
na
nona
sessão
anual
do
Grupo
Intergovernamental de Especialistas em Lei e Política de Defesa da Concorrência208,
o grupo intergovernamental de especialistas também solicitou à Secretaria da
UNCTAD para prosseguir e, se possível, centrar a capacity-building e as atividades
de cooperação técnica (incluindo treinamento) a fim de maximizar os impactos em
todas as regiões, dentro dos recursos humanos e financeiros disponíveis. Além
disso, o grupo intergovernamental de especialistas solicitou que a Secretaria
preparasse um relatório sobre e assistência técnica durante a décima sessão.
206
“We recognize the needs of developing and least-developed countries for enhanced support for
technical assistance and capacity-building in this area, including policy analysis and development so
that they may better evaluate the implications of closer multilateral cooperation for their development
polices and objectives, and human and institutional development. To this end, we shall work in
cooperation with other relevant intergovernmental organizations, including UNCTAD, and through
appropriate regional and bilateral channels, to provide strengthened and adequately resourced
assistance to respond to these needs.” WTO. WGTCP - Communication from UNCTAD - Closer
Multilateral Cooperation on Competition Policy: the Development Dimension. WT/WGTCP/W/197,
15/08/2002, p. 2.
207
De acordo com os documentos oficias isso deveria ser complementado pela promoção de uma
cultura de concorrência e aumento de competição entre as autoridades antitruste. Países em
desenvolvimento foram encorajados a considerar, como matéria de importância, o estabelecimento
de leis e padrões de concorrência adaptados às suas necessidades de desenvolvimento,
complementadas por assistência técnica e financeira para construção de capacidades, levando em
consideração objetivos políticos e limitações de capacidade. UNCTAD/IAOS/2008/2, 2008, p. 35.
208
Veja-se o documento: UNCTAD. TD/B/COM.2/CLP/72, 30 de Julho de 2008. Disponível em:
<http://www.unctad.org/templates/Meeting.asp?intItemID=4499&lang=1> Acesso em 12 fev. 2010.
76
A UNCTAD considera que deveria continuar a ser um fórum para discussão
de tópicos concorrenciais em nível multilateral, com estreitas ligações com outras
redes existentes e autoridades concorrenciais para promover o uso de legislação e
políticas de concorrência como ferramentas para o alcance de competitividade
nacional e internacional.
Assim, a UNCTAD espera auxiliar nas seguintes ações: (a) preparo e
implementação de leis, políticas concorrenciais nacionais e regionais, medidas
apropriadas
para
as
necessidades
de
desenvolvimento
de
países
em
desenvolvimento e do bem-estar de seus consumidores; (b) pesquisa e deliberações
relacionadas a práticas anticompetitivas em diferentes setores, seus efeitos no bemestar do consumidor, em mercados globais, em mercados dos países em
desenvolvimento em particular e mecanismos para solucionar tais efeitos; (c) exame
de todas as questões relacionadas à interface entre concorrência, privatização,
inovação e seus impactos no comércio e desenvolvimento, inclusive em nível
regional; (d) no auxílio a cooperações regionais e cooperações Sul-Sul em políticas
concorrenciais; (e) auxílio aos países em desenvolvimento na formulação e
implementação de legislação concorrencial; (f) Peer reviews voluntários de política
concorrencial na UNCTAD, que deveriam ser estendidos a grupos maiores de
países em desenvolvimento e suas organizações econômicas regionais; e (g)
facilitação das trocas de experiências e melhores práticas com a construção de
capacidades em diferentes regiões, incluindo programas como o de assistência
técnica em políticas de concorrência e proteção do consumidor na América Latina
(Compal), que deveriam ser fortalecidos209.
De acordo com o documento TD/B/C.I/CLP/5 de abril de 2009, a UNCTAD é
ponto de referência para todas as atividades relacionadas com as políticas de
defesa da concorrência e do consumidor no sistema das Nações Unidas, com o fim
de:
[...] assegurar que as práticas comerciais restritivas não impeçam ou
impossibilitem a realização de lucros vindos da liberalização de
barreiras tarifárias e não-tarifárias que afetam o comércio mundial,
particularmente aquelas que afetam o comércio e o desenvolvimento
dos países em desenvolvimento210. (tradução livre)
209
UNCTAD. UNCTAD/IAOS/2008/2. Accra Accord and the Accra Declaration, 30 jun. 2008, p. 36 e
47.
210
TD/B/C.I/CLP/5, 2009, p. 3.
77
Os Princípios das Nações Unidas reconhecem também que as normas
básicas de defesa da concorrência, usadas nos países desenvolvidos há muito
tempo, devem estender-se às operações das empresas, inclusive aos grupos
transnacionais nos países em desenvolvimento. Apesar da tendência geral para a
adoção, reformulação, e uma melhor implementação das leis e políticas de defesa
da concorrência nos países em desenvolvimento e em transição, muitos desses
países ainda hoje não possuem uma instituição adequada.
Com base nos documentos da UNCTAD, pode-se afirmar que é dever desta
instituição manter e ampliar a sua ajuda aos países que tenham interesse de
desenvolver
um
marco
regulamentar
e
institucional
interno
no
âmbito
de
desenvolvimento e política da concorrência.
Contudo, suas iniciativas enfrentam entraves, uma vez que o campo de
atuação da instituição está vinculado ao quadro das Nações Unidas, e os temas
incluídos no corpo da Resolução da ONU limitam-se ao que é estabelecido a cada
cinco anos em um plano de trabalho rígido. Dessa maneira, não é fácil para a
UNCTAD acompanhar as modificações da economia mundial em matéria de
concorrência. Ao mesmo tempo, a Resolução da ONU (opiniões e/ou manifestações
de vontade formais da ONU e de seus órgãos) pode excluir dos debates alguns
pontos fundamentais para a sociedade internacional, contrariando os interesses de
alguns Estados211.
No relatório de 2009 mencionado acima, foi novamente enfatizado o objetivo
das atividades de cooperação técnica da UNCTAD:
[...] dar suporte aos países em desenvolvimento - incluindo os países
menos desenvolvidos (Least Developed Countries - LDCs) e as
economias em transição - na elaboração e revisão de leis e políticas
de defesa da concorrência e na execução destas leis, auxiliando (a) na
criação de uma instituição nacional, (b) na promoção de uma cultura
da concorrência entre os trabalhadores do setor público e privado,
entre os consumidores e acadêmicos, (c) no apoio à cooperação
regional em matéria de política de concorrência, e (d) nos países e
grupos regionais para melhor definir as modalidades e formas de
cooperação regional nas questões concorrenciais que favorecem o
comércio, investimento e desenvolvimento. 212 (tradução livre).
211
212
DAL RI JUNIOR, 2003, p. 648.
TD/B/C.I/CLP/5, 2009, p. 3-4.
78
Na prática, a assistência técnica é fornecida conforme os pedidos recebidos, as
necessidades dos países e os recursos disponíveis, nas seguintes formas:
(a) fornecimento de informações sobre práticas anticoncorrenciais, e seus
possíveis efeitos na economia,
(b) seminários introdutórios e workshops sobre o papel da defesa da
concorrência na promoção do desenvolvimento para funcionários públicos e
acadêmicos assim como para comerciantes e consumidores,
(c) assistência aos países ou organizações regionais, que estão em processo
de elaboração da legislação de defesa da concorrência,
(d) serviços de consultoria para a criação ou fortalecimento de autoridades de
defesa da concorrência, que normalmente inclui a elaboração de relatórios sobre a
estrutura institucional e treinamento dos funcionários responsáveis pelo controle efetivo
das práticas anticompetitivas, incluindo o judiciário,
(e) seminários e workshops para os países que já adotaram suas próprias leis
da concorrência, que já tenham experiência no controle de práticas anticoncorrenciais, e
que desejam melhorar a aplicação desta lei ou realizar intercâmbio de informações;
(f) assistência aos países ou organizações regionais que desejam rever sua lei
de defesa da concorrência e procurar aconselhamento, de forma a alterar as suas leis
da maneira mais eficaz possível,
(g) realização voluntária de peer reviews sobre leis e políticas de defesa da
concorrência de países interessados;
(h) assistência aos países em desenvolvimento - incluindo os países menos
desenvolvidos e economias em transição - com vista a ajudá-los a avaliar melhor as
implicações das cooperações regionais e bilaterais nas questões da concorrência,
(i) assistência aos países e às organizações regionais para identificar o papel
da política de defesa da concorrência na promoção da competição e desenvolvimento,
bem como de uma política de defesa da concorrência orientada para o desenvolvimento
e cooperação internacional, e suas implicações a nível nacional, regional e internacional
e
(j) assistência na formulação de regulamentos setoriais e políticas adequadas
de defesa da concorrência.
79
A título de ilustração, as principais atividades realizadas de cooperação
técnica e capacity-building da UNCTAD em 2008 estão resumidas na tabela abaixo:
TABELA 02 - Cooperação técnica e capacity-building - UNCTAD213
Requestor/
beneficiary
Butão
Bolívia
Botswana
Camarões
Costa Rica
El Salvador
Indonésia
Iraque
Madagascar
Mauritius
México
Moçambique
Nicaragua
Peru
Ruanda
Suazilândia
Tunísia
Uzbequistão
Zambia
COMESA*
ECOWAS*
ESA
SADC*
WAEMU*
Activities
related to
drafting or
reviewing of
laws and
policies
Peer
reviews
and
followup
Institution
al building
Advocac
y
activities
Consumer
protection
Training of
local officials
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
* COMESA - Common Market for Eastern and Southern Africa (Mercado Comum da África Oriental e
Austral); ECOWAS - Economic Community of West African States (Comunidade Econômica dos
Estados da África Ocidental); SADC - Southern African Development Community (Comunidade da
África Meridional para o Desenvolvimento); WAEMU – West African Economic and Monetary Union.
Apesar dos esforços da UNCTAD em auxiliar os países de menor
desenvolvimento e de procurar promover a cultura geral de concorrência e certa
harmonização entre as normas, ainda há um grande trabalho a ser feito. As ações
empreendidas não deixam de ser relevantes, porém ainda insuficiente diante de
todos objetivos buscados.
213
Summary of countries’ requests and UNCTAD technical assistance in 2008. TD/B/C.I/CLP/5, 2009,
p. 5.
80
2.2.3 International Competition Network (ICN)
Em fevereiro de 2000, por meio do Relatório do Comitê de Aconselhamento
de Política de Concorrência Internacional dos EUA, foi lançada a idéia de criação de
um fórum global especializado em concorrência, a qual foi endossada, em setembro
de 2000, pela Direção Geral de concorrência da Comissão Européia, e em fevereiro
de 2001, por cerca de quarenta profissionais reconhecidos na área de
concorrência214.
A “Rede Internacional de Concorrência” (International Competition Network —
ICN) foi criada em outubro de 2001, formada, em princípio, por autoridades dos
seguintes países: Austrália, Canadá, União Européia (UE215), França, Alemanha,
Israel, Itália, Japão, Coréia, México, África do Sul, Reino Unido, EUA e Zâmbia.
Os Membros da ICN são agências que atuam na defesa da concorrência e
que aderiram ao Memorandum on the Establishment and Operation of the
International Competition Network ou são membros da Interim Steering Group. Por
meio do Memorandum on the Establishment and Operation of the International
Competition Network, a ICN passou a ter uma leve estrutura institucional.
Na ICN não é definido a participação por jurisdição, ou seja, se em uma
única jurisdição existir mais de uma agência, ou autoridade, responsável pela
defesa da concorrência, cada uma delas poderá ser Membro da ICN216. Até julho
de 2010, a ICN contava com a participação de mais de 300 autoridades de defesa
da concorrência e entidades voltadas para o desenvolvimento e aprimoramento dos
sistemas de defesa da concorrência.
A ICN procura promover uma rede mais eficiente de combate às práticas
anticoncorrenciais, buscando também contribuições dos setores privados e das
ONGs (“consultores não-governamentais”) que estão preocupadas com a aplicação
214
OLIVEIRA, RODAS, 2004, p. 414.
No presente estudo usa-se os termos União Européia (UE) e Comunidades Européias (CE) como
sinônimos. Contudo prefere-se a utilização do termo Comunidades Européias por partilhar-se da
opinião de alguns estudiosos de que ainda não há uma União completa, uma vez que existem países,
por exemplo, que não aderiram à moeda única.
216
ICN. International Competition Network Operational Framework – last revision: 1 october,
2004, p. 1.
215
81
das leis antitruste. Veja-se que a ICN também procura cooperar com as
organizações internacionais, como a OCDE, OMC, e UNCTAD217.
No que diz respeito à organização, as agendas de encontros e conferências
ficam sob responsabilidade do grupo diretor, cabendo-lhe decidir quando será
apropriado convidar certos conselheiros não-governamentais para conferências e
encontros. Anualmente o grupo diretor escolhe um membro para presidir a ICN218.
Há um grupo cuja atividade está direcionada às práticas restritivas à
concorrência que procura identificar o comportamento de cartel, além do abuso de
posição dominante, casos de monopólio em setores regulados entre outros temas.
Outro grupo foi destinado a identificação de elementos que contribuem na formação
de estruturas eficientes em países em desenvolvimento e economias em transição.
Este grupo é composto por três subgrupos responsáveis pelo desenvolvimento de
recomendações
nos
seguintes
campos:
procedimentos
e
notificação
de
concentração, estrutura analítica para revisão de concentração e técnicas de
investigação219.
Até 2010 foram realizadas 09 conferências anuais pela ICN220. Em
complemento aos trabalhos ligados às best practices e formação de uma cultura
217
“ICN will seek advice and contributions from the private sector and from non-governmental
organisations that are concerned with the application of antitrust laws (“non-governmental advisers”)
and will therefore cooperate closely with the following types of entities: (a) International organisations,
such as OECD, WTO, and UNCTAD; (b) Industry and consumer associations; (c) Associations and
practitioners of antitrust law and/or economics; and (d) Members of the academic community. In
particular, ICN may seek input from non-governmental advisers for the purpose of identifying projects.
ICN may also request that certain non-governmental advisers participate in working groups for
designated projects. Non-government advisers may also be asked to contribute papers or participate
in hearings related to ICN projects. Non-governmental advisers are not members and will not
participate in the internal decisions necessary for the organization and operation of the ICN”. ICN.
Memorandum on The establishment and operation of the international competition network, p.
2. Disponível em: <http://www.international competitionnetwork.org/mou.pdf>. Acesso em: 12 nov.
2009.
218
O presidente tem a responsabilidade de: (a) presidir os encontros do grupo diretor e co-presidir as
conferências da ICN em conjunto com o líder do país da agência que recepcionará os eventos; (b)
empreender os deveres necessários de secretariado; (c) manter a lista de contatos e circular versões
atualizadas de tempo em tempo; e (d) agir como referência de informações nas operações da ICN. O
suporte logístico dos encontros e conferências é providenciado pelo membro da ICN que os acolher
em seu país. Após as conferências, todos os membros do conselho diretor reúnem-se e discutem os
avanços dos grupos de trabalho e os projetos desenvolvidos. Existem diversos grupos de trabalho
atualmente, mas os primeiros grupos foram: i) aplicação antitruste em setores regulados, ii)
concentração e implementação de política de concorrência e, iii) capacidade estrutural.
219
OLIVEIRA; RODAS, 2004, p. 416.
220
Em resumo: a 1ª Conferência foi sediada em Nápoles - Itália, em 2002, com o estabelecimento de
dois grupos de trabalho sobre defesa da concorrência e sobre concentração em contextos
multijurisdicionais. A 2ª Conferência anual, (23-25 de junho de 2003) foi realizada em Mérida- México,
onde foram temas dos grupos de trabalho: i) o desenvolvimento de um banco de dados; ii) a
82
concorrencial, também foi criado um grupo de trabalho para cuidar dos cartéis na
conferência de Mérida, México, em junho de 2003221.
Entretanto, foi em Seul que efetivamente a necessidade de criação de um
Grupo de Trabalho, que cuidasse especificamente dos cartéis, foi discutida. A
criação de uma estrutura anti-cartel é parte central dos objetivos da maioria dos
membros da ICN e, neste contexto, a expansão da cooperação entre os membros é
fundamental222.
De acordo com os estudos realizados em Seul, como os mercados são cada
vez mais globais, as autoridades de defesa da concorrência estão enfrentando
atividades de cartéis transfronteiriços (por exemplo, os cartéis hard-core). Neste
sentido, a criação de um grupo de trabalho sobre cartéis teve a finalidade de
melhorar os meios de combate a esta prática, tanto nacionalmente, quanto
internacionalmente, com a conjugação de esforços de todos os membros da ICN e
cooperação entre todas as agências que possuem diferentes níveis de
experiência223.
O Grupo de Trabalho sobre cartéis passou a operar imediatamente após a
conferência de Seul. Nas discussões preparatórias houve consenso, entre os
membros, de que o grupo de trabalho sobre cartel deveria ter dois subgrupos. A ICN
compilação de um modelo de regras sobre defesa da concorrência e de estudos sobre a experiência
dos membros; e iii) o desenvolvimento de técnicas/práticas. Nessa conferência, mais uma vez
enfatizou-se a assistência que deve ser dada aos países em desenvolvimento e às economias de
transição, para a capacitação técnica, identificando os desafios na implementação de políticas
concorrências. A 3ª Conferência anual foi realizada em Seul-Coréia (entre 05-07 de abril de 2004)
onde avanços foram alcançados no estabelecimento de princípios-guias nas matérias relativas às
concentrações de empresas e criação de um Grupo de Trabalho que cuidasse especificamente dos
cartéis. Em 2005, a 4ª Conferência foi sediada em Bonn na Alemanha, entre 6 e 8 de junho, onde
destaca-se que foram discutidos temas do Grupo de Trabalho específico sobre cartel. A 5ª
Conferência foi sediada na Cidade do Cabo - África do Sul, entre 03-05 de maio de 2006, em que foi
desenvolvido um projeto piloto para partilhar experiências entre as agências de maior experiência
com as de menor experiência e a finalização do Merger Guidelines Workbook. A 6ª Conferência foi
realizada em 2007, na cidade de Moscou- Rússia (29 de maio – 01 de junho), onde foram discutidos
diversos temas. A 7ª Conferência anual foi realizada entre 14 -16 abril de 2008 em Kyoto-Japão,
destacando-se o painel de discussão sobre o abuso do poder de barganha “Abuse of Superior
Bargaining Position”. A 8ª Conferência teve sede em Zurique na Suíça, entre 03 a 05 de junho de
2009, além de abordar todos os temas de interesse desenvolveu um trabalho especial sobre a lei de
concorrência em pequenas economias. A 9ª conferência anual ocorreu em Istambul-Turquia (entre
27-29 de abril de 2010) com a discussão de vários tópicos de interesse (i.e., cartel, merger, advocacy
etc) e colocou-se o objetivo de melhorar o envolvimento das ONGs e outras organizações
internacionais.
221
ICN. Capacity Building and Technical Assistance — Building credible competition authorities in
developing and transition economies. Workgroup Competition policy implementation. In .Second
Annual ICN Conference, Mérida, Mexico (June 23-25, 2003).
222
ICN Cartels Working Group, p. 1.
223
ICN Cartels Working Group, p. 1.
83
acredita que a proximidade entre as agências teria o potencial de passar a
mensagem de que as agências de defesa da concorrência estão cooperando e
unindo esforços para intensificar a luta contra os cartéis224.
Os membros do grupo diretor da ICN acreditam não haver problemas
significativos de sobreposição dos trabalhos com os que são realizados com outros
fóruns, tais como da OMC e da OCDE, já que a intenção da ICN é contribuir com a
construção de caminhos similares. Veja-se que o grupo de trabalho sobre cartéis da
ICN
procura
aprofundar
o
trabalho
já
realizado
pelos
outros
fóruns
e
organizações225.
Assim, foi criado também um segundo subgrupo com o objetivo de ajudar as
agências de concorrência a melhorar as suas técnicas, com a finalidade de
aumentar a efetividade da ação anticartéis, com a identificação e a troca de técnicas
investigativas entre as agências, que possuem diferentes níveis de experiência226,
especialmente porque os países em desenvolvimento que sofrem prejuízos com os
cartéis internacionais.
Nesse contexto, na Conferência de 2006, realizada na África do Sul, foi
desenvolvido um projeto piloto para partilhar experiências entre as agências de
maior experiência com as de menor experiência227. Em 2007, durante a Conferência
da Rússia, foi gerado um documento específico sobre o combate aos cartéis: ICN
anti-cartel enforcement manual Chapter 4 on cartel case initiation. Dando seqüência
aos trabalhos, a conferência realizada em 2008, em Kyoto, no Japão, resultou em
dois documentos específicos sobre cartéis: i) Cartel Settlements228; e ii) Setting of
224
A estrutura proposta reflete basicamente dois objetivos fundamentais do Grupo de Trabalho. Em
primeiro lugar, o desenvolvimento de um fórum por meio do qual se promoverá uma discussão sobre a
necessidade e os benefícios em se lutar contra os cartéis. A finalidade é de se obter um consenso
internacional sobre a justificativa de intervenção, incluindo os benefícios resultantes de uma ação
anticartel. Em segundo lugar, pretende-se definir as opiniões sobre os instrumentos mais efetivos de
sanção para lutar contra os cartéis. Veja-se: ICN Cartels Working Group, p. 1
225
A própria ICN defende que o seu progresso poderia gerar efeitos positivos para os outros fóruns.
ICN Cartels Working Group, p. 2.
226
ICN Cartels Working Group, p. 2-3.
227
Os temas centrais que dominaram a discussão: i) política de implementação; ii) assistência
técnica; iii) melhores práticas, iv) cooperação (atos de concentração e cartéis. Sobre o Projeto piloto
veja-se: <http://www.internationalcompetitionnetwork.org/index.php/en/publication/60>. Acesso em: 5
dez. 2005.
228
No primeiro documento, foram analisados os diferentes tipos de acordos em cada jurisdição, ou
sistema jurídico, dos países-membros da ICN e realizou-se troca de experiências relacionadas aos
diversos acordos firmados em cada país com avaliação de quão relevantes foram para o reforço do
combate aos cartéis. O documento está dividido nos seguintes tópicos: (i) tipos de sistemas para
acordos em investigações de cartéis; (ii) a relação dos acordos em investigações de cartéis com os
84
fines for cartels in ICN jurisdictions229. Veja-se que os documentos estavam voltados
aos cartéis hard-core e não aos cartéis de exportação.
Nos dois últimos encontros anuais da ICN (2009 e 2010) foram notáveis
todos os avanços dos grupos de trabalho. Destacam-se os trabalhos voltados à
cooperação internacional e troca de experiências, que procuram mitigar as grandes
diferenças entre as agências e jurisdições. Contudo não foram desenvolvidos
estudos mais profundos sobre cartéis de exportação ou sobre isenções antitruste,
que também são matérias importantes dentro de um contexto de desenvolvimento
econômico, uma vez que são condutas que podem afetar principalmente os países
que não possuem legislação ou política de defesa da concorrência.
Portanto, em que pese o grande avanço nos temas e os estudos realizados
pelos grupos de trabalho da ICN, entende-se que as atividades realizadas até o
momento não estão aptas a corrigir totalmente as diferenças de desenvolvimento
que existem entre os países.
Apesar dos trabalhos realizados serem importantes para dar suporte e
aprimorar as leis e políticas de defesa da concorrência, denotando-se os
documentos sobre as “melhores práticas”, vale observar que, no que diz respeito às
isenções antitruste e especificamente aos cartéis de exportação, ainda não houve
tratamento significativo.
acordos de leniência; (iii) os princípios-chave para induzir acordos em investigações de cartéis; (iv)
os benefícios de acordos em investigações de cartéis; (v) principais questões que surgem durante as
negociações de acordos em investigações de cartéis; (vi) principais aspectos dos acordos; e (vii)
outros tipos de sistemas de acordos em investigações de cartéis. Em síntese, as conclusões de
referido documento apontam que os acordos em investigações de cartéis podem promover enormes
benefícios ao Estado, aos membros dos cartéis que aceitarem acordar com as autoridades, ao Poder
Judiciário, às vítimas dos cartéis e à sociedade como um todo. Segundo consta, os membros de
cartéis devem ser persuadidos por intermédio, e.g., de soluções processuais transparentes,
proporcionais, certas e rápidas, de modo que seja vantajoso cooperar para a realização célere de um
acordo com as autoridades. ICN Seventh Annual Conference, Kyoto, Japan (April 14-16, 2008) Cartel
Working Group. Disponível em: <http://www.internationalcompetitionnetwork.org/media/library/Cartels/
Cartel_WG_1.pdf >. Acesso em: 20 mar. 2009
229
Nesse documento, foram analisadas as diferentes formas de imposição de sanções em face dos
procedimentos adotados nas diversas jurisdições envolvidas na ICN. Temas como a filosofia da sanção, os
princípios e metodologias adotados pelos países-membros da ICN também foram analisados. Decidiu-se
focar na multa (para empresas e indivíduos), espécie de sanção mais encontrada nos diferentes paísesmembros da ICN, notadamente pelo fato de, em alguns casos, ser a única espécie de sanção contra
cartéis, independentemente de ser caracterizada como de natureza civil, administrativa e criminal, e
também por caracterizar a sanção revestida de metodologia mais complexa, em comparação, por exemplo,
com a sanção criminal de reclusão. ICN Seventh Annual Conference, Kyoto, Japan (April 14-16, 2008)
Cartel Working Group. Disponível em: <http://www.internationalcompetitionnetwork.org/media/library/Cartels/Fines%20report%20-%20FINAL.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2009.
85
2.2.4 Organização Mundial do Cómercio (OMC)
A OMC é uma organização internacional que tem por funções principais
facilitar
a
aplicação
das
regras
de
comércio
internacional,
acordadas
internacionalmente entre seus Membros, e servir de foro para negociações de novas
regras ou temas relacionados ao comércio. Trata-se de Organização dotada de um
sistema de solução de controvérsias em matéria de comércio internacional (Órgão
de Solução de Controvérsias – OSC).
Periodicamente é procedida uma revisão das políticas comerciais de cada
um dos atuais 153 Membros230. O objetivo principal definido é garantir o
cumprimento das normas que regulam o comércio internacional, assegurando que
essas normas sejam estáveis, transparentes e eqüitativas na medida do possível.
Cabe ressaltar que os países em desenvolvimento são, em geral, muito
críticos, sobretudo quanto à equanimidade das normas e sua implementação,
embora admitam que a estabilidade e previsibilidade oferecida pela OMC
constituem, até certo ponto, garantia contra decisões unilaterais que lhes seriam
ainda mais adversas. Na estrutura jurídica criada a partir da OMC, a Conferência
Ministerial é o órgão de cúpula que por consenso toma as decisões mais
importantes para a Organização231.
Pela agenda de Doha, as negociações envolveriam três tipos de temas:
regras que poderiam ser revisadas ou alargadas (serviços, agricultura, barreiras
tarifárias, comércio e meio ambiente, regras de implementação, propriedade
intelectual, defesa comercial e reforma do sistema de solução de controvérsias); a
proposta de inclusão de regras sobre matérias ainda não regulamentadas pelo
sistema multilateral do comércio, denominadas “questões de Cingapura” (regras
sobre investimentos, políticas de concorrência, transparência nas compras
governamentais e facilitação ao comércio); e as questões decorrentes dos principais
acordos da OMC (regras para pequenas economias, comércio e transferência de
230
WTO. Understanding The WTO: The Organization Members and Observers. Disponível em
<http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/org6_e.htm>. Acesso em: 15 jul. 2010.
231
Acordo Constitutivo da OMC, art. IV.
86
tecnologia, relação entre comércio e dívida externa, e a relação entre propriedade
intelectual e saúde pública)232.
Dentre esses novos temas propostos, a criação de regras multilaterais sobre
concorrência vem avançando lentamente, principalmente pela insistência européia,
apesar da resistência de muitos Membros em aceitar a inclusão do tema. É
importante recordar que um acordo sobre concorrência em âmbito multilateral,
originariamente foi proposto no Capitulo V da Carta de Havana, mas nunca veio a
existir. Hoje ainda existe uma discussão sobre a eventual necessidade de criação de
um conjunto multilateral de regras de concorrência no âmbito da OMC.
Em 1996, durante reunião ministerial da OMC em Cingapura, a concorrência
recebeu uma especial atenção com a criação de um grupo de trabalho — Working
Group on the Interaction between Trade and Competition Policy (WGTCP)233 — para
discutir e estudar as interações entre o comércio e a política de concorrência.
Após a formação do WGTCP, a organização passou
a receber
comunicações dos Membros e organizações internacionais. Cabe salientar que
estas últimas atuam na qualidade de observadores, como, por exemplo: a UNCTAD;
a OCDE, o Banco Mundial, o FMI e a Cooperação Econômica da Ásia — Pacífico
(APEC)234.
Após a formação do WGTCP, sua atividade sobre a interação entre a política
comercial e a política de concorrência produziu relatórios referentes aos encontros
232
BARRAL, Welber. Perspectivas para as negociações comerciais multilaterais: a Reunião
Ministerial de Cancún. Florianópolis: IRI, 2003. Disponível em: <http://www.iribr.com/cancun/
barral.asp>. Acesso em: 20 out. 2005.
233
WT/MIN(96)/DEC, par. 20: “Having regard to the existing WTO provisions on matters related to
investment and competition policy and the built-in agenda in these areas, including under the TRIMs
Agreement, and on the understanding that the work undertaken shall not prejudge whether
negotiations will be initiated in the future, we also agree to: establish a working group to examine the
relationship between trade and investment; and establish a working group to study issues raised
Members relating to the interaction between trade and competition policy, including anti-competitive
practices, in order to identify any areas that may merit further consideration in the WTO framework.
These groups shall draw upon each other’s work if necessary and also draw upon and be without
prejudice to the work in UNCTAD and other appropriate intergovernmental fora. As regards UNCTAD,
we welcome the work under way as provided for in the Mindrand Declaration and the contribution it
can make to the understanding of issues. In the conduct of the work of the working groups, we
encourage cooperation with above organizations to make the best use of available resources and to
ensure that the development dimension is taken fully into account. The General Council will keep the
work of each body under review, and will determine after two years how the work of each body should
proceed. It is clearly understood that future negotiations, if any, regarding multilateral disciplines in
these areas, will take place only after an explicit consensus decision is taken among WTO Members
regarding such negotiations.”
234
Cf. ANDRADE, 2003, p. 242-243.
87
realizados em 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003235. Vale destacar que em
novembro de 2001, na Declaração Ministerial da Conferência de Doha, foram
fixados objetivos mais concretos a serem trabalhados pelo Grupo de Trabalho até
2003, e os parágrafos 23, 24 e 25 da Declaração dedicaram-se à interação entre
comércio e política de concorrência.
Em 2001 o documento WT/WGTCP/5 tratou dos seguintes aspectos:
a)
Relevância dos princípios fundamentais da OMC - tratamento nacional,
transparência e nação mais favorecida para política de concorrência e vice-versa: a
discussão desses pontos prezou a análise da relevância desses princípios para a
aplicação efetiva das políticas concorrenciais e do papel que tais princípios poderiam
ter num panorama multilateral. Foram feitas referências específicas aos princípios de
não discriminação (do tratamento nacional e da nação mais favorecida),
transparência, flexibilidade e progressividade, tratamento especial e diferenciado e
devido processo e a importância da proibição efetiva dos cartéis hard-core236.
b)
Abordagens para a promoção da cooperação e comunicação entre
Membros, inclusive no campo da cooperação técnica, incluindo as seguintes
questões: (i) contribuição da política de concorrência para o desenvolvimento
econômico; (ii) relação entre políticas concorrenciais e industriais; (iii) necessidade
de forte cooperação internacional para o tratamento de práticas anticompetitivas
interfronteiras; (iv) possíveis elementos que poderiam ser incorporados num
panorama multilateral de políticas de concorrência, incluindo os tipos de cooperação
visados; (v) preocupações e objeções avançados em relação ao conceito de um
panorama multilateral e seus possíveis elementos; (vi) as implicações de diversidade
de contribuições institucionais e situações econômicas para a viabilidade e o
conteúdo de um panorama multilateral de política de concorrência; (vii) o escopo
para melhora da efetividade da cooperação técnica e assistência na área da política
concorrencial; (viii) preocupações crescentes com relação a aplicação da solução de
controvérsias da OMC na área de política concorrencial; e (ix) a contribuição
235
Estes documentos são, respectivamente: WT/WGCP/1; WT/WGTCP/2; WT/WGTCP/3;
WT/WGTCP/4; WT/WGTCP/5; WT/WGTCP/6; WGTCP/7 (esses dois últimos destacam o apoio e
auxílio às instituições nos países em desenvolvimento por meio de “capacity building”).
236
WTO. Report (2001) of the Working Group on the Interaction Between Trade and Competition
Policy to the General Council. WT/WGTCP/5. 08 October 2001, p. 5.
88
potencial dos processos de peer review (revisão) em relação ao conteúdo e
implementação de legislação e políticas concorrenciais nessa área237.
c)
Contribuição da política de concorrência no atendimento dos objetivos
da OMC, inclusive na promoção do comércio internacional: a visão expressa foi a de
que o comércio e as políticas concorrenciais são mutuamente reforçadores e
complementares em vários aspectos. A política de concorrência facilita o comércio
ao remover restrições a fluxos comerciais. Por seu turno, a política comercial
encoraja a concorrência ao diminuir tarifas e eliminar barreiras não tarifárias. As
autoridades concorrenciais poderiam também desempenhar atividade em casos de
remédios comerciais, ao assegurar que um balanço apropriado seja feito entre os
interesses da indústria doméstica e dos consumidores238. O documento reconhece
que a relação entre comércio e políticas concorrenciais nasce em diferentes
contextos históricos e nacionais. Ao se avaliar a melhora na complementaridade do
comércio
e
políticas
concorrenciais,
seqüenciamento.
Nesse
anticoncorrenciais
poderiam
sentido,
ser
deve-se
considerar
considerou-se
resolvidas
por
como
meio
a
as
de
questão
do
condições
uma
maior
complementaridade entre o comércio internacional e as políticas de concorrência
(por exemplo, se haveria menos espaço e liberdade para compensação por meio de
medidas de defesa comercial). Foi feita também referência aos relatórios da OCDE,
que abordaram aspectos da complementaridade239.
d)
Outras questões levantadas pelo Membros, relacionadas ao estudo das
interações entre comércio e política concorrencial. Dentre as demais questões
levantadas na discussão encontram-se as seguintes: (i) objetivos da legislação
237
“The discussion on this item spanned a wide range of issues, including the following: (i) the
contribution of competition policy to economic development; (ii) the relationship between competition
and industrial policies; (iii) the need for strengthened international cooperation to address cross-border
anti-competitive practices; (iv) possible elements that could be incorporated in a multilateral framework
on competition policy, including the types of cooperation envisaged; (v) concerns and objections
advanced in relation to the concept of a multilateral framework and its possible elements; (vi) the
implications of diversity in Members' institutional endowments and economic situations for the
feasibility and content of a multilateral framework on competition policy; (vi) the perceived scope for
enhancing the effectiveness of technical cooperation and assistance in the area of competition policy;
(vi) concerns arising in relation to application of the WTO dispute settlement mechanism in the area of
competition policy; and (vii) the potential contribution of peer review processes relating to the content
and implementation of competition laws and policies in this area”. WTO. Report (2001) of the Working
Group on the Interaction Between Trade and Competition Policy to the General Council.
WT/WGTCP/5. 08 October 2001, p. 16.
238
Veja-se que nesse caso o exemplo dado no Capitulo 2 do caso brasileiro no mercado de insulina é
bastante elucidativo.
239
WT/WGTCP/5, 2001, p. 31-32.
89
concorrencial; (ii) importância e papel da política concorrencial em iniciativas de
desregulação, privatização e liberalização de mercado; (iii) política concorrencial
como complemento de outras políticas e legislações relevantes; (iv) política
concorrencial em mercados pequenos; (v) iniciativas regionais de concorrência; (vi)
importância de política concorrencial para países em desenvolvimento e países
desenvolvidos; (vii) importância da criação de uma cultura de concorrência; (viii)
abordagens per se comparadas com abordagens com base na regra da razão; (ix)
necessidade de autoridade concorrencial autônoma e independente; (x) poderes
delegados às autoridades concorrenciais; (xi) direito de recurso contra decisões de
autoridades concorrenciais; (xii) a relação entre autoridades concorrenciais e outros
órgãos regulatórios; (xiii) importância da adoção antecipada e implementação de
legislações e instituições concorrenciais;
(xiv) o papel, tipos e importância de
advocacia da concorrência; (xv) importância da assistência técnica; (xvi) desafios
enfrentados
pelas
autoridades
concorrenciais;
(xvii)
exceções,
isenções
e
autorizações sob legislações concorrenciais240; (xviii) existência e papel dos
princípios da OMC em legislações nacionais de concorrência; e (xix) importância da
cooperação internacional241.
No ano seguinte, em 2002, contando com a Presidência do Professor
Frédéric Jenny da França, o Grupo de Trabalho prosseguiu com os trabalhos, em
cumprimento
ao
parágrafo
25
da
Declaração
Ministerial
de
Doha
(WT/MIN(01)/DEC/1), que estabelece que a interação entre o Comércio e a Política
de Concorrência deveria centrar-se no seguinte: a) princípios fundamentais,
incluídos os da transparência, da não discriminação, da equidade processual, e
disposições sobre os cartéis hard-core; b) modalidades de cooperação voluntária; e
c) apoio para o fortalecimento progressivo das instituições encarregadas da
concorrência nos países em desenvolvimento mediante a criação de capacidades.
Tudo isso deveria ser feito levando-se em consideração as necessidades dos países
240
De acordo com o próprio documento de trabalho: “[...] The types of anti-competitive practices that
were being discussed such as international cartels, export cartels, import cartels and abuses of a
dominant position that had transboundary effects all had an international dimension and had clear
adverse effects upon international trade and development. Moreover, in view of the criticism often
levelled at the WTO that it created enhanced freedom for producers without necessarily providing due
protection for other members of society, it would be difficult to explain that Members had come to the
conclusion that anti-competitive business practices that distorted international trade were not a proper
concern for the WTO to address.” WT/WGTCP/5, 2001, p. 34.
241
WT/WGTCP/5, 2001, p. 35.
90
em desenvolvimento e menos desenvolvidos, prevendo-se a flexibilidade apropriada
para o tratamento242.
Veja-se que no documento foi colocada a colaboração das Secretarias da
UNCTAD e da OMC na organização e apresentação de vários aspectos do mandato
de Doha relativo ao comércio e a política de concorrência e, ainda, a cooperação
com a secretaria da OCDE243. Durante 2002 a Secretaria da OMC também
participou de uma reunião informal com representantes da ICN, da UNCTAD e da
OCDE cujo objetivo foi o intercâmbio de informação sobre as atividades de cada
organização244.
Esse documento também se mostrou interessante, uma vez que tratou dos
debates em torno do tratamento diferenciado que deveria ser dado aos países
menos desenvolvidos e das políticas de exceções e/ou isenções que seriam
apropriadas245.
Sobre a pertinência de exceções ou isenções na aplicação das leis nacionais
de concorrência e/ou de um marco multilateral foi expressa a opinião de alguns
membros de que devem ser observados os diferentes níveis de desenvolvimento.
Desse modo, alguns membros defenderam que um marco possível deveria conferir
flexibilidade suficiente. Nesse sentido foi até mesmo proposto por alguns membros
que um marco multilateral de concorrência deveria prever a possibilidade de
isenções e exceções246.
242
WTO. Report (2002) of the Working Group on the Interaction Between Trade and Competition
Policy to the General Council. WT/WGTCP/6. 09 december 2002, p. 2.
243
Veja-se nesse sentido: WT/WGTCP/6, 2002, p. 20-28 e p. 40-47.
244
WT/WGTCP/6, 2002, p. 3.
245
WT/WGTCP/6, 2002, p. 15-18.
246
“[...] un marco multilateral sobre competencia tenía que preverse la posibilidad de exenciones o
exclusiones apropiadas en dos aspectos. En primer lugar, muchos Miembros - entre ellos países
menos adelantados y otros países en desarrollo, pero también algunos países industrializadosdeseaban conceder, en sus legislaciones sobre la materia, mayor flexibilidad a las empresas
pequeñas y medianas que a otras empresas. El marco propuesto debía permitir ese tipo de
flexibilidad. En segundo lugar, como ya se había indicado, los intereses nacionales podían
salvaguardarse simplemente previendo la exclusión de sectores económicos sensibles de todas las
disposiciones sustantivas de un marco multilateral, o sólo de algunos principios fundamentales.
(M/19, párrafo 47.). La previsión de exenciones y excepciones proporcionaría mayor flexibilidad a los
Miembros de la OMC para alcanzar otros objetivos nacionales tales como el desarrollo industrial y
económico. (M/19, párrafo 78). No obstante, las excepciones y exenciones debían estar sujetas a
procedimientos de transparencia suficientes, a fin de que las empresas que comerciaran con un
Miembro o invirtieran en la economía de un Miembro supieran en qué situación se encontraban.
(M/19, párrafo 78). También se sugirió que la posibilidad de aplicar exenciones no se redujera
gradualmente a lo largo del tiempo, o que estuviera sujeta a un examen periódico. (M/19, párrafo 78).”
WT/WGTCP/6, 2002, p. 18-19.
91
Em 2003, o Grupo de Trabalho prosseguiu com as atividades e a
Presidência do Professor Frédéric Jenny. Conforme havia sido decidido em reunião
informal do Grupo de Trabalho realizada em 17 de janeiro de 2003, o Grupo deveria
centrar-se durante o ano nos seguintes temas247: i) elementos contidos no parágrafo
25 da Declaração Ministerial de Doha, incluindo as questões e perguntas levantadas
durante 2002 que as delegações desejassem abordar novamente; ii) a natureza e
alcance dos mecanismos de observância que poderiam ser aplicados em virtude de
um marco multilateral sobre política de concorrência; e iii) os possíveis elementos
em matéria de progressividade e flexibilidade que poderiam ser incluídas em um
marco multilateral sobre política de concorrência. Ainda, reuniões deveriam tratar
das questões de assistência técnica e criação de capacidades, em conformidade
com o que estabelece o parágrafo 24248 da Declaração Ministerial de Doha249.
Mais uma vez houve a cooperação com a UNCTAD para fazer o melhor uso
dos recursos disponíveis considerando a dimensão do desenvolvimento. O FMI e o
Banco Mundial assistiram às reuniões do Grupo de Trabalho na qualidade de
observadores - em conformidade com os acordos de cooperação firmados entre a
OMC e essas organizações. Veja-se que a UNCTAD e a OCDE também
participaram das reuniões na qualidade de observadores, por meio de convite do
Grupo de Trabalho, contribuindo com os debates250. Com relação a uma possível
247
Esse documento é especialmente relevante para o presente estudo porque também trouxe
questões e reflexões dos membros sobre os cartéis de exportação, as quais serão apontadas na
Parte II.
248
“24. Reconocemos la necesidad de los países en desarrollo y menos adelantados de que se
potencie el apoyo para la asistencia técnica y la creación de capacidad en esta esfera, incluidos el
análisis y la formulación de políticas para que puedan evaluar mejor las consecuencias de una
cooperación multilateral más estrecha para sus políticas y objetivos de desarrollo, y el desarrollo
humano e institucional. A tal fin, trabajaremos en cooperación con otras organizaciones
intergubernamentales pertinentes, incluida la UNCTAD, y por conducto de los canales regionales y
bilaterales apropiados, para facilitar una asistencia reforzada y dotada de recursos adecuados para
responder a esas necesidades.” WT/MIN(01)/DEC/W/1, 2001, parágrafo 24.
249
WTO. Report (2003) of the Working Group on the Interaction Between Trade and Competition
Policy to the General Council. WT/WGTCP/7. 17 July 2003, p. 2.
250
WT/WGTCP/7, 2003, p. 3. Ainda, de acordo com o documento: “El debate sobre este punto abarcó
una amplia gama de cuestiones, entre ellas: i) consideraciones generales relativas a las ventajas y
desventajas de elaborar un marco multilateral sobre política de competencia que incorpore los
elementos mencionados en el párrafo 25; ii) el posible alcance y aplicación de los principios
fundamentales enumerados en el párrafo 25 de la Declaración Ministerial de Doha, a saber, la
transparencia, la no discriminación y la equidad procesal; iii) las posibles inquietudes relativas a su
incorporación en un marco multilateral sobre política de competencia, inclusive con respecto a sus
repercusiones en los procedimientos para la observancia de las leyes nacionales de competencia y
en las políticas industriales nacionales y otras políticas de los países en desarrollo; iv) el perjuicio que
causan los cárteles internacionales intrínsecamente nocivos y las medidas necesarias para hacerles
frente; v) la naturaleza y el alcance de posibles modalidades para la cooperación entre los Miembros
92
flexibilidade das regras, novamente as potenciais exclusões e isenções foram temas
de estudos e debates durante os trabalhos251.
Em setembro de 2003 os Membros da OMC reuniram-se em Cancun
(México) para avaliar o andamento das negociações iniciadas em Doha. Esperavase que os Membros estivessem munidos de elementos para decidir se o tema
concorrência faria parte ou não da agenda de negociação da OMC, todavia, nada foi
decidido com relação a este tema252. Oficialmente, na 5.ª Conferência Ministerial de
Cancun, houve fracasso das negociações em torno das chamadas “questões de
Cingapura”. O travamento das negociações partiu da CE que queria discutir e teve a
objeção de quase 90 países, em sua maioria africanos. Demonstrou-se que havia
uma preocupação com a inclusão desses novos temas, uma vez que os mesmos
poderiam sobrecarregar a pauta de negociações e emperrar progressos em outras
questões.
Em Hong Kong a 6.ª Conferência Ministerial ocorreu entre 13 e 18 de
dezembro de 2005, mas também resultou no insucesso e falta de consenso253. A 7.ª
Conferência Interministerial da OMC ocorreu entre 30 de novembro a 02 de
dezembro de 2009, em Genebra - Suíça, onde as delegações não prosseguiram nas
negociações referentes à Rodada Doha e os ministros apenas revisaram as
atividades e abordaram questões sobre a recuperação dos países frente à crise
econômica254.
Apesar de não haver resultados até o momento, vale ressaltar que se o
assunto for retomado no futuro (tal como se espera) e um acordo internacional sobre
política de concorrência for incorporado à OMC (tal como também se propões) ele
será obrigatório, tais como os acordos que hoje existem, em razão da aplicação do
princípio do single undertaking255.
de la OMC en esta esfera; vi) otros enfoques de la cooperación sobre política de competencia a nivel
multilateral; y otros asuntos.” Id. Ibidem, p. 4
251
Veja-se: WT/WGTCP/7, 2003, p. 35-37.
252
Sobre Cancún veja-se: WTO. Draft Cancún Ministerial Text — second revision. Disponível em:
<http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min03_e/draft_decl_rev2_ e.htm>. Acesso em: 15 nov.
2009.
253
WTO. The Sixth WTO Ministerial Conference — Hong Kong. Disponível em
<http://www.wto.org/English/thewto_e/minist_e/min05_e/min05_e.htm>. Acesso em: 15 nov. 2009.
254
Nesse sentido, veja-se: ICTSD. A OMC após a 7ª Conferência Ministerial: poucos avanços, muitas
questões. Pontes. Vol. 5. N˚. 6. Dezembro de 2009.
255
“The old GATT was not a single undertaking agreement. Contracting parties were free to be
signatories of the various codes on an a la carte basis, in accordance to their needs and levels of
93
Com a introdução do princípio do single undertaking, ao final de 1994, na
Rodada Uruguai, todos os países ficaram obrigados a aceitar os acordos sobre
todos os temas negociados, não sendo possível que determinado Membro assine
somente acordos que sejam de seu interesse. Portanto, se, por exemplo, um acordo
de concorrência for acordado impondo a proibição dos cartéis, os Membros têm a
obrigação de adequar suas leis internas. É importante frisar que a nãoimplementação de uma norma obrigatória violaria o acordo. A parte que incorrer
nesta conduta poderá ser julgada pelo sistema de solução de controvérsias da OMC
e, ainda, receber sanções.
Contudo, dado aos recentes impasses da Rodada de Doha, a inclusão de
regras de concorrência na OMC não tem sido objeto de maior atenção, como será
visto novamente na Parte II, apesar de ser fato notório que o tema é importante
diante das diversas práticas que podem afetar um ambiente competitivo saudável,
incluindo a conduta dos cartéis de exportação.
Entende-se que a criação de regras multilaterais poderia ser um caminho
adequado para um acordo global sobre política de concorrência, pelo menos no que
diz respeito às condutas com potencial de distorcer o comércio internacional. Veja-se
que as tentativas empenhadas e os estudos e pesquisas realizados pelas
organizações e fóruns multilaterais, tais como a OCDE, a OMC, a ICN, e a
UNCTAD256 tem muito valor, entretanto, estão mais voltadas para práticas e condutas
que possuem maior grau de consenso entre os participantes (i.e., cartéis hard-core).
development. In the course of the Uruguay Round, the developed countries made a concerted effort to
push for the inclusion of new issues into the GATT - services, intellectual property and investment –
and for these to be treated as parts of a ‘global accord’. [...] The single-undertaking transformed the
trade regime and trade negotiations in several ways:1) Firstly, a single-undertaking means that the
WTO trade package is an all or nothing package. Members either accept the different parts or reject it
in its entirety 2) It allows trade-offs across sectors during the trade negotiations. 3) It made it easy to
engage in cross retaliation in disputes. In a trade dispute, a wronged country, after a process of
mediation, can retaliate against the wrongdoer by limiting imports from that country. If it is impossible
to restrict imports of the same product involved in the dispute, or a product under the same
agreement, it is then possible to take action against imports of any product, and under any of the
agreements. 4) In terms of the process during negotiations, the single undertaking meant that nothing
is agreed to unless everything is agreed to.” KWA. Aileen. The a la carte undertaking: a new form of
special and differential treatment?. Focus on the Global South, August 2000.
256
Alguns documentos produzidos são considerados soft laws, que não chegam a ter o status de
normas jurídicas, mas que representam, de certo modo, uma obrigação moral aos Estados. Essas
obrigações, ainda que imperfeitas, possuem alguma normatividade e têm a finalidade de fixar metas
para futuras ações políticas e recomendar aos Estados a adequação das normas de seu
ordenamento interno. Em uma visão mais crítica, de acordo com Ian Brownlie: “[...] muitos dos
exemplos tidos como de soft law não são nem exemplos de lei, nem de não-lei, nem de lex lata, nem
de lex ferenda; são, simplesmente, evidência do que o direito é ou pode ser sobre uma determinada
94
Assim, o avanço nas discussões sensíveis como, por exemplo, referente aos
cartéis de exportação, ainda carecem de maior atenção diante das distorções que
essas condutas podem causar ao comércio, especialmente considerando o processo
de desenvolvimento como um todo e também as necessidades dos PEDs e
economias mais sensíveis.
matéria. [...] Creio que uma forma mais interessante de olhar as chamadas soft laws é olhar para a
sua real importância; o fato de que certas disposições informais, coisas que não são lei
propriamente dita, obviamente são significativas em termos de comportamento político entre
Estados, e são, geralmente, reconhecidas por tomadores de decisão como detentores de um
importante efeito catalítico. Por disposições informais, refiro-me a qualquer coisa que possa
provocar a adoção dos elementos normativos como regras legais por tomadores de decisão com
autoridade.” (tradução livre). Veja-se: BROWNLIE, Ian. To what Extent are the Traditional Categories
of Lex Lata and Lex Ferenda still viable? In: CASSESE, Antonio; WEILEIR, Joseph (eds.). Change
and Stability in International Law-Making. Berlim: Gruyter, 1988, p. 69-70.
95
3 O DESENVOLVIMENTO: TEORIAS E PRINCÍPIOS
3.1 O desenvolvimento e sua relação com as políticas de concorrência
A dimensão do desenvolvimento para a política de concorrência já foi
reconhecida pela Declaração Ministerial de Cingapura, de 1996257. Contudo, o texto
da declaração de Doha, assim como as questões políticas que foram tratadas após
as últimas conferências interministeriais no âmbito da OMC apontam que uma futura
discussão de regras adicionais de concorrência será politicamente inviável se não
houver especial atenção ao desenvolvimento econômico e à situação especial dos
PEDs258.
Os PEDs geralmente temem que um estreitamento entre as políticas de
concorrência e de comércio internacional diminua ou elimine suas vantagens
comparativas em relação, principalmente, aos produtos primários. Esses mesmos
países preocupam-se com o fato de não estar claro se haverá tratamento
diferenciado e especial às suas situações particulares. Ao mesmo tempo existe um
temor de que essa situação possa expor as suas indústrias nacionais à competição
internacional
ou
às
aquisições
internacionais,
frustrando,
ainda
mais,
o
desenvolvimento259.
Essas preocupações são politicamente sensíveis. Por essa razão, a análise
do desenvolvimento voltado à política de concorrência e o seu conseqüente
tratamento na OMC devem levar em conta, pelo menos, dois aspectos: (i)
compreensão de “se” e “como” a concorrência contribui para o desenvolvimento
econômico; e (ii) a possível abordagem do “tratamento especial e diferenciado”260
257
OMC. Declaración Ministerial de Singapur. Adoptada el 13 de diciembre de 1996. Disponível em:
<http://www.sice.oas.org/trade/gatt/Singap_s.asp> Acesso em: 22 jul. 2010.
258
No mesmo sentido, veja-se KROL, 2007, p.171.
259
TREBILCOCK, M. J.; HOWSE, Robert. The regulation of international trade. 3 ed. London:
Routledge. 2005, p. 609.
260
A Cláusula de Habilitação oficialmente chamada de "Decisão sobre tratamento diferencial e mais
favorável, reciprocidade e maior participação de países em desenvolvimento", foi adotada em 1979, e
estimula os países desenvolvidos a dar tratamento diferencial e mais favorável aos países em
desenvolvimento. A Cláusula de Habilitação é a base legal da OMC para o Sistema de Preferências
96
estabelecido no acordo da OMC, num contexto de regras complementares de
concorrência que possam ser exploradas e desenvolvidas no futuro261.
A teoria econômica tem destacado que uma política antitruste forte é
essencial para o desenvolvimento econômico, em especial o estabelecimento de
regras de concorrência contra concentrações horizontais, comportamento colusivo e
alianças estratégicas que visam prejudicar o crescimento econômico262.
É fato notório que a política de concorrência tem como um de seus objetivos
centrais deter específicos abusos como a cartelização, monopolização e
concentrações econômicas que tenham como objetivo prejudicar o bem-estar. Esta
análise geralmente é realizada caso a caso, mas essas práticas, em regra, são
condenadas independentemente de seus efeitos ao desenvolvimento. Ou seja: a
análise antitruste não necessariamente avalia os efeitos ao desenvolvimento ao
decidir, por exemplo, condenar uma conduta considerada como anticompetitiva.
Sem dúvida, existem exemplos das chamadas “economias milagrosas” que
se desenvolvem muito bem apesar da ausência de uma legislação de concorrência
atualizada263. Entretanto, os dados apresentados pela OCDE e UNCTAD, além de
outros estudos264, não apontam que esta seja a regra.
Veja-se,
como
apontam
as
evidências
empíricas,
que
os
cartéis
internacionais influenciam de maneira relevante os custos das importações nos
Generalizadas (SPG). No âmbito do SPG, os países desenvolvidos oferecem tratamento preferencial
não recíproco (como tarifas baixas ou iguais a zero sobre as importações) de produtos originários de
países em desenvolvimento. Os países que dão este tratamento original unilateralmente determinam
quais países e quais os produtos que estão incluídos nos seus projetos. A Cláusula de Habilitação é
também a base jurídica para os acordos regionais entre os países em desenvolvimento e para o
Sistema Global de Preferências (SGPC), no qual certos países em desenvolvimento fazem, entre si,
trocas de concessões comerciais. Veja-se: HOEKMAN, Bernard; MARTIN, William J.; BRAGA Carlos
A. Primo. Preference Erosion: the terms of the debate. World Bank, 2006, p. 3-4
261
No mesmo sentido, veja-se: KROL, Daniela. Toward multilateral competiton law? - after
Cancún:reevaluating the case for additional international competition rules under special
consideration of the WTO agreement. Frankfurt; New York: Peter Lang, 2007, p.171.
262
PORTER, Michael. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus, 1993b, p.110
e seg.
263
BHATTACHARJEA, Aditya. The case for a multilateral agreement on competition policy: a
developing country perspective. Journal of International Economic Law. V.. 9, n˚. 2, 2006, p. 316.
264
Cf. EVENETT, Simon J. Can developing economies benefit from WTO negotiations on
binding disciplines for hard-core cartels? Switzerland: Word Trade Institute, 2003a. Cf. GIFFORD,
Daniel J.; KUDRLE, Robert T., Trade and Competition Policy in the Developing World: Is There a Role
for the WTO? Minnesota Legal Studies Research Paper N˚. 08-27. August, 2008. Veja-se também:
MORGAN, Thomas D. Cases and materials on modern antitrust law and its origns. 3 ed St. Paul,
MN: Thomson/West, 2005.
97
países em desenvolvimento265. Portanto, apesar da idéia defendida por alguns - que
a concorrência não necessariamente leva ao desenvolvimento econômico - não
pode ser ignorado que as práticas anticompetitivas internacionais podem representar
empecilho ao desenvolvimento, quando os PEDs e economias mais frágeis ficam
expostos aos custos significativos impostos, por exemplo, por cartéis, ou outras
condutas anticompetitivas, cujos agentes se aproveitam da ausência de uma lei de
concorrência ou de sua aplicação266.
Este argumento também é sustentado pelo fato de que a maior parte dos
países
em
desenvolvimento
tem
procurado
adotar
leis
de
concorrência
independentemente das discussões que são levadas a cabo dentro da OMC ou
outras organizações, pois está se tornando senso comum a idéia de que sem leis,
ou sem uma política antitruste, os países ficam mais expostos às práticas
anticompetitivas.
Como bem pondera BHATTACHARJEA, a adoção dessas leis pode alterar o
poder de barganha nas futuras negociações dentro da OMC referente a esse tema,
e, ao mesmo tempo, esse fato aponta que os PEDs, de modo geral, por si próprios,
consideram as leis de concorrência benéficas para suas economias.267
Vale ressaltar que a política de concorrência também pode ser benéfica aos
PEDs já que pode sustentar reformas microeconômicas. Observa-se que há
evidências empíricas que sugerem que a privatização, sem uma política de
concorrência, apenas resultará numa simples substituição do monopólio público por
um monopólio privado268.
Portanto, como até mesmo já destacou o WGTCP, a implementação de uma
política de concorrência pode auxiliar os países a potencializar os ganhos gerados
pela liberalização e ainda atuar de uma forma preventiva269.
Entretanto, conforme se verá nesse capítulo, é importante avaliar, em
primeiro ligar, qual o conceito a ser utilizado para o desenvolvimento no contexto
265
ANDERSON, Robert. D.; HOLMES, Peter. Competition policy and the future of the multilateral
trade system. Journal of International Economic Law, v. 5, n˚. 2, 2002, p. 553.
266
Nesse sentido veja-se: JENNY, Frederic. Globalization, competition and trade policy: convergence,
divergence and cooperation. In: EC LAW facing the New Millenium Challenges, XIV Congress of
the European Lawyer's Union. Bruxelles (Belgique): Bruylant, 2001, p. 31-70.
267
BHATTACHARJEA, 2006, p. 319.
268
No mesmo sentido, veja-se ANDERSON, HOLMES, 2002, p. 554.
269
WT/WGTCP/2, 1998, p. 229, parágrafo 34.
98
atual, assim como as possíveis teorias que serão aplicadas para justificar
tratamentos diferenciados aos países em desenvolvimento ou menos desenvolvidos.
Ainda, mostra-se importante apresentar no presente capitulo a possibilidade
de concessão de preferências aos países menos desenvolvidos no contexto
multilateral, no sentido de viabilizar a criação de instituições que regulem a
concorrência e o comércio (incluindo os cartéis de exportação), com a finalidade de
fomentar o desenvolvimento.
3.2 O conceito de desenvolvimento aplicável
Costuma ser considerado como “lugar comum” a defesa de que a regulação
é importante dentro de um contexto em que se busca o desenvolvimento. O conceito
de desenvolvimento é apresentado pela doutrina sob enfoques de diferentes
correntes, mas já vem sendo estudado há muito tempo por grandes teóricos,
economistas e filósofos.
Em estudo sobre o tema MUNHOZ explica que na história contemporânea
existem basicamente duas grandes correntes que fazem uso do conceito de
desenvolvimento em sentidos distintos:
[...] uma primeira que considera crescimento econômico como
sinônimo de desenvolvimento, e outra que entende que este
crescimento faz parte do desenvolvimento, constituindo condição
indispensável para este, mas não suficiente.270
Há também outras correntes menores, que abordam o desenvolvimento sob
a análise de temas específicos, como os conceitos de desenvolvimento sustentável
e desenvolvimento humano. Ademais, ao considerar-se o tema sob perspectiva
histórica, podem ser verificadas obras de importantes e reconhecidos autores que
em suas análises demonstraram precursora preocupação com o assunto. Dentre os
autores principais encontram-se: Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill, Karl
Marx, Joseph Schumpeter, John Maynard Keynes, Raul Prebisch, entre outros.
Ainda no que diz respeito à história mais recente, PRADO explica que:
270
MUNHOZ, 2006, p. 24.
99
[...] até a crise da Teoria do Desenvolvimento nos anos 70, as razões
do atraso econômico e as estratégias para superá-las foram
intensamente discutidas. Por duas décadas o tema perdeu parte de
seu glamour, ou seja, deixou de ser considerado high theory, nos
principais centros de produção teórica. Até mesmo um autor
progressista, como Krugman considerou os programas de pesquisa
de desenvolvimento como difusos, não formando um corpo teórico
consistente, e, ainda, carecendo do uso do instrumental analítico
para comunicar suas idéias aos economistas contemporâneos. Na
década de 1990, contudo o tema voltou a adquirir prestígio, sendo
agora também disputado pelas novas correntes econômicas críticas
do keynesianismo e, ainda, pelos novos institucionalistas e as
diversas correntes econômicas heterodoxas.271 (destaques no
original)
Nesse sentido, atualmente há importantes correntes que analisam o
desenvolvimento sob uma ótica mais ampla, não considerando o desenvolvimento
apenas e puramente como desenvolvimento econômico. Nesse sentido, destacamse os chamados “institucionalistas” que apresentam teoria bastante clara e
adaptável a realidade que se pretende aprofundar no presente estudo.
Dessa maneira, passa-se a fazer uma breve análise das correntes teóricas
contemporâneas que, em princípio, entende-se que teriam melhor aplicação ao tema
aqui proposto.
3.2.1 A Escola da Nova Economia Institucional e Douglass C. North
A Escola da Nova Economia Institucional, de maneira ampla e sem
considerar apenas o conceito de desenvolvimento econômico, destaca-se ao
analisar as instituições sociais e ao identificar determinados pontos que impedem o
bom funcionamento dos mercados.
Douglass C. North preparou estudo detalhado sobre o papel das instituições
na evolução das sociedades o que inclusive lhe rendeu o Prêmio Nobel de
Economia em 1993. NORTH é um dos estudiosos que mais se destaca nessa linha
de análise, i.e., vinculando o desenvolvimento econômico ao desenvolvimento das
instituições.
Conforme explica o autor:
271
PRADO; Luiz Carlos Delorme. Desenvolvimento econômico, regulação econômica e defesa
da concorrência - reflexões sobre as novas formas de intervenção econômica em uma política
de desenvolvimento. 32º Encontro Anual da Anpocs, 2008, p. 2.
100
As instituições são as regras do jogo numa sociedade, ou, mais
formalmente, são as limitações criadas pelo ser humano que dão
forma à interação humana. Por isso, constituem incentivos para o
intercâmbio humano, seja ele político, social ou econômico. As
instituições reduzem a incerteza pelo fato de que proporcionam uma
estrutura à vida diária, definindo e limitando o conjunto de escolhas
dos indivíduos.272
NORTH utiliza-se de alguns conceitos fundamentais para aprofundar a sua
obra. Elementos como racionalidade, motivação dos indivíduos, ideologias,
eficiências e incertezas representam importante papel na análise das instituições
como elementos fundamentais ao desenvolvimento.
As eficiências também revelam ter papel essencial, uma vez que colaboram
para o estabelecimento de instituições adequadas. Veja-se que NORTH não apenas
discute a influência das instituições no desenvolvimento da sociedade, mas também
busca defender que o crescimento ou a evolução de uma sociedade é condicionado
pela formação e evolução de suas instituições.
O conceito das instituições na obra de NORTH é elaborado a partir da
análise desses elementos, por meio dos quais o autor demonstra as dificuldades
enfrentadas pelos agentes econômicos no mercado. As incertezas que permeiam o
ambiente econômico são representadas pelos chamados “custos de transação”.
As instituições são então desenvolvidas pelas sociedades exatamente com o
objetivo de reduzir os custos de transação e coordenar as atividades humanas em
âmbito econômico e social. Conforme análise de MUNHOZ:
O modelo institucional de North traz para a análise econômica
elementos estranhos à teoria tradicional, consubstanciados
principalmente nas instituições informais. Estes elementos de certa
forma humanizam esta análise, na medida em que admitem de forma
expressa que o ser humano, seja através das instituições por ele
criadas, seja por seu próprio papel como agente econômico tomador
de decisões, influencia de forma direta o processo de
desenvolvimento econômico.273
Sem dúvida, NORTH é o autor mais conhecido no novo institucionalismo274 e
sua crítica à doutrina neoclássica275 funda-se no sentido de que a teoria neoclássica
272
NORTH, Douglas. Instituciones, cambio institucional y desempeño económico. México:
Fondo de cultura económica, 2001, p. 13.
273
MUNHOZ, 2006, p.79
274
Brue explica que existem diversas linhas de pensamento no novo institucionalismo. Cada linha
explica a importância das instituições e a sua relação com os resultados econômicos e políticos.
Citam-se os seguintes teóricos: Harold Demsetz (que trata do papel dos direitos de propriedade na
101
não reconhece a importância das limitações institucionais no processo de tomada de
decisão, assim como não consegue explicar a permanência de várias instituições
econômicas276.
É interessante analisar que NORTH crê na impossibilidade do indivíduo de
conhecer toda informação necessária para a tomada de decisões ótimas e, assim,
propõe uma teoria da racionalidade mais ampla, em que seja possível analisar dois
aspectos essenciais da conduta humana: i) a motivação dos indivíduos e ii) a
decifração do ambiente277.
Assim, para NORTH a racionalidade não significa atingir uma situação ótima,
mas sim agir na busca de determinados fins, da forma mais razoável possível,
considerando-se a consciência de que existe falta de informação278. O autor também
defende que o subdesenvolvimento pode ser explicado em grande parte pela
ineficiência das instituições dos chamados “países de Terceiro mundo”279.
O autor pondera que a hierarquia das regras (i.e., constituições, leis e
decretos etc.), assim como os contratos definem limitações que podem mudar de
regras gerais a particulares e possuem a finalidade de facilitar o intercâmbio político
e econômico280.
promoção da eficiência econômica; Richard Posner (que aborda a relação entre lei e economia);
Ronald Coase e Oliver E. Williamson (que abordam os custos de transação e o comportamento das
empresas; e por fim há trabalhos de James Buchanan e Gordon Tullock (que tratam da teoria da
escolha pública). Nesse sentido, veja-se: BRUE, Stanley L. História do Pensamento Econômico.
São Paulo: Thomson, 2000, 375-390.
275
Conforme explica Bresser-Pereira: “o primeiro sinal da crise da teoria econômica neoclássica
surgiu quando os bancos centrais abandonaram a política de metas monetárias. Atualmente, está
claro que a teoria macroeconômica neoclássica e a teoria neoclássica do crescimento que usam o
método hipotético-dedutivo são incapazes de explicar e prever o comportamento das complexas
realidades sociais e institucionais. O pensamento econômico acadêmico dominante entrou em crise,
e muitos são os sinais”. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Os dois métodos e o núcleo duro da teoria
econômica. Revista de Economia Política, v. 29, nº 2 (114), abril-junho/2009, p.164. Ainda, Blaug
afirma que “a teoria econômica moderna está doente; ela se tornou cada vez mais um jogo intelectual
jogado por si mesmo e não por suas conseqüências; os economistas gradualmente converteram o
objeto em uma Matemática Social, onde o rigor analítico, como entendido na matemática, é tudo, e a
relevância empírica (como entendida nos departamentos de física) é nada”. Mark Blaug, 2002, p. 36.
276
BRUE, 2000, p. 389.
277
NORTH, 2001, p. 34.
278
NORTH, 2001, p. 34.
279
NORTH, 2001, p. 155.
280
NORTH, 2001, p. 67.
102
É importante notar que o próprio autor não nega que, na prática, a mudança
institucional é um processo complicado, já que as alterações ocorridas podem ser
conseqüência de mudanças cujas origens são difíceis de determinar281.
GALA, ao analisar o modelo institucional de NORTH, consegue resumi-lo da
seguinte forma:
O ambiente econômico e social dos agentes é permeado por
incerteza.• A principal conseqüência dessa incerteza são os custos
de transação. Estes podem ser divididos em problemas de
measurement e enforcement.• Para reduzirem os custos de
transação e coordenar as atividades humanas, as sociedades
desenvolvem instituições. Estas são um contínuo de regras com dois
extremos: formais e informais.• O conjunto dessas regras pode ser
encontrado na matriz institucional das sociedades. A dinâmica dessa
matriz será sempre path dependent.• A partir dessa matriz, definemse os estímulos para o surgimento de organizações que podem ser
econômicas, sociais e políticas.• Estas interagem entre si, com os
recursos econômicos – que junto com a tecnologia empregada
definem os transformation costs tradicionais da teoria econômica – e
com a própria matriz institucional – que define os transaction costs –
e são, portanto, responsáveis pela evolução institucional e pelo
desempenho econômico das sociedades ao longo do tempo282.
Sem dúvida o modelo de NORTH procura demonstrar que as instituições
determinam melhor desempenho das economias: a existência de instituições
produtivas e informação sobre as características resultantes do desenvolvimento
destas instituições fornecem um grande incentivo para mudar economias,
especialmente aquelas que possuem um desenvolvimento fraco283.
O autor não chega a fornecer um conceito de desenvolvimento completo,
apresentando apenas as características ou elementos que devem ser contidos, ou
considerados, em tal conceito. Ademais, conforme aponta SALOMÃO FILHO284, a
teoria de NORTH busca uma explicação unitária no espaço (sugestão que Amartya
Sen não partilha, conforme será visto adiante).
Vale explicar que, apesar de o próprio autor justificar a impossibilidade de
generalização - ao ponderar que ambientes institucionais diferentes dão respostas
distintas ao mesmo estímulo - ele entende que seu modelo fornece diversas pistas
que indicam que as limitações formais e os custos de negociação inerentes ao
281
NORTH, 2001, p. 17.
GALA, Paulo. A teoria institucional de Douglass North. Revista de Economia Política, São Paulo,
v. 23, n˚. 2. abril-junho/2003, p. 103.
283
NORTH, 2001, p. 176.
284
SALOMÃO FILHO, 2002, p. 31
282
103
processo político são características relacionadas à matriz institucional das
economias285.
Aparentemente, a doutrina de NORTH, ao privilegiar o estabelecimento de
instituições como forma de modificação e determinação de ambientes econômicos
(i.e., distorcidos e/ou marcados por custos de transação), oferece alternativa factível
e adequada para melhor regulação e análise, por exemplo, dos cartéis de
exportação, objeto do presente estudo.
Considerando-se, com base na doutrina de NORTH, que a sociedade pode
desenvolver instituições apropriadas, com graus adequados de eficiência, de modo a
permitir transações, mostra-se clara a possibilidade de se estabelecer regulação
adequada ao ambiente concorrencial, adaptando-se a situação atual a um melhor
atendimento do desenvolvimento econômico e social, muito embora não esteja
sedimentada a idéia específica do que seria esse desenvolvimento para o autor.
Em que pese NORTH não chegar a fornecer realmente um conceito único de
desenvolvimento, exemplos de marcos institucionais de países desenvolvidos são
apresentados e o autor conclui que instituições fortes, sólidas e confiáveis seriam o
caminho para o desenvolvimento.
3.2.2 O Desenvolvimento como Liberdade de Amartya Sen
Amartya Sen, renomado economista indiano e Prêmio Nobel de Economia
de 1998, identifica o conceito de desenvolvimento com a idéia de liberdade.
Conforme sua definição:
O desenvolvimento é um processo, um processo de expansão das
liberdades reais. O conceito de liberdade passa a ser tanto instrumental
quanto finalístico. A liberdade é tanto um meio de garantias quanto é um
fim em si mesmo, através da fruição dessas outras liberdades.286
O autor defende a idéia de que é relevante a análise de privação de
capacidades, que vá além das questões de pobreza (relacionada à renda), pois
285
NORTH, 2001, p. 176. Na prática, seria interessante observar essas teorias aplicadas ao caso
específico do projeto de lei n˚. 3937/2004 (apensado o projeto n˚. 5877/2005) em trâmite que alterará
a lei antitruste brasileira, ou até mesmo à criação de regras comuns sobre o tratamento que deveria
ser dado aos cartéis de exportação, tema central do presente estudo.
286
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.
297.
104
assim seria possível entender melhor a pobreza dentro de um contexto de
liberdades humanas.287. É interessante essa mudança sugerida, uma vez que dá
uma visão diferente do conceito, inclusive quando de sua aplicação nas sociedades
consideradas desenvolvidas.
Esse critério das capacidades avalia, portanto, de forma mais abrangente a
questão das desigualdades. Ressalte-se que tais desigualdades não são puramente
econômicas, mas também sociais. Dessa maneira, SEN explica que o Estado e a
sociedade têm papéis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades
humanas288.
Essa mudança de abordagem, preconizada por SEM, ressalta que a
desigualdade econômica não deve levar em conta apenas o espaço da renda, pois
existem desigualdades em outros espaços. Assim, consideram-se outras variáveis,
tais como o bem-estar, a liberdade, e outros aspectos da qualidade de vida289.
SEN indica que a importância dada aos mercados no aspecto econômico
acabou se tornando uma “superstição”290. Assim, o autor defende a necessidade de
revisão já que as análises que se concentram sobre os resultados no mercado não
adentram na importância fundamental da própria liberdade.
A liberdade essencial ao desenvolvimento é classificada por SEN em duas
categorias: liberdades reais e liberdades instrumentais. As primeiras subdividem-se
em liberdade econômica, liberdade política e liberdade social, enquanto as últimas
(importantes para a fruição das primeiras), relacionam-se com direito de acesso ao
mercado, oportunidades sociais, transparência e garantias mínimas de seguridade
social, contra a intolerância, a exclusão e o preconceito.
De acordo com SEN, o desenvolvimento humano, ao criar oportunidades
sociais, contribui para a expansão das capacidades humanas e também para
qualidade de vida dos indivíduos. Isto exerce uma influência sobre as habilidades,
influenciando o processo de crescimento econômico291.
287
SEN, 2000, p. 34-35.
SEN, 2000, p. 71.
289
SEN, 2000, p. 116 – 131. Assim, de acordo com o Sen, por exemplo, se um indivíduo de renda
alta não tem oportunidade de participar politicamente em sua comunidade, apesar de não ser
considerado pobre na acepção puramente econômica, seria pobre no sentido de preterir uma
liberdade importante,
290
SEN, 2000, p. 135-136.
291
SEN, 2000, p. 171.
288
105
Nesse contexto, ao mesmo tempo o autor identifica validade econômica a
valores sociais e jurídicos que são hoje bastante respeitados, tal como a questão
dos direitos humanos, da tolerância, assim como do respeito às minorias292.
Na abordagem do desenvolvimento como liberdade, também defende-se a
idéia de se usar a razão para identificar e promover sociedades melhores, pois essa
teoria acredita na possibilidade da escolha social racional numa base informacional
mais ampla293. Contudo, para isso ser possível de fato deveria existir uma base de
informação que possibilite essa “escolha social racional”.
A obra de SEN procura defender também que a eficácia da ética capitalista é
limitada quando emergem questões de desigualdade econômica, proteção ambiental
e quando se denota a necessidade de diferentes meios de cooperação cuja atuação
se dê externamente ao mercado294.
Conforme explica MUNHOZ, a teoria de SEN não concorda com a noção de
que existe um modelo infalível de desenvolvimento, ou seja, não seria possível
adotar instituições, instrumentos e ações de uma sociedade para outra, sem
considerar todas as diferenças inerentes entre elas (v.g., modelo propugnado pelo
Consenso de Washington)295.
As principais críticas feitas a esta teoria referem-se à dúvida quanto a forma
de implementação de seus conceitos na vida prática, tendo-se em vista,
principalmente, que grande parte das economias e governos enfrentam a
necessidade de administração de recursos escassos, o que dificulta a colocação de
suas idéias.
No contexto do presente estudo, é importante observar que SEN também
acredita que as instituições são importantes para solucionar os problemas. Ou seja,
o autor reconhece a importância de compatibilizar os mecanismos de mercado aos
292
BARRAL, Welber. O. Direito e desenvolvimento: um modelo de análise. In: Welber Barral. (Org.).
Direito e desenvolvimento. São Paulo: Singular, 2005, p. 39-40.
293
SEN, 2000, p. 286.
294
SEN, 2000, p. 299.
295
Sobre essa questão Munhoz explica que “apesar de hoje bastante criticado, até alguns anos atrás
esse Consenso era tido como receita certa de sucesso, ou melhor, de desenvolvimento, para
qualquer país que se dispusesse, ou fosse praticamente obrigado, a segui-la. Pelo contrário, é
necessário, segundo Sen, criar modelos individualizados, respeitando as características e
particularidades de cada sociedade.” MUNHOZ, 2006, p. 93.
106
demais valores, avaliando-se as ferramentas institucionais que estão disponíveis e
que ultrapassam os limites dos mecanismos puros de mercado296.
A necessidade de se fazer opções para a administração de recursos traz
dificuldades, as quais não são enfrentadas diretamente pelo autor. Assim, apesar de
tratar-se de teoria extremamente cativante, o problema da implementação de seus
preceitos envolve muitas variáveis que são difíceis de serem administradas.
Portanto, na prática, para tornar possível o processo de desenvolvimento
preconizado por SEN, seria necessário primeiramente ter uma clareza dos institutos
ou ferramentas que precisam ser utilizados, o que é especialmente relevante aos
países menos desenvolvidos que também carecem de outros recursos necessários
para a promoção do desenvolvimento.
3.2.3 Ponderações sobre as teorias de North e Sen no contexto da defesa da
concorrência
Em síntese, acredita-se que para o presente estudo, as teorias de NORTH e
de SEN são complementares para ajudar a encontrar respostas que indiquem a
melhor forma de mitigação dos problemas relacionados à concorrência em um
contexto internacional, onde se incluiria a regulação dos cartéis de exportação.
Para o presente estudo as duas teorias, de NORTH e SEN, são relevantes.
Vale esclarecer que isto não quer dizer que as outras teorias apresentadas ao longo
deste capítulo não sejam aplicadas, mas sim que estas duas têm se sobressaído
nos debates econômicos, pois ambas abordam a diversidade de aspectos que
fazem parte do processo de desenvolvimento.
Assim, a nova economia institucional de NORTH e a noção de
desenvolvimento como liberdade de SEN embasam o conceito de desenvolvimento
adotado por este trabalho. Ou seja, as instituições desempenham um papel
importante, e podem ser um meio eficiente de promover o desenvolvimento. Ao
mesmo tempo o desenvolvimento excede a noção de crescimento econômico, e
passa a ser visto como um processo de expansão das liberdades formais e
substanciais dos indivíduos.
296
SEN, 2000, p. 309.
107
Certamente esse modelo de desenvolvimento não é simples de ser
implementado, uma vez que possui diversas variáveis, mas não se pode olvidar
também que o processo de desenvolvimento é um processo abrangente. Como as
principais organizações internacionais estão voltadas para a promoção do
desenvolvimento, a aplicação de um modelo de desenvolvimento mais abrangente
parece ser o modelo ideal para a proposta de fortalecimento das políticas e leis de
defesa da concorrência.
Portanto, considera-se que ambas as teorias são validas, uma vez que não
há dúvidas de que processos de desenvolvimento dependem de instituições e
valores297.
3.3 Regulação, concorrência e desenvolvimento
Existe uma compreensão de que a competição nos mercados gera, em
regra, eficiências e aprimoramentos nos processos tecnológicos, implicando, por sua
vez, importantes ganhos de produtividade. Estes elementos seriam importantes,
colaborando de forma relevante com o desenvolvimento e com o bem-estar do
consumidor.
Conforme explicado no item 3.2.1 deste capítulo, sob a perspectiva
principalmente de NORTH, revela-se essencial a presença de instituições para
viabilizar um ambiente concorrencial saudável, com a colaboração de mecanismos
de regulação.
Nesse sentido, é importante apontar que já existem estudos, bastante
elucidativos, inclusive no Brasil, que caminham nesse mesmo sentido no que se
refere à defesa da concorrência.
Há estudos que apontam a importância da regulação do Estado à defesa da
concorrência, ao mesmo tempo em que defendem também a possibilidade de sua
utilização para mitigar as falhas de mercado – e somente quando a intervenção
297
Salomão Filho ao analisar essas teorias aponta que a grande pergunta que resta, não respondida
por North e Sen é em que sentido devem apontar essas instituições e valores. Veja-se nesse sentido:
SALOMÃO FILHO, 2002, p. 31
108
estatal possa gerar um melhor resultado se comparado ao cenário sem qualquer
intervenção298.
Nesse contexto, conforme assevera PRADO:
Em mercados com externalidades, a concorrência isoladamente não
é capaz de produzir os resultados esperados, ou seja, há falhas de
mercado que só podem ser resolvidas com regulação. Portanto,
mesmo considerando-se que o livre mercado leva ao resultado de
bem-estar econômico previsto nos modelos neoclássicos, há
situações em que, dada a existência de externalidades, a atuação do
Estado se justificava299.
Os mecanismos de regulação e a atuação estatal devem procurar atuar de
forma a garantir a existência e manutenção de uma concorrência saudável, e nesse
sentido, devem ser verificados os critérios importantes para o atendimento de seus
objetivos.
Vale esclarecer que a ação regulatória do Estado pode ter muitos
significados, com diferentes perspectivas teóricas. Entretanto, a regulação no
presente estudo está sendo abordada em um sentido mais amplo do que aquele da
economia neoclássica ou do adotado tradicionalmente no direito econômico (i.e.,
para regular serviços públicos, criação de agencias reguladoras etc.)300.
O Estado brasileiro, por muito tempo, aderiu a uma política de intervenção
nas atividades econômicas privadas, assim como muitos outros países em
desenvolvimento. Com isso, a economia popular teve uma proteção exacerbada, por
intermédio, por exemplo, da utilização das técnicas de controle de preços e
substituição de importações. Ou seja, o Estado centralizava a maior parte das
298
BAKER, Bill; TRÈMOLET, Sophie. Public Policy for the private sector – regulating quality. The
World Bank Group Private Sector and Infra-structure Network, Note Number 221, October 2000, p. 2.
No mesmo sentido, ver Gaban, Eduardo Molan. Regulação Econômica e Assimetria de
Informação. Revista do IBRAC, Vol. 5, n. 5. São Paulo: Ed. Singular, 2002, p. 107-108.
299
PRADO; Luiz Carlos Delorme. Desenvolvimento econômico, regulação econômica e defesa
da concorrência - reflexões sobre as novas formas de intervenção econômica em uma política
de desenvolvimento. 32º Encontro Anual da Anpocs, 2008, p. 12.
300
A concepção adotada para o termo regulação proposta nesse trabalho é a mesma seguida por
Piore e Sabel: “The term `regulation` is borrowed from French ´regulation`. But – as will become
apparent in the text – the concepts of historical change and economic crisis with which we associate it
differ from those concepts in the French theory. More precise English translation of régulation are
´balancing mechanism` and `equilibration`. […] Our usage, furthermore, should not be confused with
the everyday use of `regulation` as shorthand for `government intervention in private markets`. Rather,
we are using the word in its most extended sense: in some economic systems the government might
play a critical role for in regulating markets, yet the system as a whole would be self-regulating”.
PIORE, Michael J.; SABEL, Charles F. The second industrial divide: possibilities for prosperity.
New York: Basic Books, 1984, p. 4.
109
atividades econômicas e controlava as principais variáveis concorrenciais da
economia.
Segundo SALOMÃO FILHO, nunca houve, por exemplo, uma tentativa de
formulação de uma teoria geral da regulação, apesar das evidências apontarem que
a teoria da regulação, quando bem aplicada, pode contribuir positivamente para a
atividade do Estado. Neste sentido, o Estado passaria a agir como organizador das
relações sociais e econômicas reconhecendo ser insuficiente apenas o passivo
exercício de um poder de polícia sobre os mercados301.
No meio econômico, o conceito de regulação envolve dois fenômenos
simultaneamente: a redução da intervenção direta do Estado na economia; e o
crescimento do movimento de concentração econômica302. Também existem escolas
clássicas sobre regulação que tradicionalmente procuram estudar o funcionamento
do Estado na economia, por meio de uma análise crítica.
Neste aspecto, as principais escolas são a Escola do Interesse Público e a
Escola Neoclássica da Regulação. A Escola do Interesse Público defende que a
justificativa para a regulação não tem relação com a preservação do mercado, mas
sim com a busca do bem público.
Com relação a definição de interesse público, SALOMÃO FILHO destaca:
A definição de interesse público é multifacetada, ora política, ora
econômica, não permitindo que a mesma seja colocada em termos
precisos. Aliás a experiência prática põe em sérias dúvidas a
existência de um conceito – verdadeiro e coerente – de interesse
público para fins de intervenção do Estado na economia. Exatamente
por essa dificuldade, a Escola do Interesse Público ganha
importância através do desenvolvimento jurídico.303
No sistema tradicional do direito administrativo brasileiro existem duas
formas de regulação: o controle das atividades dos agentes econômicos privados
(exercido, e.g., nas hipóteses de concessão de serviços públicos) e o controle
mediante o exercício do poder de polícia (em sua igualmente tradicional concepção).
Entretanto essas duas formas de regulação apresentam algumas imperfeições.
301
SALOMÃO FILHO, 2001, p. 14.
Calixto Salomão Filho explica que historicamente sempre existiu uma dificuldade de controlar o
comportamento dos monopólios tanto pelas vias regulatórias tradicionais quanto pelas vias de direito
antitruste tradicionais. Assim também é importante atenuar a linha divisória entre regulação e
antitruste. SALOMÃO FILHO, 2001, p. 15.
303
SALOMÃO FILHO, 2001, p. 17.
302
110
De um lado a concepção liberal e passiva do poder de polícia não atende de
forma suficiente às necessidades de sistemas econômicos com muitas imperfeições,
e de outro, as concessões acreditam ser possível transformar os agentes privados
em perseguidores dos interesses públicos. Contudo, isto não acontece, pois,
conforme se observa no Brasil, por exemplo, o controle dos agentes privados, por
meio do regime jurídico de direito público, ainda é deficiente304.
A principal crítica feita ao modelo da Escola do Interesse Público é a falta de
sistematização que decorre da origem histórica divergente das várias formas de
regulação. Deste modo, a regulação ainda não encontrou um ponto de equilíbrio,
pecando pelo seu excesso ou falta. Assim, ou ocorre a prestação direta das
atividades pelo Estado em áreas que poderiam ser passadas aos particulares, ou há
apenas a concessão do serviço público de modo equivocado305.
A Escola Econômica da Regulação possui uma teoria diferente da Escola do
Interesse Público. Aquela Escola nega qualquer fundamento de interesse público na
regulação e afirma o objetivo de substituição (ou correção) do mercado por meio da
regulação, sendo então a regulação um mero substituto do mercado306.
O regulador deveria ter a capacidade de reproduzir um mercado “em
laboratório”, nos gráficos de oferta e demanda, pois para essa teoria a regulação só
é necessária dada a inexistência de solução de mercado mais eficiente307. Portanto,
a aplicação do direito regulatório estaria direcionada à correção dos efeitos do
mercado.
Com base nessa Escola, formou-se uma casuística sobre a regulação.
Segundo SALOMÃO FILHO:
O ponto comum e sistematizador dessa casuística, no entanto, existe
e está exatamente na crença na possibilidade de reprodução das
condições de mercado através da agência regulatória naqueles
setores em que essas condições não podem ser produzidas
naturalmente.308
Segundo SALOMÃO FILHO, as duas escolas são limitadas por apenas
priorizarem um dos aspectos relativos à regulação. Tratam-se, portanto, de teorias
304
SALOMÃO FILHO, 2001, p. 20.
SALOMÃO FILHO, 2001, p. 21.
306
SALOMÃO FILHO, 2001, p. 21.
307
SALOMÃO FILHO, 2001, p. 22.
308
SALOMÃO FILHO, 2001, p. 23.
305
111
incompletas. Nesse sentido é necessário haver a convivência dos aspectos sociais e
econômicos na regulação309.
STIGLITZ entende que a regulação econômica se prestaria a tão somente
atuar na medida em que não é possível haver um regime de livre concorrência em
razão da presença de falhas de mercado310. Assim, não sendo possível aplicar-se o
regime de livre concorrência em razão de monopólios naturais, excessiva presença
de externalidades negativas, e/ou intensas assimetrias de informação, seria
necessária a intervenção estatal, via regulação econômica, para garantir a geração
de eficiência econômica e, logo, bem-estar social311.
A função reguladora acentuou-se em razão do papel desempenhado pelo
Estado face à ordem econômica. Assim, enquanto procura-se uma diminuição da
intervenção direta, ao mesmo tempo é necessária que haja uma valorização e um
incentivo à atividade econômica desempenhada pelos particulares.
O reforço do papel do Estado na distribuição de incentivos aos agentes
econômicos privados foi ponderado por DUPAS, para quem o grande desafio do
Estado na tarefa da assimilar as mudanças da economia do futuro seria assumir
papel
indutor-normativo-regulador,
em
contraste
com
o
anterior
papel
intervencionista e paternal (remontando ao welfare-state) desempenhado ao longo
da história312.
Nesse sentido, a utilização da regulação econômica pode ser válida no
tocante ao ajuste dos efeitos de práticas anticoncorrenciais no âmbito do comércio
internacional, sobretudo quando tais condutas não são alcançadas pelas legislações
antitruste nacionais em razão de isenções (conforme será visto na Parte II).
3.3.1 Observações com base na Constituição Federal de 1988
A regulação e a concorrência acabam de certo modo caminhando juntas e,
no Brasil, devem atender aos princípios estabelecidos na Constituição Federal de
309
SALOMÃO FILHO, 2001, p. 27.
STIGLITZ, Joseph E. Promoting competition and regulation policy: with examples from
network industries. The World Bank, Speech delivered on the Research Center for Regulation and
Competition, Chinese Academy of Sciences, Beijing, China, July 25, 1999. No mesmo sentido:
GABAN, 2002, p.102.
311
GABAN, 2002, p. 107-108.
312
DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social – pobreza, emprego, Estado e o futuro
do capitalismo. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999, p. 87. Cf. GABAN, 2002, p.102.
310
112
1988 (CF/88). Sobre esse aspecto, cabem ser ressaltadas importantes observações
de SALOMÃO FILHO:
[...] a convivência necessária entre órgãos reguladores e órgãos de
defesa da concorrência nos processos em que ambos interagem impõe
a aplicação de princípios de tutela da legalidade do processo
administrativo. Em especial, desponta a necessidade de uma garantia
do contraditório bastante ampliada, compatível com o caráter
institucional do objeto de tutela e com a conseqüente amplitude dos
313
interesses envolvidos.
A idéia de regulação surge, assim, para privilegiar também importantes
valores e princípios da Ordem Econômica descritos na CF/88, dentre os quais se
inclui a livre concorrência314. Este, por sua vez, revela-se fundamental para a
promoção do desenvolvimento de mercados e produtos, equilibrando-se com outros
princípios importantes, como a liberdade de iniciativa.
Observa-se que no Brasil o princípio da livre iniciativa e da livre concorrência
abriga a atuação estatal no sentido de disciplinar comportamentos que resultariam
em prejuízos à concorrência e, ao mesmo tempo, a atuação dos agentes
econômicos.
Nesse âmbito, cabe ser mencionada relevante observação de MUNHOZ:
[...] a concorrência desempenha um papel importante na promoção do
desenvolvimento, pois valoriza uma série de liberdades – como a de
iniciativa e a de escolha – importantes não apenas por si mesmas, mas
também pelo papel que podem desempenhar na promoção de outras
liberdades integrantes do processo de desenvolvimento. [...] Em outras
palavras, na abordagem do desenvolvimento como liberdade, a
concorrência tem importância independentemente da geração ou
não de efeitos econômicos, justamente por garantir liberdades
importantes para o processo de desenvolvimento. 315 (destaques no
original).
As
liberdades
importantes
para
o
processo
de
desenvolvimento
mencionadas por MUNHOZ podem ser encontradas no artigo 170 da CF/88, o qual
privilegia especificamente princípios norteadores da ordem econômica brasileira.
313
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos
jurídicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 186.
314
“O interesse tutelado pelo inc. I do art. 20 da Lei 8.884/94, já está expresso de forma bastante
clara: a livre concorrência ou a livre iniciativa. Ou seja, aos agentes é assegurada liberdade de
desenvolvimento de uma atividade econômica, e, para garantir a manutenção do sistema e das
regras do jogo, colocam-se limites à atuação desses mesmos agentes, disciplinando seu
comportamento no mercado. A disciplina da concorrência, então, coloca-se como correlata à livre
iniciativa.” FORGIONI, 1998. p. 230.
315
MUNHOZ, 2006, p. 247.
113
Os fundamentos maiores – valorização do trabalho humano e livre iniciativa
– embasam uma série de princípios que se relacionam com a livre concorrência e
com o desenvolvimento. Veja-se também que, o princípio da livre concorrência
“limita a expressão absoluta do princípio da livre iniciativa por parte de um agente
econômico ou um grupo de agentes econômicos”316.
Logo, a CF/88, ao privilegiar os princípios da liberdade de iniciativa e da livre
concorrência317, especiais para a presente análise, garante o livre exercício da
atividade econômica, essencial para o desenvolvimento de novos mercados e
produtos e para o benefício da população de maneira geral, e também possibilita o
equilíbrio dessas iniciativas por meio da livre concorrência.
Conforme estabelece a CF/88, art. 173, § 4º a livre concorrência constitui
manifestação da liberdade de iniciativa, mas o abuso de poder econômico que visar
à dominação dos mercados ou à eliminação da concorrência deve ser reprimido.
Assim, autoriza-se, por meio da CF/88, a atuação de instituições destinadas a
equilibrar eventuais distorções entre esses princípios, de forma a garanti-los.
3.4 A teoria do comércio estratégico, o protecionismo liberal e o princípio da
intervenção assimétrica
Conforme explicado anteriormente, o estabelecimento e o apoio à abertura
comercial em âmbito internacional foi a finalidade principal da criação do GATT e
posteriormente da OMC. Entretanto, é fato que o estabelecimento e o
desenvolvimento de um sistema de livre comércio internacional não são tarefas
simples.
Embora o sistema multilateral de comércio tenha notadamente impactado o
comércio internacional, ainda permanecem dificuldades relacionadas aos outros
temas que estão ligados indiretamente ao comércio e à ordem econômica mundial.
Nesse ponto, a OMC ainda terá que avaliar como serão endereçados os problemas
316
GABAN; DOMINGUES, 2009, p. 80.
Conforme estabelece a CF, art. 173,§ 4º a livre concorrência: constitui manifestação da liberdade
de iniciativa, mas o abuso de poder econômico que visar à dominação dos mercados, à eliminação da
concorrência deve ser reprimido.
317
114
gerados pelas externalidades negativas como, por exemplo, as preocupações com o
meio ambiente, cláusula social etc.
Da mesma forma, outro aspecto que merece maior atenção da OMC é a
manutenção da estabilidade da concorrência internacional em razão dos
compromissos assumidos pela redução das barreiras comerciais. Conforme explica
BECKER, princípios do GATT e outras disposições da OMC devem lidar com as
tarifas e barreiras comerciais não-tarifárias postas em prática pelos Estados para
estruturar ou até mesmo impedir o livre fluxo de bens e serviços para além de suas
fronteiras318.
Com a abertura comercial e seus efeitos (nem sempre positivos) há um
movimento natural de protecionismo. Ainda, de acordo com BECKER, o incentivo
dos governos utilizarem esses instrumentos protecionistas é explicado pela teoria do
comércio estratégico – Strategic Trade Theory (STT) – que adota a premissa de que
a intervenção governamental no livre comércio pode proporcionar oportunidades aos
setores industriais selecionados para expandir mercados e, conseqüentemente,
aumentar a renda nacional319.
Na década de 1980 P. Krugman, juntamente com J. Culbertson e R.
Kuttner320 divulgaram a teoria do comércio estratégico que, grosso modo, sustentou
um tipo de “protecionismo seletivo”321. Essa teoria questiona os pressupostos da
teoria liberal que baseia o comércio internacional e também o modelo de
concorrência perfeita e a suposta inexistência de externalidades.
Vale destacar que, baseada na premissa da concorrência imperfeita, a teoria
do comércio estratégico defende que o livre comércio não é sempre a melhor política
comercial. Os seus teóricos propuseram que as vantagens comparativas podem ser
criadas
arbitrariamente,
assim
como medidas protecionistas poderiam
ser
justificadas. Ou seja, essa teoria defende o pressuposto de que os governos
318
BECKER, Florian. The case of export cartel exemptions: between competition and protectionism.
Journal of Competition Law and Economics, 2007, p. 98.
319
BECKER, 2007, p. 98.
320
Uma grande produção cientifica foi realizada no início da década de 80 sobre a economia dos
EUA, perda de empregos, problemas com a competitividade da indústria, salário,, crescendo a
desigualdade e a fraqueza das políticas comerciais dos EUA. Veja-se nesse sentido Kuttner 1982,
Culbertson 1985, entre outros. LOVETT, William Anthony; ECKES, Alfred E. Jr; BRINKMAN, Richard
L. US Trade Policy: History, Theory, and the WTO. Second Edition, M.E. Sharpe: 2004, p. 182.
321
Nesse sentido veja-se: GUIMARÃES, Maria Helena. Economia política do comércio
internacional: teorias e ilustrações. Portugal, São João do Estoril: Principia, 2005, p. 60.
115
deveriam intervir mais e desenvolver políticas industriais em determinados setores e
até mesmo adotar políticas protecionistas322.
Um exemplo nacional que poderia ser dado de aplicação prática dessa teoria
(ainda que hipoteticamente) foi a decisão do governo brasileiro de subsidiar a
fabricante de aeronaves Embraer e impulsionar seu desenvolvimento. Assim, a
teoria do comércio estratégico, em tese, ajuda a explicar, por exemplo, a razão que
levou o Brasil a decidir arriscar-se para se transformar em um dos melhores
fabricantes de aeronaves no mundo. Veja-se que, nesse caso, houve uma escolha
estratégica do governo brasileiro323.
Vale destacar que essa idéia de “protecionismo liberal” está ligada também
aos conceitos propostos por Robert Glipin (1987), quais sejam: i) protecionismo
setorial, e ii) mercantilismo benigno.
Conforme explica GUIMARÃES, o protecionismo setorial permite a proteção
de setores específicos em situações conjunturais desfavoráveis, i.e., elevadas taxas
de desemprego, enquanto o mercantilismo benigno seria decorrente do primeiro
conceito (protecionismo setorial), pois fundamenta-se “em considerações de
equidade” e tem “um pendor social”324. Ou seja, políticas protecionistas ou de
política industrial poderiam ser justificadas em certas circunstâncias, tal como, por
exemplo, a decisão dos EUA para a proteção tarifária do setor de aço em março de
2002325.
322
GUIMARÃES, 2005, p. 61.
Sobre essa questão veja-se também: CELLI JUNIOR, Umberto. Brasil (Embraer) x Canadá
(Bombardier) na OMC. Revista Eletrônica de Jornalismo Científico. Disponível em:
<http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=21&id=223>. Acesso em: 10
jan. 2010.
324
GUIMARÃES, 2005, p. 61.
325
“Os EUA, desde 1920, dominavam o mercado mundial de aço, com produção que chegava a cerca
de 40% da produção mundial. Nas últimas décadas, no entanto, a situação mudara drasticamente,
não só pelo aumento da produção de aço e ferro mundial como também pelo surgimento de medidas
de protecionismo (dumping e subsídios) aplicadas por outros países produtores. Em 2001, por
exemplo, as importações de aço excediam as exportações em mais de 23 milhões de toneladas e
mais de 34 companhias norte-americanas de aço haviam falido, vítimas das importações
consideradas desleais. Diante destas circunstâncias, em 2002 o governo americano anunciou o
Programa do Aço 201 (201 Steel Program) que visava proteger e reestruturar a indústria siderúrgica
do país ao estabelecer quotas e aumento da alíquota de importação extra-quota de slab (placa semimanufaturada de aço) durante três anos, excluindo produto proveniente do Canadá, México, Israel e
Jordânia, países com os quais os EUA mantém tratado de livre comércio. O programa incluía ainda a
diminuição de 8 a 30% da alíquota de importação de 13 produtos de aço acabado durante três anos.
Como conseqüência houve um aumento no preço do aço e seus derivados no mercado norteamericano e a incapacidade da indústria de aço doméstica atender a demanda dos EUA. Os efeitos
no Brasil deste programa não foram tão sentidos como no Japão e na Europa, por exemplo, que
323
116
KRUGMAN explica que a proteção só deveria ser utilizada em caráter de
exceção, com limite temporal e âmbito limitado, já que se trata de política ineficiente.
Aliás, KRUGMAN faz questão de frisar que, ao contrário de uma economia de
mercado ideal, uma verdadeira economia de mercado é imperfeita, mas é um
sistema que funciona melhor que os outros já experimentados, ou seja, a ênfase nas
imperfeições do mercado não tem a intenção de condenar o sistema326.
Os autores dessa corrente são favoráveis a liberalização multilateral e
regional do comércio e a cooperação entre os países para a redução das barreiras
artificiais do comércio. Entretanto, ao aceitar a proteção em determinadas condições
essa teoria é bastante controversa e recebe muitas críticas tanto dos protecionistas
de fato (que não concordam com um protecionismo em regime de “exceção”) como
dos liberais (que entendem que a proteção de forma “seletiva” desvirtua o princípio
do liberalismo comercial)327.
De todo modo, como a economia mundial encontra-se altamente
globalizada, tal como pode ser observado na recente crise mundial que afetou
diversos países ao mesmo tempo, entende-se que as teorias protecionistas
deveriam ser menos utilizadas pelos países (especialmente aqueles que buscam os
benefícios da abertura comercial ou a inserção internacional).
Ainda, dentro do tema proposto, que aborda a conduta dos cartéis de
exportação, percebe-se que a ausência de regulação ou a permissibilidade dessa
conduta sem maiores estudos pode servir como uma estratégia comercial,
justamente pelo fato do sistema de economia de mercado ser imperfeito.
dependiam mais deste fornecimento. O Programa foi suspenso pelo presidente George Bush em
dezembro de 2003. Veja-se nesse sentido: HADDAD, E. A.; MORAIS, A. G., OLIVEIRA, S. J. M.,
TEIXEIRA, W. M.. Medidas protecionistas na siderurgia norte-americana: impactos setoriais e
regionais. XXXII Encontro Nacional de Economia: ANPEC, 2004.
326
KRUGMAN, Paul. Vendendo prosperidade – sensatez e insensatez econômica na era do
conformismo. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 258-259.
327
Em adição, KRUGMAN critica aqueles que ele considera como falsos teóricos do comércio
estratégico, tais como Lester Thurow do MIT e Robert Reich da John F. Kennedy School of
Government de Harvard. De acordo com Rodrigues “A questão básica refere-se à confusão entre os
conceitos de produtividade e competitividade. Para Krugman, os “comerciantes estratégicos”
cometem um erro grosseiro ao atribuir à competitividade internacional de um páis – e não como seria
correto à produtividade – um papel primordial no aumento do nível de vida da população. (1998, p.
150).
117
Não pode deixar de ser mencionado também no presente estudo o princípio
da intervenção assimétrica328. Basicamente, tal princípio visa garantir o correto
funcionamento do mercado e a paridade das condições entre os agentes
econômicos329.
Verifica-se que não há, de maneira geral, paridade entre as condições de
acesso e utilização dos benefícios do ambiente econômico entre todos os agentes, o
que, inegavelmente, causa desequilíbrios regulatórios e concorrenciais. As condutas
anticoncorrenciais surgem muitas vezes exatamente em decorrência dessas falhas
dos mercados, as vezes caracterizadas por monopólios e oligopólios.
Sobre os oligopólios NUSDEO explica que:
É fácil compreender que num oligopólio há uma grande tendência no
sentido de se unirem os operadores, os quais passarão então a atuar
como na unidade, levando a uma situação de monopólio. Porém,
numa fase de crise, os oligopolistas poderão tender para o regime
anterior, isto é, exercer uma concorrência imperfeita, procurando,
cada um deles, obter uma fatia maior de mercado. O oligopólio é,
assim, um regime extremamente volátil, pois com base num conluio
entre os oligopolistas, chamado cartel, pode transformar-se num
monopólio. Por outro lado, não chegando eles a um acordo ou
rompendo-o, quando já existente, passam a atuar de maneira muito
próxima à da concorrência imperfeita, desencadeando guerras
comerciais para a conquista de mercados.330
Assim, é muito importante a utilização de mecanismos de regulação, ou
aplicação de regras de concorrência331, para o atendimento das necessidades do
equilíbrio dos mercados, possibilitando-se, conseqüentemente, o alcance do
328
Sobre a intervenção assimétrica veja-se: CARLSON, John A.; LO, Melody. Selective asymmetric
intervention and sterilization. Applied Financial Economics, 1466-4305, Volume 14, Issue 11, 2004,
p. 823-833. Veja-se também: GRINOLS, Earl L., The Intervention Principle. Review of International
Economics, Vol. 14, No. 2, May 2006, p. 226-247.
329
Sobre a importância da paridade de condições entre agentes econômicos nos mercados e a
relação com mecanismos legais, muitas vezes referida na doutrina internacional nos termos “level
playing field” (“nivelar o campo de jogo”), cabe mencionar interessantes comentários feitos pelo
Ministério das Relações Exteriores da Dinamarca sobre a recente e primeira lei anti-monopólio
instituída pela China em agosto de 2008. A notícia trata do importante papel das legislações de
concorrência em tratar de distorções de mercado resultantes do abuso do poder administrativo na
China. A notícia é intitulada “First Competition Law Should Help Create a Level Playing Field”.
Disponível
em:
<http://www.dtcchina.um.dk/en/menu/InfoAboutChina/Marketopportunities/News/
Generalnews/Archives2007/FirstCompetitionLawShouldHelpCreateALevelPlayingField.htm>. Acesso
em: 12 nov. 09.
330
NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3.ed. São Paulo: RT,
2001, p. 267.
331
Conforme explica Nusdeo: “os problemas concorrências impedem a chamada auto-regulação dos
mercados e dão origem a um grande número de leis, particularmente no campo da chamada
legislação de tutela da concorrência ou antitruste.” NUSDEO, 2001, p. 280.
118
desenvolvimento em um contexto mais amplo. Dessa forma, é inegável a importante
relação entre os mecanismos de regulação e o desenvolvimento dos mercados
como um todo, que podem trazer importantes benefícios ao bem estar social332 e
aos consumidores.
Sem dúvida, considerando o tema proposto, não podem ser ignoradas as
diferenças existentes entre os PEDs e os países desenvolvidos na aplicação de
suas regras de concorrência, especialmente considerando-se que muitos países
ainda carecem de instituições e até mesmo de conhecimentos mínimos sobre a
aplicação de regras e políticas concorrências.
Ao mesmo tempo, teorias como a do comércio estratégico podem servir para
justificar medidas que alteram o equilíbrio concorrencial no mercado e são utilizadas
muitas vezes por países que já possuem conhecimento e sofisticação na aplicação
de regras que regulam o comércio internacional, tais como as medidas de defesa
comercial (i.e., não apenas regras concorrenciais).
No contexto de desenvolvimento mais amplo abordado neste estudo, vale
mencionar que já existem regras estabelecidas em âmbito multilateral que procuram
fornecer base para um tratamento diferenciado às economias mais sensíveis,
justamente para permitir o desenvolvimento dentro de um mercado global em que se
busca a eliminação de qualquer tipo de barreira comercial.
Considerando a proposta de regulação da concorrência de forma mais
abrangente dentro da OMC (o que também será defendido adiante no presente
estudo – especialmente no Capitulo 06), passa-se a análise da aplicação dos
instrumentos existentes no âmbito da OMC que procuram facilitar o desenvolvimento
respeitando as desigualdades existentes.
332
Sobre o bem-estar SENGUPTA explica que “The concept of well-being in this context extends well
beyond the conventional notions of economic growth to include the expansion of opportunities and
capabilities to enjoy those opportunities, captured in the indicators of social and human development,
which in turn expand their substantive freedoms.” SENGUPTA, Arjun. On the theory and practice of
the right to development. In: SENGUPTA, Arjun; NEGI, Archna, BASU, Moushumi. Reflections on
the right to development. Centre for Development and Human rights, New Delhi: Sage Publications
Inc., 2005, p. 68. Veja-se que essa compreensão coaduna-se com o conceito de desenvolvimento de
Amartya Sen (Vide item 3.2.2).
119
3.5 A aplicação do Tratamento Especial e Diferenciado (TED) na OMC
Ainda no contexto de apoiar o desenvolvimento, o conceito de “tratamento
especial e diferenciado - TED” tem sido tratado na OMC no sentido de facilitar a
integração dos países em desenvolvimento no sistema multilateral de comércio.
Considerando a declaração ministerial de Doha, observa-se que a
importância desse conceito tem sido reforçada pela garantia de “levar-se em
consideração o princípio do tratamento especial e diferenciado”.333 Esse princípio é
baseado em dois pilares centrais: (i) não reciprocidade; e (ii) aumento e acesso
preferencial ao mercado334.
O primeiro pilar tem sido substanciado na Parte IV - Trade and Development.
Veja-se que o artigo XXXVI:8 isenta a reciprocidade de concessões tarifárias quando
as partes contratantes desenvolvidas não esperam reciprocidade nos compromissos
firmados nas negociações comerciais para reduzir ou remover barreiras ao comércio
das partes contratantes menos desenvolvidas.
Já o segundo pilar, relacionado ao acesso preferencial ao mercado, é
assegurado pela cláusula de habilitação335 que cria uma base legal permanente para
o tratamento preferencial de tarifas acordado pelo Sistema Geral de Preferências
(SGP). A Cláusula de Habilitação também chamada de "Decisão sobre tratamento
diferencial e mais favorável, reciprocidade e maior participação de países em
desenvolvimento", foi adotada pelo GATT em 1979 com a finalidade de estimular os
países desenvolvidos a dar tratamento diferencial e mais favorável aos PEDs.
HOEKMAN e BRAGA explicam que os membros do GATT aprovaram
dispositivos especiais para o SPG (temporários em 1971 e definitivos em 1979) com
as Cláusulas de Habilitação (parte dos acordos da Rodada de Tóquio). Com isso,
333
Declaración Ministerial de Doha, par. 50: “Las negociaciones y los demás aspectos del Programa
de Trabajo tendrán plenamente en cuenta el principio del trato especial y diferenciado para los países
en desarrollo y los países menos adelantados consagrado en: la Parte IV del GATT de 1994; la
Decisión de 28 de noviembre de 1979 sobre trato diferenciado y más favorable, reciprocidad y mayor
participación de los países en desarrollo; la Decisión de la Ronda Uruguay relativa a las medidas en
favor de los países menos adelantados, y todas las demás disposiciones pertinentes de la OMC”.
334
NOTTAGE, Hunter. Trade and competition in the WTO: pondering the applicability of special and
differential treatment. Journal of International Economic Law, Oxford University Press, v. 6, n˚. 1, p.
23-47, 2003, p. 26.
335
Veja-se nesse sentido: GATT. Diferential and more favourable treatment reciprocity and
fullers participation of developing countries. Decision of 28 November 1979 (L/4903).
120
criou-se um Comitê de Comércio e Desenvolvimento e a Cláusula de Habilitação
passou a dar cobertura legal permanente para o SPG, incluindo regras de
“graduação” - indicando que as políticas para TED não deveriam mais existir nos
países beneficiários que atingissem certo nível de desenvolvimento econômico. No
entanto, os critérios para isso não foram definidos claramente336.
Observa-se que, nos acordos da OMC, são numerosas as regras de
tratamento preferencial que podem ser encontradas337. No que concerne a possível
aplicação do TED nas regras de concorrência, deve-se levar em consideração conforme têm se repetido no presente estudo - que um grande número de membros
da OMC possui leis de concorrência novas, pouco desenvolvidas, ou simplesmente
não as possuem.338
Os mercados dos países em desenvolvimento ainda são vítimas de grandes
mercados concentrados, da intervenção estatal e até mesmo de grandes forças de
lobby que desafiam a aplicação da lei de concorrência pelas jovens autoridades.339
Observa-se que, no mesmo sentido, a UNCTAD tem enfatizado que
qualquer tipo de acordo relacionado a concorrência e comércio deve assegurar
flexibilidade aos regimes de concorrência dos PEDs, considerando seus objetivos
específicos de desenvolvimento340.
Conforme foi tratado no capítulo 2, existe um working group on trade and
competition policy – WGTCP, no âmbito da OMC. Dentro do WGTCP, a CE sugeriu
a adoção de um acordo de política de concorrência focado em princípios centrais
tais como: (i) transparência; (ii) não discriminação; e (iii) cartéis hard core. A CE
defende que tais princípios seriam uma opção para permitir a flexibilidade e o
progresso necessário341.
336
“[...] Critérios de elegibilidade e de graduação, bem como a cobertura do produto e dos tipos de
preferências são determinados unilateralmente pelos países doadores.” HOEKMAN, Bernard;
MARTIN, William J. e BRAGA Carlos A. Primo. Preference Erosion: The Terms of The Debate.
World Bank, 2006. Disponível em: <http://siteresources.worldbank.org/INTRANETTRADE/
Resources/Preferences_Intro_Terms_of_the_Debate.pdf> Acesso em: 12 jun. 2010.
337
Veja-se nesse sentido: WTO. Implementation of special and differential treatment provisions in
WTO agreements and decisions. WT/COMTD/W/77. Disponível em: <http://ctrc.sice.oas.org/TRC
/WTO/WTOSpecialTreatment_e.asp>. Acesso em: 24 Jul. 2010.
338
No mesmo sentido veja-se KROL, 2007, p.173.
339
NOTTAGE, 2003, p.33.
340
Veja-se: UNCTAD/ITCD/TSB/6, September 1999.
341
Nesse sentido encontram-se os seguintes documentos produzidos no âmbito da OMC:
WT/WGTCP/W/152 e WT/WGTCP/W140.
121
As propostas que surgiram ainda não são totalmente favoráveis à
harmonização, o que deixa espaço para interpretações em âmbito nacional, mas
pode abrir espaço à flexibilidade e à adaptação que é necessária para que cada país
responda individualmente pelos desafios do desenvolvimento.
KROL explica que a flexibilidade e a capacidade de adaptação podem ser
conquistadas por meio de exceções e isenções342. Aparentemente, existe certa
aceitação dessas isenções por parte dos PEDS, mas a questão que surge é se um
sistema baseado em isenções e/ou exceções poderia beneficiar os esforços para o
desenvolvimento.
Essa questão é importante uma vez que o uso excessivo de isenções343
pode dificultar a efetividade das leis de concorrência e de sua aplicação,
principalmente nos PEDs. Vale adicionar que essa limitação da eficiência na
aplicação das leis de concorrência também pode ocasionar perdas de bem-estar
global344.
Claramente, para uma resposta mais segura, precisa-se analisar a atual
situação das isenções, para que se possa ponderar se há eventuais benefícios ao
desenvolvimento em se possibilitar a aplicação de isenções. Veja-se que KROL
acredita que pesquisas nesse sentido são necessárias, uma vez que isenções
setoriais podem conflitar com interesses da política de concorrência345.
Em todos os debates multilaterais, especialmente no âmbito da OMC, têmse considerado que as regras de concorrência precisam ser avaliadas à luz do
debate sobre globalização346. Isto quer dizer que, considera-se que as regras de
342
KROL, 2007, p.174. No mesmo sentido veja-se também: NOTTAGE, 2003, p.37.
As isenções serão estudadas principalmente no Capítulo 05.
344
Veja-se nesse sentido: WT/WGTCP/M/15, para.30. 14 August, 2001.
345
KROL, 2007, p.175. No mesmo sentido, veja-se: NOTTAGE, 2003, p.41.
346
“Covering a wide range of distinct political, economic, and cultural trends, the term “globalization”
has quickly become one of the most fashionable buzzwords of contemporary political and academic
debate. In popular discourse, globalization often functions as little more than a synonym for one or
more of the following phenomena: the pursuit of classical liberal (or “free market”) policies in the world
economy (“economic liberalization”), the growing dominance of western (or even American) forms of
political, economic, and cultural life (“westernization” or “Americanization”), the proliferation of new
information technologies (the “Internet Revolution”), as well as the notion that humanity stands at the
threshold of realizing one single unified community in which major sources of social conflict have
vanished (“global integration”). Fortunately, recent social theory has formulated a more precise
concept of globalization than those typically offered by pundits. Although sharp differences continue to
separate participants in the ongoing debate, most contemporary social theorists endorse the view that
globalization refers to fundamental changes in the spatial and temporal contours of social existence,
according to which the significance of space or territory undergoes shifts in the face of a no less
dramatic acceleration in the temporal structure of crucial forms of human activity. […] Theorists of
343
122
concorrência no âmbito internacional podem funcionar para atacar as práticas
restritivas que emergem do movimento natural de globalização, uma vez que as
obrigações assumidas em âmbito multilateral, relacionadas ao acesso ao mercado,
podem agravar esses problemas347.
Assim, a análise da concorrência sob o enfoque do desenvolvimento
também deveria aprofundar estudos sobre as implicações ao bem-estar do
consumidor, distribuição dos ganhos de eficiência entre os Estados e sociedades348,
respeitando as diferenças entre todos os atores envolvidos no comércio
internacional.
3.6 A concorrência como um bem público
A teoria econômica define “bens públicos” como não rivais ou não
exclusivos, no sentido de que são bens que podem ser usados por uma pessoa sem
excluir outra. Ou seja, uma pessoa que possui o bem não exclui qualquer outra do
seu consumo349.
De acordo com o Banco Mundial, “bens públicos internacionais” são bens
que podem reduzir a pobreza350. O Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) prefere a noção de “bens públicos globais”. Como bem
globalization disagree about the precise sources of recent shifts in the spatial and temporal contours
of human life. Nonetheless, they generally agree that alterations in humanity's experiences of space
and time are working to undermine the importance of local and even national boundaries in many
arenas of human endeavor. Since globalization contains far-reaching implications for virtually every
facet of human life, it necessarily suggests the need to rethink key questions of normative political
theory.” Veja-se: ZALTA, Edward N. Stanford Encyclopedia of Philosophy. Disponível em:
<http://plato.stanford.edu/> Acesso em 20 jun. 2010.
347
A título de complementação, cabe mencionar conferência realizada em Setembro de 2009 entre as
autoridades de defesa da concorrência do Brasil, Rússia, Índia e China (BRIC). Os quatro países
comprometeram-se, por meio de um comunicado conjunto a avançar em termos de cooperação
técnica entre os países. Conforme nota do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), “a
Conferência dos BRICs permitiu uma aproximação dos quatro países num tema cada vez mais
relevante para alicerçar as bases do desenvolvimento de uma economia moderna, que é a política de
concorrência”.
348
KROL, 2007, p.177.
349
KAUL, Inge; MENDOZA. Ronald U. Advancing the Concept of Public Goods. p. 80. Disponível
em: <http://www.undp.org/globalpublicgoods/ globalization/pdfs/KaulMendoza.pdf> Acesso em 20 jul.
2010.
350
DREXL, Josef. International Competition Policy after Cancun Placing a Singapore Issue on
the WTO Development Agenda. World Competition, v. 27; n˚. 3, 2004, p. 437.
123
explicam KAUL e MENDOZA, a definição foi redefinida, pois antes considerava
“todos os bens cujos benefícios se estendem a todos os países, pessoas e
gerações” e passou a ser aqueles que “beneficiam mais de um país, uma pessoa ou
uma geração”.351
Essa mudança de definição acabou, de certo modo, estendendo o escopo
dos bens públicos globais, uma vez que mais bens podem ser qualificados dentro da
definição acima. Cabe apontar que a delimitação do que seriam os bens públicos em
comparação aos bens privados, assim como os bens globais do que seriam os bens
nacionais, deve ser entendida de modo flexível.
DREXL explica que bens privados podem ser transformados em bens
públicos e vice versa, dependendo de uma política nacional, ou até mesmo da lei. E
o mesmo pode ocorrer com relação aos bens públicos nacionais e globais, já que o
processo de globalização por si modifica as estruturas e implica aumento de bens
públicos globais352.
Tradicionalmente os Estados têm feito a opção por serem os provedores dos
bens públicos ou, alternativamente, transformam esses bens em bens privados por
meio de privatização353. Trata-se de uma decisão puramente política tomada pelos
governos em nível nacional.
Entretanto, de acordo com a teoria dos bens públicos globais, entende-se
que a teoria econômica dos bens públicos deveria ter uma dimensão internacional.
Veja-se que, como uma regra, as legislações nacionais são as que decidem quando
um bem é público ou privado, entretanto, em um mundo globalizado, esse tipo de
decisão, inevitavelmente, tem efeitos transfronteiriços354.
Sem dúvida, a privatização de bens públicos trás preocupações relacionadas
ao desenvolvimento, uma vez que as pessoas mais pobres podem não ter meios
para adquirir certos bens, ao mesmo tempo em que os PEDs e as economias mais
frágeis também podem ter dificuldades em fornecer tais bens. De qualquer forma, a
351
KAUL; MENDOZA, p. 95.
DREXL, 2004, p. 437.
353
DREXL, 2004, p. 437.
354
Nesse sentido, veja-se também: KROL, 2007, p. 178.
352
124
falta de fornecimento de bens públicos passou a ser uma das principais críticas à
globalização355.
No que diz respeito às regras da OMC, os bens públicos estão protegidos
nos artigos XXIII e XXV, do GATT 1947. Ainda de acordo com o PNUD, o sistema
multilateral de comércio é um bem público global em sua forma, mas não em sua
essência356.
Esta análise é defendida pelo fato de que a liberalização do comércio
beneficia todos os Estados e seus cidadãos e, pelo menos na teoria, ninguém pode
ser excluído desses benefícios e vantagens. Entretanto, num ponto de vista
essencial, tem sido argumentado que a falta de balanço e equidade no sistema de
comércio afetam os PEDs que enfrentam custos sociais para a manutenção do
sistema multilateral do comércio357.
No que concerne à concorrência propriamente, em razão das políticas de
concorrência e de comércio serem estabelecidas de forma complementar, entendese conveniente indicar a concorrência internacional como um bem público global,
uma vez que se encaixaria no critério previsto pelo PNUD358.
Para compreender melhor essa idéia, é importante entender que este
argumento baseia-se no fato de que a proteção internacional da concorrência, em
conjunto com as regras de concorrência no âmbito da OMC, poderia promover e
facilitar o acesso aos bens pelos consumidores, especialmente pelos cidadãos dos
PEDs. Assim, a idéia aqui defendida é de que a concorrência internacional deveria
ser analisada como um bem público global, que ao mesmo tempo teria capacidade
de promover regras aos bens privados359.
Considerando-se a ênfase da OMC nos bens privados e também a
relevância dada à proteção contra as práticas que podem prejudicar o comércio,
tornou-se particularmente importante o aumento da proteção contra condutas
355
KAUL, Inge; CONCEIÇÃO; Pedro, LE GOULVEN, Katell; MENDOZA, Ronald U. Why Do Global
Public Goods Matter Today? p. 4. Disponível em: <http://www.undp.org/globalpublicgoods/
globalization/pdfs/Overviews.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2010.
356
Nesse sentido, veja-se: MENDOZA. Ronald U. The Multilateral Trade Regime: A Global Public
Good For All? The Multilateral Trade Regime, 2003, p. 455.
357
KROL, 2007, p. 178.
358
DREXL, 2004, p. 440.
359
Vale dizer que este argumento também é defendido por DREXL, KROL, MENDOZA, KAUL e
outros que analisaram como os chamados bens públicos devem ser tratados atualmente.
125
anticompetitivas que afetam os PEDs para viabilizar a distribuição (ou alocação) de
benefícios decorrentes da liberalização comercial.
Conforme foi analisado no decorrer dos primeiros capítulos deste estudo, a
proteção internacional da concorrência é ainda insuficiente, já que existem países
que sequer adotaram leis de concorrência e não possuem meios de proteger seus
mercados e consumidores contra práticas anticompetitivas externas, que poderiam
ocorrer ainda que existam regras para o comércio na OMC (que ainda não
contemplam regras antitruste multilaterais).
Da mesma forma, existem determinadas práticas apoiadas em exportação
que também são completamente excluídas do escopo das legislações nacionais de
defesa da concorrência quando essas exportações não afetam o mercado interno.
Este é o caso dos cartéis de exportação que serão explorados na segunda parte do
presente estudo.
Como os PEDs possuem, em regra, menor experiência no tocante à política
antitruste que os países desenvolvidos, eventuais distorções são pouco combatidas
especialmente pelos países mais pobres. Essa falha precisa de alguma forma ser
suprida ou amenizada.
Assim, se houver entendimento de que uma política de concorrência
internacional possa ser considerada como “bem público” e que a OMC poderia agir
como um tipo de “legislador”, entende-se que os membros da OMC poderiam ser
beneficiados com uma maior proteção, permitindo a correção de potenciais falhas de
mercado e assimetrias de conhecimento (decorrente da falta de regras e/ou
experiência).
Veja-se que, o que se sugere aqui não é uma harmonização de regras de
defesa da concorrência, mas sim permitir-se uma adequação que garanta o acesso
mínimo ao mercado, proporcionado pelas regras da OMC, de uma maneira não
discriminatória360.
Todas essas questões, exploradas acima, levam à idéia favorável de que
uma política antitruste internacional pode ser considerada como um bem público
global, sendo um importante argumento na defesa da criação de regras de
360
No mesmo sentido, veja-se: DREXL, 2004, p. 444.
126
concorrência em nível multilateral, aproveitando-se a estrutura da OMC já existente
e em pleno funcionamento361.
361
Veja-se que essa questão será retomada no Capítulo 6.
127
PARTE II – OS CARTÉIS DE EXPORTAÇÃO E A PROPOSTA DE UMA POLÍTICA
DE CONCORRÊNCIA MULTILATERAL
4 OS CARTÉIS DE EXPORTAÇÃO
Conforme explicado na Parte I, em um mercado globalizado, a cooperação
entre concorrentes não está limitada apenas a afetar o mercado interno. Ou seja, a
cooperação entre concorrentes pode ser dirigida muitas vezes a produzir efeitos nos
mercados estrangeiros. Como conseqüência, os esforços para proteger o livre
comércio e promover a competição entre produtos nacionais e estrangeiros tendem
a ser prejudicados por eventuais restrições à concorrência ou por condutas que
alterem artificialmente a concorrência no mercado.
No intuito de tornar seus mercados mais competitivos e obter maior inserção
no mercado internacional, algumas empresas esperam que seus próprios governos
apóiem condutas direcionadas ao mercado externo que, em regra, seriam
anticompetitivas no mercado interno. Já que pelos acordos da OMC os Estados
estão legalmente obrigados a abster-se de criar obstáculos ao comércio, se não
estão disponíveis instrumentos de política comercial para proteger e promover um
determinado mercado, existe um pensamento em construção de que tais barreiras
poderão ser substituídas por instrumentos de política de concorrência.
Um exemplo que pode ser dado, nesse sentido, é a isenção concedida
(explícita ou implícita) pelas regras nacionais de direito da concorrência aos cartéis
de exportação. Por meio de cartéis de exportação muitos governos não intervêm
diretamente com instrumentos tradicionais e apenas os mercados estrangeiros
passam a ser alvo de determinadas condutas que no mercado interno seriam
consideradas como anticompetitivas.
Entretanto, vale ressaltar que os Estados que afetam os mercados externos
por meio desse tipo de combinação entre concorrentes - que nada mais é do que um
128
cartel -, estão propensos a prejudicar os consumidores e produtores dos mercados
que recebem os produtos exportados.
Observa-se também que, diante da constante redução das barreiras
comerciais acordadas pelos Membros da OMC, as distorções à concorrência se
tornam mais claras em razão dos seus potenciais efeitos. Esta relação entre as
estratégias privadas de concorrência e as barreiras tarifárias ou não-tarifárias tem
levado para uma perspectiva mais internacional o debate sobre os efeitos dos
cartéis de exportação. Isto ocorre especialmente quando se avaliam como as
isenções podem ser usadas, em determinados mercados, de forma estratégica pelos
Estados, para complementar os resultados da política de comércio internacional.
BECKER, por exemplo, afirma que as isenções/exceções concedidas aos
cartéis de exportação são na verdade instrumentos de política antitruste usados para
atingir finalidades de política comercial362. O mesmo autor explica que muitas vezes
a política de concorrência dos Estados, que apóiam negócios voltados à exportação,
é mais velha que o próprio movimento global de livre comércio, mas a relevância da
questão ressurgiu com o desenvolvimento da política de livre comércio mundial363.
Assim, é importante indicar o conceito de cartel de exportação, a diferença
desse tipo de cartel com os cartéis denominados hard-core (ou “cartéis clássicos”364)
assim como apresentar como essa conduta tem sido ou pode ser usada de forma
prejudicial ao comércio internacional.
4.1 O que é um cartel de exportação
Os acordos restritivos à concorrência são divididos em acordos verticais e
horizontais. FORGIONI explica que os acordos horizontais são aqueles celebrados
362
BECKER, Florian. The case of export cartel exemptions: between competition and protectionism.
Journal of Competition Law and Economics, 2007, p. 99.
363
BECKER, 2007, p. 99.
364
“Distingo o Cartel Clássico do que chamo Cartel Difuso. Este último é um ato de coordenação da
ação entre as empresas com objetivo similar ao do Cartel Clássico, mas de caráter eventual e não
institucionalizado. Esse é o caso quando um grupo de empresas decide reunir-se para coordenar um
aumento de preço, muitas vezes em função de um evento externo que as afetou simultaneamente.
Isto é, tal ação pode ser considerada eventual e não decorreu de uma organização permanente para
coordenar as ações das empresas envolvidas.” BRASIL. CADE. Processo Administrativo n.
08012.002127/02-14, 2005.
129
entre agentes econômicos que atuam em um mesmo mercado relevante (no
mesmo nível de uma cadeia industrial), possuindo direta relação de concorrência.
Já os acordos verticais disciplinam relações entre agentes econômicos que
desenvolvem suas atividades em mercados relevantes diversos (em níveis
diversos de uma cadeia industrial de produção de matéria-prima, de fornecimento e
distribuição)365.
Cabe ressaltar que esses acordos podem ser explícitos ou implícitos e têm
como efeito limitar a capacidade dos concorrentes de agir independentemente. É a
distinção entre os tipos de acordos nas análises em casos concretos que permite
uma maior elucidação dos diversos efeitos que eles podem causar para a
concorrência.
Para uma correta análise dos efeitos, os mercados atingidos devem ser
individualizados com a posição que os agentes econômicos ocupam em cada um
desses mercados366. Assim, verifica-se mais facilmente a ocorrência, ou não, de
abuso de poder econômico.
Os cartéis, verificados na prática, estão predominantemente inseridos no
universo dos acordos horizontais (entre agentes econômicos situados em um
mesmo mercado relevante) que de modo geral restringem, prejudicam ou distorcem
a livre concorrência. Entretanto, aqui vale lembrar que os cartéis de exportação são
geralmente uma exceção à regra geral.
Em adição, vale lembrar que é possível que arranjos mais complexos entre
concorrentes abranjam mais de um nível de uma mesma cadeia industrial, o que de
fato transcenderia uma simples relação horizontal e abrangeria também relações
verticais.
No contexto do presente estudo, é importante apontar se existem diferentes
interpretações sobre a definição de cartel de exportação comumente adotada. De
acordo com a OCDE, cartel de exportação é um acordo ou arranjo entre empresas
que combinam cobrar um preço específico de exportação e/ou dividir mercados de
exportação.367
365
FORGIONI, 1998, p. 324.
FORGIONI, 1998, p. 324
367
OCDE. Glossary of Industrial Organisation Economics and Competition Law. p. 43.
Disponível em: <http://www.oecd.org/dataoecd/8/61/2376087.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2010.
366
130
A OCDE explica que muitas leis de concorrência dão isenção a esse tipo de
conduta, desde que o cartel não produza efeitos prejudiciais à concorrência no
mercado doméstico como, por exemplo, aumentar acordos de fixação de preços ou
resultar em redução das exportações.
Ainda, a OCDE explica que a permissão aos cartéis de exportação reside no
fato destes supostamente facilitarem a penetração nos mercados estrangeiros, além
de possibilitar a transferência de renda dos consumidores estrangeiros aos
produtores nacionais, favorecendo a balança comercial dos exportadores:
A justificativa para a permissibilidade do cartel de exportação é que
ele pode facilitar uma penetração cooperativa nos mercados
externos, transferência de renda dos consumidores estrangeiros aos
produtores nacionais e resultar em um saldo comercial favorável368.
Nem sempre é uma tarefa trivial separar, dentre as condutas, aquelas que
dizem respeito a um cartel de exportação. Na tentativa de explicar mais sobre as
características dos cartéis de exportação e até mesmo indicar uma classificação, a
OCDE pontuou a necessidade de se fazer uma distinção entre cartéis públicos e
privados:
Uma distinção deve ser feita entre os cartéis públicos e privados. No
caso de cartéis públicos, o governo pode estabelecer e fazer cumprir
as normas relativas a preços, produção e outras questões. Cartéis
de exportação e associações marítimas são exemplos de cartéis
públicos. Em muitos países, cartéis de depressão têm sido
autorizados em indústrias consideradas a exigir preço e estabilidade
de produção e / ou para permitir a racionalização da estrutura da
indústria e do excesso de capacidade. No Japão, por exemplo,
esses acordos foram permitidos no caso do aço, fundição de
alumínio, construção naval e várias indústrias químicas369.
(destaques no original).
De acordo com AMATO, os cartéis de exportação domésticos (nacionais) são
acordos entre empresas estabelecidas em um país que operam no mesmo mercado
de produto, no qual essas empresas combinam não competir entre elas quando
exportam seus produtos (que são substituíveis entre si)370.
A OCDE também tem conhecimento que muitas leis de defesa da
concorrência isentam esses acordos das disposições geralmente aplicáveis aos
cartéis, desde que esse tipo de cartel não produza efeitos prejudiciais à concorrência
368
OCDE, Glossary of Industrial Organisation Economics and Competition Law, p. 43-44.
OCDE. Glossary of Industrial Organisation Economics and Competition Law. p. 19.
370
AMATO, Filippo. International Antitrust: What future? Journal of World Competition, v. 24. n˚. 04,
2001, p. 455.
369
131
no mercado interno, tais como dar origem a acordos de fixação de preço ou resultar
na redução das exportações371.
As típicas atividades dos cartéis de exportação instituídos por associações
podem englobar as seguintes atividades: i) acordos exclusivos de exportação, ii)
recusa da associação em cuidar de exportações de não-membros, iii) fixação dos
preços de revenda, iv) fixação de quotas dos distribuidores internacionais, v)
acordos de fixação de preço372.
Os cartéis de exportação podem ser formados por produtores de um único
país ou podem ser cartéis internacionais formados por produtores de diversos
países, mas com um mercado alvo que não é mercado doméstico dos membros
desse tipo de cartel. De acordo com BECKER, se os cartéis de exportação também
possuem efeitos no mercado doméstico eles são chamados de “cartéis mistos”373.
No mesmo sentido, KROL explica que os cartéis de exportação podem ser
considerados como internacionais quando seus membros estão localizados em
diferentes países, e ainda, se apenas mercados internacionais e domésticos são
afetados, os cartéis de exportação também podem ser considerados como “puros”
(no primeiro caso) ou “mistos”374 (no segundo caso).
Considerando a perspectiva de um participante, a estratégia objetivada com
os cartéis de exportação pode ser: (i) tentativa de captura de novos mercados
externos; (ii) tentativa de resposta aos monopólios estrangeiros; ou (iii) tentativa de
resposta às restrições governamentais estrangeiras ao comércio375.
Conforme explica WINS, para sustentar um cartel de exportação pressupõese que seus membros tenham market power uma vez que, sem isso, seria difícil um
controle eficiente das exportações376. De fato, a presença de poder de mercado é
analisada também nos casos dos cartéis internacionais chamados hard-core,
tratando-se
de
variável
comum
na
análise
das
condutas
supostamente
anticompetitivas.
371
OCDE. Glossary of Industrial Organisation Economics and Competition Law, p. 43.
Nesse sentido, veja-se a decisão: US v. Minesota Mining & Manufacturing Co, 92 F. Supp. 947 (.D.
Mass. 1950).
373
BECKER, 2007, p. 101.
374
KROL, 2007, p. 67.
375
KROL, 2007, p. 67.
376
WINS, Henning, Eine Internationale Wettbewerbsordnug als Erganzun zum GATT, BadenBaden, 2000, p. 52.
372
132
Como explicado por documento da OMC, o conceito de cartel internacional
hard-core deve também ser diferenciado do conceito de cartéis de exportação e
importação:
Os cartéis de exportação fixam preços ou quantidades produzidas
nos mercados exportadores das firmas participantes, mas não nos
seus mercados domésticos. Os cartéis de importação objetivam a
regulação dos preços ou outras condições dos bens e serviços que
são importados nos mercados domésticos das firmas participantes.
Em contraste, os cartéis internacionais geralmente fixam preços,
produção, ou outras dimensões competitivas em vários mercados
nacionais, que freqüentemente incluem mas não se limitam aos
países domésticos das firmas participantes. Outro traço diferenciado
é que os cartéis de exportação estão isentos das leis nacionais de
concorrência em muitos mercados, em alguns casos sob a condição
de registro público, enquanto os cartéis internacionais
freqüentemente são ilegais e são tipicamente mantidos sob sigilo a
não ser que e até que sejam investigados e tornados públicos. A
discussão neste paper está principalmente concentrada nos cartéis
internacionais como tais, apesar da referência ser feita também a
cartéis de exportação. WT/WGTCP/W/191, p. 2, (tradução livre).377
Na perspectiva da política de concorrência, as práticas restritivas ao comércio
com dimensão internacional merecem bastante atenção. Vale observar que,
geralmente, as restrições aos mercados de exportação não afetam diretamente a
concorrência nos países exportadores, ao mesmo tempo em que há pouca ação
contra essas práticas nesses países justamente pela ausência de efeitos sentidos
internamente.
Como os cartéis de exportação afetam principalmente a concorrência no
mercado de destino (mercado de exportação), o país de origem não tem interesse
em sancionar esses cartéis, sendo que, como já mencionado, podem até apoiar tais
práticas. Na realidade, para que os efeitos e o potencial lesivo possam ser
analisados, os cartéis de exportação necessitam ser pesquisados também no que
diz respeito ao mercado geográfico afetado e a nacionalidade de seus membros
377
Export cartels fix prices or outputs in the participating firms' export markets but not in their home
markets. Import cartels aim to regulate the price or other terms of goods or services that are imported
into the participating firms' home markets. In contrast, international cartels generally fix prices, outputs
or other dimensions of competition across a number of national markets, often including but not limited
to the home countries of the participating firms. Another distinguishing feature is that export cartels
are exempted from the national competition laws of many countries, in some cases on a condition of
public registration, whereas international cartels often are illegal and typically are carried on in secret
unless and until they are investigated and disclosed. The discussion in this paper is chiefly concerned
with international cartels as such, although reference is also made to export cartels.
WT/WGTCP/W/191, p. 2.
133
(veja-se, por exemplo, que esses dados poderiam diferenciá-los entre “puros” ou
“mistos”).
Isto porque, a depender da situação e de eventuais acordos comerciais
firmados (bilaterais ou multilaterais), o resultado de tal análise levará a medidas de
repressão a tais práticas por parte das autoridades de concorrência dos países de
origem, ou legitimará a utilização de mecanismos de retaliação comercial por parte
dos países de destino.
Não se pode ignorar que, considerando seus efeitos econômicos, os cartéis
de exportação podem estar ligados aos subsídios à exportação ou outras ajudas
nesse sentido378. Em uma primeira análise, os cartéis de exportação podem ser
comparados aos subsídios na medida em que, ao deixar de aplicar a legislação
antitruste, os Estados acabam também por revestir-lhes de uma vantagem
comparativa artificial, que impactará diretamente em seu desempenho no plano
internacional. Por meio de uma conduta muitas vezes omissiva, os Estados acabam
por atribuir a um dado setor da economia, ou a um dado grupo de agentes
econômicos, vantagens sobre outros agentes econômicos concorrentes situados em
outras jurisdições.
Assim, se de um lado os subsídios representam muitas vezes uma distorção
no comércio internacional, os cartéis de exportação podem, igualmente, gerar
distorções ao comércio internacional que precisam ser melhor investigadas para que
se identifiquem os problemas principais gerados por essas condutas e, também, as
possíveis alternativas de mitigá-los em um contexto internacional.
Apesar dos cartéis de exportação e os subsídios terem o potencial de
distorcer a concorrência em prejuízo dos mercados e competidores externos,
apenas os subsídios são regulados internacionalmente pela OMC por meio do
Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC). Portanto, até o momento
não há nenhuma regulação no GATT/OMC que explicitamente proíba os Membros
ou os condene por permitir a conduta concertada dos exportadores que se
organizam em cartéis de exportações.
O documento WT/WGTCP/W/191 da OMC aponta também que as vítimas
dos cartéis de exportação incluem países em desenvolvimento que importam bens
378
No mesmo sentido, veja-se BECKER, 2007, p. 101.
134
ou produtos de consumo. Em adição, é importante notar que há mais efeitos
deletérios que podem ser observados, mas ainda não existe muita clareza sobre
todos os efeitos ou a extensão desses efeitos ou danos potenciais dessa conduta:
O ponto também destacado é que a extensão de tais cartéis e seus
efeitos deletérios sobre o comércio e desenvolvimento podem ser
maiores que os amplamente conhecidos, já que alguns países
insistem em não registrar tais cartéis; eles simplesmente fecham os
olhos em relação a eles. Por outro lado, o ponto de vista que tem
sido expresso é de que a extensão do dano causado pelos cartéis de
exportação é menor do que às vezes se pensa, que nem todos os
consórcios relacionados à exportação ou arranjos similares fixam
preços ou exercem poder de mercado. Em todo caso, estes parecem
causar menos preocupação que outras situações em que tanto os
mercados domésticos quanto de exportação estão sujeitos à
cartelização. Mesmo na presença de exceções relevantes, cartéis
estritamente relativos a mercado de exportação podem estar fora da
jurisdição dos “países de origem” na medida em que seus efeitos
podem ser mais sentidos no exterior do que nos mercados dos
países de origem. (tradução livre).379
Em
análise
voltada
à
visão
dos
países
em
desenvolvimento,
BHATTACHARJEA indicou os seguintes fatores como sendo necessários para
avalição ao se determinar se um cartel de exportação é benéfico ou maléfico ao país
importador, entre os quais: se (o cartel) é um novo entrante; a natureza das
“possíveis” eficiências; a estrutura de mercado, a elasticidade da demanda, o grau
de penetração das importações e o nível das tarifas vigentes no país importador380.
Vale esclarecer também que o cartel de exportação não se confunde com a
prática de dumping381, pois tratam-se de fenômenos distintos, embora possam até
379
The point has also been made that the extent of such cartels and their deleterious effects on trade
and development may be greater than is widely known, since some countries do not insist on
registration of such cartels; they simply turn a blind eye to them. On the other hand, the view has been
expressed that the extent of harm caused by export cartels is less than is sometimes thought, in that
not all export-related consortia or similar arrangements fix prices or exercise market power. In any
case, these are likely to be of less concern than situations where both export and domestic markets
are subject to cartelization. Even in the absence of relevant exemptions, cartels relating purely to
export markets might well be outside the jurisdiction of "home countries" to the extent that their effects
are felt abroad rather than in the home country market. WT/WGTCP/W/191, p. 5.
380
BHATTACHARJEA, Aditya. Export Cartels - A Developing Country Perspective. Working Paper
No. 120. Centre for Development Economics, January, 2004, p. 34. Disponível em:
<http://www.cdedse. org/pdf/ work120.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2010.
381
O dumping é definido pelo GATT 1994, em seu artigo 6.1, quando os produtos são exportados
abaixo do valor normal, isto significa: (i) valor abaixo de valor do produto similar (like product)
destinado ao consumo no país exportador; (ii) valor menor do que o maior preço comparado com
produto similar para exportação; ou (iii) valor abaixo do valor de produção no país de origem
adicionando os custos de venda e lucros (i.e., custos de frete e tributos).
135
ocorrer simultaneamente. O cartel de exportação “puro”, não necessariamente
implica a prática de preços inferiores ao chamado “valor normal”.
Há um caso interessante levado à OMC pela CE que envolveu o AntiDumping Act of 1916 dos EUA382 que, teoricamente, poderia impor responsabilidade
criminal e severas reparações de danos em determinadas formas de dumping.
Apesar de não haver registro de uma aplicação exitosa dessa lei, a CE questionou
na OMC a legalidade de se processar produtores europeus com base nessa lei383. É
interessante observar que em uma análise recente o atual presidente CADE, indicou
que essa legislação (Anti-Dumping Act of 1916) possuía uma interface com o direito
antitruste na conceituação do que seria o “dumping predatório”:
A prática de dumping predatório, consistente na redução dos preços
com o objetivo de eliminar a concorrência no mercado importador e
impedir o ingresso de novos concorrente pelo estabelecimento de
barreiras à entrada, é condenável sob o aspecto econômico por
trazer sérios prejuízos a longo prazo, eliminando a concorrência e
favorecendo o estabelecimento de monopólio. Contudo, raramente o
dumping predatório se verifica na prática, pois são inúmeros os
requisitos para que esta conduta seja sustentável.
10. O dumping logo se dissociou da conotação de predação, e seu
significado jurídico se tornou mais abrangente.384
No caso analisado referente ao Antidumping Act a CE defendeu que os
procedimentos para impor medidas antidumping, com base no artigo VI do GATT, e
do Acordo Antidumping da OMC eram os únicos remédios que poderiam ser
aplicados às violações de dumping385. Essa decisão mostra como regras
multilaterais específicas poderiam limitar ações isoladas dos membros da OMC no
sentido de cada um regular os cartéis de exportação da forma que bem
entendessem.
Veja-se que o resultado da ação de um cartel de exportação “puro” pode
culminar em preços mais baixos no mercado de destino. Nesse caso, se os preços
praticados pelo cartel de exportação no mercado de destino forem inferiores aos
382
Tratava-se de uma extensão da legislação Antitruste e em 1921 foi alterada (US Antidumping Act),
trazendo como inovação à apuração de direitos antidumping com um caráter mais administrativo e
esclarecendo alguns conceitos como “dano à indústria”.
383
WALLER, 1999, p. 170.
384
CADE. Declaração de Voto do Presidente Arthur Badin. Medida Inominada. N.˚
08700.001571/2009-22. Requerente: Itap Bemis Ltda., 2009, p. 308-309.
385
WTO. Panel Report, United States – Anti-Dumping Act of 1916 – Complaint by the European
Communities, WT/DS136/R and Corr.1, adopted 26 September 2000, as upheld by the Appellate
Body Report, WT/DS136/AB/R, WT/DS162/AB/R. Disponível em: <http://www.sice.oas.org/dispute/
wto/ds136/ds136ar_e.asp>. Acesso em: 20 ago. 2010.
136
preços praticados pelos membros do cartel (individualmente considerados) no
mercado doméstico, poderá sim se estar diante também da hipótese de dumping
desde que preenchidos os demais requisitos legais (i.e., dano e nexo causal).
4.2
Os cartéis de exportação como cartéis hard-core e a questão da
extraterritorialidade
Não se pode negar que existe um debate conceitual no sentido de se
considerar os cartéis de exportação também como cartéis hard-core. Como explica a
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE):
Os cartéis hardcore são acordos anticompetitivos estabelecidos por
competidores para fixar preços, restringir a produção, submeter
licitações fraudulentas, ou ainda dividir ou partilhar mercados. A
Recomendação de 1998 condena tais cartéis como as mais notórias
violações da lei da concorrência, constatando que por aumentar
preços ou restringir a oferta eles tornam os bens e serviços
completamente indisponíveis para alguns compradores e
desnecessariamente caros para outros.386
Para a finalidade do presente estudo também é importante entender e
indicar as principais diferenças entre os cartéis de exportação e os cartéis hard-core
e analisar se é possível considerar, de alguma forma, os cartéis de exportação como
cartéis hard-core.
O exemplo dado pela OCDE, sobre o que pode ocorrer na prática, é o
seguinte: um cartel de exportação formado por empresas que tenham isenção
antitruste de seus países pode, porém, ser encarado como um acordo de fixação de
preços para limitar a concorrência nos mercados de outro país e em uma clara
violação das leis antitruste deste outro país387.
Diante do crescimento dos cartéis identificados e verificados na década de
1990, aumentaram-se também as preocupações em torno deste tema, uma vez que
os juristas e economistas perceberam que as perdas geradas por esses acordos 386
“Hard core” cartels are anticompetitive agreements by competitors to fix prices, restrict output,
submit collusive tenders, or divide or share markets. The 1998 Recommendation condemns such
cartels as the most egregious violations of competition law, noting that by raising prices and restricting
supply they make goods and services completely unavailable to some purchasers and unnecessarily
expensive for others”. OCDE, 2000, p. 6.
387
OCDE, Glossary of Industrial Organisation Economics and Competition Law, p. 44.
137
inclusive (e principalmente) os acordos internacionais do tipo hard-core causavam
prejuízos de milhões de dólares por ano e precisavam de algum controle mais rígido.
Nos EUA essa preocupação já existia há bastante tempo. Veja-se que a
regra da razão388 promoveu uma modificação do artigo 1.º do Sherman Act (lei
antitruste americana), que passou a declarar que todo e qualquer contrato,
combinação sob a forma de truste, ou qualquer outra forma ou conspiração
desarrazoada, em restrição ao comércio entre os Estados ou nações estrangeiras,
deveria ser declarado ilícito.
Os cartéis chamados hard-core geralmente são considerados como ilícitos
per se, ou seja, muitos casos não chegam a ser analisados pela regra da razão.
Observe-se que, diferentemente da regra da razão, a chamada ilicitude per se não
implica uma análise profunda, uma vez que, a partir do momento em que um ato é
identificado como um ilícito per se, ele é considerado como restritivo à concorrência
e é (ou deveria ser) automaticamente coibido.
A opção pela inclusão de uma modalidade de prática na hipótese de ilícito
per se está diretamente ligada à baixíssima probabilidade de que a prática resulte
em efeitos líquidos positivos à sociedade e de que semelhantes condutas analisadas
pelas autoridades, ao longo da história, tenham reconhecidamente gerado efeitos
negativos à sociedade.
Os objetivos da regra da razão e da regra per se são os mesmos e o propósito
da análise é avaliar o efeito da conduta contra a concorrência. Desta maneira, para
identificar uma conduta anticoncorrencial pode ser requerida uma análise mais
profunda das circunstâncias das práticas tratadas. O que é importante notar é que
tem se observado que os cartéis de exportação não são considerados cartéis hard-core
e, por essa razão, escapam da análise per se, pelo menos nos países que sediam as
empresas participantes desse acordo.
Os critérios utilizados para essa análise são importantes no contexto da
perspectiva do direito da concorrência. Nesse sentido, vale lembrar que a função da
teoria antitruste é:
388
A regra da razão apenas considera ilegais as práticas que restrinjam a concorrência de forma não
razoável, ou seja, não são permitidas as práticas que causem restrição ao livre comércio sem
justificativa. No caso Standard Oil Co. of New Jersey v. United States, por exemplo, a Suprema Corte
dos EUA usou de forma clara a regra da razão. Veja-se no mesmo sentido: FORGIONI, 1998, p. 184.
138
[...] estabelecer as necessárias presunções de modo a prover aos
trabalhos do analista e do julgador orientação metodológica
suficiente para permitir uma dosagem eficiente entre tempo e custo
total da investigação, de um lado, e consistência técnica da
conclusão, de outro. Excluída como está a possibilidade de certeza
nesse âmbito, a questão que se coloca diz respeito ao quantum de
informações acerca do comportamento investigado que se faz
necessário coletar e analisar a fim de assegurar a plausibilidade
389
técnico-jurídica à decisão que deverá ser tomada.
Cabe salientar que a regra da razão não se identifica com a abordagem caso
a caso das práticas analisadas, como algumas doutrinas costumam dar a entender.
Esse chamado case by case approach é uma das opções que o intérprete antitruste
tem para a aplicação da norma e significa que cada caso deve ser analisado
individualmente, com suas particularidades, tais como: contexto econômico, efeitos
anticompetitivos, entre outros. Por essa razão o estudo sobre cartéis foi aprofundado
na última década.
Assim, é importante pontuar que, na pratica, os cartéis de exportação não
são considerados comumente como cartéis hard-core, apesar de diversas
características encaixarem-se nesse conceito (i.e., divisão de mercados, fixação de
preços etc.). Ainda, conforme se verá neste estudo, grandes economias mundiais
com grande tradição e maturidade do direito da concorrência, tais como a União
Européia e os EUA, implicitamente ou explicitamente garantem isenção/imunidade
antitruste aos cartéis de exportação, encorajando, ou ao menos permitindo, as
práticas dessas condutas que, em regra, seriam proibidas se gerassem efeitos em
seus mercados nacionais.
4.2.1 A teoria dos efeitos
Para
que
seja
possível
aprofundar
a
análise
relacionada
à
extraterritorialidade das leis antitruste, ou seja, a aplicação das leis de concorrência
de um país na jurisdição de outro país, é importante também tratar da chamada
teoria dos efeitos.
Vale destacar que, dentro do princípio da extraterritorialidade, a teoria dos
efeitos também é adotada pela lei antitruste brasileira (Lei. n˚ 8884/94). De acordo
com Carvalho:
389
SCHUARTZ, 2002, p. 115.
139
Segundo o princípio da extraterritorialidade, o âmbito de aplicação da
lei não está restrito às fronteiras nacionais, mas inclui também
qualquer atividade econômica ocorrida no exterior cujos efeitos
alterem as condições de concorrência no mercado doméstico.390
A interpretação da teoria dos efeitos no Brasil está estabelecida no artigo 2˚
da Lei 8.884/94, mas também foi bem explorada em alguns casos julgados pelo
CADE, tal como no voto do Ato de Concentração n˚. 08012.009254/02-36, nos
termos abaixo:
A Lei Antitruste nacional optou pelo princípio da territorialidade dos
efeitos, ou territorialidade objetiva, para definir sua competência em
face de operações ou comportamentos que, mesmo ocorridos no
Exterior, possam produzir efeitos no mercado nacional. Portanto,
diferentemente do que dispõe o art. 20 da Lei n. 8.884/94 (‘... atos
sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam
produzir os seguintes efeitos...’) ou os §§ 3.º e 4.º art. 54 do mesmo
diploma — que delimitam critérios objetivos para a identificação dos
atos realizados e admitem a apresentação prévia dos atos, ou seja,
independentemente de qualquer espécie de efeitos — o art. 2.º da
Lei Antitruste aplica-se, exclusivamente, às práticas que, mesmo
quando cometidas fora do território nacional, nele produzam ou
possam produzir efeitos econômicos. De modo singelo: sem efeitos
no Brasil, ainda que potenciais, a Lei n. 8.884/94 é inaplicável a
práticas ocorridas no Exterior.391
A questão da extraterritorialidade ganha ainda mais relevância na análise
dos cartéis de exportação porque, conforme aponta estudo da OCDE, no contexto
da política de concorrência, a questão da extraterritorialidade emerge se as práticas
comerciais da(s) empresa(s) em um país produzem efeitos anticoncorrenciais em
outro país que considera ser a prática em questão uma violação de suas leis.
Veja-se que, muitos países explicitamente ou implicitamente toleram os
cartéis de exportação ou simplesmente isentam os cartéis de exportação “puros” da
aplicação de suas legislações nacionais de concorrência em razão da teoria dos
efeitos. Os defensores dessa posição argumentam que essa exceção é justificável
porque caberia ao Estado, cujos interesses (dos consumidores) estão em risco,
adotar alguma medida contra tais práticas392.
390
CARVALHO, Leonardo Arquimimo de. Direito Antitruste & Relações Internacionais –
Extraterritorialidade e Cooperação. Curitiba: Juruá, 2001, p. 104.
391
Voto-Vista do Conselheiro Roberto Pfeiffer no Ato de Concentração n˚. 08012.009254/2002-36,
de 13 de agosto de 2003. Requerentes: The Carlyle Group e Qinetiq Group Plc. DOU de 30 de
outubro de 2003, Seção 1, p. 137.
392
Cf. MAGNUS, John. R. Joint export trade provisions in antitrust laws: a supporter’s perspective.
Journal of World Trade, v. 39, n˚. 01, 2005, p. 181.
140
Argumenta-se, inclusive, que os cartéis de exportação beneficiariam tanto os
exportadores como seus clientes resultando, portanto, em ganhos para ambas as
partes. Conforme defende MAGNUS em estudo, os cartéis de exportação teriam um
“inegável impacto positivo no comércio internacional”393.
Contudo, numa perspectiva de política econômica, esta posição tem sido
criticada como uma política “beggar-thy-neighbour”394 (ou seja, uma espécie de
“salve-se quem puder”), já que os cartéis de exportação procuram a obtenção de
preços maiores ou outras vantagens que são aplicados nos mercados de
exportação. Isto, numa perspectiva de política de concorrência, é uma prática
reprovável395.
Nesse sentido, vale lembrar que a despeito da existência de poucos estudos
profundos
ou
conclusivos,
predominantemente
pelos
os
cartéis
documentos
de
das
exportação
são
organizações
considerados
internacionais
e
396
manifestações em fóruns multilaterais como anticompetitivos
.
Essa afirmação passa a ser fácil de ser observada nos cartéis de exportação
considerados como “agressivos”, ou seja, que são utilizados como meio de captura
dos mercados estrangeiros para substituir os operadores locais. Conforme explica
KROL, quando os cartéis de exportação são bem sucedidos na criação de posição
dominante no mercado de exportação, os preços podem ser elevados acima dos
níveis competitivos atingindo níveis de monopólio397.
Os efeitos da subseqüente exploração da demanda do mercado exportador
(mercado de destino) são equivalentes às restrições às importações impostas aos
competidores de outros mercados estrangeiros e, conseqüentemente, geram efeitos
nocivos à concorrência398.
393
MAGNUS, 2005, p. 182.
Essa expressão “beggar-thy-neighbour” tem sido traduzida em português como “política de arruíne
seu vizinho” ou “política do salve-se quem puder”, referindo-se ao processo de concorrência cambial
predatória entre os países, marcada pelo acentuado protecionismo a exemplo daquela praticada
pelos EEUU e outras economias nos primeiros anos da década de 30. Nesse sentido, veja-se:
CRIPPS, Francis; IZURIETA, Alex; MCKINLEY, Terry. Correção de desequilíbrios globais com
realinhamento da taxa de câmbio? Não obrigado! Disponível em: <http://www.ipcundp.org/pub/port/IPCOnePager38.pdf>. Acesso em: 24 Jul. 2010.
395
Veja-se no mesmo sentido KROL, 2007, p. 93.
396
Nesse sentido veja-se MITCHELL, Andrew. D. Broading the vision of trade liberalization.
International Competition Law and the WTO. Journal of World Competition, v. 24, n˚. 3, 2001, p.
348.
397
KROL, 2007, p. 93.
398
WINS, 2000, p. 52.
394
141
De outro lado, os cartéis de exportação também são justificados para
neutralizar estruturas monopolísticas de mercados estrangeiros, ou ainda, para
contrabalançar
barreiras
governamentais
ao
comércio.
Nessas
situações,
argumenta-se que estas práticas podem aumentar a competição internacional
nessas localidades399.
Entretanto, os efeitos negativos dos cartéis de exportação geralmente
superam os eventuais efeitos positivos para o ambiente concorrencial. Esta
afirmação se sustenta uma vez que, identificados efeitos negativos, os cartéis de
exportação
poderiam
até
mesmo
provocar
a
aplicação
de
medidas
compensatórias400 por parte dos mercados importadores (mercados de destino).
Ainda, mesmo que esse tipo de cartel seja menos pernicioso na prática do
que um cartel hard-core, ou até mesmo tenha alguns efeitos positivos, essa conduta
facilmente pode tornar-se mais agressiva. Por essa razão, a teoria econômica tem
apontado que tanto os cartéis de exportação denominados “defensivos” como os
denominados “agressivos” tendem a criar poder de mercado internacional e, logo,
geram efeitos danosos à eficiência dos mercados internacionais401.
Conforme explica BHATTACHARJEA, já que não há uma cobertura integral
em âmbito mundial, as possíveis eficiências dos cartéis de exportação somente
poderiam ser avaliadas pelos países importadores em contrapartida aos efeitos
gerados aos consumidores. Mas, essa análise não é possível para muitas agências
de concorrência, até mesmo em razão da falta de expertise e recursos402.
AMATO também destaca que os prejuízos causados pelos cartéis de
exportação aos consumidores do mercado importador são usualmente superiores
aos benefícios auferidos pelas empresas em conluio no país exportador403. Assim,
399
Veja-se nesse sentido KROL, 2007, p. 93.
As medidas compensatórias geralmente são aplicadas para eliminar o dano (ou ameaça de dano)
causado à indústria doméstica pela importação de produto beneficiado por subsídio concedido no
país exportador.
401
Cf. WINS, 2000, p. 53. Entenda-se por “defensivos” os cartéis de exportação justificados com base
na neutralização de poder de monopólio nos mercados de destino e/ou neutralização de barreiras
artificiais à entrada em tais mercados fixadas pelos governos locais e, por “agressivos” os demais
tipos de cartéis de exportação, com justificativas diversas.
402
BHATTACHARJEA, Aditya. Export Cartels - A Developing Country Perspective. Working Paper
No. 120. Centre for Development Economics, January, 2004, p. 27. Disponível em:
<http://www.cdedse.org/pdf/work120.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2010. No mesmo sentido: KROL, 2007,
p. 94.
403
AMATO, 2001, p. 455.
400
142
numa perspectiva de perdas e ganhos, infere-se que referida conduta não poderia
ser simplesmente tolerada.
Portanto, com base em todas estas opiniões, entende-se que a simples
exclusão dos cartéis de exportação do escopo da legislação antitruste ou a falta de
qualquer controle do fenômeno gera reflexos negativos à política de concorrência
num contexto nacional e também - e principalmente - perdas no comércio
internacional.
4.2.2 A abordagem unilateral da extraterritorialidade
Conforme já apontado, a aplicação extraterritorial das leis de concorrência,
ou da teoria dos efeitos, tem ganhado força como meio de superação dos limites
jurisdicionais (ou de competência) dos países. A condução unilateral da lei de
concorrência permite a auto-proteção dos países contra barreiras à entrada no
exterior. Isto funciona eficientemente para as nações com longa tradição em
antitruste e requer uma regulação institucional mínima404.
Todavia, a aplicação unilateral enfrenta sérias deficiências relacionadas à
eficiência e principalmente à legitimidade da aplicação de uma lei nacional de
concorrência no exterior. Com relação à questão da proteção eficiente contra
barreiras à entrada, existem duas deficiências principais de acordo com FOX: (i) os
países em desenvolvimento são alvos fáceis de condutas anticompetitivas
internacionais, uma vez que muitos não possuem lei de concorrência ou não
possuem recursos adequados para a aplicação da lei; (ii) a aplicação extraterritorial
pode ser ineficiente considerando as dificuldades para a obtenção de evidências no
exterior405.
Como é amplamente reconhecido, a abertura comercial gera efeitos sobre
as economias pequenas ou em desenvolvimento devido à acessibilidade aos seus
mercados. GAL explica que as importações também podem afetar significativamente
o bem-estar doméstico, na medida em que podem fomentar a disputa de preços das
404
KROL, 2007, p.106.
FOX, Eleonor M. International Antitrust and the Doha Dome. Virginia Journal of International
Law. 911, v. 43, 2003, p. 916.
405
143
empresas nacionais e podem exigir que estas produzam em escalas eficientes406. A
legislação concorrencial que não goza de apoio governamental amplo e consistente
pode levar à supremacia das considerações da política industrial de curto prazo em
detrimento das preocupações concorrenciais407.
Um fator adicional que geralmente tem um papel importante nos baixos
níveis de executoriedade dos países em desenvolvimento envolve a fraca cultura
concorrencial, o que fragiliza regular os cartéis de exportação apenas por meio da
aplicação extraterritorial da lei antitruste.
A aplicação extraterritorial das leis nacionais de defesa da concorrência
também traz preocupação com relação à legitimidade, especialmente ligada à
soberania estrangeira. Veja-se que conflitos diplomáticos podem emergir quando
uma agência nacional antitruste atua de modo a afetar a soberania de outra por
meio de uma ação excessiva no curso do processo. Sem entrar no mérito o que
seria uma ação invasiva contra uma conduta anticompetitiva, é importante apenas
entender que um excesso pode ser o resultado da tentativa de aplicação da lei do
país cujo mercado foi afetado408.
A percepção de uma violação difere, entretanto, caso a caso. E a falta de
consenso entre as nações pode ser percebida em relação ao reconhecimento da
teoria dos efeitos409. Ainda, vale observar que os países que concordam com essa
teoria nem sempre adotam definições idênticas. Veja-se que alguns países, como o
Japão, têm sido relutantes na aplicação dessa doutrina. Enquanto que outros
países, como o Reino Unido, adotaram leis especiais que facilitam a atuação de
autoridades estrangeiras em seu território410.
Alguns estudiosos do tema explicam também que a aplicação da teoria dos
efeitos pode gerar conflitos de jurisdição, especialmente considerando as diferentes
406
GAL, Michal S., Regional Competition Law Agreements: An Important Step for Antitrust
Enforcement. NYU Law and Economics Research Paper n˚. 09-47 November 13, 2009; University
of Toronto Faculty of Law Review, v. 60, 2010, p. 6.
407
GAL, 2009, p. 5.
408
Cf. FOX, 2003, p. 920.
409
IMMENGA, Ulrich. Comment: the failure of present institutions and rules to respond to the
globalization of competition. 49 (II/III), Aussenwirtschaft, 1994, p. 201.
410
IMMENGA, 1994, p. 202.
144
avaliações que podem decorrer de situações similares, o que também teria o
potencial de gerar atritos políticos411.
A aplicação extraterritorial das leis nacionais de defesa da concorrência
também pode ser considerada ilegítima em razão da potencial discriminação numa
perspectiva global. Isto ocorre quando determinado Estado exclui seus próprios
nacionais, não permitindo que estes sejam investigados pelo envolvimento numa
conduta prejudicial às soberanias estrangeiras e, ao mesmo tempo, ataca essa
mesma soberania estrangeira, por intermédio da ação de um cartel de exportação
formado em sua jurisdição, para assegurar o seu acesso ao mercado412.
Outras questões sobre legitimidade podem emergir quando da aplicação das
leis nacionais de concorrência quando há conflitos internacionais relacionados às
políticas industriais no mercado alvo (ou país de destino), tal como ocorreu no caso
do cartel do urânio nos EUA413. De fato as regras de concorrência tem relação com
políticas públicas ou industriais. Um exemplo interessante foi o caso da fusão entre a
Boeing e Macdonnell/Douglas. Nesse caso, os EUA aprovaram a operação
anunciando que ela não prejudicava a concorrência, enquanto que a CE chegou a
uma conclusão oposta, mas encontrou um meio de fazer acordo com as partes
impondo condições. Os dois lados acreditam que a decisão foi produto de uma
política industrial preocupada em criar, ou proteger, um agente nacional no mercado
de aviação comercial, ao invés de promover de forma legítima objetivos de
concorrência.
Considerando a inexistência de uma autoridade internacional de defesa da
concorrência, os eventuais conflitos que emerjam decorrentes dos cartéis de
exportação precisam ser solucionados numa perspectiva nacional. Contudo, uma
decisão puramente nacional nem sempre analisa ou faz a interface da concorrência
com políticas industriais ou de comércio que são desenvolvidas em âmbito nacional.
411
IMMENGA, 1994, p. 202.
FOX, 2003, p. 920.
413
Cf. FOX, 2003, p. 918. Após a queda de produção do urânio causada pelo embargo norteamericano, determinados produtores da Inglaterra, Canadá, África do Sul, Austrália e França,
passaram a dar suporte às minas e ao mercado de urânio em seus territórios, sendo que os
consumidores dos EUA tiveram que enfrentar o aumento de preços. Os membros deste cartel foram
processados posteriormente nos EUA. Não obstante, os governos das nações envolvidas resistiram
aos processos nos EUA e atritos políticos emergiram durante o caso já que os julgamentos dos EUA
contra os membros do cartel foram considerados ilegítimos no exterior.
412
145
Estes atritos ainda são mais relevantes quando há pedidos elevados de
compensação em certos países como, por exemplo, geralmente ocorre dentro do
sistema dos EUA, que reconhecidamente adota pesadas sanções em termos de
compensação pela prática de cartéis414.
Por fim, a aplicação extraterritorial também traz certas incertezas quando
analisada com base no direito internacional público, tal como na aplicação do
“princípio da não intervenção” e, de outro lado, do Act of State doctrine, o que será
visto melhor adiante.
Deve também ser observado que o empenho internacional, até agora, não
teve sucesso em reduzir significativamente as limitações de execução das
jurisdições pequenas ou em desenvolvimento. Os PEDs precisariam tratar dessas
questões de maneira unilateral, ou seja, cada jurisdição deve impor o cumprimento
de suas leis com relação às questões que afetam sua jurisdição.
Conforme se viu na Parte I desse estudo, os organismos internacionais
como a OCDE, a UNCTAD e a ICN criaram importantes locais para a coordenação e
cooperação voluntárias. Trata-se de soft laws (que será visto novamente ao final),
isto é, de compromissos que não são formalmente vinculantes. As organizações têm
sido importantes na abordagem da coordenação e na tentativa de harmonização
procedimental, mas não têm tido o mesmo sucesso em questões em que há
desacordo.
Considerando os pontos acima, entende-se que somente a aplicação
extraterritorial das leis de concorrência nacionais ainda não é suficiente para tratar
de
práticas
anticompetitivas
numa
dimensão
internacional,
especialmente
considerando a prática de cartéis de exportação. Assim, as leis nacionais, nesses
casos, deveriam ter pelo menos um suporte com base em uma cooperação
414
Por exemplo, nos EUA em 1999, após pagar uma total de USD 875 milhões em multas criminais,
07 produtores envolvidos no caso do cartel das vitaminas cartel pagaram por reparação de danos
(class action lawsuit) USD 1.2 bilhões. Ainda mais recente, no caso entre a Visa e o MasterCard a
reparação (class action lawsuit) foi de USD 3.4 bilhões em danos. A Comissão Européia estima que a
indenização paga às vítimas de violações antitruste giram anualmente entre € 5.7 bilhões e € 23.3
bilhões. Nesse sentido veja-se: CE. Cartel Damage Claims (CDC). The European Brand For Private
Antitrust Enforcement. Disponível em:<http://www.carteldamageclaims.com/> Acesso em 15 ago.
2010.
146
intergovernamental ou, no cenário ideal, essas condutas poderiam ser analisadas
por meio de regras multilaterais415.
4.3 A experiência das Comunidades Européias (CE)
A metodologia das isenções foi adotada no sistema antitruste europeu com a
finalidade de flexibilizar as suas normas. Veja-se que, apesar do artigo 81416 (antigo
artigo 85) do Tratado CE considerar nulas todas as práticas que possam prejudicar o
comércio entre os Estados-membros e que tenham por objeto ou por efeito impedir,
restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado comum417, esse artigo
considera lícitas tais práticas quando resulte em uma melhora da produção ou
distribuição de bens, ou progresso técnico ou econômico418.
O artigo 81 do Tratado da CE proíbe atos de cooperação anticoncorrencial
que possam afetar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por
objetivo, ou efeito, a prevenção, restrição ou distorção da concorrência dentro do
mercado comum. O artigo 82 do Tratado da CE aborda o abuso da posição
415
Essa opinião também é partilhada por KROL, 2007, p. 108.
Artigo 81.1. São incompatíveis com o mercado comum e proibidos todos os acordos entre
empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que
sejam susceptíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objetivo ou
efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum, designadamente as que
consistam em: a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer
outras condições de transação b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento
técnico ou os investimentos; c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento; d) Aplicar,
relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes
colocando-os, por esse fato, em desvantagem na concorrência; e) Subordinar a celebração de
contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua
natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto desses contratos. 2.
São nulos os acordos ou decisões proibidos pelo presente artigo. 3. As disposições no n. 1 podem,
todavia, ser declaradas inaplicáveis: — a qualquer acordo, ou categoria de acordos, entre empresas,
— a qualquer decisão, ou categoria de decisões, de associações de empresas, e — a qualquer
prática concertada, ou categoria de práticas concertadas, que contribuam para melhorar a produção
ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou econômico, contanto que aos
utilizadores se reserve uma parte eqüitativa do lucro daí resultante, e que: a) Não imponham às
empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis à consecução desses
objetivos; b) Nem dêem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a
uma parte substancial dos produtos em causa. O Tratado de Roma teve sua redação alterada pelo
Ato Único Europeu, de 1986, pelo Tratado de Maastricht, ou da União Européia, de 1992, e pelo
Tratado de Amsterdã, de 1997.
417
Tratado da CE, artigo 85, §§ 1.º e 2.º.
418
Tratado da CE, artigo 85, § 3.º.
416
147
dominante “dentro do mercado comum” se esse abuso “puder afetar o comércio
entre Estados Membros”.
Dessa forma, a redação de ambos os dispositivos está expressamente
relacionada com os efeitos no Mercado Comum. Não obstante essas referências aos
efeitos exclusivamente no mercado comum e somente ao comércio entre os
Estados-Membros, a Comissão e o Tribunal de Justiça da União Européia (ECJ)
entenderam, em princípio, que esses dispositivos se aplicam aos cartéis de
exportação que visam o mercado estrangeiro419.
Veja-se que a Comissão também destacou o caráter anticompetitivo de uma
proibição contratual de exportar para países fora da CE, ao não permitir empresas
de terceiros estados a comprar e re-importar o produto.420 É importante que não haja
a intenção de prejudicar a concorrência dentro do mercado comum.
Contudo, se um cartel de exportação puro é criado, por exemplo, para
comercializar produtos sem afetar o mercado dentro da CE, possivelmente não
haverá nenhuma repercussão no Mercado Comum421. Assim, essa conduta não
419
BECKER, 2007, p. 105.
Veja-se: CE. Case-C306/96, Javico International and Javico AG v. Yves Saint Laurent Parfums
SA, 1998. Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-01983. Acórdão do Tribunal de 28 de Abril de
1998. “28 [...] o artigo 85._, n._ 1, do Tratado se opõe à proibição imposta por um fornecedor
estabelecido num Estado-Membro da Comunidade a um distribuidor estabelecido noutro EstadoMembro, ao qual confia a distribuição dos seus produtos num território situado fora da Comunidade,
de proceder a qualquer venda num território diferente do território contratual, incluindo o território da
Comunidade, tanto por comercialização directa como por reexpedição a partir do território contratual,
se tal proibição tiver por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no interior da Comunidade
e se envolver o risco de afectar os fluxos de trocas entre os Estados-Membros. Pode ser esse o caso
quando o mercado comunitário dos produtos em causa se caracteriza por uma estrutura oligopolística
ou por uma diferença sensível entre os preços do produto contratual praticados no interior da
Comunidade e os praticados no exterior da Comunidade e quando, tendo em conta a posição
ocupada pelo fornecedor dos produtos em causa e o volume da produção e das vendas nos EstadosMembros, a proibição implica um risco de influência sensível sobre os fluxos de trocas entre os
Estados-Membros susceptível de prejudicar a realização dos objectivos do mercado comum. [...] as
cláusulas destinadas a impedir um distribuidor de vender directamente, bem como de reexportar para
a Comunidade, produtos contratuais que se comprometeu a vender em países terceiros não escapam
à proibição do artigo 85._, n._ 1, do Tratado pelo facto de o fornecedor comunitário em causa
distribuir os seus produtos no interior da Comunidade por intermédio de um sistema de distribuição
selectiva que é objecto de uma decisão de isenção ao abrigo do artigo 85._, n._ 3, do referido
Tratado.” Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61996J0306
:PT:HTML>. Acesso em: 22 jun. 2010.
421
“Essa política, que se aplica apenas às exportações com destino a certos países terceiros, não
afecta especificamente as exportações para os Estados-membros e não se destina a assegurar uma
vantagem particular à produção nacional ou ao mercado interno do Estado-membro em questão. [...]
uma medida como a que está em causa, que se aplica especificamente às exportações de petróleo
para um país terceiro, não é, por si só, e natureza a restringir ou a falsear a concorrência no interior
do mercado comum. Não pode por isso afectar o comércio intracomunitário e violar os artigos 3˚,
alínea f), 5˚ e 85˚ do Tratado.” CE. Eur-Lex. No processo 174/84, Bulk OU (Zug) AG v. Sun
International Limited e Sun Oil Trading Company, Acórdão do Tribunal de 18 de Fevereiro de 1986, p.
420
148
seria proibida pela legislação concorrencial da CE em razão da ausência de efeitos
dentro do mercado comum.
Em regra, não é possível, no sistema europeu, a concessão de isenções
para práticas de abuso de posição dominante, já que o Tratado CE prevê a
possibilidade de isenções tão-somente aos acordos entre empresas que não sejam
restritivos à concorrência422. De acordo com FORGIONI, quando da utilização do
método de isenções, duas normas deverão ser seguidas: uma que veda, de forma
geral, as práticas restritivas da concorrência, e outra específica, que autoriza a
prática restritiva uma vez concedida a isenção423.
Na CE a Comissão é o órgão executivo que examina todas as práticas que
em princípio são restritivas à concorrência. Como havia um elevado número de
casos submetidos à apreciação, vários regulamentos foram formados com o escopo
de isentar determinadas categorias de práticas, chamados block exemptions
(isenções em blocos). Veja-se que essa sistemática já havia sido adotada pelo
Tratado de Paris, no artigo 66, § 3˚424.
A Comissão Européia pode revogar as isenções concedidas, uma vez
verificada a falsidade nas informações prestadas ou o descumprimento das
obrigações e compromissos assumidos. Deste modo, com a revogação, o ato que
era isento passa a ser ilícito de acordo com o sistema europeu antitruste425.
Vale notar que, embora não haja grandes preocupações na CE externadas
sobre os cartéis de exportação, em 1995, a Comissão Européia emitiu um relatório
em que recomendou o aumento da cooperação entre as autoridades de
concorrência ao redor do mundo, justamente considerando que “há mais e mais
589. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61984J0174:PT:
PDF>. Acesso em: 15 jun. 2010. (português de Portugal).
422
FORGIONI, 1998, p. 188.
423
FORGIONI, 1998, p. 189.
424
“The High Authority shall exempt from the requirement of prior authorisation such classes of
transactions as it finds should, in view of the size of theassets or undertakings concerned, taken in
conjunction with the kind of concentration to be effected, be deemed to meet the requirements of
paragraph 2. Regulations made to this effect, with the assent of the Council, shall also lay down the
conditions governing such exemption”.
425 Cabe dizer que as isenções são distintas dos atestados negativos concedidos pela Comissão.
Estes últimos declaram que a prática submetida a apreciação da autoridade não procura restringir a
concorrência no mercado europeu, já as isenções legitimam as práticas restritivas. Cf. FORGIONI,
1998, p. 192.
149
problemas concorrências que transcendem os limites nacionais”, incluindo os cartéis
de exportação426.
Apesar das normas da CE não encorajarem, expressamente, os cartéis
cujos efeitos são sentidos apenas nos mercados de exportação, é fato que não há
vedação para essa atividade. Veja-se também que, em razão da ausência de efeitos
no mercado da CE, caso essas atividades sejam questionadas, entende-se que o
Tratado da CE não teria competência atribuída para lidar com essas questões:
O representante da Comunidade Européia e dos seus Estados
membros, disse que, enquanto as regras da Comunidade Européia
não expressamente isentam, toleram ou encorajam os cartéis, cujos
efeitos são sentidos apenas nos mercados de exportação, a
Comissão não teria competência para lidar com eles, por falta de
efeitos no mercado da CE. No entanto, na realidade, essa situação
não tem ocorrido com freqüência. [...] Freqüentemente, durante as
investigações, os membros do cartel são forçados a abandonar tais
atividades externas, uma vez que eles são vistos pela Comissão
como apoiando e complementando as práticas ilegais. O reforço da
cooperação internacional pode contribuir para um controle mais
eficaz dos membros do cartel em relação aos aspectos externos das
suas atividades [...]427. (grifos no original)
A Comissão também entende que com a progressiva globalização dos
mercados, já não é tão obvia e clara a distinção entre os efeitos nos mercados
interno e os efeitos nos mercados de exportação. Desse modo, a CE tem se
manifestado no sentido de ser favorável ao estabelecimento de meios mais eficazes
para lidar com esses casos e também destaca a importância de se criar um novo
regime para promover a cooperação em nível multilateral428.
Nesse sentido vale a declaração abaixo do representante da CE exposto em
documentos da OMC que defende que, do ponto de vista da sua delegação, a OMC
era mais do que apenas um instrumento para a negociação equilibrada das
concessões. Este entendimento baseia-se no fato de que a OMC tem um mandato
426
CE. Comissão Européia. Report of the group of experts competition policy in the new trade
order: strengthening international cooperation and rules. COM(95) 359 final, Brussels,
12.07.1995, p. 11.
427
WTO. WGTCP - Report on the Meeting of 2-3 October 2000 - Note by the Secretariat,
WT/WGTCP/M/12, 08/11/2000, p. 10-11. Disponível em: <http://docsonline.wto.org/>. Acesso em: 14
ago. 2010.
428
“In all those situations, it was considered that there was scope for cooperation with authorities in
other countries where the cartel operated. Establishing more effective means of addressing such
cases would be an important benefit of new arrangements to promote enhanced cooperation at the
multilateral level.” WTO. WGTCP - Report on the Meeting of 2-3 October 2000 - Note by the
Secretariat, WT/WGTCP/M/12, 08/11/2000, p. 10-11. Disponível em: <http://docsonline.wto.org/>.
Acesso em: 14 ago. 2010.
150
para estabelecer regras para reger as relações de comércio internacional e garantir
que países em desenvolvimento e outros Membros não sejam injustamente privados
dos benefícios da liberalização429.
Nesse mesmo documento, o representante da CE indicou que entendia ser
difícil identificar qualquer área da política econômica que tivesse mais claramente
relacionada com o comércio do que a política de concorrência. Nesse sentido,
indicou ainda que os tipos de práticas anticoncorrenciais que haviam sido discutidas
no Grupo de Trabalho tinham um claro efeito de distorção sobre o comércio
internacional, bem como um impacto negativo sobre o desenvolvimento. Entre essas
práticas incluíam-se: os cartéis internacionais, os cartéis de exportação e as práticas
de exclusão com dimensão internacional. Assim, o presentante da delegação da CE
entedeu ser “estranho” que a OMC, como uma organização internacional, não se
preocupe com essas práticas430.
4.3.1 O caso Wood Pulp e a teoria dos efeitos
Veja-se que a teoria dos efeitos também está presente na prática da CE. Um
caso interessante que reflete a sua aplicação é o caso conhecido como “The Wood
Pulp Case” (madeira transformada em polpa utilizada para fabricação de papel).
Em 19 de dezembro de 1984, a Comissão Européia estabeleceu em sua
decisão431 a aplicação de multa para produtoras não européias de polpa de madeira
além da aplicação de multas às associações (também não européias) de produtores
de Wood Pulp (entre elas a Kraft Export Association - "KEA") por infringir o
dispositivo do artigo 85 Tratado CE.
Conforme já foi apontado, são condenáveis pela CE as infrações à ordem
econômica, ou seja: acordos entre empresas concorrentes ou entre associações de
empresas, e práticas concertadas, que tenham por objetivo (ou efeito) impedir,
429
WTO. WGTCP. Report on the Meeting of 2-3 October 2000 - Note by the Secretariat,
WT/WGTCP/M/12, 08 Nov. 2000, p. 22 Disponível em: <http://docsonline.wto.org/>. Acesso em: 14
ago. 2010.
430
“[...] accordingly, it was a bit strange to suggest that the WTO as an international organization
should not concern itself with these practices.” WTO. WGTCP. Report on the Meeting of 2-3 October
2000 - Note by the Secretariat, WT/WGTCP/M/12, 08 Nov. 2000, p. 22. Disponível em:
<http://docsonline.wto.org/>. Acesso em: 14 ago. 2010.
431
CE. Decision IV/29.725 of 19 December 1984. Official Journal, 1985, L 85, p. 1. Em maio do ano
seguinte à decisão, as acusadas entraram com um pedido de anulação desta decisão.
151
restringir ou prejudicar a livre concorrência e o livre comércio entre EstadosMembros, fixando preços ou estabelecendo quaisquer outras condições de venda ou
aqueles que dividem mercados ou fontes de fornecimento.
Conforme explica WHISH, o caso Wood Pulp colocou em questão o
reconhecimento, pela Comissão Européia, da teoria dos efeitos (effects doctrine) na
aplicação da legislação antitruste, especialmente para os casos europeus432.
Veja-se que, de acordo com a teoria dos efeitos, o país de origem das
empresas é irrelevante para a devida aplicação da legislação antitruste. Desta
forma, as leis nacionais de defesa da concorrência devem ser aplicáveis tanto às
empresas estrangeiras, como também às empresas nacionais, quando seu
comportamento prejudicar a livre concorrência do país.
Para entender as justificativas da Comissão Européia ao condenar essas
empresas e associações, foi importante analisar os aspectos específicos no
mercado mundial de polpa de madeira. As principais fontes mundiais de suprimento
de madeira estão no Canadá, nos EUA, na Suécia e na Finlândia, portanto,
considerou que se tratava de um mercado de dimensões globais.
Na prática, os produtores negociavam os preços diretamente com os
compradores. A decisão da CE entendeu que quando os produtores acordaram os
preços cobrados aos clientes europeus e colocaram em prática o acordo, vendendo
a preços combinados, eles tiveram como objetivo restringir a concorrência (artigo 85
do Tratado).
De acordo com os termos da decisão, se a Comissão Européia entendesse
que as leis de defesa da concorrência devessem ser aplicadas na jurisdição onde os
acordos foram formados, obviamente, seria muito fácil para as empresas
contornarem as infrações. O fator decisivo considerado pela Comissão foi o lugar
onde ocorreram as práticas acordadas e seus efeitos.433
Nesse sentido, essa decisão serviu como modelo para outros casos que
envolveram questões sobre a extraterritorialidade da lei da concorrência na CE. Vale
destacar que atualmente a Comissão, em quase todos os casos semelhantes, tem
432
WHISH, Richard. Competition Law. 6ª Ed. New York: Oxford University Press, 2009, p. 480.
CE. Eur-Lex. Judgment of the Court of 27 September 1988. Concerted practices between
undertakings established in non-member countries affecting selling prices to purchasers established in
the Community. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/>. Acesso em: 03 ago.2010.
433
152
reconhecido a teoria dos efeitos (effects doctrine), por mais que ainda não exista
uma regra específica434.
4.4 A experiência dos EUA
Os EUA, como um dos pioneiros no desenvolvimento de regras antitruste,
também é considerado como o pioneiro a conceder isenção às condutas
anticompetitivas relacionas à exportação, apesar das condutas anticompetitivas
relacionas às importações serem processadas geralmente com muito rigor435.
Desde 1909, a aplicação extraterritorial da lei antitruste norte-americana tem
sido um tema muito controverso. No início os tribunais norte-americanos
empregaram uma abordagem territorial conservadora conforme se observa no caso
importante American Banana Co v. United Fruit Co, 213 U.S. 347 (1909), duas
décadas antes do entendimento desenvolvido no famigerado caso Lotus, sobre
jurisdição internacional436.
No caso entre a American Banana Co. e a United Fruit Co. a Suprema Corte
Americana manteve a interpretação de que a aplicação da lei nacional deveria estar
restrita aos limites territoriais do Estado, o que traduz os termos gerais do chamado
“princípio da territorialidade”.
434
Veja-se no mesmo sentido: WHISH, 2009, p. 479.
BECKER, explica que há algumas exceções relacionadas às exportações de um único país no
formato de cartel de exportação (2007, p. 101). Veja-se também: WALLER, Spencer Weber. The
ambivalence of United States Antitrust Policy Towards Single-country Export Cartels. Northwestern
Journal of International Law & Business 98, 1989/90.
436
PICJ, The case of the S.S. “Lotus” 1927. Series A, N.10 Collection of Judgments. A Corte
Permanente de Justiça Internacional, entendeu no caso Lotus que "[...] o que pode ser exigido de um
Estado é que não ultrapasse os limites que o direito internacional impõe à sua jurisdição; dentro
destes limites, seu título para exercer sua jurisdição repousa em sua soberania". Trata-se de um dos
casos mais mencionados da jurisprudência internacional. Em resumo, um navio francês (chamado
Lotus) bateu em um navio turco em alto-mar. Esse acidente teve como conseqüência a morte de
cinco dos tripulantes turcos além do afundamento do navio. Após prestar socorro, o navio francês
seguiu ao porto turco de Constantinopla, local em que o oficial francês, Tenente Demons, foi preso e
denunciado pelas mortes dos tripulantes turcos. O tenente foi processado pela Justiça Turca e
condenado a cumprir pena na Turquia. Inconformada com a decisão, a França alegou que o acidente
se deu em alto-mar (sob jurisdição de nenhum Estado) propondo à Turquia a submissão do caso à
Corte Internacional de Justiça (CIJ). A Turquia concordou em levar a questão à CIJ e, por maioria de
votos, o caso foi julgado favoravelmente, entendendo-se que não havia no direito internacional
proibição da Turquia de aplicar a sua lei penal ao caso em questão.
435
153
Em resumo, com base no Sherman Act, a empresa americana chamada
American Banana
ingressou com ação contra a empresa americana United Fruit em
razão do governo da Costa Rica ter confiscado os equipamentos e terras da American
Banana
que estavam em seu território. Essa decisão do governo costa-riquenho teria
favorecido a United Fruit por meio do monopólio da exportação e do comércio
interno de bananas nos EUA.
Assim, nesse caso, a Suprema Corte Americana decidiu que os atos
políticos ou de império dos Estados - Act of Estate437 - seriam de jurisdição absoluta
estando, dessa forma, fora da área de competência de outros Estados. Ou seja, a
aplicação do Act of State Doctrine trouxe um limite à jurisdição extraterritorial
Conforme explica MAGALHÃES:
A importância do caso reside no fato de se tratar de questão
envolvendo práticas monopolísticas levadas a efeito por empresa
norte-americana, fora do território dos Estados Unidos, tendo a
Suprema Corte se pautado estritamente pelo princípio da
territorialidade da jurisdição, respeitando a jurisdição e competência
alheias438.
Nesse caso havia um problema claro relacionado à efetividade e aos
resultados, pois foi considerada a falta de prova do concurso da United Fruit para o
resultado monopolístico. Considerando-se que o ocorrido deu-se no território da
Costa Rica, a Suprema Corte sabia da inviabilidade de se executar na Costa Rica
decisão diversa.
Sobre esse julgado interessante envolvendo direito antitruste, vale observar
as explicações sobre o entendimento dos conceitos de soberania e territorialidade
que fundamentaram a decisão.
437
Essa tese de Act of State chegou a ser aprofundada no caso Sabbatino, que reconheceu a
incompetência dos tribunais americanos para julgar atos políticos de império e de Estado. Nesse
caso, o debate sobre a ampliação da jurisdição americana tratou também de argumentos
relacionados à separação de poderes. U.S. SUPREME COURT. Banco Nacional de Cuba v.
Sabbatino, 376 U.S. 398 (1964). Disponível em: <http://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?
navby=search&court=US&case=/us/376/398.html>. Acesso em: 10 jan 2010. A "teoria de ato do
Estado" refere-se aos atos praticados por outros países em suas jurisdições. Essa teoria de common
law já havia sido explorada anteriormente no caso Underhill v. Hernandez (1897): "as cortes de um
país não julgarão os atos executados por outro governo no seu próprio território". Essa teoria ainda é
apresentada como fundamento em outros casos mais recentes. Nesse sentido, veja-se o caso W.S.
Kirkpatrick & Co., Inc. v. Environmental Tectonics Corp (1990). RAMSEY, Michael D. Acts of State
and Foreign Sovereign Obligations. Harvard International Law Journal, Cambridge, v. 39, n. 1,
1998.
438
MAGALHÃES, José Carlos de. A aplicação extraterritorial de leis nacionais. São Paulo: Revista
Forense. Vol. 293, 1986, p. 96.
154
Sem dúvida, em regiões sujeitas a nenhum soberano, como o alto
mar, ou a nenhuma lei que os países civilizados reconheceriam como
[213 E.U. 347, 356] adequada, esses países podem tratar algumas
relações entre os seus cidadãos como regidas pela sua própria lei, e
manter viva, em certa medida, a antiga noção de soberania
pessoal439 [...]. Eles vão mais longe e às vezes declararam que irão
punir qualquer um, sujeitos ou não à punição, que talvez façam
determinadas coisas e estejam aptos a serem capturados, como no
caso de piratas em alto mar. Em casos que imediatamente afetam os
interesses nacionais eles podem ir ainda mais longe e podem, se
tiverem a oportunidade, executar ameaças semelhantes como atos
praticados dentro de outra jurisdição reconhecida. Uma explicação
de nossas leis é encontrada no que diz respeito à correspondência
penal com governos estrangeiros.440 [...] E a noção de ligação entre
leis inglesas e súditos britânicos tem tomado lugar em todos os
lugares e encontrado expressão nos tempos modernos, tendo
algumas aplicações surpreendentes. R. v. Sawyer, 2 Car. & K. 101;
The Zollverein, Swabey, 96, 98. Mas a regra geral e quase universal
é que a característica de um ato como lícito ou ilícito deve ser
determinada inteiramente pela lei do país onde o ato foi realizado.441
[...] Para uma outra competência, se acontecer de perseguir o autor
para tratá-lo de acordo com as suas próprias noções em vez
daquelas do local onde ele praticou os atos, não apenas seria injusto,
mas seria uma interferência à autoridade de outro soberano,
contrariando a cortesia das nações, o que outro Estado pode
ressentir-se com justa causa. (tradução livre).
Conforme conclui ALFORD, o caso da American Banana teve como
entendimento que as leis antitruste norte-americanas não podiam ser aplicadas às
condutas que ocorriam fora dos EUA442. Becker explica que a conseqüente falta de
proteção aos comportamentos anticoncorrenciais que ocorriam fora dos EUA, mas
que afetavam a economia americana, não causava preocupação em 1909 em razão
da ausência da interdependência da economia global à época443.
Entretanto, em 1911, a posição da Suprema Corte foi modificada com a
aplicação da teoria do impacto territorial, que possibilita o julgamento de litígios cujos
efeitos sejam observados em território nacional, ainda que sua existência ocorra no
439
Nesse sentido, foram citados os seguintes precedentes: The Hamilton (Old Dominion S. S. Co. v.
Gilmore) 207 U.S. 398, 403, 52 S. L. ed. 264, 269, 28 Sup. Ct. Rep. 133; Hart v. Gumpach, L. R. 4 P.
C. 439, 463, 464; British South Africa Co. v. Companhia de Mocambique, [213 U.S. 347, 1893] A. C.
602.
440
No original, suprimido: “Rev. Stat. 5335, U. S. Comp. Stat. 1901, p. 3624. See further, Com. v.
Macloon, 101 Mass. 1, 100 Am. Dec. 89; Sussex Peerage Case, 11 Clark & F. 85, 146”.
441
Idem. Slater v. Mexican Nat. R. Co. 194 U.S. 120, 126 , 48 S. L. ed. 900, 902, 24 Sup. Ct. Rep.
581. This principle was carried to an extreme in Milliken v. Pratt, 125 Mass. 374, 28 Am. Rep. 241.
442
ALFORD, Roger P. The extraterritorial application of antitrust laws: The United States and the
European Community approaches. Virginia Journal of International Law, vol. 33, n˚. 1, 1992, p. 7.
443
BECKER, 2007, p. 101.
155
exterior444. De fato, quanto mais as economias tornavam-se interdependentes, e
quanto mais as empresas americanas sofriam competição externa, mais urgente
mostrava-se a necessidade de uma abordagem flexibilizada do princípio da
territorialidade.
Nesse contexto, alguns casos merecem ser mencionados, tal como o US v.
American Tobacco Co445, um dos primeiros casos relevantes de matéria antitruste e
um dos mais citados até os dias atuais.
A American Tobacco Company controlava, em 1880, cerca de 90% da
produção de cigarros nos EUA. Organizada como um truste446, a empresa obteve a
sua posição no mercado adquirindo empresas como a Union Tobacco e a
Continental Tobacco. O crescimento do seu market share deu-se também por meio
de um agressivo comportamento, pois foi alegado que geralmente a empresa
aplicava preços abaixo dos custos de produção447.
Em maio de 1911, a Suprema Corte americana julgou que a American
Tobacco Company violava o Sherman Act. Assim, foi determinada a distribuição de
seus ativos entre outras empresas no sentido de promover condições de
concorrência mais equilibradas no mercado448. Entretanto, há controvérsias em
relação à efetividade dessa decisão conforme explicam CRANDALL e WINSTON:
No entanto, o efeito da reestruturação da indústria do tabaco em um
oligopólio desencadeou uma batalha por participação de mercado
através da publicidade, não de preço. Os preços reais dos cigarros
eram essencialmente estáveis nos anos anteriores e seguintes da
decisão judicial, e subiram vários anos mais tarde, em resposta aos
aumentos de impostos sobre o consumo de tabaco. A cisão da
444
A Suprema Corte americana aplicou esse princípio em outros casos além do famigerado US v.
American Tobacco Co, 221 U.S106 (1911).
445
US v. American Tobacco Co, 221 U.S106 (1911).
446
“[...] Mais importante do que fixar uma definição é ter em mente que os “trusts” permitem a uma
determinada pessoa ter o gozo de um determinado bem sem figurar nominalmente como sua
proprietária ou titular. Dessa utilidade básica derivam inúmeras aplicações práticas. Entre as
hipóteses de sua aplicação lícita está a proteção de incapazes ou de pessoas inexperientes no trato
mercantil, as quais podem se beneficiar de um patrimônio sem deter sua titularidade e incorrer nos
riscos de perda ou dissipação dão decorrentes. Outra utilidade dos “trusts” é a organização do
controle das sociedades, com a concentração de ações votantes em mãos de um só titular, o qual
fica obrigado a exercer os direitos de sócio em benefício de proprietários originais que tenham sido
transferido.” SALOMAO NETO, Eduardo. O trust e o direito brasileiro. Sao Paulo: LTr, 1996, p. 19
447
CRANDALL; Robert W., WINSTON, Clifford. Does Antitrust Policy Improve Consumer Welfare?
Assessing the Evidence. Journal of Economic Perspectives, v. 17, n˚. 4, Fall 2003, p. 09.
448
“Outros casos ocorridos ao longo do século XX revelaram que o poder de mercado nessa indústria
advém de três fontes: o controle sobre os canais de distribuição, a fidelidade do consumidor à marca,
e as economias de escala nas atividades de publicidade e promoção de novas marcas. (Letwin, 1965;
Jaffe, 2001)”. Apud, ARAUJO, 2009, p. 03.
156
American Tobacco também não afetou o preço pago aos produtores
de tabaco. Ausente a concorrência de preços, o oligopólio era
altamente rentável, essencialmente ganhando a mesma taxa de lucro
durante 1912-1949 como o Trust ganhou durante 1898-1908. A
estabilidade da taxa de lucro da indústria e a ausência de uma clara
regressão nos preços após 1911 sugerem que a American Tobacco
fez pouco caso para estimular a concorrência significativa nesta
indústria.449
Como conseqüência de uma economia mais global, os Tribunais americanos
passaram a aplicar a lei antitruste à conduta das empresas americanas nos
mercados externos quando estas restringiam ou monopolizavam o comércio externo
norte-americano, isso tanto quando essas empresas agiam unilateralmente como
também quando agiam em conjunto com parceiros de outros países450.
Conforme explica BECKER, de acordo com esse tipo de jurisprudência
qualquer
restrição
ao
comércio
internacional
dos
EUA
era
proibida
independentemente de onde a conduta tenha ocorrido, seja dentro dos EUA ou
fora451.
Nessa época, é interessante observar que nos EUA a mera existência de
uma lei antitruste era citada como um sério impedimento para o estabelecimento de
cooperação para exportação. Conforme explicam LEVENSTEIN e SUSLOW, em
1918 o congresso americano estava preocupado com a fragilidade das companhias
americanas para enfrentar a concorrência dos cartéis estrangeiros452. Em adição,
alegava-se que os custos fixos elevados das exportações restringiam a habilidade
das pequenas e médias empresas de ingressar em mercados estrangeiros453.
Para tratar dessa situação, uma exceção às exportações foi prevista no
Webb-Pomerene Export Trade Act of 1918 (WPA) para a proibição geral contida no
449
CRANDALL, WINSTON, 2003, p. 09.
Veja-se os caso United States v. National Lead Co., 332 U.S. 319 (1947) em que foi constatado
que os réus tinham participado de um cartel internacional para restringir o comércio de produtos de
titânio, entre os diversos estados dos EUA e com participação de países estrangeiros, através de um
pool de patentes e repartição dos mercados em violação ao § 1 º do Sherman Act; e o caso United
States v.Timken Roller Bearing Company, 341 U.S. 593 (1951) - conluio entre uma empresa norteamericana com uma empresa britânica e uma empresa francesa, em que cada uma tinha interesse
em conter o comércio nacional e estrangeiro da fabricação e venda de rolamentos. O Tribunal Distrital
verificou que havia acordos que violavam o Sherman Act entre as corporações que dividiram entre si
territórios para o comércio; fixaram preços para os produtos, colaboraram para proteger e eliminar a
concorrência externa, restringindo as importações e exportações. No mesmo sentido: United States v.
General Eletric Co, 82 F Supp 753 (DNJ 1949); e Continental Ore Co. V. Union Carbide and Carbon
Corp, 370 U.S. 690 (1962).
451
BECKER, 2007, p. 102.
452
LEVENSTEIN; SUSLOW. The Changing International status of export cartels. American
University International Law Review n˚. 789, 2004, p. 5.
453
BECKER, 2007, p. 102.
450
157
parágrafo primeiro do Sherman Act. A exceção contida no WPA excetuava da
proibição geral antitruste a formação e operação de associações engajadas a
realizar vendas coletivas para exportação.
O Congresso aprovou a Lei, quando apenas alguns poucos países tinham
políticas eficazes de defesa da concorrência. Como as empresas americanas,
especialmente as menores, operavam em desvantagem competitiva nos mercados
estrangeiros, o Congresso buscou por meio de a WPA facilitar o comércio "tentando
reduzir os diversos obstáculos à participação de pequenas empresas"454.
Conforme um Congressista explicou, no sentido de facilitar vantagem
competitiva dos produtores norte-americanos:
Eu, pelo menos, sou a favor de dar a um fabricante americano
possibilidade de igualdade com o fabricante estrangeiro. Eu não iria
privá-lo de qualquer vantagem legitima na corrida mundial para o
comércio. Gostaria de mantê-lo no âmbito das disposições da Lei
antitruste Sherman sempre que a bandeira Americana balançar ao
vento, mas fora isso eu iria deixá-lo solto e diria a ele, nós permitimos
a você fazer em países estrangeiros somente o que os países
estrangeiros permitem que seus concorrentes façam.455 (tradução
livre).
Vale destacar que a WPA não protege as empresas americanas da
aplicação do Sherman Act quando essas empresas fazem parte de um cartel
internacional. A WPA deu imunidade antitruste às empresas que combinavam
explorar o comércio de exportação que era considerado essencial em tempos de
guerra (lembrando-se que o contexto era da primeira guerra mundial).
A WPA foi muito importante porque concedeu isenções aos grandes
conglomerados,
sendo
que
muitos
anteriormente
tinham
sido
objeto
de
investigações, mas estavam agora livres para continuar seus negócios. Não foram
todas as autoridades estrangeiras que deram crédito à conduta tolerada pelo WPA,
mas alguns defensores da WPA alegavam que outros países também tinham leis
que permitiam cartéis de exportação.
454
METLIN, Elaine; BATTS, Alicia J.; MARTIN, James R. The Webb-Pomerene Act: a relic that has
outlived its usefulness. The Antitrust Review of the Americas, 2006, p. 84.
455
“I am in favor of giving the American manufacturer an equal chance with the foreign manufacturer. I
would not deprive him of any legitimate advantage in the world’s race for trade. I would keep him
within the provisions of the Sherman antitrust law wherever the American flag flies but outside of that I
would turn him loose and tell him, we permit you to do in foreign countries just what those foreign
countries permit your competitors to do.” 53 Con Rec 13701 (1916), Apud, METLIN; BATTS; MARTIN,
2006, p. 84.
158
Após o WPA ocorreram também mudanças na jurisprudência americana
ainda no sentido de atribuir um novo entendimento sobre a questão do princípio da
territorialidade e à jurisdição antitruste. Nesse contexto, cabe observar o caso US v.
Sisal Sales Corp., 274 U.S. 268 (1928). A alegação central de violação nesse caso
era a de que as empresas americanas que estavam sediadas no México detinham o
monopólio do comércio de sisal.
Nesse caso, a Suprema Corte entendeu que haveria jurisdição americana
para analisar essa suposta conduta aplicando-se o Sherman Act. Em resumo, três
corporações
bancárias
americanas,
mais
duas
empresas americanas
que
negociavam o sisal e uma empresa mexicana que era responsável por comprar o
sisal dos produtores, além de funcionários e agentes, haviam firmado contratos que
buscavam garantir o monopólio do comércio de sisal.
De acordo com o alegado, a Comisión Exportadora de Yucatan passou a ser
compradora com exclusividade do sisal dos mexicanos enquanto que a Sisal Sales
Corp. passou a ser a importadora exclusiva nos EUA. Como conseqüência dessa
conspiração não havia mais concorrência no comércio de sisal, possibilitando aos
envolvidos fixar preços abusivos dos produtos.
Os bancos envolvidos foram acusados de emprestar grandes valores,
viabilizando que os envolvidos na conduta monopolizassem a importação e venda
de sisal nos EUA. Com a falta de pagamento, houve a execução das hipotecas que
garantiam os valores. Assim, os bancos receberam em 1919 grandes quantidades
de sisal que estavam armazenados e venderam o produto com valores abusivos. Foi
constatado, então, que os membros dessa conspiração conseguiram obter grandes
lucros e tornaram-se líderes do comércio de sisal ao eliminar a concorrência e
monopolizar a compra, a importação e também a venda de sisal.
Esse julgado reconheceu que as circunstâncias do caso eram muito
diferentes daquelas do caso American Bananas Co456, pois neste último o pleito
versava sobre atos praticados fora dos EUA que não eram considerados ilícitos pela
lei costa-riquenha. Ademais, o caso Sisal envolvia uma combinação que foi realizada
nos EUA.
456
Veja-se no mesmo sentido: CARVALHO, 2001, p. 55.
159
Assim, foi reconhecida a competência dos EUA para apreciar a violação da
lei dentro do seu território pelas partes envolvidas que estavam sujeitas à jurisdição
americana. Como a conduta provocou efeitos negativos nos EUA, as partes
acabaram sendo julgadas por violar à lei norte-americana.
4.4.1 Os casos Alcoa e Timberlane e a teoria dos efeitos
Anos após o US v. Sisal Sales Corp houve outro caso que merece ser
mencionado em razão do marco teórico referente à aplicação do princípio da
extraterritorialidade da legislação antitruste americana e que, de certo modo,
também influenciou o entendimento da lei antitruste brasileira: o caso United States
v. Aluminum Co. of America de 1947 (ano de criação do GATT) que tratou da teoria
dos efeitos457.
No que diz respeito à definição teórica da teoria dos efeitos Araújo explica
que:
A teoria dos efeitos poderia ser definida como uma ficção jurídica,
criada pelo Estado, na qual o mesmo passa a submeter fatos
ocorridos fora do seu território a sua jurisdição, justificando tal
asserção em função dos efeitos danosos causados ao próprio
Estado; tais efeitos autorizariam um acrescer na competência
internacional.458
No caso United States v. Aluminum Co. of America, o DOJ (Department of
Justice) dos EUA ingressou com ação contra a empresa americana Alcoa, a
empresa canadense Alcoa Limited (Limited) - que era controladora da empresa
norte-americana - e mais seis empresas estrangeiras que detinham a venda de
lingotes de alumínio nos EUA. A Limited formou uma sociedade de nacionalidade
suíça que era a base operacional do cartel internacional que era acusado de alocar
cotas de produção e fixar preços internacionais459.
Nessa decisão foi aplicada a legislação antitruste norte-americana aos
envolvidos, incluindo os membros do cartel internacional que tinham nacionalidade
457
Sobre esse caso, veja-se também: FINKELSTEIN, Cláudio. A. Dimensão e o Controle
Internacional do Comércio Local. TORRES, Heleno Taveira. Comércio Internacional e Tributação
São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 68.
458
ARAÚJO, 2001, sem página.
459
ADAMS, Walter. The Aluminum Case: Legal Victory-Economic Defeat. American Economic
Review, v. XLI, n˚. 5, December 1951, p. 915-922.
160
suíça460. A decisão que foi proferida tratou da questão do conflito de leis e concluiu
que, em determinadas situações, o Estado, quando afetado, podia avaliar as
condutas e impor obrigações aos agentes de outros países.
Logo, nesse caso em questão, foi aplicada claramente a teoria dos efeitos.
Como era de se esperar, ocorreram criticas sobre essa decisão. Alan Greenspan,
economista e ex-presidente do Federal Reserve, foi um dos críticos da decisão
contra a Alcoa e entendia que a caracterização da Alcoa como uma ameaça à
concorrência era errada.
De acordo com GREENSPAN:
A Alcoa está sendo condenada por ser muito bem sucedida, muito
eficiente, e também uma boa concorrente. Qualquer dano que as leis
antitruste tenham feito a nossa economia, sejam quais forem as
distorções à estrutura do capital da nação que elas tenham criado,
estas são menos desastrosas do que o fato de que a efetiva
finalidade, a intenção oculta, e a prática das leis antitruste nos
Estados Unidos levaram à condenação dos membros produtivos e
eficientes da nossa sociedade porque eles são produtivos e
eficientes.461 (tradução livre)
Após o caso Alcoa, os Tribunais americanos passaram a avaliar e a afirmar
sua jurisdição nos países estrangeiros, o que acabou gerando conflitos, pois muitos
países não aprovavam e preocupavam-se com uma eventual interferência em suas
soberanias. Entretanto, é importante notar que, ao mesmo tempo, muitos países
passaram a incorporar a teoria dos efeitos.
Devido à polêmica causada pela aplicação da teoria dos efeitos, novas
decisões trabalharam entendimentos que procuravam dar maior segurança à
comunidade internacional e aos terceiros países, tal como ocorreu no caso
Timberlane Lumber Co. v. Bank of America (1976).
460
Conforme explica Carvalho, “a empresa norte-americana Alcoa, subsidiária da Limited, não
participava diretamente do cartel, nem como parte do acordo, nem como acionista da corporação
suíça [...]. O caso Alcoa expandiu o conceito de território antes de abandonar as bases territoriais de
asserção jurisdicional, acabando, por conseqüência, com os limites nacionais para casos
potencialmente mais abrangentes e invariavelmente afetando interesses estrangeiros”. CARVALHO,
2001, p. 56.
461
“Whatever damage the antitrust laws may have done to our economy, whatever distortions of the
structure of the nation's capital they may have created, these are less disastrous than the fact that the
effective purpose, the hidden intent, and the actual practice of the antitrust laws in the United States
have led to the condemnation of the productive and efficient members of our society because they are
productive and efficient”. USA. Alcoa. Disponível em: <http://chaste.eu/alcoa_en.html> Acesso em: 12
fev. 2010.
161
Nesse caso a Timberlane Lumber acusava o Bank of America de conluio
com outras empresas para impedir e/ou dificultar a exploração de madeira em
florestas em Honduras. Alegava-se que para atingir esse objetivo os funcionários e
autoridades de Honduras apoiavam a conduta supostamente ilícita excluindo a
Timberlane Lumber do mercado hondurenho e limitando também as exportações de
Honduras para os EUA462.
A questão sobre a jurisdição americana novamente foi refletida e de acordo
com os termos da decisão:
Mesmo entre os tribunais americanos e comentaristas, entretanto,
não há consenso sobre até que ponto a jurisdição deve se estender.
O Tribunal Distrital concluiu aqui que um “efeito direto e substancial"
no comércio exterior dos Estados Unidos era um pré-requisito, sem
esclarecer se outros fatores foram relevantes ou considerados.463
Preliminarmente
questionava-se
se
os
tribunais
americanos
seriam
competentes para avaliar o caso. Os elementos que foram ponderados na decisão
incluem: i) o grau de conflito com a lei estrangeira, ii) a nacionalidade das partes e
os locais principais das empresas ou sociedades, na medida em que a aplicação da
lei por um ou outro Estado podia ser esperada, iii) a importância relativa aos efeitos
sobre os EUA em comparação com os outros países (na medida em que há o
propósito explícito de prejudicar ou afetar o comércio americano), iv) a capacidade
de prever tais efeitos, v) a importância da violação e da conduta praticada dentro dos
EUA em comparação com a conduta no exterior464, entre outros. Ficou
fundamentado que esses fatores deveriam ser avaliados com a identificação da
potencialidade de conflito. Após avaliar o conflito, o tribunal deveria, então,
determinar se os interesses dos EUA seriam suficientes para o exercício da
jurisdição extraterritorial.
462
USA. Timberlane Lumber Co. V. Bank of America, N.T. & S.A 549 F.2d 597 (9th Cir. 1976).
“Even among American courts and commentators, however, there is no consensus on how far the
jurisdiction should extend. The district court here concluded that a "direct and substantial effect" on
United States foreign commerce was a prerequisite, without stating whether other factors were
relevant or considered. The same formula was employed, to some extent, by the district courts in the
Swiss Watch case, 1963 Trade Cases P 70,600, in United States v. R. P. Oldham Co., 152 F.Supp.
818, 822 (N.D.Cal.1957), and in General Electric, 82 F.Supp. at 891. FN17 It has been identified and
advocated by several commentators. See, e. g., W. Fugate, Foreign Commerce and the Antitrust Laws
30, 174 (2d ed. 1973); J. Van Cise, Understanding the Antitrust Laws 204 (1973 ed.). See also Report
of the Attorney General's National Committee to Study the Antitrust Laws 76 (1955) ("substantial
anticompetitive effects"); Restatement (Second) of Foreign Relations Law of the United States 18.
FN18” Timberlane Lumber Co. V. Bank Of America, N.T. & S.A 549 F.2d 597 (9th Cir. 1976), p. 09.
464
Timberlane Lumber Co. V. Bank of America, N.T. & S.A 549 F.2d 597 (9th Cir. 1976), p. 13.
463
162
A decisão concluía que o problema deveria ser abordado em três partes,
respondendo às seguintes questões: i) a restrição alegada afeta, ou tem a intenção
de afetar o comércio exterior dos EUA? ii) Essa conduta seria de que tipo e
magnitude, a ponto de ser reconhecível como uma violação do Sherman Act? iii) Por
uma questão de cortesia internacional e de equidade, deverá ser afirmada a
jurisdição extraterritorial dos EUA para tratar da conduta?465
A Timberlane alegou que as supostas condutas anticoncorrenciais foram
destinadas a afetar a exportação de madeira serrada de Honduras para os EUA e
também o fluxo de comércio exterior dos EUA. Assim, as condutas seriam da
competência dos tribunais federais com base no Sherman Act. Além disso, a
magnitude das condutas alegadas parecia ser suficiente para justificar essa
competência466.
Após a análise, as respostas não foram consideradas satisfatórias, ou seja,
não foi considerada que se tratava de competência dos EUA. O Tribunal considerou
que os EUA apenas teriam jurisdição se o efeito sobre o comércio do país fosse
“suficientemente grande” (sufficiently large), e o exercício de jurisdição extraterritorial
fosse justificado. Os tribunais deveriam avaliar o potencial conflito resultante da
aplicação da extraterritorialidade, ou seja: os efeitos nos EUA deveriam seriam ser
relevantes para justificar a jurisdição nacional467.
Mesmo diante dessa decisão, não havia confiança internacional na
moderação do judiciário norte-americano na aplicação da extraterritorialidade (i.e.,
Cartel do Urânio468), mas esse caso não deixa de ser importante, uma vez que
465
Timberlane Lumber Co. V. Bank of America, N.T. & S.A 549 F.2d 597 (9th Cir. 1976), p. 13-14.
Vale observar que oi Sherman Act não se limitava à restrição ao comércio que tinha ao mesmo tempo
um efeito direto e substancial no comércio exterior norte-americano.
466
Timberlane Lumber Co. V. Bank of America, N.T. & S.A 549 F.2d 597 (9th Cir. 1976), p. 14.
467
“The elements to be weighed include the degree of conflict with foreign law or policy, the nationality
or allegiance of the parties and the locations or principal places of business or corporations, the extent
to which enforcement by either state can be expected to achieve compliance, the relative significance
of effects on the United States as compared with those elsewhere, the extent to which there is explicit
purpose to harm or affect American commerce, the foreseeability of such effect, and the relative
importance to the violations charged of conduct within the United States as compared with conduct
abroad. A court evaluating these factors should identify the potential degree of conflict if American
authority is asserted. […] Having assessed the conflict, the court should then determine whether in the
face of it the contacts and interests of the United States are sufficient to support the exercise of
extraterritorial jurisdiction.”
468
Nesse caso de 1976 a Westinghouse Electric Corporation foi processada por 07 empresas por
inexecução de obrigação contratual, por recusa de venda de urânio nas condições contratadas. A
defesa da Westinghouse alegou que havia sido um cartel internacional que tinha causado um
aumento extraordinário de preços o que, conseqüentemente, inviabilizou o fornecimento. Assim, a
163
influenciou a adoção da regra da razão por outros tribunais, como se viu, por
exemplo, no caso Mannington Mills Inc. v. Congoleum Corp.,(3d Cir. 1979)469.
4.4.2 O Export Trading Company Act of 1982 (ETC)
Sete décadas após o WPA e após inúmeras decisões que trabalharam
conceitos importantes à época relacionados à aplicação do Sherman Act às
condutas realizadas fora dos EUA, surgiu o Export Trading Company Act of 1982
(ETC) para encorajar as seguintes atividades: i) exportações por meio da facilitação
da formação e operação de empresas de comércio de exportação, ii) associações
para a exportação comercial, e iii) a expansão dos serviços de comércio exterior em
geral.
Portanto, o ETC estabeleceu um novo procedimento para os exportadores
norte-americanos, dando a oportunidade de obtenção de isenção à aplicação das
leis antitruste dos EUA. Entretanto a aplicação dessa isenção (ou imunidade como é
chamada nos EUA) estava limitada aos atos de exportação e colaborações que não
causassem distorção à concorrência nos EUA470.
Em suas justificativas (Declaration of Purpose471) o Congresso concluiu o
seguinte:
(i)
As exportações dos EUA eram responsáveis pela criação e manutenção de
um em cada nove empregos industriais e por gerar um em cada sete dólares
do total de mercadorias produzidas nos EUA;
(ii)
O crescimento rápido dos serviços das indústrias relacionadas era vital para o
bem-estar da economia dos EUA, na medida em que criavam postos de
Westinghouse processou 17 empresas americanas e 12 estrangeiras, que seria membros do suposto
cartel, exigindo reparação. Devido aos interesses das nações envolvidas na disputa comercial entre a
Westinghouse e os supostos membros do cartel do urânio houve um grave conflito entre os governos
das empresas envolvidas. Os EUA alegaram a aplicação extraterritorial das leis e os outros governos
envolvidos os direitos soberanos de cada um para fazer valer a lei dentro de suas respectivas
jurisdições. A questão jurídica internacional no cerne da disputa não era nova (aplicação
extraterritorial das leis antitruste e os princípios jurídicos internacionais de cortesia).
469
USA. Mannington Mills Inc. v. Congoleum Corporation, 595 F.2d 1297 (3d Cir. 1979) 1297-98, in
The American Journal of International Law, Vol. 77, N˚. 3 (Jul., 1983), p. 624-626. Íntegra da decisão
disponível em: <http://openjurist.org/595/f2d/1287>. Acesso em: 10 jan. 2010.
470
No mesmo sentido: COMISSÃO EUROPÉIA. Boletín Latinoamericano de Competencia,
septiembre 1999, p. 13.
471
UNITED STATES OF AMERICA. Export trading company act of 1982. Public La 97-290--Oct. 8,
1982 96 Stat. 1233, Public La 97-290--Oct. 8, 1982 96 Stat. 1233. Disponível em:
<http://www.ita.doc.gov/td/oetca/TitleIII.htm>. Acesso em: 10 jan. 2010.
164
trabalho para sete em cada dez norte-americanos, fornecendo 65 por cento
do produto interno bruto do país, e oferecendo maior potencial para o
aumento significativo do comércio industrial envolvendo produtos acabados;
(iii)
Os déficits comerciais contribuíam para o declínio do dólar nos mercados
monetários internacionais e teriam um impacto inflacionário sobre a
economia dos EUA;
(iv)
Dezenas de milhares de pequenas e médias empresas dos EUA produziam
bens ou serviços exportáveis, mas não se envolviam na exportação;
(v)
Embora os EUA fossem a nação líder mundial em exportação agrícola, muitos
produtos agrícolas não eram comercializados amplamente e eficazmente no
exterior como poderiam ser através de empresas de comércio de
exportação;
(vi)
Serviços comerciais de exportação nos EUA estavam fragmentados em uma
infinidade de funções distintas, e as companhias que desejavam oferecer
serviços de comércio de exportação sentiam falta de incentivos financeiros
para atingir um número significativo de potenciais exportadores dos EUA;
(vii)
Os EUA precisavam de intermediários bem desenvolvidos no comércio de
exportação que pudessem atingir economias de escala e adquirir
conhecimentos que lhes permitissem exportar bens e serviços de forma
lucrativa para os produtores, com baixos custos por unidade.
(viii)
O desenvolvimento de empresas de comércio de exportação nos EUA tem
sido prejudicado pelas atitudes das empresas e pelos regulamentos
governamentais;
(ix)
As atividades do Estado e das autoridades governamentais locais que iniciam,
facilitam ou ampliam as exportações de bens e serviços poderiam ser fonte
importante para a expansão das exportações totais dos EUA, bem como
poderiam ser um meio para o desenvolvimento de programas inovadores de
exportação introduzidos para as necessidades econômicas locais, regionais
e do Estado;
(x)
Se as empresas americanas de comércio têm potencial de ser bem sucedidas
na promoção das exportações dos EUA e na competição com empresas de
165
comércio estrangeiras, elas deveriam ser capazes de aproveitar os recursos,
as competências e o conhecimento do sistema bancário norte-americano,
tanto nos EUA como no exterior;
(xi)
O Departamento de Comércio é responsável pelo desenvolvimento e
promoção das exportações dos EUA e, especialmente, por facilitar a
exportação de produtos acabados pelos fabricantes dos EUA.
Assim, como base no contexto descrito acima, o ETC tinha como objetivo
aumentar as exportações de produtos e serviços dos EUA, incentivando regras mais
eficientes para os serviços de comércio de exportação para produtores e
fornecedores norte-americanos, em particular através da criação de uma
“Secretaria”472 dentro do Departamento de Comércio para promover a formação de
associações e empresas de comércio de exportação.
A idéia era permitir o investimento em empresas de exportação, reduzindo
as restrições para os financiamentos fornecidos por instituições financeiras e por
meio de alterações na aplicação das leis antitruste para determinados negócios de
exportação473.
Conforme bem pontua BECKER, o ETC continha diversas regras
direcionadas à promoção da exportação nos EUA expandindo a opção de dar
isenção aos cartéis de exportação baseado no WPA, mas diferentemente do WTA o
ETC dava imunidade antitruste não apenas aos bens, mas também aos serviços e
não apenas às associações, mas também a qualquer pessoa ou sociedade474.
Vale destacar a mudança jurisdicional da aplicação da lei antitruste e o
estabelecimento da isenção antitruste para atividades certificadas. Conforme os
termos da ETC (SEC. 301) “Para promover e incentivar a exportação comercial, o
secretário pode emitir certificados de análise e aconselhar e auxiliar qualquer pessoa
em relação ao pedido de certificados de análise”.
472
SEC. 104. The Secretary of Commerce shall establish within the Department of Commerce an
office to promote and encourage to the greatest extent feasible the formation of export trade
associations and export trading companies. Such office shall provide information and advice to
interested persons and shall provide a referral service to facilitate contact between producers of
exportable goods and services and firms offering export trade services. United States. Export trading
company act of 1982.
473
USA. Export trading company act of 1982. Public La 97-290--Oct. 8, 1982 96 Stat. 1233, Public
La 97-290--Oct. 8, 1982 96 Stat. 1233.
474
BECKER, 2007, p. 103. O ETC também atinge as empresas mesmo quando suas exportações
representam apenas um pequeno numero dos seus negócios.
166
Os interessados deveriam seguir os seguintes passos para obter a emissão
de certificado:
SEC. 302. (a) Para solicitar um certificado de análise, o interessado
deve apresentar à Secretaria um pedido por escrito, que
(1) especifica a conduta limitada à exportação comercial, e
(2) esteja em um formulário e contenha todas as informações,
incluindo informações relativas ao mercado global no qual opera o
requerente, exigidas pela norma ou regulamentação promulgada sob
a seção 310. b)
(1) No prazo de dez dias após um pedido apresentado ao abrigo da
subsecção (a) ser recebido pela Secretária,
a Secretária fará publicar no Registro Federal, um aviso anunciando
que um pedido de certificado de revisão foi apresentado,
identificando cada pessoa que submeteu o requerimento, e
descrevendo a conduta para qual o pedido foi apresentado.
(2) No prazo de sete dias após um pedido apresentado ao abrigo da
subsecção (a) ser recebido pela Secretária,
a Secretária remeterá ao Procurador-Geral (A) uma cópia do pedido
(B) todas as informações apresentadas à Secretária ligadas ao
pedido e, (C) quaisquer outras informações relevantes (conforme
determinado pela Secretária), na posse da Secretária, incluindo
informações sobre a participação de mercado da requerente na linha
de comércio a qual a conduta especificada no pedido se refere475.
Com
a
concessão
do
certificado
o
beneficiário
fica
isento
de
responsabilidade antitruste considerando que a conduta descrita está coberta pelo
certificado válido. As empresas certificadas gozam de uma proteção adicional contra
processos: há uma disposição que permite aos acusados que obtém êxito reaver os
custos despendidos para se defender nos litígios.
Nos termos da lei (vide Sec. 303) um certificado de análise deveria ser
emitido a qualquer candidato que estabelecesse que seu comércio de exportação
especificado, ou as atividades de comércio de exportação, e os métodos de
operação: i) não resulta em uma redução significativa da concorrência ou restrição
ao comércio dentro dos EUA, nem uma restrição substancial do comércio de
exportação de qualquer concorrente do requerente, ii) não aumenta, estabiliza ou
diminui exageradamente, os preços nos EUA dos bens, mercadorias ou serviços da
categoria exportada pela requerente, iii) não constitui métodos de concorrência
desleal contra os concorrentes envolvidos na exportação de bens, mercadorias,
produtos manufaturados ou serviços da categoria exportada pela requerente, e iv)
não inclui qualquer ato que possa razoavelmente ser esperado em resultar na venda
475
USA. Export trading company act of 1982. Public La 97-290--Oct. 8, 1982 96 Stat. 1233.
167
para consumo ou revenda dentro dos EUA dos bens, produtos manufaturados,
mercadorias ou serviços exportados pela requerente.
Nos termos do ETC, se o certificado for obtido de forma fraudulenta, ele será
nulo ab initio com relação a qualquer comércio de exportação ou atividades de
comércio. Vale observar que é possível modificar o certificado ou revogá-lo476, mas
nos termos da lei, o pedido de alteração deve ser tratado como um pedido de
emissão de um certificado e a data efetiva de alteração deve ser a data em que o
pedido for apresentado ao Secretário (Sec. 304, 2)477.
No entanto, se o Secretário negar, no todo ou em parte, um pedido de
certificado de revisão ou de emenda a um certificado, ou revogar ou alterar um
certificado, nem a determinação da negativa, nem a sua fundamentação será
admissível como prova, em qualquer procedimento administrativo ou judicial, como
fundamento de qualquer pretensão ao abrigo da legislação antitruste478.
Para promover uma maior segurança quanto à aplicação das leis antitruste
ao comércio de exportação, o Secretário, com a concordância do Procurador-Geral,
poderia emitir orientações (guidelines) resumindo as razões de fato e de direito que
fundamentam as determinações do ETC.
Veja-se, também, que o ETC modificou o Federal Trade Commission Act
adicionando um novo parágrafo ao seu final479. É importante destacar as mudanças
476
Se a Secretária concede ou nega, no todo ou em parte, um pedido de certificado de revisão ou de
emenda a um certificado, ou revoga ou modifica um certificado de conformidade com a secção 304
(b), qualquer pessoa lesada por essa determinação pode, no prazo de 30 dias da determinação,
intentar uma ação em qualquer tribunal distrital dos EUA para anular a deliberação sobre o
fundamento de que tal determinação é errônea (SEC.305, a).
477
Veja-se também: Sec. 304, (c) For purposes of carrying out this subsection, the Attorney General,
and the Assistant Attorney General in charge of the antitrust division of the Department of Justice,
may conduct investigations in the same manner as the Attorney General and the Assistant Attorney
General conduct investigations under section 3 of the Antitrust Civil Process Act, except that no civil
investigative demand may be issued to a person to whom a certificate of review is issued if such a
person is the target of such investigation.
478
Sec. 305, c.
479
Sec. 403. Section 5(a) of the Federal Trade Commission Act (15 U.S.C. 45(a)) is amended by
adding at the end thereof the following new paragraph:(3) This subsection shall not apply to unfair
methods of competition involving commerce with foreign nations (other than import commerce) unless- (A) such methods of competition have a direct, substantial, and reasonably foreseeable effect-- (i) on
commerce which is not commerce with foreign nations, or on import commerce with foreign nations; or
(ii) on export commerce with foreign nations, of a person engaged in such commerce in the United
States; and (B) such effect gives rise to a claim under the provisions of this subsection, other than this
paragraph. If this subsection applies to such methods of competition only because of the operation of
subparagraph (A) (ii), this subsection shall apply to such conduct only for injury to export business in
the United States."
168
que o ETC promoveu no Sherman Act ao estabelecer em seu artigo 402 a inserção após a seção 6 - da seguinte seção:
Sec.7. Esta Lei não se aplica a realização de trocas comerciais ou no
comércio (outro que importação comercial ou comércio de
importação) com as nações estrangeiras, a menos
(1) que tal conduta tenha um efeito direto, substancial e
razoavelmente previsível
A. sobre o negócio ou comércio que não seja o negócio ou comércio
com as nações estrangeiras, ou a importação comercial ou o
comércio de importação com as nações estrangeiras, ou
B. sobre a exportação comercial ou comércio de exportação com
países estrangeiros, de uma pessoa envolvida nesse comércio
nos Estados Unidos, e
(2) que tal efeito dê origem a um pedido ao abrigo do disposto na
presente lei, com exceção desta seção.
Se esta lei aplicar-se a tais comportamentos apenas em razão das
atividades do parágrafo (1) (B), então esta lei aplicar-se-á a tais
condutas apenas por dano aos negócios de exportação nos Estados
Unidos480. (tradução livre)
Veja-se acima, conforme citado, que o US Foreign Trade Antitrust
Improvements Act de 1982 (FTAIA), promulgado como parte do ETC estabeleceu
que as empresas estrangeiras e os consumidores não podem invocar a lei
americana contra os atos das empresas dos EUA que diminuam a concorrência
apenas em países estrangeiros.
Um dos objetivos do FTAIA foi aliviar as tensões entre os EUA e seus
parceiros comerciais resultantes da aplicação extraterritorial da política de
concorrência norte-americana e do conflito com as leis de concorrência
estrangeiras481.
Entretanto, WALLER entende que o FTAIA prevê um potencial
porto seguro para praticamente qualquer operação de exportação que não afeta o
mercado interno dos EUA ou as oportunidades de negócios de outros exportadores
dos EUA482.
480
Sec.7. This Act shall not apply to conduct involving trade or commerce ( other than import trade or
import commerce) with foreign nations unless (1) such conduct has a direct, substantial, and
reasonably foreseeable effect-- (A) on trade or commerce which is not trade or commerce with foreign
nations, or on import trade or import commerce with foreign nations; or (B) on export trade or export
commerce with foreign nations, of a person engaged in such trade or commerce in the United States;
and (2) such effects gives rise to a claim under the provisions of this Act, other than this section.
If this Act applies to such conduct only because of the operation of paragraph (1)(B), then this Act
shall apply to such conduct only for injury to export business in the United States.
481
HUFFMAN, Max. A Retrospective on Twenty-Five Years of the Foreign Trade Antitrust
Improvements Act. Houston Law Review, v. 44, 2007, p. 305.
482
Veja-se: WALLER, Spencer Weber. The ambivalence of United States Antitrust Policy Towards
Single-country Export Cartels. Northwestern Journal of International Law & Business v. 98, 1989,
p. 7.
169
De acordo com HUFFMAN, o FTAIA fracassou em seu propósito essencial,
pois não trouxe clareza à aplicação da legislação extraterritorial antitruste483. Nesse
sentido, o autor atribui ao insucesso à redação deficiente.
Apesar das suas deficiências e das críticas, o FTAIA é inegavelmente um
importante instrumento. HUFFMAN484 acredita que o FTAIA rege também atividades
inovadoras relacionadas aos esforços privados de se obter uma indenização por
uma alegada atividade anticoncorrencial no qual os advogados de class action
passaram a olhar para outros países para aumentar a sua base de clientes. Ao
mesmo tempo, os demandantes estrangeiros passaram a buscar em outros países
procedimentos amigáveis ou a entender as normas jurídicas disponíveis ao abrigo
do regime antitruste norte-americano.
As atividades judiciárias e legislativas na interpretação e na alteração das
leis antitruste também elevaram a importância da FTAIA. De todo modo, mitigar a
tensão internacional gerada pelo FTAIA passou a ser um tema que ocupou muita
atenção.
Apesar
de
algumas
opiniões
exageradas,
assim
como
algumas
manifestações acaloradas supondo o enfraquecimento das leis antitruste, o fato é
que houve, na última década, um grande aumento dos litígios, com dezenas de
ações movidas aplicando-se a extraterritorialidade antitruste, bem como pleiteando
bilhões de dólares por alegados danos sofridos por diversos autores (requerentes)
ao redor do mundo485.
4.5 A cortesia positiva e a assimetria normativa
Para a harmonização da aplicação das leis de defesa da concorrência aos
cartéis de exportação, um caminho seria aplicar o princípio da cortesia positiva
(positive comity) que é conhecido por ser o fundamento principal dos acordos
bilaterais de cooperação. Este princípio procura trazer a idéia de que a cortesia se
fará presente toda vez que dois países que assinarem um acordo de cooperação
483
HUFFMAN, 2007, p. 286.
HUFFMAN, 2007, p. 287-288.
485
Veja-se, nesse sentido: WOOD, Diane P. Cooperation and Convergence in International Antitrust:
Why the Light Is Still Yellow. In: EPSTEIN Richard A.; GREEVE Michael S. Competition Laws in
Conflict: Antitrust Jurisdiction in the Global Economy. AEI Press, 2004, passim.
484
170
decidirem aplicar de forma recíproca as normas que dizem respeito à
extraterritorialidade.
Quando relacionada aos cartéis denominados hard-core a cortesia positiva
significa que um país pode requerer a outro país a aplicação da sua lei nacional de
defesa da concorrência para combater as práticas anticompetitivas existentes
dentro de sua jurisdição e que o estejam afetando. Veja-se então que se trata de
uma forma de controlar as atividades anticompetitivas sem precisar recorrer à
aplicação extraterritorial de sua lei de concorrência, o que poderia resultar em
conflito de jurisdição.
Em regra a cortesia positiva foi pensada para promover a cooperação
internacional na aplicação das leis de concorrência e para ser eficaz em proibir ou
controlar condutas anticompetitivas realizadas além das fronteiras de um país486.
Na prática, quando um cartel exclui a exportação de um produto de um
país a outro, mas o país afetado não tem a jurisdição, pode ser invocado o
princípio da cortesia positiva. As leis de concorrência podem ter a aplicação
extraterritorial487, mas geralmente a aplicação extraterritorial não é tão eficaz
quanto se espera.
A cortesia positiva foi estabelecida no Friendship, Commerce, and
Navigation Treaty, firmado entre EUA e Alemanha, em 1954. Entretanto, já havia
recomendações nesse sentido do GATT e da OCDE. Na esfera antitruste, foi no
acordo de cooperação firmado entre Comunidade Européia e EUA, em 1991, que
este princípio apareceu claramente pela primeira vez.488
486
Nesse sentido, WAISBERG explica que analise dos casos dos EUA: “[...] a relevância dada ao
princípio da cortesia internacional (comity) pelo Nono Tribunal de Circunscrição em Timberlane não
foi retomada pela Suprema Corte. A extraterritorialidade da lei antitruste foi assegurada com base na
doutrina dos efeitos, desconsiderando-se uma análise mais aprofundada daquele princípio e se
estabelecendo a necessidade não de uma demonstração de política conflitante com o Estado
estrangeiro, mas sim de uma prova de que a parte estrangeira era incapaz de cumprir com os
preceitos de ambas as jurisdições. Em voto contrário no caso Hartford, o ministro Scalia sustentou
que a Suprema Corte havia interpretado de forma equivocada o tema da extraterritorialidade. Ainda
que asseverando que a extraterritorialidade do Shermamn Act é incontestável, Scalia declarou que o
princípio da cortesia internacional (comity) tinha de ser levado em consideração. Ele fundou sua
divergência em relação à opinião majoritária no princípio do respeito ao Direito Internacional em
precedentes da jurisprudência americana e no Restatement Third.” WAISBERG, Ivo. Direito e
Política da Concorrência para os países em desenvolvimento. São Paulo: Ed. Aduaneiras, 2006,
p. 83-84.
487
Veja-se nesse sentido o caso: USA. United States v. Aluminum Co. of America, 148 F.2d 416
(2d Cir. 1945).
488
Veja-se também o acordo entre Comunidades Européias e o governo dos EUA relativo aos
171
Apesar de em um primeiro momento ser possível ponderar sobre a aplicação
do princípio da cortesia positiva também para os cartéis de exportação, trata-se de
tarefa que não é simples, tanto que em razão da dificuldade encontrada na aplicação
da cortesia aos cartéis hard-core, a União Européia e os EUA negociaram um novo
acordo detalhado em 1998 para explicitar o modo de aplicação deste princípio,
justamente por terem enfrentado problemas quando ele foi invocado pela primeira
vez.489
Diante disso, as autoridades identificaram a existência de limitações na
aplicação do princípio da cortesia e percebeu-se a necessidade da voluntariedade
de sua implementação, com a confiança entre os Estados, além da necessidade da
conduta ser ilegal tanto no Estado requerente quanto no requerido, o que
prejudicaria, em regra, a sua aplicação aos cartéis de exportação.
Um caso interessante que vale mencionar em razão da aplicação da
cortesia positiva foi o United States v. Nippon Paper Industries.490 Nesse caso do
cartel japonês pelo qual diversas fábricas fixaram o preço do papel de fax que seria
vendido nos EUA e no Canadá as autoridades norte-americanas e canadenses
atuaram em conjunto nas investigações e essa cooperação resultou em uma bem
sucedida sanção criminal aplicada pelas leis de concorrência dos dois países.491
A aplicação desse princípio tem chances de ser efetiva apenas quando há
uma semelhança de disposições jurídicas entre os países. Sendo assim, se a
conduta afeta apenas o país requerente, fica muito difícil para o país requerido
proibir a conduta, uma vez que esta é permitida e, às vezes, até mesmo incentivada
dentro da sua jurisdição.
Este problema é mais visível nos cartéis de exportação. Por exemplo: um
cartel de exportação pode estar livre da aplicação das leis antitruste nos EUA, em
virtude do Webb-Pomerene Act492 e no Japão por meio da lei de procedimentos de
importação e exportação493 e, ao mesmo tempo, ser uma conduta que prejudica um
terceiro país. Como os cartéis de exportação são permitidos em outras jurisdições
princípios de cortesia na aplicação dos respectivos direitos de concorrência.
489
OLIVEIRA; RODAS, 2004, p. 386.
490
USA. 65 USLW 2617, 1997-1 Trade Cases P 71,750. Appellant, v. Nippon Paper Industries Co.,
LTD., Et Al., Defendants, Appellees. 109 F.3d 1 No. 96-2001. (1st Cir. 1997). Disponível em:
<http://ftp.resource.org/courts.gov/c/F3/109/109.F3d.1.96-2001.html>. Acesso em: 12 fev. 2010.
491
MATSUSHITA, 2002, p. 470.
492
USA. Webb Pomerene Act, 15 U.S.C. §§ 61-66 (1994).
493
MATSUSHITA, 2002, p. 471.
172
também (ou seja, não há ilicitude nas legislações) a aplicação da cortesia positiva
fica bastante prejudicada em um contexto internacional para controlar ou fiscalizar
as condutas anticoncorrenciais.
Entretanto, apesar de sua eficácia limitada, a cortesia positiva é um conceito
muito útil, podendo ter uma aplicação efetiva quando há harmonização dos
conteúdos das leis de concorrência dos países participantes. Com vista a uma
possível cortesia positiva as partes podem ser levadas a acelerar a eventual
harmonização de suas respectivas legislações, apenas dessa não ser uma tarefa
simples.
Em regra é mais observada a aplicação da chamada cortesia negativa que
faz parte de um grande número de acordos bilaterais. Com base na cortesia
negativa, as partes de um acordo bilateral, por exemplo, podem deixar de aplicar
suas leis de concorrência para a conduta de uma empresa se esta aplicação colidir
com a política governamental da outra parte494. Assim, um Estado, quando aplica a
sua lei concorrencial, levará em consideração os interesses de outro Estado apenas
quando não existir incompatibilidade com os seus próprios interesses.
Existem alguns casos nos EUA nos quais as cortes adotaram o princípio da
regra da razão, sugerindo o exame de vários fatores a considerar quando um país
decide aplicar sua lei nacional de concorrência, para concluir se essa aplicação
potencialmente terá implicações internacionais495.
Um grande número de acordos bilaterais tem incorporado disposições para
cooperação em investigações e o Brasil mesmo já pode beneficiar-se de parcerias
(formais e informais) com as autoridades de outros países. Geralmente os acordos
formais indicam que uma parte deve se esforçar em fornecer as evidências para a
outra, quando requisitada, sem obrigatoriedade da disposição da informação496.
No entanto, não há certeza de quando a revelação de evidências e de
informações pode ser considerada obrigatória, especialmente quando envolvam
confidencialidade. Em muitas jurisdições, a divulgação de informação confidencial
494
GABAN, DOMINGUES, 2009, p. 168.
Por exemplo, se um país invoca a sua lei de concorrência para proibir uma fusão que é fortemente
promovida pelo governo de outro país, o princípio da cortesia negativa sugere que o primeiro país se
abstenha de aplicar sua lei de concorrência para aquela fusão em respeito à política governamental
do segundo país.
496
GABAN, DOMINGUES, 2009, p. 169.
495
173
obtida em uma investigação ao governo estrangeiro contraria o princípio da
confidencialidade das leis do Estado497.
Assim, os acordos bilaterais que envolvam cortesia geralmente são divididos
em primeira e segunda geração. Os que, em princípio, não permitem que as
autoridades concorrenciais tenham acesso às informações confidenciais, a não ser
que haja a anuência da parte interessada, são os chamados de primeira geração498.
Os acordos de segunda geração possibilitam a disponibilização de
informações confidenciais, mas não são celebrados com freqüência, justamente
porque encontram obstáculos nos princípios de proteção do interesse nacional ou na
legislação. Tais acordos pressupõem um maior grau de maturidade e de
comprometimento das agências com a causa concorrencial em nível internacional499.
Conseqüentemente, sustentar o controle dos cartéis de exportação apenas
na aplicação da cortesia não parece ser o melhor caminho. Ainda, carece de
segurança que os países se satisfaçam com um acordo internacional, que permita
o fornecimento voluntário das evidências e informações, apesar dessa ser uma
alternativa mais tranqüila do que com uma obrigação imperativa.
Nos EUA o International Antitrust Enforcement Assistance Act (IAEAA)500
trouxe uma proposta para investigar as condutas que ocorrem nos EUA e afetam
adversamente a jurisdição de outro país. A idéia é transferir a evidência obtida,
incluindo a confidencial, ao país nesta condição, para que este execute e aplique um
direito semelhante na investigação. A política subjacente à IAEAA tem o objetivo de
potencializar a eficácia das leis nacionais de concorrência contra condutas
anticompetitivas que ultrapassem as divisas nacionais, mas os interesses norteamericanos permaneceriam protegidos nestes acordos.
Assim, os instrumentos utilizados no momento para tratar dessas condutas
ainda não são suficientes.
Veja-se que as isenções dos cartéis de exportação
poderiam ser um problema muito menor para o comércio internacional se houvesse
um regime legal concorrencial internacional de qualquer formato combinado com os
497
MATSUSHITA, 2002, p. 472.
OLIVEIRA; RODAS, 2004, p. 385.
499
OLIVEIRA; RODAS, 2004, p. 385.
500
USA. International Antitrust Enforcement Assistance Act (IAEAA) of 1994, 15 U.S.C. §§ 62016212 (1994).
498
174
mecanismos de aplicação internacional (o que atualmente ainda parece uma meta
intangível).
Poderia até se defender que as isenções dos cartéis poderiam ser resolvidas
se todos os países alvos dessas condutas atacassem esse comportamento
anticompetitivo de forma agressiva, com base na teoria dos efeitos. Entretanto,
diante das diferenças que existem entre os países na aplicação e desenvolvimento
de políticas e leis antitruste essa alternativa também não parece ser plausível.
Assim, para que condutas anticoncorrenciais sejam coibidas, a legislação
concorrencial precisa ser aplicada de maneira sólida, pois apesar das leis
anticoncorrenciais estarem se tornando cada vez mais populares, a maioria dos
“alvos” dos cartéis de exportação não possui conhecimentos especializados ou
recursos para aplicar suas leis (quando existem leis) concorrenciais de forma
efetiva501.
Veja-se que, alegar simplesmente que não há nenhum impedimento a
qualquer jurisdição afetada de aplicar sua legislação concorrencial para processar os
efeitos anticompetitivos dos cartéis estrangeiros502 não leva em considerando uma
questão relevante que é a falta de recursos e de preparo de muitas jurisdições.
Como resultado, os países com menor índice de desenvolvimento precisam
“terceirizar” informalmente a aplicação antitruste aos países que em geral têm mais
experiência e recursos para investigar as condutas anticompetitivas. Essa
“terceirização” poderia ser estendida à possibilidade das autoridades estrangeiras
investigarem uma conduta anticompetitiva que está ocorrendo em seus estados,
mas que também está afetando o “alvo” estrangeiro503.
Os EUA já fizeram uso da aplicação ‘terceirizada” das regras antitruste,
contudo, as empresas estrangeiras sofreram uma restrição no tocante ao acesso
aos procedimentos: a Suprema Corte em um caso de 2004 (F. Hoffmann-La Roche
Ltd. v. Empagran S.A.) sustentou que, quando o comportamento anticompetitivo
afetar significativamente os consumidores tanto dentro como fora dos EUA, se o
efeito no exterior for independente de qualquer efeito doméstico, os autores que
501
Veja-se no mesmo sentido: BECKER, 2007, p. 111.
Declaração dada pelos EUA em reunião realizada no âmbito da OMC. Cf. WTO. WGTCP. Report
on the Meeting of 20-21 February 2003 - Note by the Secretariat, WT/WGTCP/M/21. May, 2003, p. 15.
Disponível em: <http://docsonline.wto.org/>. Acesso em: 14 ago. 2010.
503
BECKER, 2007, p. 111.
502
175
alegarem terem sido prejudicados pelo efeito estrangeiro não poderão invocar a
jurisdição das leis ou dos tribunais norte-americanos504.
Veja-se que, se um país de menor desenvolvimento tentar investigar ou
processar um cartel de exportação com base na teoria dos efeitos, como as provas
da conduta anticompetitiva ficam no exterior, bem como os instrumentos de
avaliação das perdas e danos pela violação fica muito difícil conseguir dar
seguimento a investigação. Vale lembrar que esses países sequer possuem poder
de barganha para ter acesso a tais provas fora de sua jurisdição.
Portanto, mesmo que esses países tenham lei de concorrência e possam
aplicar a teoria dos efeitos, na prática, a possibilidade de sucesso é muito
pequena505. As isenções impedem também que as autoridades concorrenciais do
país que a empresa está sediada ajudem de forma adequada os países que são
prejudicados pelo cartel de exportação, podendo ser até mesmo inacessível a
obtenção de provas do conluio.
Ainda, tendo em vista o tempo e os custos iniciais que são demandados
para que países menos desenvolvidos e em desenvolvimento aprimorem ou
desenvolvem leis e políticas de concorrência, não parece ser plausível esperar que
todos estejam empenhados a desenvolver suas leis de concorrência, permanecendo
em uma situação de desvantagem no cenário internacional.
504
USA. F. Hoffmann-La Roche Ltd. v. Empagran S.A., 123 S. Ct. 2359. U.S. App. LEXIS 13431
(D.C. Ct. App. , filed June 21, 2004)
505
No mesmo sentido veja-se: BECKER, 2007, p. 112.
176
5 O CASO DA OPEP E AS DIFERENTES APLICAÇÕES DAS ISENÇÕES
5.1 A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)
Para entender a complexidade de um cartel de exportação, assim como os
problemas econômicos das empresas que participam de uma colusão, é
interessante avaliar e considerar um cartel de exportação bastante famoso e peculiar
que culminou com a criação da OPEP (Organização dos Países Exportadores de
Petróleo).
A OPEP (ou OPEC em inglês) foi formada no início dos anos 1960 por
grande parte dos maiores produtores mundiais de petróleo, sendo desde o inicio um
cartel bastante expressivo. Vale destacar que, abertamente, os membros da OPEP
combinavam preços e atribuíam os níveis de produção dos seus membros em
encontros presenciais506.
A missão da OPEP é coordenar e unificar as políticas petrolíferas dos
Estados Membros e assegurar a estabilização dos preços do petróleo para garantir
um fornecimento de petróleo eficiente, econômico e regular para consumidores, uma
renda estável para os produtores e um retorno de capital justo para os que investem
na indústria do petróleo507. Na prática, os Estados Membros usam a OPEP como
uma plataforma para reduzir a produção e fixar o preço.
Pouco tempo após a formação da OPEP o preço do petróleo aumentou
dramaticamente e o resultado da transferência de recursos dos produtores de
petróleo
para
os
compradores
fez
com
que
muitas
nações
produtoras,
particularmente os Estados do Golfo Pérsico, ficassem ricas. Ao mesmo tempo, isto
causou algumas das piores experiências dos EUA e de outras nações industriais
durante o meio e o final dos anos 1970508.
506
GAVIL, Andrew; KOVACIC, William E.; BAKER, Jonathan B. Antitrust Law in perpective: cases,
concepts, and problems in competition policy. St. Paul, MN: Thomson West, 2008, p. 237.
507
OPEC. OPEC Statute. Article 2, 2008. Disponível em: <http://www.opec.org/opec_web/static_files
_project/media/downloads/publications/OS.pdf>. Acesso em: 14 fev. 2010.
508
Nesse sentido, veja-se: GAVIL; KOVACIC; BAKER, 2008, p. 237.
177
Apesar de ser um cartel bastante particular devido à relevância do produto
envolvido e considerando-se, ainda, o envolvimento dos governos de diversas
nações, desde o início os membros da OPEP tiveram que enfrentar os problemas
naturais de qualquer cartel (seja um cartel explicito ou tácito, nacional ou
internacional).
Como bem destacam GAVIL, KOVACIC e BAKER:
Primeiro, eles tinham que alcançar consenso. Os membros do cartel
concordaram que a produção da indústria deveria ser reduzida no
sentido de aumentar o preço, mas cada um teria preferido que os
outros fizessem a maior parte dos cortes. Como resultado,
negociações entre os membros da OPEP com quotas excedentes de
produção às vezes são difíceis. Segundo, os membros da OPEP
tinham que impedir fraudes. Às vezes, algumas nações membros
produziam mais que a suas quotas atribuídas, resultando em menor
redução na produção industrial do que a esperada (e menor aumento
no preço industrial que o esperado). Similarmente, ao longo do
tempo os países podiam ampliar o tempo de perfuração em seus
campos de petróleo existentes e aumentar sua capacidade de
produção e ritmo de produção. Ações como esta devem ser
proveitosas para a nação que aumenta a produção, mas tendem a
minar o cartel como um todo. Terceiro, os membros da OPEP tinham
que evitar novos concorrentes, tanto das nações produtoras de
petróleo que escolheram não unir-se à OPEP (tal como os Estados
Unidos) ou dos entrantes que estão descobrindo e desenvolvendo
novos campos de petróleo ao redor do mundo.509 (tradução livre).
O cartel superou essas dificuldades nos anos 70 e teve muito sucesso em
seus objetivos por quase uma década, mas com o tempo, apesar dos encontros, o
cartel passou a perder sua força e efetividade. Veja-se que no meio dos anos 80 a
OPEP aparentemente não conseguia resolver os seus problemas e os preços do
petróleo caíram a níveis comparáveis àqueles que prevaleciam antes mesmo da
constituição do cartel (ajustado ao preço das perdas). A essa situação soma-se
ainda o fato de que o preço do petróleo prevaleceu em níveis muito baixos durante
toda a década de 1990510.
Em que pese esses altos e baixos durante a existência desse cartel
internacional, desde a sua criação, é importante destacar que em 2001 os preços do
petróleo voltaram a subir. Assim, no presente estudo, analisar e aventar a
possibilidade de processar a OPEP e seus membros oferece um meio de análise
muito produtivo para refletir sobre as inumeráveis defesas especiais e isenções que
509
510
GAVIL; KOVACIC; BAKER, 2008, p. 237.
Nesse sentido, veja-se: GAVIL; KOVACIC, BAKER, 2008, p. 237.
178
potencialmente aplicam-se no comércio exterior quando nações soberanas
participam de atividades que, em regra, seriam anticompetitivas.
Ao mesmo tempo em que existem decisões antigas rejeitando petições
contra a OPEP, um exame detalhado de estudos mais recentes sugerem que a
conduta da OPEP pode ser algum dia julgada no mérito511 em que pese à existência
de pontos que seguem ainda sem resposta segura, conforme se verá ao final desse
tópico.
5.1.1 O Foreign sovereign immunity Act (FSIA)
No que se refere ao caso da OPEP e sua análise nos EUA é importante
mencionar o Foreign Sovereign Immunities Act (FSIA), 28 U.S.C. § 1602 et. Seq.,
que possibilita barrar todas as petições contra Estados estrangeiros e suas ações a
não ser que alguma exceção seja aplicável512. Para o propósito antitruste a exceção
mais importante refere-se às atividades comerciais.
De acordo com os termos do FSIA, os Estados estrangeiros não estão
isentos/imunes de serem processados quando:
[...] a ação é baseada em uma atividade comercial exercida nos
Estados Unidos pelo Estado estrangeiro; ou em conseqüência de um
ato realizado nos Estados Unidos em conexão com uma atividade
comercial do Estado estrangeiro em qualquer lugar; ou mediante um
ato fora do território dos Estados Unidos em conexão com uma
atividade comercial do Estado estrangeiro em qualquer lugar e este
ato causa um efeito direto nos Estados Unidos. 28 U.S.C. § 1605 (a)
(2).
511
Cf. WALLER, Spencer Weber. Suing OPEC. University of Pittsburgh Law Review. v. 64, n˚.105,
2002; e também ATWOOD, James R.; BREWSTER, Kingman, WALLER, Spencer Weber. Antritrust
and Amercan Business Abroad. 3 ed. 1997 & supp. No mesmo sentido: GAVIL; KOVACIC, BAKER,
2008, p. 1047.
512
Certamente há questões políticas que são relevantes. Conforme explicado no documento “The
Foreign Sovereign Immunities Act 2008 Year in Review, preparado pelos advogados do Crowell &
Moring, Aryeh Portnoy, Katherine Nesbitt, Laurel Pyke Malson, Birgit Kurtz, Joshua Dermott, Beth
Goldman and Marguerite Walter: “Two notable FSIA cases in 2008 considered the application of the
political question doctrine to bar claims against foreign sovereigns in U.S. courts. In each case, the
court looked to statements by the Executive Branch to determine whether allowing the case to
continue would seriously impede United States foreign policy interests.” Esses casos são: i) Freund v.
Republic of France 592 F. Supp. 2d 540 (S.D.N.Y. 2008); e ii) Simon v. Republic of Iraq 529 F.3d
1187 (D.C. Cir. 2008), cert. granted, 129 S. Ct. 894 (2009).
179
Veja-se também que há outro trecho relevante que diz que o caráter
comercial de uma atividade deve ser determinado em alusão à “natureza da
conduta, do ato, ou da operação particular” e não em razão à sua finalidade.513
O histórico relacionado a esses dispositivos sugere que a conduta do Estado
realizada normalmente por indivíduos deveria ser considerada como comercial,
mesmo quando o objeto da atividade é preencher os propósitos governamentais.
Conforme explicam GAVIL; KOVACIK e BAKER:
Por exemplo, a contratação para comprar mantimentos para as
forças armadas ou para reparar um edifício da embaixada será
tratada como comercial, uma vez que partes particulares
normalmente negociem e assinem contratos. Por outro lado, se a
atividade normalmente é feita somente pelos governos - como a
imposição de uma tarifa ou emissão de certificados de exportação - a
imunidade é acessível, mesmo que haja negócio importante ou
motivações comerciais por trás da ação do governo.514 (tradução
livre).
Veja-se que essa análise não é fácil e muito menos simples. Em 2008, por
exemplo, muitos tribunais nos EUA lidaram com a questão de onde traçar o limite
entre os atos considerados "comerciais" e os "governamentais". Os casos indicados
na tabela abaixoilustram algumas das nuances identificadas pelos tribunais na
elaboração deste limite:
TABELA 03 - FSIA case law: Interpretação de ato comercial515
CASO
UNC Lear
Services, Inc.
v.
Kingdom of
Saudi Arabia
No. SA 04CA-1008,
513
Ato
comercial
X
Contratos
militares com
uma empresa
privada
Ato NÃO
comercial
RESUMO
O Governo da Arábia Saudita contratou
uma empresa americana para servir e
manter a sua frota de aeronaves F-5. O
Tribunal do Distrito Oeste do Texas
descobriu que, sendo a manutenção de
uma força aérea geralmente um ato
soberano, a exceção à atividade comercial
foi aplicada nesse caso porque a Arábia
Saudita “aventurou-se no mercado” para
28 U.S.C. § 1603 (d). The Foreign Sovereign Immunities Act (FSIA) of 1976 is a United States
law, codified at Title 28, §§ 1330, 1332, 1391(f), 1441(d), and 1602-1611 of the United States Code.
514
“For example, contracting to buy provisions for the armed services or to repair an embassy building
are to be treated as commercial, since private parties normally negotiate and sign contracts. On the
other hand, if the activity is normally done only by governments – such as imposing a tariff or issuing
export licenses – immunity is available even if there are important business or commercial motivations
behind the government action”. GAVIL; KOVACIC; BAKER, Jonathan, 2008, p. 1048.
515
Tabela elaborada com base nos casos explorados no documento preparado pelo CROWELL &
MORING LLP. The Foreign Sovereign Immunities Act 2008 Year in Review. 2009.
180
2008
WL
2946059
(W.D.
Tex.
July 25, 2008).
contratar serviços de manutenção da
mesma maneira como um agente privado
faria.
Heroth
Nesse caso, o governo da Arábia Saudita
não contratou diretamente uma empresa
privada e utilizou o programa “U.S.
Government’s Foreign Military Sales
(FMS)”: mecanismo pelo qual o governo
americano comercializa serviços e artigos
de defesa além de outros serviços
exclusivamente para governos estrangeiros.
Como parte do contrato, uma empresa
americana privada foi contratada para
fornecer segurança para a base militar do
governo da Arábia Saudita. Quando os
empregados da empresa americana
contratada tentaram processar o governo
da Arábia Saudita, o tribunal os impediu de
usar a exceção à atividade comercial.
Entendeu-se que, uma vez que a
participação no FMS foi limitada aos
governos, e, não era o tipo de atividade em
que um agente privado poderia participar,
pois o contrato não era de natureza
comercial.
Além
disso,
o
tribunal
acrescentou que o fornecimento de
segurança em uma instalação militar é uma
"atividade essencialmente soberana”.
X
v.
Contratos
militares
sujeito a um
programa do
governo
Kingdom of
Saudi Arabia
65 F. Supp. 2d
59 (D.D.C.
2008).
Hilaturas
Miel, S.L.
v.
Republic of
Iraq
O Iraque contratou a compra de mercadoria
do autor como parte do programa Oil-forFood. Quando o Iraque foi incapaz de
executar, o autor o processou. O Iraque
argumentou que, uma vez que o programa
Oil-for-Food era de natureza humanitária,
seria exceção à atividade comercial. O
tribunal
rejeitou
esse
argumento,
considerando que, independentemente do
que fora proposto no contrato, o Iraque
entrou em uma transação comercial, tal
como qualquer outro agente privado – o
que, portanto, constitui um ato comercial.
X
Contratos de
Caridade
573 F. Supp.
2d 781
(S.D.N.Y.
2008).
In re Terrorist
Attacks on
September
11, 2001
538 F.3d 71
X
Doações de
Caridade
O Second Circuit decidiu que doar dinheiro
a instituições de caridade (ou beneficentes)
que canalizaram esforços para apoiar o Al
Qaeda não era uma atividade comercial. Os
Autores argumentaram que o ato de doar
dinheiro a instituição de caridade era
181
(2d Cir. 2008).
comercial por natureza porque isto era algo
que agentes privados poderiam realizar –
diferentemente
de
uma
atividade
estritamente reservada a autoridades
públicas (soberanas). O Tribunal rejeitou
essa análise, voltando-se, em vez disso, à
questão dos atos dos Réus terem sido do
“tipo de ações pelas quais um agente
privado realiza comércio e tráfico, ou
apenas comércio”. O Tribunal concluiu que,
em sendo o ato de doar dinheiro à
instituição de caridade algo que um agente
privado poderia fazer, isto não seria “parte
do comércio levado a efeito por um
comerciante no mercado”, e não constitui,
portanto, um ato comercial em sua
natureza.
Lasheen
O Tribunal Distrital do Eastern District of
California decidiu, no caso Lasheen v.
Loomis Co., que o fornecimento, por parte
dos Réus, de “serviços administrativos”
para o plano de saúde e benefícios do
Governo do Egito foi comercial em sua
natureza,
pois
“empresas
privadas
freqüentemente realizam acordos similares;
a realização de tal conduta não requer o
exercício de poder de soberania”.
v.
Loomis Co.
No. Civ. S-01227, 2008 WL
295079 (E.D.
Cal. Feb. 1,
2008).
Anglo-Iberia
Underwriting
Mgmt. Co.
v.
Loderhose
No. 97-0084,
2008 WL
190364
(S.D.N.Y. Jan.
22, 2008).
X
Contrato de
prestação de
serviços para
Programa de
Assistência à
Saúde de
Governo
estrangeiro
X
Funcionários
Públicos que
prestam
serviços a
Programa de
Assistência à
Saúde de
Governo
estrangeiro.
O
Autor
processou
a
agência
administradora do programa de seguridade
social e assistência à saúde da Indonésia
alegando que aquela fora negligente ao
supervisionar um empregado que executou
um golpe premeditado, causando danos. O
Tribunal decidiu que não poderia exercer
jurisdição sobre a Ré porque, dentre outros
pontos, o trabalho dos empregados (do
governo da Indonésia) não foi comercial em
sua natureza. O Tribunal enfatizou que as
responsabilidades do empregado não
envolvem atividades comerciais como as
contratuais com médicos estrangeiros ou as
coberturas internacionais; mas, o trabalho
da administradora fora de processar (i.e.,
dar andamento a) pedidos de coberturas
assistenciais de saúde e coletar prêmios
para o programa de seguridade social da
Indonésia.
182
Assim, refletidos esses pontos, veja-se que, com base no FSIA, caracterizar
a conduta da OPEP como um ilícito antitruste não é tarefa simples.
Vale observar que no final dos anos 70 um Tribunal Distrital dos EUA
(District Court) fez uma análise própria ao analisar a OPEP como ilícito antitruste e
estudou os esforços de fixação de preços dessa organização, concluindo que foram
realizados os seguintes atos: i) tributação das companhias privadas; ii) controle de
produção administrada por leis de preservação; iii) cotações diretas do preço do
petróleo estatal.
Com base na decisão, destaca-se que as duas primeiras funções foram
consideradas claramente governamentais em sua natureza, já a terceira, apesar de
comercial a primeira vista, foi considerada apenas como um meio diferente pelo qual
os governos da OPEP estavam desenvolvendo seus atos de soberania516.
Basicamente o tribunal norte-americano viu a preservação e maximização de
um recurso natural como um interesse estatal vital para os Estados Membros da
OPEP, que, por essa razão, foram considerados imunes do escrutínio antitruste dos
tribunais dos outros estados517.
O Tribunal também notou uma aceitação considerável das Nações Unidas
do direito soberano dos Estados em exercer o controle da extração e exploração dos
recursos naturais. Assim, considerou-se que o controle dos recursos naturais de
uma nação emerge da natureza da soberania:
[...] Pela necessidade e por seu reconhecimento tradicional, cada
nação é o seu próprio chefe no que diz respeito aos seus atributos
físicos. O controle dos recursos naturais dos réus é uma função
especial da soberania porque petróleo, como sua principal, senão
única, fonte geradora de receitas, é crucial para o bem estar das
pessoas de suas nações.518
Entretanto, conforme asseveram GAVIL; KOVACIV e BAKER, apesar da
análise do Tribunal Distrital sobre a soberania ser compreensível, ela era
indiscutivelmente equivocada, mesmo em 1979, com base na exceção da atividade
516
GAVIL; KOVACIC; BAKER, 2008, p. 1048.
USA. International Association of Machinists & Aerospace Workers v. Organization of
Petroleum Exporting Countries, 477 F Supp 553 (CD Cal 1979).
518
USA. International Associartion of Machinists v. Organization of Petroleum Exporting
Countries, 477 F.Supp. 553, 568 (C.D. Cal. 1979), 649 F.2d 1354 (9th Cir. 1981), cert. Denied, 454
U.S. 1163 (1982).
517
183
comercial da FSIA519. BECKER explica que, levando-se em consideração a natureza
da conduta da OPEP, esta deve ser classificada como comercial, porque a fixação
de preços e outras tentativas de distribuir os mercados são instrumentos típicos da
cooperação das empresas privadas520.
Essa primeira decisão sobre a OPEP emergiu no ápice do envolvimento do
Estado nos mercados de recursos naturais. Observa-se que naquele período, a
maior parte das nações privatizou aspectos essenciais das suas indústrias
extrativas, deixando mais claro que as atividades das nações da OPEP são tipos de
atividades habitualmente exercidas por empresas privadas e, portanto, não estariam
imunes ao abrigo do FSIA521.
Na apelação, o Ninth Circuit admitiu esta falha na opinião do Tribunal
Distrital, mas, no entanto, encontrou outro meio para evitar julgar o mérito do caso.
Assim, quando questionada a análise do Tribunal Distrital sobre a soberania, o
Tribunal de Apelação afirmou a rejeição da primeira decisão da OPEP com base no
Act of state522, que será visto no próximo tópico.
5.1.2 A doutrina do Act of State
Para o presente estudo, trazer explicações complementares sobre a
aplicação do Act of State Doctrine523 é relevante, pois GAVIL, KOVACIC e BAKER
entendem que o caso Kirkpatrick & Co enfraqueceu ainda mais a parte-chave da
decisão original do Ninth Circuit sobre a OPEP524. Esse caso será analisado a seguir.
A doutrina do Act of State diz que uma nação é soberana dentro de suas
próprias fronteiras e suas ações no mercado interno não podem ser questionadas
519
No mesmo sentido veja-se: GAVIL; KOVACIC; BAKER, 2008, p. 1049.
BECKER, 2007, p. 110.
521
GAVIL; KOVACIC, BAKER, 2008, p. 1049.
522
Em uma questão relacionada, no caso Prewitt Enters. v. OPEC , 353 F.3d 916 (11th Cir. 2003), a
Eleventh Circuit manteve que a OPEP, como uma organização, não poderia validamente fazer parte
do processo por causa de um acordo entre a OPEP e o Governo da Áustria concedendo imunidade.
A Eleventh Circuit ponderou que, nesse contexto, a OPEP não poderia ser qualificada para imunidade
nos termos da FSIA como resultado de suas atividades comerciais.
523
Preferiu-se manter redação original. MADRUGA FILHO traduz o termo como “Ato de Estado”.
Veja-se: MADRUGA FILHO, 2005, p. 72.
524
GAVIL; KOVACIC; BAKER, 2008, p. 1050.
520
184
por um tribunal de outro país. Trata-se de um principio reconhecido nos EUA pela
commom law e presente em sua jurisprudência desde 1987525.
Com base no Act of State o magistrado não pode pronunciar-se sobre a
validade e eficácia da legislação do país estrangeiro. Contudo, isto não afasta a
jurisdição, ou seja, pode haver o julgamento do mérito da ação, mas apenas
considerando os outros fundamentos que estejam fora do escopo do “Ato de
Estado”526.
Veja-se que a doutrina do Act of State não se confunde com a doutrina da
imunidade soberana (sovereign immunity), pois, conforme explica MADRUGA
FILHO, somente esta última “impede a submissão do Estado estrangeiro à jurisdição
local”527.
Conforme explicado anteriormente, o Act of State foi aprofundado nos EUA
no caso Banco Nacional de Cuba v. Sabbatino, que reconheceu a incompetência
dos tribunais americanos para julgar atos políticos de império e de Estado528.
Posteriormente, a Suprema Corte enfrentou de maneira importante a
questão da aplicação da doutrina do Act of State no caso W.S. Kirkpatrick & Co. v.
Environmental Tectonics Corp., International, 493 U.S. 400 (1990) em uma decisão
unânime de autoria do Magistrado Scalia529.
Observa-se que a Environmental Tectonics era uma mal sucedida licitante
em um contrato adjudicado530 por militares da Republica da Nigéria. De outro lado, a
525
Veja-se: USA. Underhill v. Hernandez, 168 U.S. 250 1897.
MADRUGA FILHO, 2005, p. 73.
527
MADRUGA FILHO, 2005, p. 74.
528
USA. SUPREME COURT. Banco Nacional de Cuba v. Sabbatino, 376 U.S. 398 (1964).
529
Antonin Scalia é o mais antigo magistrado na Suprema Corte dos EUA.
530
“Adjudicação é o ato pelo qual se atribui ao vencedor o objeto da licitação, para a subseqüente
efetivação do contrato administrativo. É o ato constitutivo do direito do licitante a contratar com a
Administração, quando esta se dispuser a firmar o ajuste. A adjudicação, como ato constitutivo de
direitos e obrigações, produz seus efeitos jurídicos desde o momento em que o julgamento for
homologado e a adjudicação determinada pela autoridade competente. São efeitos jurídicos da
adjudicação: a) a aquisição do direito de contratar com a Administração nos termos em que o
adjudicatário venceu a licitação; b) a vinculação do adjudicatário a todos os encargos estabelecidos
no edital; c) sujeição do adjudicatário às penalidades previstas no edital e à perda de eventuais
garantias oferecidas, se não assinar o contrato no prazo e condições estabelecidos; d) o impedimento
de a Administração Pública contratar o objeto licitado com qualquer outro que não seja o
adjudicatário; e) a liberação dos licitantes vencidos dos encargos da licitação.” In: MEIRELLES, Hely
Lopes. Licitação e contrato administrativo: de acordo com as leis nº 8666, de 21.06.1993, nº
8883, de 08.06.1994 e nº 9648, de 27.05.1998. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 159. E ainda:
“Adjudicação é o ato pelo qual a Administração, pela mesma autoridade competente para homologar,
atribui ao vencedor o objeto da licitação. É o ato final do procedimento. Trata-se de ato declaratório
que não se confunde com a celebração do contrato, pois, por meio dele, a Administração proclama
526
185
Kirkpatrick & Co era uma bem sucedida licitante que fez arranjos com um cidadão
nigeriano, nos quais esse cidadão deveria se esforçar para garantir o contrato para a
Kirkpatrick & Co531.
Nesse contexto, o cidadão nigeriano e a Kirkpatrick & Co acordaram que, no
evento da Kirkpatrick & Co ganhar o contrato ela pagaria uma “comissão” a duas
entidades panamenhas controladas pelo cidadão nigeriano. Essa “comissão”
resultava no equivalente a 20% do preço contratado, que, de outro lado, seria dada
como suborno aos oficiais do governo da Nigéria. Vale destacar que a lei nigeriana
proíbe tanto o pagamento como o recebimento de subornos em conexão com a
adjudicação de contratos públicos.532
A Suprema Corte considerou que a doutrina do Act of State não era aplicável
porque nada no caso requeria que a Corte declarasse inválido o ato oficial da
soberania estrangeira. Veja-se que, questões do Act of State só surgem quando o
resultado do processo gira em torno do efeito de uma ação oficial de uma soberania
estrangeira.
Vale notar que a Tribunal observou que nos casos que a Suprema Corte
manteve a doutrina do Act of State aplicável, os pedidos ou a defesa interposta
teriam exigido aos Tribunais dos EUA que declarassem inválidos os atos oficiais de
um Estado soberano estrangeiro que foram realizados em seu próprio território.533
Assim, como a legalidade do contrato nigeriano não foi questionada no
Tribunal durante a análise do caso Kirkpatrick & Co, logo não havia espaço para
aplicar a doutrina do Act of State.
Entretanto, foi enfatizado que a doutrina não estabelece uma exceção ao
poder do Tribunal de decidir casos e controvérsias apresentadas de forma
apropriada, meramente porque a revisão judicial de um caso pelos Tribunais nos
EUA pode constranger um governo estrangeiro. Portanto, exige-se apenas que no
que o objeto da licitação é entregue ao vencedor. Depois de praticado esse ato é que a
Administração vai convocá-lo para assinar o contrato. Trata-se de ato vinculado, já que as únicas
duas hipóteses em que a Administração pode deixar de efetuar a adjudicação são as de anulação ou
revogação do procedimento, conforme previsto no art. 49 da Lei 8.666/93. A anulação ocorrerá em
caso de ilegalidade, e a revogação, em caso de interesse público decorrente de fato superveniente
devidamente comprovado.” In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São
Paulo: Atlas, 2009, p. 333.
531
GAVIL; KOVACIC; BAKER, 2008, p. 1049.
532
GAVIL; KOVACIC; BAKER, 2008, p. 1049.
533
GAVIL; KOVACIC; BAKER, 2008, p. 1049.
186
processo de decisão desses casos, os atos soberanos estrangeiros sejam
considerados válidos em sua própria jurisdição.
5.1.3 Outros possíveis argumentos
O que se observa também com o caso da OPEP, especialmente em razão
da análise realizada nos EUA, é que os réus não seriam capazes de tirar proveito de
outras teses especiais de defesa em um contencioso internacional envolvendo uma
base em direito antitruste.
Assim, veja-se a possibilidade de defesa com base no foreign sovereign
compulsion que pode oferecer um "porto seguro" para um Réu que tenha sido
obrigado a se engajar em atividades que violem a lei antitruste norte-americana.
A foreign sovereign compulsion doctrine foi enunciada no caso Interamerican
Refining Corp. v. Texaco Maracaibo, Inc.534, decisão em que se estabeleceu que as
pessoas de direito privado não podem ser responsabilizadas por seus próprios atos
quando a sua prática for imposta por um Estado:
Quando uma nação obriga uma prática comercial, as empresas não
têm outra escolha senão obedecer. Atos de negócio tornaram-se
efetivamente atos de soberania. O Sherman Act não confere
competência aos tribunais dos Estados Unidos sobre os atos
estrangeiros de soberania. Quando a coação não deixa defesa, as
empresas americanas no exterior diante de uma ordem do governo
teriam que escolher um país ou outro para fazer negócios.535.
Na prática foram poucas as aplicações da foreign sovereign compulsion
doctrine ou do Act of State doctrine no sentido de levar os tribunais dos EUA a
declinar de sua jurisdição. Analisa-se então se seria possível sustentar a prática na
OPEP, por exemplo, com base nesse argumento, em que pese somente se ter
encontrado uma decisão que foi bem sucedida, mas que, no entanto, ao final foi
rejeitada536.
534
USA. Interamerican Refining Corp. v. Texaco Maracaibo, Inc:, United States District Court for
the District of Delaware, 7 January 1970 (307 F . Supp. 1291).
535
Interamerican Refining Corp. v. Texaco Maracaibo, Inc, 1970, p. 1.298.
536
Nesse mesmo sentido, veja-se: WALLER, Weber. Redefining the foreign compulsion defense: The
Japanese Automobile Restraints and Beyond. 14. Law & Policy in International Business. 747,
1982. Ainda, de acordo com GAVIL, KOVACIC e BAKER: “Qualquer conforto que essa defesa possa
fornecer às empresas privadas que atuam sob as instruções de um estado, em razão disso, ela não
tem aplicação no âmbito da OPEP, onde estão em causa os comportamentos dos governos
estrangeiros”. (tradução livre) GAVIL; KOVACIC; BAKER, 2008, p. 1050.
187
Os acusados, envolvidos na OPEP, também poderiam levantar questões
baseadas na “cortesia” para fundamentar suas defesas. Entretanto, cumpre analisar
se a cortesia forneceria outra base (separada), para afastar esse tipo de petição nos
EUA.
Esse assunto necessariamente passa pela análise do caso Hartford Fire
Ins. Co. v. Califórnia, 509 U.S. 764 (1993). Nesse caso, o Tribunal, em uma decisão
apertada (05 votos a 04), pareceu limitar a aplicação da cortesia para aquelas
situações semelhantes à coação estrangeira, isto é, quando a lei estrangeira requer
a violação do Sherman Act.
No caso de um “conflito verdadeiro”, o Tribunal parecia disposto a permitir
balancear os interesses dos EUA com os interesses estrangeiros para determinar
qual jurisdição deveria analisar ou declinar. Assim, o Tribunal aparentemente
transformou o foreign compulsion em critério de equilíbrio ao invés de um argumento
completo que poderia eliminar outra defesa potencial para os países da OPEP em
futuros pleitos537.
5.1.4 Observações complementares sobre a OPEP
O caso da OPEP é realmente importante como exemplo para analisar as
diversas defesas diferenciadas que foram preparadas - ou que aparentemente
poderiam ser utilizadas - nos EUA, que possui um sistema antitruste considerado
maduro. Este caso reflete um pouco como as isenções em casos de antitruste são
complexas, ainda mais envolvendo o comércio exterior.
Assim, as teorias e argumentos que foram trazidos servem para contemplar
quando um caso poderia ser bem sucedido contra a OPEP ou até mesmo quando
um caso bem sucedido poderia ser do interesse dos EUA ou de qualquer outro país.
BECKER entende que mesmo na CE, o caso dos EUA contra a OPEP teria
tido resultado similar, mas por razões diferentes: porque os artigos 81 e 82 do
Tratado da CE aplicam-se somente aos empreendimentos. Entretanto, a noção de
“empreendimento” não é explicada pelo Tratado da CE.
Veja-se que, de acordo com o Tribunal de Justiça da CE, no contexto da
537
Veja-se no mesmo sentido: GAVIL; KOVACIC; BAKER, 2008, p. 1050.
188
legislação de defesa da concorrência “o conceito de empreendimento abrange
qualquer entidade engajada em uma atividade econômica, independentemente de
sua condição legal e da forma como é financiada”.538
Não obstante, o Artigo 10(1) e (2) do Tratado da CE dispõe que os EstadosMembros deverão tomar todas as medidas apropriadas para assegurar o
cumprimento das obrigações decorrentes do Tratado ou resultantes das medidas
tomadas pelas instituições da CE devendo, também, “abster-se de qualquer medida
que possa colocar em risco a consecução dos objetivos deste Tratado”.
De fato, os Estados-Membros não poderiam legislar de modo a colocar em
perigo a legislação concorrencial ou a própria concorrência. De acordo com o
Tribunal de Justiça da União Européia:
[...] 54. É o que se passa designadamente quando um EstadoMembro impõe ou facilita a celebração de acordos contrários ao
artigo 85. quando reforça os efeitos ou retira à sua própria legislação
o seu carácter estatal, delegando em operadores privados a
responsabilidade da tomada de decisões de intervenção em matéria
económica (acórdãos Van Eycke, n._ 16; Reiff, n._ 14, e Delta
Schiffahrts- und Speditionsgesellschaft).539
Embora seja possível a aplicação extraterritorial da legislação de
concorrência européia, a obrigação contida no Artigo 10 não se aplica aos países
estrangeiros que não são Estados-Membros, não sendo, portanto, aplicável ao caso
da OPEP. BECKER ainda explica que como essa obrigação é material, os estados
estrangeiros não podem estar nem direta, nem indiretamente, vinculados às
obrigações contidas nos Artigos 81, 82 do Tratado da CE540.
Entretanto, até se uma violação antitruste fosse encontrada de forma cabal
em meio a todas as exceções e teorias que poderiam ser usadas, aparentemente
ainda não haveria algum remédio efetivo relacionado aos efeitos da conduta da
OPEP à luz dos objetivos de reparação, compensação e punição, mesmo nessas
jurisdições mais maduras (EUA e CE). Em adição, ainda é difícil afirmar a real
538
“21 It must be observed, in the context of competition law, first that the concept of an undertaking
encompasses every entity engaged in an economic activity, regardless of the legal status of the entity
and the way in which it is financed and, secondly, that employment procurement is an economic
activity.” CE. Eur-Lex. Case C-41/90. Klaus Hofner and Fritz Elser v. Macroton GmbH. Judgment of
the Court of 23 april 1991.
539
CE. Eur-Lex. Case C-35/96. Commission of the European Communities v. Italian Republic, ECR I3851. Judgment of the Court (Fifth Chamber) of 18 June 1998
540
BECKER, 2007, p. 111.
189
possibilidade de imposição de uma decisão aos membros da OPEP e seus
oficiais/funcionários, considerando todos os pontos sensíveis ligados a esse caso.
Outro ponto controverso diz respeito a quem seria a melhor parte contrária
(Governos, consumidores, vários Estados?) em um caso contra a OPEP. Por fim,
considerando as ramificações institucionais para a aplicação do direito antitruste nos
EUA, se uma violação fosse identificada, mas nenhum remédio efetivamente fosse
encontrado ou fosse possível, esse prospecto aparentemente não ajuda a explicar o
desenvolvimento das doutrinas e teorias indicadas541, isto é, do Act of State e do
Foreign Sovereign Compulsion
5.2 A situação das isenções aos cartéis de exportação
Sobre as isenções dadas aos cartéis de exportação cabe mencionar estudo
realizado por LEVENSTEIN e SUSLOW que pesquisaram os dados referentes a
este assunto em 56 países. Os países selecionados englobam todos os países
membros da OCDE, os países da CE e alguns países em desenvolvimento
(conforme classificação do Banco Mundial).
Por meio dessa pesquisa, realizada em 2004, foi identificado que dos países
pesquisados, apenas 17 ofereciam aos exportadores envolvidos em cartéis de
exportação isenção nas leis nacionais de concorrência, enquanto 33 países não
tinham isenção antitruste para exportações em suas leis de concorrência, mas
isentavam essas atividades de forma implícita542.
As isenções aos cartéis de exportação foram classificadas em: i) isenções
explícitas, isenções implícitas e isenções não oficiais (ou não previstas em lei).
As isenções explícitas são criadas quando uma lei explicitamente exclui os
cartéis de exportação das normas substantivas considerando a finalidade da lei
antitruste.543 Existem dois tipos de isenções explícitas: a primeira requer notificação
541
Algumas das perguntas colocadas acima também são sugeridas, mas não respondidas, por
GAVIL; KOVACIC; BAKER, 2008, p. 1050.
542
LEVENSTEIN, Margaret C.; SUSLOW, Valerie Y. The Changing International status of export
cartels exemptions. Ross School of Business Working Paper Series. Working Paper Series n˚. 879.
University of Michigan, November 2004, p. 1.
543
LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 13.
190
ou autorização, enquanto a segunda dispensa essa formalidade. A notificação
geralmente requer uma permissão do governo para que as empresas participem da
prática, pois, sem essa permissão, haveria uma violação da lei nacional antitruste.544
Conforme se verá, a maioria dos países desenvolvidos está cada vez menos
tendente a conceder essas isenções de forma explícita. Contudo, isto não deve ser
interpretado como uma aceitação de que as isenções aplicadas aos cartéis
exportadores constituem práticas desleais, mas sim que a concessão implícita é
mais vantajosa estrategicamente545.
A isenção explicita tem com vantagem principal a transparência, pois não
apenas o público em geral, mas também os concorrentes e os “alvos” das condutas
podem ter acesso a essa informação e preparar medidas compensatórias. Da
mesma forma, a autoridade nacional pode supervisionar melhor as atividades dos
membros do cartel para ter certeza de que referido o cartel de exportação não
produz seus efeitos no mercado doméstico546.
Devido à falta de confidencialidade, as isenções oficiais, principalmente as
denominadas “explícitas” supostamente não teriam uma das características do que
seria tradicionalmente considerado como um cartel hard-core547. Entretanto,
conforme será visto a seguir, a questão é muito mais complexa.
5.2.1 O tratamento das isenções em diferentes jurisdições
No Canadá, a lei de concorrência traz um bom exemplo de isenção explícita
sem a necessidade de notificação. De acordo com a lei canadense, conluios
relacionados apenas à exportação de produtos provenientes do Canadá estão fora
do escopo da Lei antitruste.548
De qualquer forma, no Canadá, os exportadores podem perder o benefício da
isenção se o acordo resultar, ou tiver o potencial de resultar, em uma redução ou
544
LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 13.
Cf. BECKER, 2007, p. 112-113.
546
A necessidade de consentimento ou permissão pelo menos altera o ônus da prova para a
administração ou qualquer autor privado, porque a agência aceita ativamente o comportamento como
legal. Cf. BECKER, 2007, p. 113.
547
Essa opinião foi dada pelo governo dos EUA em reunião na OMC. Cf. WGTCP. Report on the
Meeting of 20-21 February 2003 - Note by the Secretariat, WT/WGTCP/M/21. May, 2003, p. 15.
548
CANADA. Competition Act, § 45 (5), 1986. Disponível em: <http://laws.justice.gc.ca/en/C-34/>.
Acesso em: 12 jun. 2010.
545
191
limitação “do valor real das exportações de um produto”.549 Como não há
necessidade de notificação, não foi possível, pela pesquisa realizada por
LEVENSTEIN e SUSLOW, avaliar quantos exportadores obtiveram a vantagem
desta isenção antitruste550.
Ocorre algo similar na Islândia, uma vez que também não é necessária a
notificação de cartéis de exportação. Trata-se de uma isenção explícita conforme
expresso na lei: “Esta lei não deve se aplicar aos acordos, termos ou ações os quais
somente tenham intenção de gerar efeito fora da Islândia”.551
Outro exemplo interessante é o da Austrália que, assim como os EUA,
permite que haja uma isenção explícita para cartéis de exportação, mas requer que
as empresas completem um requerimento para notificação para receber esta
imunidade. De acordo com os termos da lei, os exportadores australianos que
desejem a isenção da lei antitruste devem notificar ao governo seguindo os detalhes
do requerimento dispostos no Export and Trade Practices Act 1974552.
Veja-se que na Austrália, a lei de concorrência permite que haja uma isenção
automática das exportações, numa análise caso a caso, de acordo com o
preenchimento do requerimento. Assim, a isenção é possível e os critérios para a
permissão devem ser preenchidos dentro do que está disposto na própria Lei553.
549
Id. Ibid. O valor real (real value) é diferenciado do volume de exportações.
LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 14.
551
ISLANDIA. Competition Law. The Law Gazette A., nº 8/1993, As Amended by Law n° 24/1994,
83/1997, 82/1998, and 107/2-0 – (Ice.), Ch. I, Article 3. Disponível em: <http://www.samkeppni.is>.
Acesso em: 10 Jul. 2010.
552
“To obtain an exemption, section 51(2) (g) of the Act requires that: - the provisions of the contract,
arrangement or understanding relate exclusively to the export of goods from, or the supply of services
outside Australia. A provision in the same agreement between the exporter and overseas buyer, that
covers other aspects of export or supply (for example, a clause in the contract providing that the
exporter will transport the goods from the point of manufacture to the point of departure in Australia)
could be regarded by a court as being part of the export contract, - full and accurate details of the
provisions be provided to the ACCC, - these details be submitted to the ACCC within 14 days of the
contract, arrangement or understanding being made Exporters must give details of export
agreements to the ACCC by providing:- a full copy of the export agreement - a copy of the actual
relevant provision(s) of the export agreement or - details of the relevant provision(s) which may involve
conduct prohibited by the Act.” AUSTRALIA. Australian Competition and Consumer Commission.
Export agreements and the Trade Practices Act - Guide to the export agreement exemption in the
Trade Practices Act, April 2009, p. 3-4. Disponível em:<http://www.accc.gov.au/content
/item.phtml?itemId=545912&nodeId=9f39ba5b94adaca558c927983fff3bed&fn=Export%20agreements
%20and%20the%20Trade%20Practices%20Act.pdf> acesso em 12 jun. 2010.
553
A Lei dispões sobre “qualquer disposição de um contrato, acordo, ou entendimento relacionado
exclusivamente à exportação de bens da Austrália, ou ao fornecimento de serviços fora da Austrália
[...]”. Cf. AUSTRALIA. Exports and the Trade Practices Act Guidelines to the Commission's
approach to mergers, acquisitions and other collaborative arrangements that aim to enhance
exports and the international competitiveness of Australian industry, September 1997.
550
192
A Comissão Australiana de Concorrência e Consumo (Australian Competition
and Consumer Commission – ACCC) exclui das isenções explicitamente qualquer
acordo relacionado ao fornecimento ou precificação no mercado doméstico. De
acordo com as autoridades da Austrália, ao longo dos anos foram notificados mais
de 400 acordos de exportação à ACCC554.
Em Israel, também é necessário apresentar um requerimento, mas há
critérios diferenciados para obter-se uma isenção. De acordo com a política
israelense, estar engajado numa exportação é um fator a ser considerado para o
pedido de isenção, mas o governo israelense já apresentou documento à OCDE
explicando que mesmo os setores particulares não estão excluídos da aplicação das
leis de concorrência já que as autoridades constantemente se esforçam para
restringir e cancelar as isenções555. Quando há revisão do pedido de isenção, o
Tribunal Antitruste de Israel leva também em consideração questões de interesse
público556.
De acordo com o estudo de LEVENSTEIN e SUSLOW, a África do Sul e a
Tailândia, apesar de terem isenções explícitas, não chegam a utilizar efetivamente
Disponível em: <http://www.apeccp.org.tw/doc/Australia/Decision/audec1c.html>. Acesso em: 10 Jul.
2010.
554
Id. Ibid.
555
“In Israel, the existence of specific laws applicable to a particular sector does not exclude that
sector from the application of the competition Laws (see the discussion above regarding the "implied
immunity doctrine"). In addition, the IAA regularly advises government agencies and the Knesset on
competition and regulation issues and constantly strives to restrict and cancel exemptions from
competition laws. Thus, the recommended balance between the activity of the competition authority
and the activity of the regulatory authorities exists, in practice, in Israel.” OCDE. State of Israel.
Position of Israel Regarding OECD Instruments. Initial Memorandum, July 2008, p.24. Disponível
em:<http://www.oecd.org/dataoecd/7/48/41159203.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2010.
556
“10. Considerations of the Public Interest.
When considering the public interest for the purposes of this Chapter, the Tribunal shall take into
consideration, inter alia, the contribution of the restrictive arrangement to the issues listed below, and
whether the arrangement's expected utility to the public is substantially greater than the damage to the
public or to any part thereof, or to anyone who is not party to the arrangement; the issues are: (1)
Efficiency in the production and marketing of assets or services, assurance of their quality, or
reduction in their price to the consumer; (2) Assurance of a sufficient supply of assets or services to
the public; (3) Prevention of unfair competition by a person not party to the arrangement, which may
result in a reduction in competition for the supply of the assets or services in which the parties to the
arrangement are engaged; (4) Enabling the parties to the arrangement to obtain the supply of assets
or services on reasonable terms from a person who controls a considerable share of the supply of
such assets or services, or to supply assets or services on reasonable terms to a person Who controls
the purchase of a considerable share of the supply of such assets or services; (5) Prevention of
severe damage to an industry which is important to the national economy; (6) Safeguarding the
continued existence of factories as a source of employment in áreas in which substantial
unemployment may be created as the result of their closure or a reduction in their production; (7)
Improving the balance of payments of the State by reducing imports or reducing the price of imports or
by increasing exports and their feasibility”. ISRAEL. Restrictive Trade Practices Act, 1998 nº 5748, §
10. Disponível em:< http://www.antitrust.gov.il/Files/HPLinks/RTP%20Law.pdf> Acesso 22 jun. 2010.
193
essas isenções.557 As autoras identificaram que em julho de 2004, não havia isenção
em vigor. Contudo, no que diz respeito à Tailândia a situação mostra-se diferente
entre 2005 - 2010, conforme é possível ser observado na tabela abaixo:
TABELA 04 - Pedidos de Aprovação de Ações Concertadas558
(Application for concerted action approval)
ANO
2005
2006
2007
2008
2009
2010*
TOTAL – PEDIDOS
6
10
4
5
6
1
TOTAL – APROVADO
5
9
4
5
6
1
* Notificação realizada em janeiro de 2010, não constam novas
notificações até julho de 2010.
Tratando um pouco mais dos países europeus, veja-se que a lei de
concorrência na Irlanda traz um exemplo típico de isenção implícita para os cartéis
de exportação. De acordo com o Irish Competition Act of 2002, determinados
acordos que restringem ou distorcem a concorrência dentro da Irlanda são proibidos.
Entretanto, aqueles acordos entre empresas, ou decisões de associações de
empresas e práticas combinadas que tenham como objeto, ou efeito, impedir,
restringir ou distorcer da concorrência no comércio de bens e serviços “dentro do
país, ou em qualquer parte do país”, são proibidas e nulas.559 Veja-se que esta
isenção da Irlanda é considerada implícita justamente porque a lei não faz referência
aos acordos que tenham potencial de restringir ou distorcer a concorrência em
outros países.
Vale lembrar que existem países que não possuem isenções previstas em lei
(não oficiais). Esses casos são observados nas leis de concorrência que consideram
a fixação de preço como ilegal, mas não há definição exata do escopo geográfico do
mercado ou não há isenção explícita permitindo a fixação de preços nas atividades
557
LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 15.
Tabela elaborada com base nas informações da autoridade de Taiwan. TAIWAN. Fair Trade Law.
Statistics: Applications for Concerted Actions Approval. Disponível em: <http://www.ftc.gov.tw/upload/
b0b45bfb-f19c-4446-92d0-ffe4b5037f6d.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2010.
559
IRLANDA. Competition Act, 2002, nº 14 of 2002, Part 2, § 4 (1). Disponível em: <http://www.irish
statutebook.ie/2002/en/act/pub/0014/index.html>. Acesso em: 13 ago. 2010.
558
194
de exportação. Nessa categoria podem ser incluídas as leis de Luxemburgo, da
Rússia e da Tailândia.560 Por fim, vale mencionar que existem países que sequer
possuem legislação antitruste.
Conforme levantamento realizado em 2004, dos 56 países pesquisados, 33
possuíam isenções implícitas, 17 possuíam isenções explícitas561, 03 não possuíam
qualquer menção na legislação sobre isenções e 03 não possuíam sequer legislação
antitruste. Nesse sentido, vale observar a tabela abaixo:
TABELA 05 - Isenções a partir da Lei Nacional da Concorrência – Países
Selecionados
(Países em Desenvolvimento marcados com*)
PAÍS
(Ano de constituição da lei
em vigor)
Argentina* (1980)
Austrália (1974)
Áustria (1988)
Bélgica (1991)
Brasil* (1994)
Canadá (1986)
Chile* (1973)
China*
República Theca* (2001)
Chipre
Dinamarca (2002)
Egito*
Estônia*
Finlândia (1992)
França (1986, alterada em
1996)
Alemanha (1999)
Grécia (2000)
560
CLASSIFICAÇÃO DA
ISENÇÃO
NECESSIDADE DE
NOTIFICAÇÃO
Implícita
Explícita
Implícita
Implícita
Implícita
Explícita
Implícita
Implícita
Explícita
Implícita
Implícita
Não há leis com matérias
concorrenciais relevantes
Implícita
Explícita (vis-à-vis, não
observados os Estados
membros da União Européia
Explícita
Não
Sim
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
-
Implícita
Implícita
Não
Não
Não
Não
Não
LEVENSTEIN; SUSLOW. 2004, p. 17.
Na década de 1990 cerca de um terço dos países que possuíam isenções explícitas tinham
exigência de notificação. WALLER observou, em 1988, que países como o Japão, a Alemanha e o
Reino Unido possuíam mecanismos de registro dos acordos, sem contar os EUA. Cf. WALLER, 1989,
p. 109-110.
561
195
Hong Kong562
Hungria* (1996)
Islândia
Índia* (2002)
Indonésia*
Irlanda (2002)
Israel (1988)
Itália (1990)
Japão (1947, alterada em
1997)
Quênia* (1988)
Coréia do Sul (1980)
Letônia*
Lituânia*
Luxemburgo
Malta
México* (1993)
Holanda (1998)
Nova Zelândia (1986)
Noruega (1993)
Paquistão* (1970)
Polônia*(1990)
Portugal (1993)
Rússia*
Cingapura563
562
Não há leis com matérias
concorrenciais relevantes
Implícita
Explícita
Explícita
Explícita
Implícita
Explícita
Implícita
Implícita
Não
Não
Não
Não
Não
Sim
Não
Não
Implícita
Implícita
Implícita
Explícita
Não há lei de isenção
Implícita
Explícita
Implícita
Explícita
Explícita
Implícita
Implícita
Implícita
Não há lei de isenção
Não há leis com matérias
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Sim
Não
Não
Não
Não
-
O Secretário de Comércio e Desenvolvimento Econômico de Hong Kong, Gregory So, havia
destacado, em março de 2009, o plano do governo de introduzir a lei de concorrência na Hong Kong
Polytechnic University durante a Quarta Conferencia Sobre Lei e Política de Concorrência na Ásia
(Fourth Asian Competition Law and Policy Conference) que foi realizada em 09 de Dezembro de
2010. Entretanto, a lei ainda não está em vigor até o momento. Disponível em:
<http://www.asialaw.com/Article/2121786/Search/Results/Financial-crisis-should-not-delay-HK-compet
ition-law.html?Keywords=Hong+Kong%3b+Competition+Law%3b+Delay&OrderType=1>. Acesso em:
10 ago. 2010. Veja-se que, em 28 de Junho de 2010, o Secretário de Comércio e Desenvolvimento
Econômico confirmou que o Governo está em processo de consulta com mais de 500 órgãos
estatutários para tratar de cada situação de acordo com a Lei da Concorrência. HONG KONG. Hong
Kong Competition Law. Informed Commentary on Competition Law and Policy in Hong Kong,
Thursday, 15 July 2010. Disponível em: <http://hkcompetitionlaw.com/2010/07/15/ competition-bill-10which-statutory-bodies/>. Acesso em: 10 ago. 2010.
563
Quando foi elaborada essa tabela pelas autoras LEVENSTEIN e SUSLOW não havia lei de
concorrência em Cingapura. Entretanto desde outubro de 2004 há Lei antitruste em Cingapura:
“27.1.1 The Competition Act 2004 (‘the Act’) was passed by Parliament on 19 October 2004. It is
largely modeled on the UK Competition Act 1998. The objective of the Act is to promote the efficient
functioning of Singapore’s markets and hence enhance the competitiveness of the economy.” Sobre
as isenções aos cartéis de exportação, verifica-se que se trata de uma isenção “implícita”. A Lei
estabelece o seguinte: “Exclusions under the Third Schedule: 27.2.13 The following matters are
specified in the Third Schedule as being excluded from the Section 34 and 47 Prohibitions: (a)
activities relating to services of general economic interest or having the character of a revenueproducing monopoly; (b) activities needed to comply with legal requirements or to avoid conflict with
international obligations; (c) activities which arise from exceptional and compelling reasons of public
policy such as national security, defence and other strategic interests; (d) activities which already have
sector-specific competition frameworks; and (e) specified activities, some of which are carried out by
persons licensed and regulated under various Acts. The specified activities are (i) the supply of
ordinary letter and postcard services; (ii) the supply of piped potable water; (iii) the supply of
wastewater management services; (iv) the supply of scheduled bus services; (v) the supply of rail
services; (vi) cargo terminal operations; (vii) the clearing and exchanging of articles undertaken by the
196
República da Slovaca*
(2001)
África do Sul* (1998)
Espanha (1989)
Siri Lanka* (1987, 2003)
Suécia (1994)
Suíça (1995)
Taiwan (1992)
Tanzânia* (1994)
Tailândia*
Turquia* (1994)
Reino Unido (1998)
Estados Unidos (1890)
Uruguai* (2000)
Venezuela* (1992)
Zâmbia* (1994)
concorrenciais relevantes
Explícita
Não
Explícita
Implícita
Implícita
Implícita
Implícita
Explícita
Implícita
Não há lei de isenção
Implícita
Implícita
Explícita
Implícita
Implícita
Implícita
Sim
Não
Não
Não
Não
Sim
Não
Não
Não
Sim
Não
Não
A tabela acima ilustra que não existe um padrão na adoção de isenções aos
cartéis de exportação, ou seja: ora são implícitas, ora são explícitas, ora não há
nada previsto. Ao mesmo tempo, a maior parte dos países não tem um
levantamento de informações consistente sobre essas atividades, o que dificulta
uma análise mais profunda das condutas.
BECKER entende que, ao abandonar as isenções explícitas sem ajustar o
alcance substantivo da legislação concorrencial doméstica, não se está fazendo
nenhuma
declaração
pró-competitiva
sólida
em
favor
dos
mercados-alvo
564
potenciais
. De fato, ao abandonar procedimentos de notificação ou registro das
isenções dos cartéis exportadores há menor grau de transparência, o que prejudica
as autoridades concorrenciais dos países “alvo” que poderiam se beneficiar dessa
informação para monitorar as atividades desses cartéis.
Dessa forma, é por essa razão que BECKER defende que seria desejável
que, no caso de um país oferecer tais isenções (caso não haja uma norma
internacional que o impeça de assim agir), que estas sejam então explícitas, em prol
da transparência565.
É importante dizer que nos últimos dez anos alguns países modificaram suas
leis de concorrência e acabaram eliminando as isenções explícitas aos cartéis de
Automated Clearing House established under the Banking (Clearing House) Regulations; and (viii)
any activity of the Singapore Clearing Houses Association in relation to its activities regarding the
Automated Clearing House.” (destaques no original). CINGAPURA. Competition Law. Disponível em:
<http://www.singaporelaw.sg/content/CompetitionLaw.html>. Acesso em: 15 jun. 2010.
564
BECKER, 2007, p. 113.
565
BECKER, 2007, p. 113
197
exportação, tais como: Alemanha, Hungria, Japão, Coréia, Holanda, Suécia, Suíça e
Reino Unido566.
Por traz dessas alterações, obviamente existe uma questão de
convergência em relação aos países membros da CE. Na CE, de acordo com o novo
regime estabelecido pelo Regulamento do Conselho 1/2003567, as isenções
explícitas não se enquadram no sistema de aplicabilidade direta do Artigo 81(3) do
Tratado da CE.
Ainda, vale dizer que, em 1º de maio de 2004, a CE passou a ter novos
Estados-membros que também estão procurando adequar suas legislações às leis
da CE568. Observa-se, inclusive, que até mesmo a Turquia, que sequer possuía lei
de concorrência até 1994, adotou uma lei nos termos da CE (ou seja, adotando
isenção implícita aos cartéis de exportação) justamente porque objetiva ingressar
como Estado-membro no futuro.569
Na Alemanha, antes de 1999, havia permissão aos cartéis de exportação
puros depois de satisfeito o requerimento de notificação. Também era permitido que
existissem cartéis de exportação mistos em circunstâncias limitadas570. Assim, entre
566
Nesse sentido veja-se: LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 18.
“In particular, there is a need to rethink the arrangements for applying the exception from the
prohibition on agreements, which restrict competition, laid down in Article 81(3) of the Treaty. Under
Article 83(2)(b) of the Treaty, account must be taken in this regard of the need to ensure effective
supervision, on the one hand, and to simplify administration to the greatest possible extent, on the
other. The centralised scheme set up by Regulation No 17 no longer secures a balance between
those two objectives. It hampers application of the Community competition rules by the courts and
competition authorities of the Member States, and the system of notification it involves prevents the
Commission from concentrating its resources on curbing the most serious infringements. It also
imposes considerable costs on undertakings. (4) The present systemshould therefore be replaced by
a directly applicable exception systemin which the competition authorities and courts of the Member
States have the power to apply not only Article 81(1) and Article 82 of the Treaty, which have direct
applicability by virtue of the case-law of the Court of Justice of the European Communities, but also
Article 81(3) of the Treaty.” CE. COUNCIL REGULATION (EC) No 1/2003 of 16 December 2002 on
the implementation of the rules on competition laid down in Articles 81 and 82 of the Treaty. Official
Journal of the European Communities. L 1/1, 4.1.2003.
568
Desde 2005 os debates para a entrada da Turquia na CE seguem lentamente em razão da disputa
com Chipre (Estado-membro da CE). Alemanha, Grécia, França e a Austria já se manifestaram no
sentido de que há diferenças culturais e outras questões que justificariam a oposição. Existem
argumentos em relação aos direitos humanos, ao fato de tratar-se do maior país muçulmano e outras
questões históricas. Por outro lado, os apoiadores da entrada da Turquia apontam a importância
desse país em razão do seu papel no Oriente Médio, especialmente no que diz respeito ao controle
do potencial energético. Veja-se também: BARCHARD, David. Turkey and the European Union.
Working Draft of a future pamphlet from the CER (Center for European Reform). Disponível em:
<http://www.cer.org.uk/pdf/p093_turkey.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2010.
569
LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 18.
570
ALEMANHA. The Bundeskartellamt. Act Against Restraints of Competition, § 1º, 6th
Amendment, 1999. Disponível em: <http://www.bundeskartellamt.de/wEnglisch/index.php>. Acesso
em: 10 dez. 2009.
567
198
1958 e 1999, 130 exportadores receberam isenção com base no procedimento
estabelecido na Alemanha.
Houve em 1999, uma alteração da GWB para afastar as isenções explícitas
dos cartéis de exportação “considerando os esforços mundiais para combater
restrições transfronteiriças à concorrência.”571 Veja-se que a Alemanha não excluiu
todas as isenções, uma vez que acordos para uniformizar a aplicação de padrões,
cartéis especializados, cartéis estruturais de crise ou cartéis de exceção
continuaram tendo isenções.572
No Reino Unido, até 1998 os cartéis de exportação eram permitidos após
notificação à autoridade responsável (Director General of Fair Trading), contudo
essa isenção foi eliminada e mantida em 2004, quando houve emendas para
criminalizar os cartéis hard core que afetavam o mercado do Reino Unido.573
Uma das razões para as alterações que ocorreram refere-se à existência de
um grande número de isenções para cartéis que eram permitidos pelo Restrictive
Trade Practices Act of 1973574. Havia também uma preocupação no Reino Unido
com relação à antiga lei antitruste, pois esta orientava o registro dos cartéis, mas
não trabalhava para a prevenção dos mesmos575. Na Holanda e na Suécia, assim
como na Suíça, as adequações ocorreram no sentido de haver convergência dentro
da Europa576.
É interessante observar que o Japão também adotou alterações seguindo
orientações similares ao que ocorria na Europa, apesar de aparentemente isto não
ter qualquer relação direta com as alterações propostas na Europa.
571
RUDO,
Joachim.
The
1999
Amendments
to
the
German
Act
Against
Restraints of Competition. Disponível em: <http://www.rudo.de/new/main_ga_commentsonthe.htm>.
Acesso em: 14 Ago. 2010.
572
LEVENSTEIN; SUSLOW. 2004, p. 19.
573
LEVENSTEIN; SUSLOW. 2004, p. 19.
574
PRATT, John H. Changes in UK Competition Law: A wasted opportunity, v.15, n.° 2. European
Competition Law Review 1994, p. 89-90.
575
PARKER, David. The competition act of 1998: change and continuity in UK competition policy.
Journal of Business Law, July, 2000, p. 285-286. Veja-se que as leis anteriores no Reino Unido não
traziam métodos relevantes (significativos) de execução de penalidades e a última lei não exigia o
registro de um cartel de exportação se apenas uma empresa (membro do cartel) concordasse em
restringir a sua conduta. LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, nota 74, p. 19.
576
OCDE. Export Cartels: Report of the Commttee of Experts on Restrictive Business
Practices, 1974, p. 36-42.
199
Assim como a Alemanha, o Japão teve bastante experiência ao longo da
história no sentido de encorajar a cooperação entre as empresas exportadoras577.
Até 1997, a lei de concorrência do Japão permitia que os cartéis de exportação
puros entrassem em acordo sobre preço, quantidade, qualidade, ou design, desde
que notificados ao Ministro da Indústria e de Comércio Internacional (Minister of
International Trade and Industry – MITI). Essa notificação deveria ocorrer entre os
dez dias da conclusão de referido acordo578.
Entre 1992 e 1995, 17 dos 28 cartéis de exportação no Japão foram abolidos
enquanto muitos também tiveram redução do seu escopo.579 Apenas três anos
depois, o número de isenções de cartéis de exportação caiu apenas para 2, ou seja,
9 dos 11 cartéis de exportação foram abolidos desde 1995580.
Tanto o Japão (Ominibus Act to Repeal and Reform Cartels and Other
Systems Exempted from the Application of the Antimonopoly Act under Various Laws
– “Ominibus Act”) quanto a Coréia (Omnibus Cartel Repeal Act – the Act on
Regulating Undue Concerted Activities from the Application of the Monopoly
Regulation and Fair Trade Act) criaram leis abrangentes para evitar inúmeras
isenções explícitas aos cartéis de exportação581. Na coréia, em 1999, houve a
exclusão da permissão da maioria dos cartéis de exportação582.
Os exemplos citados acima demonstram que, nos últimos anos, tem havido
um esforço para eliminar as isenções explícitas assim como para reduzir o número
577
LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 19.
JAPÃO. Export and Import Trading Act, Law nº 299, 1952.
579
WTO. Trade Policy Review of Japan PRESS/TPRB/5, 29/03/1995. Disponível em:
<http://docsonline.wto.org/>. Acesso em: 14 Ago. 2010.
580
WTO. Trade Policy Review - Japan - Report by the Secretariat, WT/TPR/S/32, 05/01/1998, p. 17.
Disponível em: <http://docsonline.wto.org/> Acesso em: 14 Ago.2010.
581
Aliás, vale ressaltar que em documento da OMC o Japão manifestou sua simpatia com a idéia de
regras multilaterais que tratem dos cartéis de exportação, por entender que tratam-se de clara
distorção ao comércio internacional: “[...] a multilateral framework could be particularly useful in
assisting Members to address a number of specific issues that currently were the subject of discussion
or otherwise merited attention. Two such issues were: (i) the problem of overlapping jurisdiction and
the lack of harmonized procedures for the review of mergers with international implications, which
imposed significant administrative costs and sometimes led to the abandonment of potentially
beneficial mergers; and (ii) export cartels. Since the latter constituted a clear distortion of international
trade, they would seem to fall clearly within the mandate of the WTO [...].” WTO. WGTCP. Report on
the Meeting of 2-3 October 2000 - Note by the Secretariat, WT/WGTCP/M/12, 08 Nov. 2000, p. 3
Disponível em: <http://docsonline.wto.org/>. Acesso em: 14 ago. 2010.
582
LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 21.
578
200
de isenções dadas aos cartéis de exportação, de modo a tornar a lei política de
concorrência mais consistente583.
De acordo com WALLER:
A idéia de notificação e registro de cartéis de exportação numa base
internacional é igualmente tentadora, mas imperfeita. Transparência
é um objetivo valoroso, mas fora de uso, primeiro e principalmente,
como um instrumento de detecção e erradicação de restrições
anticompetitivas e não deve ser usado como uma justificativa para
suas perpetuações.584
WALLER ainda é mais rigoroso ao reforçar que o melhor seria que os cartéis
de exportação sejam considerados como cartel internacional tradicional, uma vez
que uma distorção imprópria da concorrência no comércio internacional deveria ter
uma condenação e proibição universal585.
Veja-se que WALLER fez essas ponderações acerca de 20 anos. Atualmente,
alguns países estão, de fato, tomando medidas mais agressivas tanto em relação
aos cartéis nacionais, como aos cartéis internacionais, mas principalmente aos
denominados hard-core.
Para LEVENSTEIN e SUSLOW, circunstâncias e políticas que promovam
cartéis fora dos respectivos países que condenam cartéis nacionalmente seriam
inconsistentes e contrárias ao espírito de cooperação internacional586.
As autoras consideram que a elaboração de leis nacionais de concorrência
que apenas banem as atividades que prejudicam a concorrência em âmbito
nacional, mas deixam um vácuo em relação aos cartéis de exportação, não
resolvem o problema. Com a eliminação de notificações e requerimentos que
solicitem a isenção, há, ao mesmo tempo, a redução de informações sobre as
atividades dessas cooperações entre empresas que podem afetar diversos
mercados587.
583
LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 21.
WALLER, Spencer Weber. The ambivalence of United States Antitrust Policy Towards Singlecountry Export Cartels. Northwestern Journal of International Law & Business, v. 98, 1989, p.
111-112.
585
WALLER, 1989, p.113.
586
LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 21. Veja-se nesse mesmo sentido, KROL, 2007, p. 185.
587
LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 24-25.
584
201
TABELA 06 - Número de isenções para cartéis de exportação em vigor entre
1980 – 2003588
ANO
AUSTRALIA589
ALEMANHA
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
4
7
6
8
13
4
0
6
3
2
1
1
1
12
5
7
2
2
2
0
6
4
4
4
266
190
JAPÃO
EUA (WPA)
36
28
11
234
36
36
EUA (ETC)
2
0
11
40
59
69
83
96
109
120
123
132
135
144
150
153
151
149
148
152
154
155
22
15
11
12
13
12
5.3 A situação dos cartéis de exportação no contexto internacional
Conforme se viu nos capítulos acima, a situação jurídica dos cartéis de
exportação está ficando cada vez mais ambígua, ao mesmo tempo em que existem
poucas informações sobre essas condutas, tais como: quem participa, quais são as
atividades, onde eles agem e quais são seus objetivos.
588
Tabela preparada com base nos dados pesquisados por LEVENSTEIN, SUSLOW, 2004, p. 28.
Os números referentes à Austrália não são comparáveis aos outros países, pois isenções são
concedidas em casos individuais. Dessa forma, esses números representam casos isentos de cada
ano (um fluxo), mas não o número de cartéis de exportação em vigor (número consolidado).
589
202
Algumas questões precisariam ter o mínimo de clareza para que a conduta
fosse avaliada. Há uma questão que precisa ser respondida, no sentido de qual
seria a melhor política de concorrência e quais seriam os melhores mecanismos de
que viabilizariam efetiva regulação dessas condutas. Alguns autores indicam que a
adoção de políticas extraterritoriais pelos governos nacionais seria um caminho,
outros apostam na cooperação internacional.
A adoção de políticas extraterritoriais costuma ser utilizada como uma
resolução mais óbvia porque qualquer país que proíba cartéis em seu mercado
doméstico poderia combater cartéis de exportação que tenham efeito em seu
território. Entretanto, existem problemas na aplicação de soluções extraterritoriais,
conforme se viu no capítulo 4.2.
LEVENSTEIN e SUSLOW acreditam que o aumento da cooperação
internacional seria uma solução preferível e mais efetiva. As autoras defendem,
inclusive, que esta cooperação poderia se dar por meio da ICN com o
compartilhamento de informações entre as autoridades de concorrência.590 No
entanto, as autoras também indicam que o meio mais forte de cooperação
internacional seria com uma autoridade antitruste internacional com jurisdição sobre
atividades colusivas direcionadas aos mercados exteriores591.
De forma complementar, HOEKMAN e MAVROIDIS entendem que em um
mercado mais integrado e global não haveria necessidade de distinção entre as
atividades nacionais e o mesmo tipo de atividade direcionada ao mercado de
exportação592.
De fato, se há consenso de que a prática de fixação de preços prejudica os
consumidores, a conclusão seria de que as isenções à exportação ao beneficiar a
nação exportadora, ao mesmo tempo, prejudicam os consumidores estrangeiros. Ou
seja, essa política praticamente motiva um enriquecimento de determinadas nações
à custa de seus parceiros comerciais.
BECKER entende que seria no mínimo questionável, senão imoral, que um
país permita ou apóie um determinado comportamento, que é proibido no mercado
590
LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 22.
LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 22.
592
HOEKMAN; MAVROIDIS, 2003, p. 19.
591
203
doméstico, em detrimento dos estados estrangeiros593. Contudo, parece haver
consenso de que os cartéis internacionais impõem severos custos aos países
importadores, na medida em que transferem os ganhos dos consumidores para o
exportador594.
Há também um argumento que é politicamente e economicamente
questionável de que os cartéis exportadores estimulam a circulação das
importações, mas os defensores das isenções concordam que esses cartéis não são
mais do que uma simples tentativa de aumentar o bem-estar social doméstico a
expensas do bem-estar dos consumidores no mercado-alvo.
Como conseqüência, os governos, assim como os doutrinadores tem tentado
desenvolver argumentos sofisticados para tratar da permissibilidade relacionada aos
cartéis de exportação, mas basicamente esses argumentos estão concentrados em
torno da promoção da eficiência e do bem-estar595.
Com relação a esses aspectos, os EUA em particular alegam que os cartéis
de exportação teriam efeitos pró-competitivos ao facilitar a entrada de novos
concorrentes estrangeiros no mercado “alvo”. Contudo, é preciso questionar se uma
abordagem excessivamente generosa de apoio aos cartéis de exportação não tem
como resultado o desenvolvimento do aumento das posições dominantes ou outras
de estruturas anticompetitivas dentro do mercado “alvo”, afetando principalmente os
consumidores do mercado de exportação.
Veja-se, que como todos os cartéis, os cartéis de exportação têm outros
efeitos tipicamente negativos, tais como o atraso do progresso técnico e o aumento
dos custos para os consumidores596.
A possibilidade de isenções referentes aos cartéis de exportação em um país
pode incentivar outros países a também permitirem a formação de cartéis de
593
O autor ainda explica que a alegação mais óbvia contra os cartéis de exportação é que seus
membros buscam ganhos monopolísticos que precisam ser satisfeitos pelos consumidores
estrangeiros que pagam preços acima do nível competitivo. Cf. BECKER, 2007, p. 115.
594
TREBILCOCK, M. J.; HOWSE, Robert. The regulation of international trade. 3 ed. London:
Routledge. 2005, p. 602.
595
BATTACHARJEA, 2004, p. 347, e também: LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, passim. De acordo
com uma publicação do governo norte-americano, as empresas cooperadoras podem se beneficiar
de pesquisas de mercados conjuntas, exposições comerciais, propaganda, financiamento e juros,
além de atividades de treinamento. Nesse aspecto, as isenções dos cartéis de exportação têm o
potencial de ajudar empresas que tipicamente carecem dos recursos para se engajar em uma
atividade de exportação efetiva quando agem sozinhas. Cf. BECKER, 2007, p. 115.
596
Cf. IMMENGA, 1994, p. 126.
204
exportação. Isso significa uma desvantagem para os países que não possuem a
correspondente vantagem597.
Assim, BECKER defende que as isenções dos cartéis de exportação levam a
uma espiral descendente de medidas anticompetitivas e incentivam a aplicação de
medidas compensatórias dos governos e participantes do mercado. O autor entende
ainda que:
[...] as isenções explícitas referentes apenas à extraterritorialidade
dos efeitos causados pela conduta não podem satisfazer a
necessidade de analisar os possíveis efeitos da eficiência. Assim, a
sugestão de remover as isenções dos cartéis de exportação remedia
unicamente a existência das isenções explícitas dos cartéis de
exportação.598
Em um contexto internacional, deixar a regulação dos cartéis de exportação
apenas para as leis nacionais não seria adequado e muito menos evitaria eventuais
distorções ao comércio em todos os casos.
Assim, a idéia a ser defendida neste estudo é a de que um acordo multilateral
que trate das isenções seria o modo ideal para melhorar o bem-estar dos
consumidores por meio de uma política global. Conforme já visto, a cooperação
internacional na esfera da política de concorrência requer o respeito às soberanias
nacionais e aos diferentes níveis de desenvolvimento e de efetividade das leis
nacionais de defesa da concorrência.
5.4 Breves considerações sobre o tema no direito brasileiro
No Brasil, conforme visto, os cartéis de exportação seriam aparentemente
permitidos implicitamente pela Lei 8884/94. Conforme se explicou na primeira parte
deste estudo, não houve ainda um caso julgado pelo CADE que tenha tratado dessa
conduta, mas há um caso analisado sob o aspecto estrutural que se mostra
interessante, apesar de ter sido decidido há mais de 10 anos.
Segundo levantamento jurisprudencial realizado para o presente estudo, o
caso analisado pelo CADE que mais se aproxima de um cartel de exportação, com
base na terminologia e nas classificações ora adotadas, foi a constituição de duas
597
598
IMMENGA, 1994, p. 96.
BECKER, 2007, p. 118.
205
sociedades: a Brasil Álcool S.A., formada pelas 84 empresas responsáveis por toda
produção de álcool do Brasil, em 1999; e a Bolsa do Álcool, por meio da qual se
garantiria a unificação da comercialização do produto no Brasil599.
O objeto social da Brasil Álcool S.A. seria “a comercialização, no mercado
nacional e internacional, de álcool carburante anidro e hidratado e de açúcar, pelo
período de três anos, prorrogáveis por tempo indeterminado”.600 Os fundamentos
econômicos gerais utilizados pelas partes para sustentarem a aprovação do negócio
como um todo podem ser sintetizados, principalmente, na existência de um contexto
de crise no setor sucro-alcooleiro no Brasil que demandava uma auto-regulação em
tal profundidade que tornava essencial a unificação da oferta de açúcar e álcool
(principalmente de álcool) em uma única empresa, sendo que a Bolsa do Álcool
seria responsável pela formação dos preços tanto para mercado doméstico, como
para o mercado internacional (ou seja, para exportação).
599
Voto do Conselheiro-Relator, João Bosco Leopoldino da Fonseca, no Ato de Concentração n.
08012.002315/99-50, cujas Requerentes foram: Copersucar Armazéns Gerais S/A, Usina da Barra
S/A Açúcar e Álcool, CIA Energética Santa Elisa, Açucareira Corona S/A, Destilaria Andrade S/A,
Açúcar e Álcool Oswaldo Ribeiro de Mendonça Ltda., CIA Açucareira Vale do Rosário, Irmãos
Francechi Agrícola Ind. e Com. Ltda, Usina Nova América S/A, Fundação de Assistência Social Sinhá
Junqueira, Vale do Verdão S/A Açúcar e Álcool, Usina Costa Pinto S/A Açúcar e Álcool, Santa
Cândida Açúcar e Álcool Ltda, Usina da Barra S/A, Usina Nerdini Ltda., Usina Bazan, Usina Mandu
S/A, Destilaria Viralcool Ltda, Usina de Açúcar e Álcool MB Ltda., Cooperativa Agricola dos
Produtores de Cana de Campos Novo dos Parecis Ltda., Destilaria Pitangueiras Ltda., Usina
Açucareira Guaíra Ltda., usina Maracaí S/A Açúcar e Álcool, Usina Central Paraná S/A Agricultura
Industrial, Usina Alto Alegre S/A Açúcar e álcool, Usina Santa Helena S/A Açúcar e Álcool, Usina
Moema Açúcar e álcool Ltda., CIA Agricola sonora Estância, Usina Açucareira da Serra S/A,
Univalem S/A Açúcar e álcool, Usina Brasilândia Açúcar e álcool Ltda., Usina alta Mogiana S/A
açúcar e Álcool, Unialco S/A Açúcar e álcool, C<mércio e Indústria de Cana de Açúcar e Álcool Ltda.,
Álcool Azul S/A, Destilaria Flórida Paulista Ltda., Jalles Machado S/A Açúcar e Álcool, Açúcar Guarani
S/A, Destilaria General S/A, Benalcool Açúcar e álcool S.A, Ferrari Agro-Indústria Ltda., Cooperativa
Agrícola regional de Produção de Cana Ltda, Branco Peres Álcool S/A, Central de Álcool de Lucélia
S/A, Destilaria de Álcool Nova Avanhandava Ltda., Destilaria Paraguaçu Ltda, Açucareira Bortolo
Carolo S/A, Agro Industrial Passa Tempo S/A, Destilaria Pioneiros S/A, Vale do Rio Turvo, Alcoeste
Destilaria Fernandópolis S/A, Cooperativa Agricola de Prod. de Cana do Vale do lvaí Ltda, Usina
Delta S/A Açúcar e Álcool, Central Paulista açúcar e Álcool Ltda., Usina Santo Ângelo Ltda.,
Goiatuba álcool Ltda., Usina Santa Helena de Açúcar e Álcool S/A, Destilaria santa Fany Ltda.,
destilaria Melhoramentos S/A, Destilaria de álcool Califórnia Ltda., Irmãos Tonielo Ltda., Jardest S/A
Açúcar e Álcool, Destilaria Alvorada do Bebedouro Ltda, Destilaria Londra Ltda., Usina de açúcar e
Álcool Goioerê Ltda., Usina Alta Floresta S/A Açúcar e Álcool, Agricola, Industrial e Comercial Paraíso
Ltda, Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de Nova Londrina Cooperativa Agroindustrial de
Rubiataba Ltda., F.B. Açúcar e Álcool Ltda., Destilaria Pau D'alho S/A, Vale do lvaí S/A Açúcar e
Álcool, Destilaria Guaricanga S/A, Companhia Albertina Mercantil e Industrial, Centroálcool S/A, Usina
Pantanal de Açúcar e álcool Ltda., Usina Jaciara S/A, Bertollo & CIA. Ltda, Cooperativa Agrícola dos
Produtores de Cana de Rio Branco Ltda, Usina Monte Alegre Ltda, Açúcar Álcool, Destilaria WD
Ltda., Sociedade Açucareira Monteiro de Barros Ltda, Santa Fé Agro-Indústria Ltda, Central
energética
Vale
do
Sapucaí
Ltda.
Disponível
em:
<http://www.cade.gov.br/temp/D_
D000000171891451.pdf> Acesso em 20 Ago.2010, p. 63.
600
BRASIL. CADE. Ato de Concentração n. 08012.002315/99-50, cujas Requerentes foram:
Copersucar Armazéns Gerais S/A et. all. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/temp/D_
D000000082831510.pdf>. Acesso em: 20 Ago. 2010.
206
A racionalidade econômica específica utilizada pelas partes para sustentar
juridicamente a unificação da oferta de açúcar e álcool para o mercado doméstico
seria fazer frente à oferta informal existente no país, a qual, por não respeitar a
legislação aplicável (sobretudo tributária), acabava por sucatear o setor sujeitando-o
a iminente colapso, o qual equivaleria à extinção do mercado brasileiro601.
Por essa razão, argumentava-se que, por exemplo, a unificação da oferta
para elevação dos preços em patamares que remunerariam os investimentos,
realizados pela iniciativa privada na cadeia industrial, geraria benefícios aos
consumidores brasileiros, o que equivaleria a eficiências econômicas, e poderia ser
enquadrado
na
hipótese
de
preponderante
interesse
nacional.
No
plano
internacional, a operação teria fundamento na “canalização de esforços dos
produtores para escoar o excedente do mercado brasileiro de álcool combustível
(anidro e hidratado), mediante a conquista de novos mercados.”602
Segundo as classificações dos tipos de cartéis de exportação adotadas neste
estudo, esse caso poderia até ser enquadrado no tipo de cartel de exportação misto
(com efeitos no mercado interno e externo), todavia, o CADE entendeu que se
tratava de uma hipótese de “cartel de crise” e, nesse sentido, decidiu por
unanimidade, rejeitar o negócio no âmbito do controle de estruturas (artigo 54 da Lei
n. 8.884/94).
A título de elucidação, três dos sete Conselheiros que participaram do
julgamento do caso, dentre os quais o Conseheiro-Relator, foram vencidos no
tocante a recomendar à SDE/MJ a abertura de Processo Administrativo pela prática
de cartel contra as partes da operação submetida ao SBDC para análise, no âmbito
do controle de estruturas.
Em adição, vale observar que a mesma argumentação utilizada pelo CADE
para classificar a operação como um “cartel de crise” e sustentar seu veto como Ato
de Concentração (calcada na jurisprudência internacional603), fora utilizada pelo
601
BRASIL. CADE. Relatório do Conselheiro-Relator, João Bosco Leopoldino da Fonseca. Ato de
Concentração n. 08012.002315/99-50, p. 4.
602
BRASIL. CADE. Relatório do Conselheiro-Relator, João Bosco Leopoldino da Fonseca. Ato de
Concentração n. 08012.002315/99-50, p. 4.
603
Os casos utilizados como base se referiram à hipótese de cartéis de crise no âmbito: da Espanha
(decisões do Tribunal de Defesa da Concorrência da Espanha – Resoluções 312/92, 322/93, 324/92
e 376/96); dos EUA (decisões da Suprema Corte – Appalachian Co. v. US 1933, Soccony-Vacuum v.
US 1940); e da União Européia (Decisões 72/22/CEE 1971, 92/204/CEE 1962). In. BRASIL. CADE.
207
Relator do caso para sugerir a abertura de investigações pela prática de cartel e
posterior punição dos envolvidos.
Relatório do Conselheiro-Relator, João Bosco Leopoldino da Fonseca. Ato de Concentração n.
08012.002315/99-50, p.83-92.
208
6 A MULTILATERALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA E O
TRATAMENTO DOS CARTÉIS DE EXPORTAÇÃO
As
normas jurídicas
são
criadas
para atender certas finalidades.
Considerando os limites territoriais e os próprios princípios de direito internacional, a
legislação concorrencial nacional tem a finalidade de regular apenas os mercados
domésticos, já que a proteção de outros mercados, fora de suas fronteiras, não seria
adequada. Mesmo uma nação que tenha um direito da concorrência maduro não
teria a capacidade de proteger a concorrência no mercado estrangeiro em razão da
complexidade de determinadas condutas.
O tema é delicado, pois decisões estatais muitas vezes relacionam-se com
as políticas de concorrência e políticas industriais. Assim, se houvesse um
direcionamento das leis nacionais antitruste para a proteção da concorrência em
mercados estrangeiros, teria que ser levada em consideração as situações
concretas de cada país e de cada economia.
Não obstante, mesmo diante da ausência de leis concorrenciais ou de
qualquer
controle
da
concorrência
em
determinados
países,
não
seria
responsabilidade e nem competência de outro país impedir a atuação de estruturas
de mercado anticompetitivas (por exemplo, cartéis) nesses estados estrangeiros.
Essa atuação pode ser considerada equivocada e um erro não justifica o outro.
Sem dúvida, ao se propor a exclusão global dos cartéis de exportação o maior
desafio é identificar como isto poderia ser feito. Apesar de algumas propostas
versarem sobre cooperação internacional, ou harmonização das leis nacionais, não
se pode ignorar os efeitos não pretendidos na aplicação de cada uma dessas
políticas. Para muitas pequenas empresas, especialmente aquelas que são
provenientes de países que historicamente estiveram pouco envolvidos com os
mercados globais, os desafios aparentemente são ainda maiores604.
Existem pesquisadores que acreditam que especialmente para os pequenos
países, nos quais basicamente as associações ocorrem por meio de fusões, a
604
LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 23.
209
eliminação de uma possibilidade jurídica de cooperação poderá gerar a
consolidação e redução da competição no mercado doméstico, apesar de não existir
dados conclusivos sobre isso605.
Essa idéia é explicada pelo efeito que já pôde ser observado como um
resultado do aumento da persecução aos cartéis internacionais hard-core606. Nesse
sentido, um exemplo seria o do mercado de tubos de aço sem costura (seamless
steel tubes), em que, desde que houve a dissolução do cartel houve uma
reorganização desse mercado: cada membro do cartel ou deixou a indústria, ou
participou de uma fusão ou de uma aliança estratégia com outro antigo membro do
cartel607.
Conforme se viu ao longo deste estudo, há autores também que defendem
que a cooperação internacional propõe uma alternativa que, se for implementada
adequadamente, poderia limitar os efeitos negativos da colusão nos mercados
internacionais sem incentivar a fusão das pequenas empresas, especialmente nos
mercados menores, ou nos países em desenvolvimento608.
Acredita-se que as regras deveriam ser estabelecidas para dar às empresas
orientações de como suas atividades poderiam ser desenvolvidas sem ferir a
concorrência internacional. Isto é relevante, mas entendemos que não seria
suficiente. De fato, por meio das isenções dos cartéis de exportação, em âmbito
nacional, gera-se a possibilidade de se obter ganhos sem violar a responsabilidade
605
Nesse sentido, veja-se: “True, export associations are not geared to particular national markets; it
is more likely that collusion takes place on a case-by-case basis taking advantage of the implicit
exclusion for exports in EU competition law. Of course, more research is needed to support this
admittedly speculative hypothesis.” BHATTACHARJEA, Aditya. Export Cartels - A Developing Country
Perspective. Working Paper No. 120. Centre for Development Economics, January, 2004, p. 26.
606
Veja-se nesse sentido: LEVENSTEIN, Margaret C.; SUSLOW Valerie Y. Private international
cartels and their effect on developing countries. World Development Report, 2001. Disponível em:
<http://www-unix.oit.umass.edu/~maggiel/WDR2001.pdf>. Acesso em: 22 set. 2009.
607
“The European Commission today adopted a decision under Article 81 EC which imposed fines
totalling EUR 99 million on eight producers of seamless steel tubes [British Steel Limited (United
Kingdom), Dalmine S.p.A. (Italy), Mannesmannröhren-Werke A.G. (Germany), Vallourec S.A (France),
Kawasaki Steel Corporation, NKK Corporation, Nippon Steel Corporation and Sumitomo Metal
Industries Limited (Japan)]. The producers colluded until 1995 over the observance of their respective
domestic markets for certain seamless tubes used in oil and gas prospecting and transportation.” Cf.
EU. Commission fines cartel of seamless steel tube producers for market sharing. Brussels, 8
December 1999. Atualmente essa indústria é mais consolidada e é difícil verificar como a
concorrência poderia ser maior com base na estrutura existente.
608
BHATTACHARJEA defende uma posição parecida e sugere a utilização das regras antidumping
da OMC como mecanismo enforcement. Veja-se: BHATTACHARJEA, Aditya. Export Cartels - A
Developing Country Perspective. Working Paper No. 120. Centre for Development Economics,
January, 2004, p. 31-34.
210
legal estabelecida em seu país, mas isso não pode ser feito de qualquer forma ou de
modo a prejudicar a economia e os consumidores de outro país
LEVENSTEIN e SUSLOW defendem que uma política mais forte poderia
deslocar o ônus da prova às associações de exportação e mostrar para os membros
dessas
associações
que,
apesar
deles
precisarem
cooperar
e
participar
efetivamente dos mercados internacionais, as suas atividades não podem prejudicar
a concorrência609.
Uma cooperação internacional, que regule a atividade dos cartéis de
exportação em âmbito internacional, teria a finalidade de racionalizar as políticas de
concorrência e promover a competição de forma mais efetiva.
Considerando especialmente a estrutura de mercado e as barreiras à entrada
nos mercados internacionais, a cooperação internacional poderia auxiliar as
autoridades de defesa da concorrência a desenvolver suas capacidades de detectar
e prevenir as associações e acordos que prejudicam a concorrência, reduzindo
riscos, dando assistência e auxiliando as empresas que cooperam, mas não
prejudicam a competição no mercado610.
Conforme se verá a seguir, esta proposta é coerente com as regras já
assumidas internacionalmente por boa parte dos países e seria uma boa alternativa
para ajudar a evitar que as isenções aos cartéis de exportação sejam tratadas de
formas tão diferentes, como ocorre atualmente. Ainda, a troca de informações seria
fundamental para o PEDs e outros países que tem pouca ou nenhuma intimidade
com esse tema.
Em adição, acredita-se que uma nova proposta de multilateralização, ou seja,
que a adoção de um conjuntos de regras de concorrência no âmbito da OMC (por
exemplo) também poderia viabilizar flexibilidade às diferentes necessidades que
existem, de acordo com o nível de desenvolvimento dos países, sem violar os
princípios do comércio internacional e da concorrência.
609
610
LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 22.
Nesse sentido veja-se: LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 25.
211
6.1 O possível tratamento dos cartéis de exportação na OMC
O sistema de comércio internacional evoluiu de forma notável desde 1947
(quando da criação do GATT que posteriormente culminou com a criação da OMC).
Ao longo dos anos, após ocorrer a redução das barreiras tarifárias, as atenções
voltaram-se para as barreiras não tarifárias, assim como outros tópicos foram
incluídos nas agendas das rodadas comerciais da OMC.
Contudo, apesar da idéia de uma ordem de concorrência internacional em
complementação ao comércio internacional ter sido originalmente abordada na Carta
de Havana (conforme visto no capitulo 2.2.4), os acordos firmados permaneceram
silentes com relação a essa matéria. Muitos governos e estudiosos do comércio
internacional, ainda hoje, lamentam a falta de uma política de concorrência
internacional abrangente611.
Há documentos de trabalhos com manifestações de alguns Membros da OMC
que são favoráveis à inclusão do tema, assim como existe o reconhecimento de
alguns de que cartéis de exportação causam distorções não apenas à concorrência,
mas também ao comércio internacional. Nesse sentido, veja-se abaixo:
Com relação aos tipos de práticas anticoncorrenciais que poderiam
ser tratadas pelo acordo multilateral proposto, o entendimento
expresso foi de que as seguintes categorias de práticas deveriam ser
tidas como relevantes: (i) práticas anticoncorrenciais com impactos
similares nos mercados de múltiplos países ou em mercados
mundiais,
como
os
cartéis
internacionais;
(ii)
práticas
anticoncorrenciais que afetam a entrada no mercado, como cartéis
de importação, certos abusos de posição dominante e acordos
verticais; e (iii) práticas anticoncorrenciais, cujos efeitos são
percebidos primeiramente em mercados distintos daquele onde a
conduta foi elaborada, como cartéis de exportação. No intuito de
regular e reprimir de forma eficiente tais práticas anticoncorrenciais,
há necessidade tanto de uma política de concorrência nacional
eficiente, quanto da cooperação internacional fortalecida nos planos
bilateral, regional e multilateral. [...] a opinião foi de que a evidência
apresentada no Working Group mostrou claramente que tais práticas
611
Vejam-se: principalmente as opiniões expressas nos documentos da OMC WT/WGTCP/2,
WT/WGTCP/3, WT/WGTCP/4, WT/WGTCP/5 e também: WEINRAUCH, Roland. Competition Law in
the WTO: the rationale for a framework agreement. Wien: NWV Neuer Wissenschaftlicher Verlag;
Berlin: BWV Berliner Wissenschafts-Verlag; Antwepen: Intersentia, 2004; WOOD, Diane P.
Cooperation and Convergence in International Antitrust: Why the Light Is Still Yellow. In: EPSTEIN
Richard A.; GREEVE Michael S. Competition Laws in Conflict: Antitrust Jurisdiction in the
Global Economy. AEI Press, 2004; KROLL, Daniela. Toward multilateral competiton law? - after
Cancún:reevaluating the case for additional international competition rules under special
consideration of the WTO agreement. Frankfurt am Main; New York: Peter Lang, 2007.
212
realmente tiveram um considerável impacto adverso (i.e., prejudicial)
no comércio internacional e no desenvolvimento. Outra opinião foi
que as formas de comportamento anticoncorrencial a ser reguladas e
reprimidas por um acordo multilateral são matéria de negociação.612
(tradução livre).
Em que pese os trabalhos realizados pelo WGTCP desde Cingapura (1996),
os temas e propostas que se referem à concorrência foram retirados da agenda de
Doha diante do colapso durante a negociação, com o fim de se evitar ainda mais
tumulto nas negociações:
Relação entre comércio e investimento, interação entre
comércio e política de concorrência e transparência da
contratação pública: o Conselho acorda que esses temas
mencionados nos parágrafos 20-22, 23-25 e 26, respectivamente, da
Declaração Ministerial de Doha, não formarão parte do Programa de
Trabalho estabelecido em dita Declaração e, por conseguinte durante
a Rodada de Doha não serão levados em consideração na OMC
trabalhos encaminhados para a celebração de negociações sobre
nenhum desses temas.613 (destaques no original).
É interessante notar que, até mesmo pela comunicação que existe entre os
temas, na prática, existem casos na OMC que acabam tratando de questões
relacionas à concorrência, tal como ocorreu no famoso caso entre as empresas Fuji
e Kodak que abordou um suposto fechamento do mercado de material fotográfico
japonês614 e que revelou algumas limitações.
Neste caso, a questão central era se o sistema de distribuição, que
basicamente excluía os materiais fotográficos estrangeiros do mercado japonês,
tinha sido estabelecido por orientação governamental. Como os EUA não
conseguiram provar de forma satisfatória o envolvimento do Estado japonês, a
612
WTO. WT/WGTCP/5, 2001, p. 21-22.
No original: “Relación entre comercio e inversiones, interacción entre comercio y política de
competencia y transparencia de la contratación pública: el Consejo acuerda que estos temas,
mencionados en los párrafos 20-22, 23-25 y 26, respectivamente, de la Declaración Ministerial de
Doha, no formarán parte del Programa de Trabajo establecido en dicha Declaración y por
consiguiente durante la Ronda de Doha no se llevarán a cabo en la OMC trabajos encaminados a la
celebración de negociaciones sobre ninguno de estos temas.” WTO. Programa de Trabajo de Doha.
Decisión adoptada por el Consejo General el 1º de agosto de 2004, WT/L/579, 2004, p. 4.
614
Veja-se: WTO. Panel Report Japan – Measures Affecting Consumer Photographic Film and Paper.
WT/DS44/R, 1998. Esse caso foi interessante também do ponto de vista do GATS, pois tratou dos
efeitos das medidas do governo japonês nas atividades dos distribuidores nacionais e internacionais,
assim como os produtores do produto em questão (filme e papel de fotografia).
613
213
alegação foi rejeitada615. Entretanto, esse caso é interessante porque sugere que as
leis concorrenciais podem ser afetadas pela aplicação do tratamento nacional616.
Na prática, pode-se dizer que, no âmbito da OMC, ainda que não existam
regras acordadas sobre o direito da concorrência, o que existem são algumas
disposições nos acordos que tratam de aspectos do direito da concorrência617 que
poderiam ser aplicáveis em alguns casos concretos.
Um exemplo seria o do GATS que no artigo VIII(1) impõe o dever aos
Membros da OMC de assegurar que qualquer fornecedor monopolista de um serviço
no seu território não aja de forma incompatível com as obrigações previstas no artigo
II e compromissos específicos, no fornecimento do serviço de monopólio no
mercado relevante618. Ainda, o artigo IX (1) declara que:
1. [Os] Membros reconhecem que certas práticas comerciais dos
prestadores de serviços, com exceção das abrangidas pelo artigo
VIII, podem restringir a concorrência e, assim, restringir o comércio
de serviços. 619 (tradução livre).
Com relação às interferências externas na concorrência, deve-se salientar
que o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC) procurou dar
continuidade à tendência de dificultar os subsídios às exportações. Vale observar
615
“[...] the United States fails to show that any of the individual "measures" -- distribution "measures",
"measures" restricting large stores, or promotion "measures" -- nullifies or impairs benefits accruing to
the United States in respect of competitive market-access expectations for imported film or paper. In
light of these earlier findings and the fact that the United States has not presented additional argument
or adduced additional evidence in support of its claim that all these "measures" have worked in
concert to upset US market-access expectations, we find that the United States has not demonstrated
that the three categories of "measures" in combination nullify or impair benefits accruing to the United
States within the meaning of Article XXIII:1(b).
10.367 In the final analysis, it is not incumbent upon this Panel to engage in its own extensive,
unaided investigation into the potential applicability in this case of the US theory of combined effects.
Rather, it is for the United States, as the complaining party, to make a detailed showing of the
relevance of this theory to the matter at hand. We consider that the United States has failed to make
such a showing here”. WTO. Panel Report Japan – Measures Affecting Consumer Photographic Film
and Paper. WT/DS44/R, 1998, p. 142.
616
HOLMES, Peter; MATHIS, James; TCA Anant; EVENETT, Simon J. EU-INDIA Study Report On
Competition Policy. Final Draft June 12 2003. Disponível em: <http://www.alexandria.unisg.ch/
EXPORT/DL/22330.pdf> Acesso em 23 jun. 2010
617
Cf. TREBILCOCK, M. J.; HOWSE, Robert. The regulation of international trade. 3 ed. London:
Routledge. 2005, p. 593. No mesmo sentido: BECKER, 2007, p. 121.
618
“1. Each Member shall ensure that any monopoly supplier of a service in its territory does not, in
the supply of the monopoly service in the relevant market, act in a manner inconsistent with that
Member's obligations under Article II and specific commitments.” WTO. GATS. General Agreement on
Trade in Services, VIII(1).
619
“1. Members recognize that certain business practices of service suppliers, other than those falling
under Article VIII, may restrain competition and thereby restrict trade in services.” WTO. GATS.
General Agreement on Trade in Services, IX (1).
214
que tais condutas podem se assemelhar à tolerância ao comportamento
anticompetitivo relacionado às exportações620.
Entretanto, configurar cartéis de exportações como subsídios no contexto do
ASMC também não seria tarefa simples, pois os requisitos legais do acordo devem
ser cumpridos e, entende-se que, os cartéis de exportação não cumprem todos os
requisitos. Nesse sentido, referente ao cumprimento dos requisitos do ASMC, é
interessante mencionar trechos dos termos da decisão no caso Countervailing Duty
Investigation On Dynamic Ramdom Access Memory Semiconductors (Drams) From
Korea.
[...] Por conseguinte, não há nem resultados suficientes do Painel
nem fatos incontestáveis contidos nos documentos para que
possamos conduzir nossa própria análise das alegações da Coréia
considerando o benefício e a espeficicidade621. Lembramos que não
é suficiente para determinar que exista uma "contribuição financeira
por um governo ou qualquer entidade pública" para constatar que
existe um "subsídio" com base no artigo 1.1 do Acordo ASMC. Esta
disposição também requer que “um benefício também seja
conferido". O artigo 1.2 requer, além disso, que o subsídio seja
“específico". [...] não há base suficiente para que possamos analisar
a consistência das determinações do benefício e especificidade do
USDOC com o ASMC.622 (tradução livre).
No Relatório do Órgão de Apelação, do caso mencionado acima, foram
analisadas as interpretações jurídicas desenvolvidas no Relatório do Painel que
tratou da demanda apresentada pela Coréia contra os EUA sobre a imposição de
direitos compensatórios em modelos de DRAMS (dinâmica de semicondutores de
memória de acesso aleatório - Dynamic Random Access Memory Semiconductors)
produzidos na Coréia. Essas medidas compensatórias foram aplicadas após uma
investigação do Departamento de Comércio dos Estados Unidos (United States
Department of Commerce - USDOC) e da Comissão de Comércio Internacional dos
Estados Unidos (United States International Trade Commission - USITC).
620
107. Article 1.1 (a) (1) makes clear that a "financial contribution" by a government or public body is
an essential component of a "subsidy" under the SCM Agreement. No product may be found to be
subsidized under Article 1.1 (a) (1), nor may it be countervailed, in the absence of a financial
contribution. Furthermore, situations involving exclusively private conduct—that is, conduct that is not
in some way attributable to a government or public body—cannot constitute a "financial contribution"
for purposes of determining the existence of a subsidy under the SCM Agreement.
621
Nesse sentido, foi mencionado o caso: Appellate Body Report, US – Softwood Lumber IV, para.
113.
622
WTO.
United
States
–
Countervailing
Duty
Investigation
On
Dynamic
Ramdom Access Memory Semiconductors (Drams) From Korea. Report of the Appellate Body,
WT/DS296/AB/R, 27 June 2005, parágrafo 208.
215
Veja-se que no trecho destacado desta decisão resta claro o entendimento
do Órgão de Apelação de que, nos termos do ASMC, para que um subsídio seja
constatado: i) não é suficiente apenas a contribuição financeira de um governo ou
qualquer entidade pública (artigo 1.1 do ASCM); ii) é necessário que um benefício
seja conferido, e iii) o subsídio deve ser “específico" (artigo 1.2 ASCM).
Para efeitos de defesa comercial, apenas interessam os subsídios
específicos. Nos termos do MDIC:
Um subsídio é considerado específico quando a autoridade
outorgante, ou a legislação vigente, explicitamente limitar o acesso
ao subsídio a uma ou a um grupo de empresas ou indústrias, a
ramos de produção, ou a regiões geográficas. Também será
considerado como específico, o subsídio que se enquadre na
definição de subsídio proibido. A determinação de especificidade
deverá estar claramente fundamentada em provas positivas.623
Os critérios utilizados na análise de defesa comercial são muito importantes
para se ponderar se seria possível considerar a prática de um cartel de exportação
(i.e., a aplicação de isenções, ou a sua permissibilidade) como um tipo de subsídio.
Entende-se que não seria possível ter essa interpretação com base no ASMC, em
que pese os efeitos práticos de um subsídio serem semelhantes aos efeitos dos
cartéis de exportação considerados “puros”.
Conseqüentemente, diante da ausência de regras multilaterais que tratem
dos cartéis de exportação, as legislações nacionais permanecem como o ponto de
623
BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR - MDIC.
Subsídios. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=267>.
Acesso em :10 jul. 2010. “O MDIC também esclarece o seguinte: Não ocorrerá especificidade quando
a autoridade outorgante ou a legislação vigente estabelecer condições ou critérios objetivos que
disponham sobre o direito de acesso ao subsídio e sobre o respectivo montante a ser concedido,
desde que este direito seja automático e que as condições e critérios sejam estritamente respeitados
e se possa proceder a sua verificação. Condições ou critérios objetivos: Significam condições ou
critérios imparciais, estipulados em lei, regulamento ou outro ato normativo, que não favoreçam
determinadas empresas em detrimento de outras e que sejam de natureza econômica e de aplicação
horizontal, como número de empregados ou dimensão da empresa. Não será considerado "subsídio
específico" a instituição de tributos ou a alteração de alíquotas genericamente aplicáveis.Nos casos
em que não haja, aparentemente, especificidade, como considerado acima, mas haja razões que
levem a crer que o subsídio em questão seja de fato específico, poderão ser considerados outros
fatores como, uso de um programa de subsídio por um número limitado de determinadas empresas,
uso predominante de um programa de subsídios por determinadas empresas, concessão de parcela
desproporcionalmente grande de subsídio apenas a determinadas empresas, e o modo pelo qual a
autoridade outorgante exerceu seu poder discricionário na decisão de conceder um subsídio. Nestes
casos serão levadas em conta as informações sobre a freqüência com que são recusados ou aceitos
pedidos de subsídios e sobre os motivos que levaram a tais decisões, bem como a diversidade das
atividades econômicas dentro da jurisdição da autoridade outorgante e o período de tempo durante o
qual o programa de subsídios esteve em vigor.” (grifos no original).
216
referência dominante das políticas de concorrência e, caso não haja mudança,
continuarão a alimentar: i) o uso excessivamente amplo da teoria dos efeitos para
regular a conduta anticompetitiva de agentes estrangeiros que afetem o mercado
doméstico, e ii) a complacência em relação aos efeitos negativos sobre os mercados
estrangeiros com relação a prática dos cartéis de exportação.
Foram vistas, na prática, várias tentativas de aumentar a cooperação em
matéria de concorrência, especialmente com relação aos cartéis hard-core. Ainda,
conforme já foi visto, a OMC já considerou a inclusão de algumas proibições da
legislação concorrencial entre seus dispositivos. Apesar desta opção não estar na
mesa de discussão atualmente, entende-se que poderá ser levada novamente, tendo
em vista os problemas existentes da legislação concorrencial internacional624.
As preocupações com relação à defesa da concorrência no contexto
internacional ainda são mais significativas para jurisdições pequenas ou em
desenvolvimento, já que o poder econômico, dentro dessas jurisdições, tende a ser
mais concentrado nas mãos de poucos625. Além disso, as elites e os governos
tendem a ter um comportamento voltado para a obtenção de privilégios e objetivos
privados o que dificulta o desenvolvimento.
Veja-se que nos documentos da OMC encontram-se declarações que
expressam que, colocar em prática uma política com princípios norteadores da
concorrência pode contribuir ao bem-estar do consumidor e aos objetivos ligados ao
desenvolvimento. Quanto à suposta preocupação de não se conseguir atender às
necessidades especificas de cada Membro, vale observar interessante observação:
[...] aderir a estes princípios não interferiria nas capacidades dos
Membros de responder às suas necessidades específicas e
circunstâncias econômicas. Isto foi apoiado por referência à
experiência nacional de um Estado cuja legislação incorporou os
princípios da não discriminação, da transparência, do devido
processo e flexibilidade, e ainda foi adaptada para atender às suas
necessidades e circunstâncias específicas.626
Considerando as limitações dos PEDs e outras economias mais frágeis, e
também considerando que atualmente não existem regras multilaterais que tratem
624
No mesmo sentido, veja-se: GAL, 2009, p. 21-22.
GAL, 2009, p. 9.
626
WTO. Report (2001) of the Working Group on the Interaction Between Trade and Competition
Policy to the General Council. WT/WGTCP/5. 08 October 2001, p. 5-6. Disponível em:
<http://www.wto.org>. Acesso em: 28 ago. 2009.
625
217
dos cartéis de exportação, a proposta assumida nesse estudo é de dar um
tratamento que seja completo, no sentido de regular a atividade dos cartéis de
exportação atendendo especialmente às necessidades dos países de economia
mais sensível e que possuem leis ou políticas de concorrência deficientes (ou
simplesmente não as possuem).
Considerando a estreita relação entre comércio e concorrência (conforme
visto especialmente no Capítulo 1), é interessante examinar também, neste capítulo,
as disposições do GATT/OMC, que teriam alguma relação para o direito
concorrencial no âmbito internacional, assim como a possibilidade de aplicação
dessas disposições aos cartéis de exportação, não obstante não existir hoje regras
específicas de concorrência no âmbito da OMC para então poder se concluir pelo
estabelecimento de regras específicas que tratem desse assunto.
6.2 O Princípio do Tratamento Nacional (PTN)
Conforme já explicado no Capítulo 1, O sistema GATT/OMC repousa sobre
dois princípios fundamentais de não discriminação: a cláusula NMF e o PTN. Este
último, em particular, poderia ser significativo para as isenções dos cartéis de
exportação.
Vejam-se os termos do Artigo III (4) do GATT 1994, que determina que aos
produtos do território de qualquer Membro, importados para o território de qualquer
outro Membro, será dado um tratamento não menos favorável do que o acordado a
produtos similares de origem nacional em relação a todas as leis, regulamentos e
requisitos que afetem sua venda interna, a sua oferta (para venda), compra,
transporte, distribuição ou uso.627
TREBILCOCK e HOWSE dão a entender que o PTN seria uma metanorma628 que teria o efeito de coordenar os efeitos divergentes das legislações
627
WTO. GATT 1994, artigo III (4). Disponível em: <http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/
legal_e.htm>. Acesso em: 20 abr. 2010. Dentro da estrutura da OMC, há dispositivos similares
relacionados à propriedade intelectual (Artigo 3 TRIPS) e aos comércio de serviços (Artigo XVII
GATS).
628
“Segundo a doutrina mais clássica representada por Hart, um sistema jurídico completo repousa
sobre dois tipos de regra. No direito existe, em primeiro lugar, as regras primárias. Essas regras ditam
as condutas entre os indivíduos, são regras de obrigação entre os sujeitos de direito. Existe em
218
nacionais de concorrência629, pois diante do livre comércio haveria até mesmo um
incentivo para se reformular as leis de concorrência em âmbito nacional para atingir
fins protecionistas, o que, inevitavelmente, poderia produzir resultados benéficos
internamente, mas prejuízos às economias de outros países. Os mesmos autores
explicam que o PTN foi criado para exigir a estruturação das legislações de forma a
não estabelecer uma discriminação (geral ou de fato) entre os produtos nacionais e
os similares estrangeiros630.
Assim, ao serem aplicadas as isenções aos cartéis de exportação em um
país que condena a prática de cartel internamente, estaria sendo feita também uma
diferenciação de tratamento de acordo com a origem dos produtos. Portanto, se
analisarmos a aplicação do PTN às importações que não gozam de uma isenção,
essas seriam, pelo menos em tese, tratadas de forma menos favorável do que as
exportações que gozam de isenção.
Contudo, vale observar que a aplicação do artigo III (4) do GATT 1994 é
duvidosa para fins de aplicação aos efeitos dos cartéis de exportação, uma vez que
se questiona, em primeiro lugar, se os cartéis de exportação poderiam estar
inseridos no escopo desse dispositivo631.
Como todos os dispositivos antidiscriminação, esta análise depende dos
pontos de referência que serão comparados. Especificamente com relação à
importação de bens com base no GATT 1994, a condição fundamental para a
aplicação do PTN é que os bens tenham cruzado a fronteira e entrado no mercado a
ser protegido por tal princípio. Logo, o PTN somente teria efeito nos casos em que
os bens domésticos e estrangeiros competem no mercado doméstico632.
segundo lugar, as regras secundárias. Essas normas possuem uma função tripla: elas permitem a
criação, a modificação e adjudicação das regras primárias, que compreende a organização da sanção
em caso de desrespeito.” FONTMICHEL, A. Court de. L’arbritre, le juge e les pratiques illicites Du
commerce internacional. Paris: Editions Pantéon-Assas, 2004, p. 102. Veja-se ainda: “[...] As
normas jurídicas podem ser completas enquanto tais antes de ser publicadas e mesmo que não as
publiquem. Em ausência de regras específicas em contrário, as normas jurídicas são validamente
criadas que as pessoas afetadas pelas mesmas tenham que averiguar por sua conta que normas
foram ditadas e quem são os afetados por elas.” HART, Herbert L. A. El concepto de derecho. 2.
ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1968, p. 28.
629
TREBILCOCK; HOWSE, 2005, p. 597.
630
TREBILCOCK; HOWSE, 2005, p. 598.
631
BECKER, 2007, p. 123.
632
“Domestic competition laws are jurisdictional as to effects upon the domestic territory, i.e., the
principle of territory jurisdiction. As such, they act to address both foreign and domestic practices, but
only as these practices affect competition upon the domestic market. Since national competition laws
are not drawn to treat the external (other country markets) effects of domestic practices, territories
219
Na prática, vale lembrar que o PTN insere-se no contexto do comércio
internacional (especificamente ligado à defesa comercial), ou seja, esse princípio é
aplicável com base em uma preocupação da legislação comercial com o acesso dos
produtores ao mercado. Sendo assim, o PTN não foi preparado para tratar da
competitividade no mercado à luz da lei antitruste e em benefício dos consumidores.
Nesse sentido, é importante pontuar que na tradição do Direito Internacional Público
clássico, os consumidores não são o cerne das preocupações da política de
comércio internacional633.
6.3 O Acordo sobre Salvaguardas
O Acordo sobre salvaguardas foi firmado no âmbito da OMC considerando o
objetivo geral dos Membros de melhorar e fortalecer o sistema de comércio
internacional, reconhecendo a necessidade de se esclarecer e de se reforçar as
disciplinas do GATT 1994 (especificamente do Artigo XIX634 - Medidas de
emergência com relação à importação de produtos particulares) que restabelecem o
controle multilateral sobre as salvaguardas.
Os termos do acordo reconhecem a importância do ajustamento estrutural e
“a necessidade de estimular ao invés de limitar a concorrência nos mercados
internacionais”. O artigo XIX do GATT permite a aplicação de medidas de
salvaguarda
quando
determinadas
importações
ferem
ou
ameaçam
a
competitividade de produtores domésticos de bens e/ou serviços.
Em resumo, a aplicação dessas medidas visa ajudar os Estados na proteção
de seus mercados diante do aumento das importações imprevistas, que podem
stating explicit “exclusions” from treating the external effects of domestic practices (export cartels) are
really no different from territories that do not state such an explicit exclusion.” HOLMES, Peter;
MATHIS, James; TCA Anant; EVENETT, Simon J. EU-INDIA Study Report On Competition Policy.
Final Draft June 12 2003. Disponível em: <http://www.alexandria.unisg.ch/EXPORT/DL/22330.pdf>.
Acesso em: 23 jun. 2010, p. 16.
633
Nesse sentido, veja-se: TREBILCOCK; HOWSE, 2005, p. 599-601. Cf. MACERA, Andrea Pereira.
A interação entre antitruste e antidumping: problema ou solução? SEAE/MF Documento de
Trabalho n. 36, dez. 2006. Disponível em: <www.seae.fazenda.br>. Acesso em: 15 maio 2008.
634
Veja-se, como exemplo da aplicação do artigo XIX, o caso: Argentina — Footwear (EC) and Korea
— Dairy, onde o Painel de Apelação estebeleceu que “any safeguard measure imposed after the
entry into force of the WTO Agreement must comply with the provisions of both the Agreement on
Safeguards and Article XIX of the GATT 1994”. WTO. Appellate Body Report on Argentina —
Footwear (EC), WT/DS121/AB/R, 12 Jan. 2000, parágrafo 84.
220
causar sérios danos à indústria doméstica. Assim, as medidas de salvaguarda,
quando aplicadas corretamente, possibilitam a obtenção de um alívio temporário
sem ferir os compromissos assumidos na OMC.
Entretanto, nem sempre é possível a adoção e aplicação dessas medidas. O
Artigo 11 do Acordo sobre Salvaguardas trata da proibição e eliminação de certas
medidas, nos seguintes termos:
1. (a) Nenhum Membro adotará nem procurará adorar medidas de
emergência, tais como definidas no Artigo XIX do GATT 1994, com
relação a produtos particulares, a menos que tais medidas estejam
em conformidade com as disposições do referido Artigo e sejam
aplicadas em consonância com as disposições do presente Acordo.
(b) Ademais, nenhum Membro procurará adotar, nem adotará, nem
manterá restrições voluntárias às exportações, acordos de
organização de mercado ou quaisquer outras medidas similares no
que diz respeito tanto às exportações quanto às importações3. Estas
compreendem medidas adotadas por um Membro individualmente ou
mediante acordos, arranjos e entendimentos firmados por dois ou
mais Membros. Todas as medidas dessa natureza, vigentes na data
de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da Organização Mundial
de Comercio, devem ser adaptadas aos termos deste Acordo ou
gradualmente eliminadas de acordo com o parágrafo segundo.
(c) O presente Acordo não se aplica a medida que um Membro
procure adotar, adote ou mantenha de conformidade com outras
disposições do GATT 1994, além das do Artigo XIX e dos Acordos
Comerciais Multilaterais incluídos no Anexo l A, à parte o presente
Acordo, ou de conformidade com protocolos e acordos ou convênios
concluídos no âmbito do GATT 1994.
[...]
3.
Os Membros não estimularão nem apoiarão a adoção ou a
manutenção, por empresas públicas ou privadas, de medidas nãogovernamentais equivalentes às medidas a que se refere o parágrafo
primeiro.
Portanto, quando buscam aplicar salvaguardas, os Membros da OMC são
obrigados a seguir condições e procedimentos do Acordo. Sendo assim, a aplicação
de medidas de salvaguarda deve respeitar os limites legais.
O artigo 11 (1) (3) é bastante abrangente quando determina que os “Membros
não estimularão nem apoiarão a adoção ou a manutenção, por empresas públicas
ou privadas, de medidas não-governamentais”, tais como as medidas relacionadas à
exportação. No sentido de explicar melhor os termos, de acordo com a nota de
3
Uma quota de importação aplicada como medida de salvaguarda em conformidade com as
disposições relevantes do GATT 1994 e do presente Acordo poderá, por acordo mútuo, ser
administrada pelo Membro exportador.
221
rodapé n˚. 4 do Acordo:
São exemplos de medidas similares a moderação das exportações,
os sistemas de vigilância dos preços de exportação ou dos preços de
importação, a vigilância das exportações ou das importações, os
cartéis de importação compulsórios e os regimes discricionários de
licenças de exportação ou de importação, sempre que ofereçam
proteção.
Veja-se então que essa proibição aparentemente poderia servir, em tese,
para disciplinar os limites do apoio governamental às condutas anticoncorrenciais,
incluindo, no caso, os cartéis635.
A idéia é a de que a proibição que consta - referente às Restrições
Voluntárias às Exportações (RVEs) - poderia disciplinar alguns comportamentos do
cartel. O histórico deste dispositivo relaciona-se às crescentes dificuldades na
implementação de restrições às importações. Assim, muitos países (importadores),
confrontados com os riscos potenciais (ou reais) das importações para suas
balanças comerciais, negociaram RVEs com os países exportadores que visavam
seus
mercados.
Essas
práticas
afetam
principalmente
os
países
menos
desenvolvidos (LDCs - Least Developed Countries), vulneráveis à pressão das
economias maiores e que, portanto, firmam RVEs para evitar reflexos mais
prejudiciais em seus mercados636.
Vale observar que o Acordo de Salvaguardas proíbe que os Membros firmem
acordos de RVE com os importadores, mas, para as restrições acordadas no âmbito
privado, prevê somente que os Membros não encorajarão ou apoiarão tais acordos.
As RVEs informais também são desencorajadas nos termos do Artigo 11.3 do
Acordo de Salvaguardas.
BECKER entende que a redação desse dispositivo do Acordo de
Salvaguardas poderia indicar um meio de abordagem do problema (i.e., dos cartéis)
sem entrar na questão da distinção entre “público” ou “privado”, que seria um
635
Veja-se nesse sentido: HUDEC, Robert E. Private anticompetitive behavior in world markets: a
WTO perspective. The antitrust bulletin, v.48, n.4, New York: Winter 2003, p. 1057-1058.
636
Esses acordos podem incluir compromissos de preços ou quantidades por parte dos importadores
e são consideradas violações ao Artigo XI (1) GATT. Cf. HUDEC, 2003, p. 1057-1058. O artigo XI (1)
estabelece que: “Nenhuma parte contratante instituirá ou manterá, para a importação de produto
originário do território de outra parte contratante, ou para a exportação ou venda para exportação de
um produto destinado ao território de outra parte contratante, proibições ou restrições a não ser
direitos alfandegários, impostos ou outras taxas, quer a sua aplicação seja feita por meio de
contingentes, de licenças de importação ou exportação, quer por outro qualquer processo.”
222
entrave da sujeição das condutas anticompetitivas às normas do GATT637.
Contudo, o mesmo autor observa que sendo este um dispositivo isolado para
uma situação definida, não seria adequado ampliá-lo no intuito de “inventar” um
dispositivo de direito concorrencial, visto que isso não apenas ignoraria a estrutura
jurídica do dispositivo, mas também contornaria a relutância de se negociar e
concluir um acordo de direito da concorrência638.
Como nas RVEs os exportadores coordenam entre si os limites das vendas
de exportação para um país específico, de fato pode-se argumentar que a proibição
das RVEs poderiam ser aplicadas aos cartéis de exportação. Contudo, isso sugeriria
um precedente para uma proibição mais ampla à conduta coordenada em todos os
países onde as empresas podem criar uma coordenação com a facilitação
governamental, com aquelas nos países exportadores, para limitar o fornecimento e
manter os preços em níveis mais elevados do que o nível competitivo639.
BECKER argumenta que o uso das RVEs levaria o tema da concorrência a
entrar na OMC pela “porta dos fundos”, mas SOKOL entende que na verdade, a
política concorrencial já chegou à OMC pela porta dos fundos640.
Veja-se que, utilizar essas regras para tratar dos cartéis de exportação,
apesar de ser uma solução “possível”, não seria a melhor solução, por essa razão
sugere-se nesse estudo que uma eventual regulação dos cartéis de exportação
deveria ser feita com regras específicas no âmbito da OMC.
6.4 As Reclamações de Não Violação (RNV)
Como não há um dispositivo específico nas regras do GATT/OMC, BECKER
também aventa a possibilidade de se contestar os efeitos de uma isenção aos
cartéis de exportação mediante uma Reclamação de Não Violação (RNV)641. Esse
recurso está previsto no Artigo XXIII(1) (b) do GATT642.
637
BECKER, 2007, p. 124.
BECKER, 2007, p. 124.
639
SOKOL, 2008, p. 11.
640
SOKOL, 2008, p. 11.
641
HUDEC, 2003, p. 1059.
642
Art. XXIII (1): “If any contracting party should consider that a ny b enefit accruing to it directly or
638
223
O artigo que estabelece os contornos fundamentais da RNV caracteriza-se
por não ter sido redigido em termos precisos, fato que acabou delegando aos
painéis uma margem de interpretação considerável para a definição do seu
conteúdo.
Ao mesmo tempo, a RNV não é tão utilizada na prática. Embora o art. XXIII
do GATT coloque em um mesmo nível as reclamações de violação e de não
violação, no caso Japan – Film a decisão pontuou o seguinte dado que reflete a
utilização prática da RNV:
Embora o remédio de não violação seja uma importante ferramenta
aceita para a solução de controvérsias no GATT/OMC e esteja “nos
livros” por quase 50 anos, nós notamos que só houve oito casos em
que os painéis ou grupos de trabalho consideraram o mérito de
reclamações baseadas no Artigo XXIII:1(b). Isso sugere que as
partes-contratantes do GATT e os Membros da OMC têm abordado
esse remédio com cautela e, de fato, o tratado como um instrumento
de exceção para solução de controvérsias.643 (tradução livre).
Veja-se que caso Kodak-Fuji o Painel acabou endossando que há, de fato,
utilização limitada de RNVs. SOKOL explica que, como nesses casos é necessária
uma investigação dos fatos de forma específica e detalhada, a RNV acaba sendo
utilizada com pouca freqüência para a resolução de conflitos644.
De forma simples, a responsabilidade por não violação estabelece que, se
um Membro, por meio de uma medida não proibida, frustrar vantagens de outro,
deverá então oferecer-lhe uma compensação. Caso isso não ocorra, caberá ao
Membro lesado recorrer à suspensão de concessões (i.e., regras secundárias de
responsabilidade por atos ilícitos).
A possibilidade de contestar medidas nacionais na OMC que, em regra,
seriam absolutamente legais, mas que causam distorções, está inserida na idéia da
reciprocidade. Sendo assim, caso os benefícios que uma parte espera de uma
indirectly under th is Ag reement is being nullified or impaired or that the attainment of any objective
of the Agreement is being impeded as the result of (a) the failure of another contra cting party to
carry out its o bligations under this Agreement, or (b) the application by another contracting party of
any measure, whether or not it conflicts with the provisions of this Agreement, or (c) the existence
of any other situation, the contracting party may, with a view to the satisfa ctory adjustment of
the matter, make written representations or proposals to the other contracting party or parties
which it considers to be concerned. Any contracting party thus approached shall give sympathetic
consideration to the representations or proposals made to it”
643
WTO. Panel Report Japan – Measures Affecting Consumer Photographic Film and Paper.
WT/DS44/R, 31/03/1998, p. 435-436.
644
Cf. SOKOL, 2008, p. 10
224
negociação comercial (por exemplo, sobre barreiras tarifárias e não tarifárias) sejam
prejudicados por medidas nacionais, essa negociação passa a ter um desequilíbrio.
Apesar dessas medidas, em si, não violarem qualquer compromisso do GATT/OMC,
a RNV possibilita recuperar a reciprocidade caso estas tenham o objetivo de
prejudicar qualquer concessão feita antecipadamente645.
Passando-se a aplicar essa regra aos cartéis de exportação, pelo menos em
tese, o primeiro problema que se enfrenta quando se considera uma RNV como
recurso contra uma isenção é se a isenção poderia ser considerada uma “medida”
governamental. Em primeiro lugar, se nesse caso não existir nenhuma legislação
antitruste, nenhuma medida governamental poderia ser identificada, impossibilitando
a RNV.
BECKER pondera que a não persecução aos cartéis de exportação aparenta
ser mais um caso de “inação” do que propriamente uma medida, mas na hipótese de
uma isenção implícita, se os cartéis internacionais são processados, enquanto os
cartéis domésticos similares (i.e., mesmas características) não o são, essa
persecução constituiria em uma ação positiva que poderia ser usada para
fundamentar uma RNV646.
Veja-se que HUDEC explica que para se ter êxito uma RNV precisa basearse em um evento imprevisível à época da negociação, porque, de outra forma, seria
responsabilidade do reclamante incorporar as nulidades e prejuízos esperados em
seus próprios compromissos647. Nesse caso, é novamente relevante a diferença
entre os fundamentos da legislação concorrencial, de um lado, e a legislação de
comércio internacional, do outro.
SOKOL pondera ainda que uma RNV precisa estabelecer a existência de
uma expectativa razoável de que o comportamento não ocorreria. Outra questão é a
de que devido à inação dos países, concessões podem ser frustradas e essa inação
acabaria por criar uma barreira comercial648.
Se um país que concede uma isenção a um cartel de exportação promete
abrir seus mercados para os produtos do país “alvo”, isto não ensejaria
645
Cf. BECKER, 2007, p. 125.
BECKER, 2007, p. 125.
647
HUDEC, 2003, p. 1059.
648
SOKOL, D. Daniel. What Do We Really Know About Export Cartels and What is the Appropriate
Solution? Journal of Competition Law and Economics, v. 4, n.º 4, December 2008, p. 10.
646
225
automaticamente uma medida com base na RNV. Ou seja, conforme explica
BECKER, com enfoque nos cartéis de exportação, na prática, o acesso ao mercado
do país “alvo” pelo país exportador não é impedido de forma alguma649.
De acordo com precedentes da OMC, não é necessário que o reclamante
indique que a medida envolvida é inconsistente ou que viola uma regra do GATT
1994 com base no Artigo XXIII (1) (b)650. Ao tratar dos fundamentos de uma RNV, o
Órgão de Apelação no caso European Communities – Measures affecting Asbestos
and Abestos-containing Products também advertiu que esse tipo de reclamação
"deve ser abordada com cautela e deve continuar a ser uma solução excepcional”651.
A finalidade da RVN, firmada no Artigo XXIII (1) (b) é incomum conforme
descrito também pelo relatório do painel referente ao caso European Economic
Community - Payments and Subsidies Paid to Processors and Producers of Oilseeds
and Related Animal-Feed Proteins ("EEC – Oilseeds"), nos seguintes termos:
A idéia subjacente é a de que a melhoria das oportunidades
competitivas que podem ser legitimamente esperadas de uma
concessão tarifária pode ser frustrada, não só por meio de medidas
proibidas pelo Acordo Geral, mas também por meio de medidas
compatíveis com esse Acordo. A fim de encorajar as partes
contratantes a fazer concessões tarifárias, deve ser dado o direito de
ressarcimento quando uma concessão recíproca é prejudicada pela
outra Parte Contratante, como resultado da aplicação de qualquer
medida, independente desta medida conflitar ou não com o Acordo
Geral. 652 (tradução livre).
Diante dos casos indicados acima, vale observar que, apesar da
possibilidade, pelo menos em tese, de se fazer uso das RVNs para tratar de
questões relacionadas ao direito antitruste, na prática, isto não seria simples.
649
BECKER, 2007, p. 126.
“Thus, it is not necessary, under Article XXIII:1(b), to establish that the measure involved is
inconsistent with, or violates, a provision of the GATT 1994. Cases under Article XXIII:1(b) are, for
this reason, sometimes described as "non-violation" cases; we note, though, that the word "nonviolation" does not appear in this provision.” WTO. Appellate Body Report. European Communities –
Measures affecting Asbestos and Abestos-containing Products. WT/DS135/AB/R, 12 mar. 2001, p.
67.
651
Nesse sentido, a decisão cita outra decisão, referente ao painel no caso Kodak-Fuji, já
mencionado nesse item. WTO. Appellate Body Report. European Communities – Measures affecting
Asbestos and Abestos-containing Products. WT/DS135/AB/R, 12 mar. 2001, p. 67-68.
652
WTO. European Economic Community - Payments and Subsidies Paid to Processors And
Producers Of Oilseeds And Related Animal-Feed Proteins. L/6627 - 37S/86. Report of the Panel
adopted on 25 January 1990, p. 34. Disponível em: <http://www.worldtradelaw.net/reports/gattpanels/
oilseedsI.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2010.
650
226
Um exemplo importante trazido, que ajuda a sustentar esse argumento, foi a
decisão do painel no caso Kodak-Fuji, que não compreendeu plenamente, por
exemplo, que as restrições públicas e privadas eram complementares. Assim, tendo
em vista que a OMC pode não conseguir compreender alguns fundamentos de fato
(ou factuais) dos casos baseados em RVNs, essas reclamações podem ser
malsucedidas quando aplicadas, ou quando envolverem, questões de política
concorrencial653.
6.5 A possibilidade de convergência ou de harmonização das leis de
concorrência
A limitação das leis de direito da concorrência, como resultado de seu alcance
nacional, é evidente no caso dos cartéis de exportação, onde se for ausente o efeito
no país exportador, a autoridade da concorrência (do país exportador) pode sequer
ter jurisdição para controlar esses cartéis.
Conforme visto nos capítulos anteriores, os países desenvolvidos têm
geralmente ignorado ou, muitas vezes, até incentivado as atividades dos cartéis de
exportação, cujos efeitos afetam principalmente outros países. De outro lado, os
países em desenvolvimento têm dificuldades em lidar com estes cartéis (seja por
falta de estrutura, ou de conhecimento) e tem faltado cooperação dos países
desenvolvidos na investigação e revelação de tais práticas654.
Nesse sentido, avalia-se a possibilidade de convergência das leis de
concorrência e se isso poderia de fato tratar da questão dos cartéis de exportação.
O termo “convergência” pode ter diversos sentidos, desde alinhamentos de
procedimentos até mesmo “coordenação” de requerimentos mínimos para a total
harmonização das leis655.
653
No mesmo sentido veja-se: SOKOL, 2008, p. 11.
RAGHAVAN, Chakravarthi. The “New Issues” and Developing Countries: Environment,
Competition and Labour Standards. Kuala Lumpur, Third World Network, 1996, p.19.
655
Nesse sentido, veja-se KROL, 2007, p. 117.
654
227
Veja-se que existem estudos que indicam que, para um único agente, uma
convergência substantiva em termos procedimentais e uma harmonização
substantiva aparentemente seriam preferíveis no sentido de minimizar custos, além
de facilitar o entendimento em múltiplas jurisdições656. Entretanto, trata-se de opinão
da qual não se partilha no presente estudo, uma vez que a harmonização pressupõe
que os países tenham, pelo menos, uma lei ou uma política antitruste, o que não
ocorre na prática especialmente quando se analisa as economias mais frágeis.
No ponto de vista que leva em consideração uma possível harmonização,
sugere-se que haveria uma simplificação maior se o país em questão tiver apenas
uma autoridade antitruste (o que não ocorre, por exemplo, no Brasil). De fato, a
maior parte dos Estados, prefere manter ao máximo a soberania em relação às
matérias de direito de concorrência, uma vez que a política de concorrência é
sensível, com objetivos de política pública específicos657.
Vale observar também que os objetivos das políticas de cada país varia
consideravelmente e alguns países são muito relutantes em ceder qualquer tipo de
soberania nesta área. Assim, KROL explica que não é simples apontar uma
autoridade internacional que possa impor procedimentos convergentes ou
vinculantes e regras materiais de direito da concorrência658.
Portanto, em nível internacional, especialmente considerando o grau de
convergência atual a viabilidade de se obter regras harmonizadas ainda é
questionável659, para não se afirmar categoricamente que seria algo impossível. A
tabela abaixo reflete a situação que havia no início desta década com relação ao
grau de consenso identificado entre as legislações e políticas de concorrência:
656
“The OECD approach has so far emphasized soft convergence on competition laws and their
enforcement, and steered clear of any implication that uniformity among nations and a world
competition policy agency is the goal (Doern 1996, 316).” AYDIN, Umut. Promoting Competition:
European
Union
and
the
Global
Competition
Order.
2009.
Disponível
em
<http://www.unc.edu/euce/eusa2009/papers/aydin_10H.pdf>. Acesso em: 24 Jul. 2010.
657
Nesse mesmo sentido, veja-se KROL, 2007, p. 117-118.
658
KROL, 2007, p. 118.
659
HOEKMAN, Bernard; MAVROIDIS, P. C. Economic Development, Competition Policy and the
World Trade Organization. Journal of world Trade, v. 3, n˚.1, 2003, p. 6.
228
TABELA 07 - Grau de consenso relativo aos padrões normativos em nível
nacional e multilateral660
PRÁTICAS
RESTRITIVAS
Cartéis hard core (i.e., de
fixação de preços,
fraude à licitações,
divisão de mercado etc.)
Grau de consenso
para eliminar / regular
por meio de leis
antitruste nacionais
Grau de consenso
relativo aos
padrões
normativos
aplicáveis
Grau de consenso
para eliminar /
regular por meio de
acordos multilaterais
Alto
Alto
Alto
Alto para países
importadores, baixo
para países
exportadores
Alto para países
importadores, baixo
para países
exportadores
Baixo para moderado
Alto
Baixo
Baixo
Abuso de posição
dominante
Alto
Baixo
Baixo
Atos de concentração
(fusões, incorporações
etc.)
Alto
Baixo
Baixo
Cartéis de exportação
Restrições verticais
Vale mais uma vez ressaltar, que há consideráveis interesses divergentes
relacionados à política de concorrência entre países industrializados e países em
desenvolvimento, sendo que estes últimos possuem ainda muita dificuldade para
investigar condutas internacionais.
No contexto amplo de desenvolvimento proposto na presente tese, entendese que não se pode fechar os olhos para a criação de oportunidades aos PEDs e
outras economias frágeis. Como esses países carecem de instituições sólidas ou de
instrumentos de investigação para punir práticas internacionais de direito da
concorrência, entende-se adequado avaliar alternativas em âmbito multilateral para
suprir essa falha.
HOEKMAN entende que, numa perspectiva pura de política da concorrência,
uma convergência internacional material das leis é uma ilusão política que poderia
ser perigosa do ponto de vista da política nacional de concorrência, a não ser que
isto faça parte de um processo geral de “profunda integração”, em termos de adoção
de um regime regulatório comum661.
660
KENNEDY, Kevin C. Competition Law and the World Trade Organization: limits of
multilateralism. London: Sweet & Maxwell, 2001.
661
HOEKMAN, Bernard. Free Trade and Deep Integration. Antidumping and Antitrust in Regional
Trade Agreements. World Bank Policy Research Working Paper 1950, July: 1998. Disponível em:
229
Apesar de propostas de regras vinculantes de concorrência, no contexto da
política de comércio internacional, as regras existentes ainda são fragmentárias e
despidas de arranjo sistêmico. As evidências empíricas apontam que os exemplos
existentes de convergências de leis de concorrência estão integradas naquilo que
geralmente é definido como “zonas de integração regional”662.
De fato, a convergência de políticas de concorrência é um aspecto relevante
de uma integração profunda. E a inclusão de uma política de concorrência num
acordo regional de comércio pode ser motivada por uma série de razões. Veja-se,
por exemplo, o potencial bem-estar, ou distribuição de ganhos que podem ser
obtidos por meio da coordenação dos regimes de concorrência, uma vez que uma
estrutura institucional de um acordo regional permita colher estes benefícios663.
Nesse sentido, é cabível citar alguns exemplos. A CE é um exemplo sui
generis de acordo regional com elevado nível de integração, onde à política de
concorrência foi atribuído tratamento prioritário para criação de certos objetivos de
política pública, como por exemplo, a criação de “oportunidades competitivas
equivalentes”664.
Vale observar que a CE possui uma política de concorrência supranacional
que regula práticas de comércio em seus Estados-membros, mas não impôs
formalmente a obrigação de harmonização das leis nacionais de concorrência
(apesar de isso ocorrer na prática)665.
Outros exemplos interessantes podem ser mencionados, tal como a prática
dos membros do European Free Trade Association (EFTA), que aceitaram regras
comuns de concorrência, mas não aceitaram expressamente a jurisdição
supranacional
da
Comissão
Européia,
estabelecendo
um
organismo
de
666
fiscalização
.
<http://wwwwds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/IW3P/IB/1998/07/01/000009265_
3980928162543/Rendered/PDF/multi0page.pdf>. Acesso em: 24 Jul. 2010.
662
Vale, nesse sentido, a leitura de: HILPOLD, P. Regional Integration According to Article XXIV
GATT – Between Law and Politics. Max Planck: UNYB, 2003, p. 224.
663
KROL, 2007, p. 119.
664
HOEKMAN, 1998, p. 15.
665
HOEKMAN, 1998, p. 15.
666
“The European Free Trade Association (EFTA) is an intergovernmental organisation set up for the
promotion of free trade and economic integration to the benefit of its four Member States: Iceland,
Liechtenstein, Norway and Switzerland.” THE EUROPEAN FREE TRADE ASSOCIATION (EFTA).
About
EFTA.
Disponível
em
<http://www.efta.int/about-efta/the-european-free-tradeassociation.aspx>. Acesso em: 24 Jul. 2010.
230
Outro exemplo interessante de integração de regra de concorrência
encontra-se no acordo regional ANZCERTA (Australia-New Zeland Closer Economic
Relations Trade Agreement). Neste acordo, no artigo 12, § 1º, alínea “a”, ficou
estabelecido que os membros deveriam examinar o escopo de suas ações para
harmonizar as regras relativas às práticas restritivas ao comércio. E, de fato, a Nova
Zelândia e a Austrália harmonizaram suas leis de concorrência.667 FINKELSTEIN
explica que nesse acordo foram incorporados princípios de direito concorrencial e de
contencioso econômico internacional668.
Apesar dos exemplos acima, existem diversos processos de integração
regional que encontram pouca convergência em suas políticas de concorrência (vide
o exemplo do MERCOSUL669). Isto demonstra que mesmo em nível regional, a
convergência muitas vezes é impedida pelas diferenças das leis nacionais e dos
objetivos políticos.
GAL explica que a legislação concorrencial está passando por uma “nova
onda de regionalismo”: as partes dos contratos regionais se deparam com diferentes
graus de coerência e diversidade, desde acordo que ainda se concentram
principalmente na executoriedade unilateral até modelos mais centralizados670.
Contudo, nem sempre uma convergência de políticas de concorrência
implicaria uma troca potencial de ganhos de bem-estar671. A experiência regional
indica que a convergência de políticas de concorrência nem sempre é fácil. Os
diversos exemplos de regras de concorrência nos acordos regionais não podem ser
simplesmente transportados ao nível multilateral por sua própria natureza, conforme
se verá no item 6.5.1, ainda mais porque, ainda hoje, não tem sido fácil analisar a
compatibilidade dos acordos regionais com as regras multilaterais.
Os interesses governamentais direcionados às políticas de concorrência são
diversos e complexos, e é por isso que um consenso mútuo seria necessário para
que uma convergência não se torne uma ilusão672. A pergunta que certamente fica é
se existiria um incentivo para estender-se as regras estabelecidas regionalmente
667
HOEKMAN, 1998, p. 23.
FINKELSTEIN, Cláudio. A. Dimensão e o Controle Internacional do Comércio Local. TORRES,
Heleno Taveira. Comércio Internacional e Tributação São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 72. .
669
Vide item 5.5.1.
670
GAL, 2009, p. 24.
671
Em sentido contrário veja-se: KROL, 2007, p. 121.
672
KROL, 2007, p. 121-122.
668
231
para se estabelecer regras multilaterais de concorrência. Conforme será visto nos
itens subseqüentes, os objetivos perseguidos pelas políticas internacionais e as
propostas referentes ao acordo da OMC, em particular, podem responder a esta
questão.
6.5.1 Os Acordos Regionais de Comércio (ACR) no contexto da OMC
Mesmo diante de certas experiências positivas com regras de concorrência
em Acordos Regionais de Comércio (ACR673) o presente estudo não sugere a
introdução da obrigação ou de adoção em um Acordo geral de regras de defesa da
concorrência com base nas regras contidas em um ACR (tal como ocorre, por
exemplo, na CE), nem se sugere que os cartéis de exportação sejam tratados
apenas pelos ACRs.
Diante do grande crescimento dos ACRs, existem diversas discussões sobre
a compatibilidade desses acordos com o sistema multilateral do comércio, o que
também indica que, tratar de uma expansão dos acordos regionais para regular os
cartéis de exportação, pode não ser uma boa alternativa.
O GATT 1947 tratou do regionalismo em seu art. XXIV e como uma exceção
ao art. I (Cláusula NMF) ficou estabelecido que fosse feita a análise de
compatibilidade de cada novo acordo regional dentro dos ditames do sistema
multilateral. Inicialmente, esse exame deveria ser realizado por Grupos de Trabalho
ad hoc.
Após a criação da OMC, para melhorar essa questão foi criado, em 1996, o
Comitê de Acordos Regionais de Comércio (CARC), que estabeleceu como critério
de análise a avaliação sistêmica do regionalismo para o multilateralismo674. Contudo,
mesmo com a criação do CARC, segue com dificuldade a conclusão sobre a
compatibilidade de um ACR com a OMC.
673
Apesar da terminologia utilizadanos documentos em espanhol da OMC ser “Acordos Comerciais
Regionais”, optou-se neste trabalho por adotar a terminologia “Acordos Regionais de Comércio”,
utilizada pelo governo brasileiro. Disponível em: <http://www.mre.gov.br>. Acesso: 31 jul. 2009.
674
Antes da criação do CARC, todos os processos de exame dos ARCs estavam comprometidos.
Esta crise foi gerada porque os cerca de 20 grupos de trabalho criados para examiná-los não tinham
um critério único e nem respostas para as questões mais sensíveis, conhecidas como questões
sistêmicas, que não estão definidas na legislação do GATT, e que nem mesmo os grupos de trabalho
conseguiam definir. Cf. THORSTENSEN, Vera. OMC - Organização Mundial do Comércio - As
regras e a Rodada do Milênio. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p. 238.
232
No que diz respeito à América Latina em geral, desde 1980, e em especial
durante a década de 1990, ocorreram mudanças fundamentais evidenciadas pelo
alto grau de integração regional em busca de crescimento econômico. Ao mesmo
tempo, cresceu a participação destes países no sistema multilateral de comércio.
Dentro da OMC, estes países também têm defendido a negociação de uma nova
geração de acordos, que tratem de novas matérias, como políticas concorrenciais,
investimento, entre outros675.
O art. XXIV do GATT traz o conceito de zona de livre comércio, afirmando
que “[...] se entenderá por zona de livre comércio um grupo de dois ou mais
territórios aduaneiros entre os quais se eliminam os direitos de aduana e as demais
regulamentações comerciais restritivas”.676 No art. XXIV também foram autorizadas
as uniões aduaneiras677. A união aduaneira obriga as partes a adotarem uma política
de comércio exterior coordenada, inclusive com a harmonização das regras e
instrumentos de comércio678. Trata-se de um grau abaixo da integração que existe
no mercado comum679.
Assim, art. XXIV do Acordo Geral é uma exceção à Cláusula da NMF, pois
afasta o princípio da não-discriminação680 possibilitando a criação de acordos
regionais: zonas de livre comércio, uniões aduaneiras, ou similares. O GATT 1947
entende que as zonas de livre comércio e as uniões aduaneiras estabelecidas por
meio de acordos regionais representam um complemento ao livre comércio mundial.
Diante dessa permissão, o sistema multilateral enfrenta crescentes ARCs que
675
SALAZAR-XIRINACHS, José M.; ROBERT, Maryse. Toward free trade in the Americas.
Washington: Brookings Institution, 2002, p. 305.
676
Em estudo sobre este dispositivo, assim entendeu Maristela Basso: “Desta maneira, se
estabelece, por meio de tratados internacionais, a livre circulação das mercadorias sem barreiras ou
restrições quantitativas ou aduaneiras [...] porém, para que os produtos possam circular
independentemente de pagamento de tarifas de importação, deverá ficar comprovado - através de
certificados de origem - que a maior parte da mão-de-obra e das matérias primas provém
efetivamente de um dos países de livre comércio.” BASSO, Maristela. Mercosul: seus efeitos
jurídicos, econômicos e políticos nos Estados-membros. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1997, p. 29.
677
“[...] se entenderá por território aduaneiro todo território que aplique uma tarifa distinta ou outras
regulamentações comercias distintas a uma parte substancial de seu comércio com os demais
territórios” GATT, artigo XXIV.
678
THORSTENSEN, 2001, p. 237.
679
SALAZAR – XIRINACHS; ROBERT, 2002, p. 45.
680
O princípio da não-discriminação é, sem dúvida, peça essencial dentro da sistemática da OMC, e
estabelece que um Estado deve dar o mesmo tratamento a todos os demais Estados. Desta forma,
quando um Estado decide outorgar uma concessão a outro Estado, deverá estendê-la aos demais
Estados participantes do sistema multilateral do comércio.
233
concedem vantagens apenas aos seus Membros, em detrimento ao disposto pela
Cláusula da NMF681.
Contudo, a OMC não tem conseguido examinar ou concluir os trabalhos
sobre a compatibilidade dos ACRs com as regras do GATT. Isto inclusive foi
colocado em destaque no relatório do painel do caso Turquia - Restrições à
importação de produtos têxteis e de confecções682.
A questão é complexa porque existem muitos acordos em vigor ou sendo
negociados. De acordo com os dados públicos, até 31 de julho de 2010, foram
notificados na OMC 474 ARCs683. Desse total 351 acordos foram notificados com
base no art. XXIV do GATT, 31 com base na Cláusula de Habilitação684 e 92 com
base no art. V do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS)685.
Atualmente há 285 acordos em vigor (do total notificado), conforme indica a
tabela a seguir:
TABELA 08 - Acordos Regionais de Comércio em vigor – 2010686
Accessions Novos
ARCs
681
Total
GATT Art. XXIV (FTA)
2
156
158
GATT Art. XXIV (CU)
6
9
15
Enabling Clause
1
29
30
GATS Art. V
3
79
82
Total
12
273
285
DOMINGUES, Juliana O. Regionalismo e Multilateralismo: as propostas de reforma e a posição
brasileira. Revista de Direito Privado Vol. 27, São Paulo: RT, 2006, p.180.
682
WTO. Turquía - Restricciones a la importación de productos textiles y de vestido - AB - Informe del
Órgano de Apelación. Nº99-4546. WT/DS34/AB/R. 22.10.1999. Disponível em: <http://www.wto.org>.
Acesso: 13 jul. 2010, parágrafo 9.107.
683
WTO. Regional trade agreements Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/
region_e/region_e.htm>. Acesso em: 20 ago. 2010.
684
O MERCOSUL foi notificado à OMC com base nesta Cláusula.
685
Na área de serviços, o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços, negociado na Rodada Uruguai,
também prevê regras para a integração econômica (art. V), por meio de exceção à cláusula da NMF,
de não discriminação entre nações.
686
WTO. Summary tables. Disponível em: <http://rtais.wto.org/UI/publicsummarytable.aspx>. Acesso
em: 20 ago. 2010.
234
Uma das discussões importantes desenvolvidas pelo CARC diz respeito às
implicações das questões sistêmicas dos ARCs que foram surgindo como resultado
dos exames sobre acordos preferenciais, incluindo pontos que não estão definidos
ou esclarecidos no art. XXIV do GATT e que possuem difícil conceituação687.
Entre as principais questões sistêmicas, destacam-se: o entendimento do
art. XXIV, a avaliação da incidência geral de direitos aduaneiros e as outras regras
existentes após a formação de uma união aduaneira, a aplicação de medidas de
salvaguarda ou medidas antidumping entre os membros de um ARC, o significado
do termo “parte substancial de todo o comércio”, do art. XXIV, a sobreposição de
sistemas de solução de controvérsias, as dificuldades de avaliação de ARCs na
áreas de serviços (art. V do GATS), dentre outras que podem ser observadas nos
documentos da OMC688.
Existem outras questões pouco claras, pois, por exemplo, não está
formulado precisamente nas normas da OMC o momento que os membros devem
notificar um ARC. Cabe salientar que diversos ARCs em vigor não foram notificados
à OMC, em especial os acordos preferenciais entre países em desenvolvimento. Isto
é considerado como um obstáculo para a avaliação integral e precisa do fenômeno
dos acordos regionais em relação ao sistema multilateral de comércio689.
Sobre o exame dos ARCs com fulcro no art. XXIV do GATT, além da
notificação690, o CARC sustenta ser muito importante o acesso a uma informação
estatística
completa.
Existem
grandes
dificuldades
quando
as
estatísticas
disponíveis somente trazem um período anterior à entrada em vigor do ACR
especialmente quando há períodos significativos de transição.
687
DOMINGUES, Juliana O. Regionalismo e Multilateralismo: as propostas de reforma e a posição
brasileira. Revista de Direito Privado Vol. 27, São Paulo: RT, 2006, p.182.
688
Neste sentido veja-se: WTO. WT/REG/W/37. Resumen de las cuestiones “sistémicas”
relacionadas com los acuerdos comerciales regionales (ACR). 00-0789. 02.03.2000. Disponível em:
<http://www.wto.org> Acesso em: 21 jul. 2010. E também: WTO. TN/RL/W/8/Rev.1. Compendio de
cuestiones relacionadas com los Acuerdos Comerciales Regionales. 02-4246. 01.08.2002. Disponível
em: <http://www.wto.org>. Acesso: 13 jul. 2010.
689
DOMINGUES, 2006, p.183.
690
O Brasil indicou a utilidade de um esclarecimento quanto à finalidade da notificação.
Reiteradamente o Brasil vem se opondo ao requisito de que acordos negociados ao amparo da
Cláusula de Habilitação sejam sujeitos a essa determinação. A opinião brasileira é de que não parece
ser coerente a ênfase dada pelas diversas delegações à dinamização do comércio Sul-Sul, ao
mesmo tempo em que se buscam estabelecer procedimentos mais onerosos para o estabelecimento
de acordos entre os países em desenvolvimento, ao amparo da Cláusula de Habilitação. Cf. BRASIL.
Ministério das Relações Exteriores (MRE). Carta de Genebra - Informativo sobre a OMC e a
Rodada de Doha. Brasília, Ano 02, n. 1, janeiro de 2003. Disponível em: <http://www.mre.gov.br>.
Acesso em: 31 jul. 2005.
235
Algumas vezes as estatísticas são difíceis de obter e muitas delas chegam a
ser enganosas, principalmente levando em conta a dinâmica da integração
econômica.
Contudo, é
indispensável contar com
estatísticas
econômicas
detalhadas para facilitar o prosseguimento e evolução da estrutura do comércio e o
ajuste econômico das partes nos ARCs.
Atualmente a situação jurídica dos ARCs na OMC segue sendo pouco clara
e de qualquer forma continuam salvaguardados os direitos conferidos aos membros
sobre o procedimento de solução de controvérsias, mencionados expressamente no
parágrafo 12 do Entendimento de Solução de Controvérsias, que determina:
Poderá recorrer-se às disposições dos artigos XXII e XXIII do GATT
de 1994, desenvolvidas e aplicadas em virtude do Entendimento
sobre Solução de Controvérsias, com respeito a qualquer questão
derivada da aplicação das disposições do art. XXIV referentes a
uniões aduaneiras, zonas de livre comércio ou acordos provisórios
tendentes ao estabelecimento de uma união aduaneira ou de uma
zona de livre comércio.
A concessão de exceções para os acordos sobre comércio preferencial,
entre países em desenvolvimento e países desenvolvidos, tem enfrentado grandes
dificuldades. Sobre essa questão alega-se que nas negociações se levará em
consideração os aspectos relativos ao desenvolvimento, levando em conta a
importante função que desempenham estes acordos e em conformidade com a
Declaração Ministerial de Doha. Desse modo, qualquer nova norma sobre esses
acordos deveria proteger os interesses dos países em desenvolvimento e dos
países menos desenvolvidos691.
Nos últimos 08 anos ocorreram outros debates entre os Membros sobre o
dever de notificar os ACRs. Nesse contexto o Brasil também ressaltou que uma clara
distinção entre os acordos notificados com amparo no art. XXIV do GATT e no art. V
do GATS e aqueles notificados com fulcro na Cláusula de Habilitação, poderia
contribuir muito para os avanços nos trabalhos sobre os procedimentos de
notificação692.
691
TN/RL/W/8/V/Rev.1, p. 13.
WTO. WT/REG/M/33. Nota sobre la reunión celebrada el 12 y 13 de noviembre de 2002. Nº026639. 02/12/2002. Disponível em: <http://www.wto.org>. Acesso em: 13 jul. 2004. Veja-se também as
seguintes Cartas de Genebra: Ano 04, n. 2, abril de 2005; Ano 04, n. 3, junho de 2005; Ano 04, n. 4,
julho de 2005; Ano 04, n. 5, julho de 2005. Disponíveis em: <http://www.mre.gov.br>. Acesso em: 29
ago. 2005.
692
236
De uma forma geral, os documentos da OMC demonstram preocupação em
relação ao acúmulo de acordos regionais em exame e às implicações da falta de
consenso no entendimento das questões sistêmicas. Apesar das inúmeras questões
sistêmicas levantadas em diversos documentos, as negociações neste setor
acabaram se limitando ao esforço de transparência dos ARCs, alcançando poucos
resultados significativos693.
Os argumentos que apontam para o aproveitamento dos ACRs para a
convergência das regras de concorrência está muito mais relacionados à crença de
que os acordos regionais poderiam facilitar a harmonização de regras. Apesar de ser
aparentemente positivo viver em um ambiente internacional onde haja harmonização
das regras, vale observar que não se entende necessária a harmonização vinculante
de leis nacionais de defesa da concorrência.
Entende-se que isto não seria politicamente viável ou exigível principalmente
aos países que sequer possuem afinidade ou tradição com o tema. Cumpre
esclarecer a compreensão de que qualquer obrigação de se investir na criação de
um regime jurídico antitruste nacional, em um período específico, poderia ser
inoportuna para alguns países, resultando na rejeição da proposta. Assim, os ACRs
não teriam como suprir a necessidade de regulação dos cartéis de exportação, até
mesmo porque muitos também não chegam a tratar de regras comuns de
concorrência (tal como ocorre na CE que tem um nível de integração muito mais
avançado).
Independente da obrigação de harmonização inexistir segue como tendência
predominante, desde Cingapura a adoção, cada vez maior, de leis nacionais de
defesa da concorrência. Certamente a adoção de leis nacionais poderia colaborar
para se atingir o objetivo de regras comuns de concorrência para alguns temas
específicos, mas entende-se que isto deve ocorrer de forma adequada, ou seja, sem
exercer pressão para uma harmonização “geral”, cuja implementação poderia ser
muito custosa aos PEDs e aos países que possuem economias mais frágeis.
693
Conforme já se ponderou anteriormente em estudo sobre os ACRs, entende-se que, se elementos
como a transparência e o processo de notificação dão margem a tantas discussões, provavelmente
as deliberações sobre a precisão das disciplinas de exame de compatibilidade, a exemplo da
definição do conceito de “substancialmente todo o comércio”, devem gerar entraves muito maiores
entre as delegações. Veja-se: DOMINGUES, 2006, p. 197-198.
237
6.5.2 Considerações sobre o MERCOSUL
A harmonização das medidas de defesa comercial (ou de comércio exterior)
e das políticas de concorrência está fixada na agenda do MERCOSUL desde o seu
início, conforme se observa da leitura do art. 1.º do Tratado de Assunção, que
determina que o Mercado Comum implica:
A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os
Estados-Partes – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal,
monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de
transportes e comunicações e outras que se acordem –, a fim de
assegurar condições adequadas de concorrência entre os EstadosPartes; e
O compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações,
nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de
integração.
Durante a 11.ª Reunião do Conselho do MERCOSUL, realizado em
Fortaleza, em 1996, foi assinado o Protocolo de Defesa da Concorrência do
MERCOSUL, que passou a ser conhecido como “Protocolo de Fortaleza”694.
Contudo, muito pouco evoluiu até hoje no que diz respeito à aplicação de regras de
concorrência no âmbito do MERCOSUL.
É interessante observar que o Protocolo de Fortaleza também incorporou a
teoria dos efeitos, conforme se observa abaixo:
Art. 2º. As regras deste Protocolo aplicam-se aos atos praticados por
pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado e a outras
entidades que tenham por objeto produzir ou que produzam efeitos
sobre a concorrência no âmbito do MERCOSUL e que afetam o
comércio entre os Estados Partes.
Vale destacar que, passados 14 anos da assinatura do Protocolo de
Fortaleza, tais assimetrias ainda persistem entre os Estados-partes e não se
observa uma intensificação sistemática da cooperação, apesar de estar claramente
previsto no artigo 30 o compromisso de adoção de mecanismos de cooperação
para:
a)
sistematizar e intensificar a cooperação entre os órgãos e as
autoridades nacionais responsáveis, com vistas ao aperfeiçoamento
dos sistemas nacionais e dos instrumentos comuns de defesa da
concorrência, mediante um programa de intercâmbio de informações
e experiências, de treinamento de técnicos e de compilação de
jurisprudência relativa à defesa da concorrência, bem como da
694
DOMINGUES, Juliana Oliveira. Os atos de concentração e fusão de empresas no contexto dos 10
anos do Mercosul. In: PIMENTEL, Luiz Otávio (Org.). Direito da integração e relações
internacionais – ALCA, Mercosul, UE. Florianópolis: Boiteux, 2001, p. 369.
238
investigação conjunta das práticas lesivas à concorrência no
Mercosul;
b)
identificar e mobilizar, inclusive por meio de acordos de
cooperação técnica em matéria de defesa da concorrência
celebrados com outros Estados ou agrupamentos regionais, os
recursos necessários à implementação do programa de cooperação
a que se refere a alínea anterior.
Conforme destacado há cerca de 10 anos por OLIVEIRA, existem fortes
assimetrias no MERCOSUL com relação ao nível de desenvolvimento institucional
da defesa da concorrência dos seus Estados-Partes que acabam dificultando as
propostas que foram inicialmente elaboradas695.
Diante dessas limitações, OLIVEIRA havia proposto uma agenda de revisão
em que um dos pontos de destaque residia na necessidade de diminuir a freqüência
de ações antidumping dentro do MERCOSUL, uma vez que o autor entendia que
não seria coerente que parceiros comerciais entrassem em disputas dessa natureza.
Ao mesmo tempo, o mesmo autor já indicava em seu estudo uma interface
positiva entre a defesa da concorrência e a defesa comercial, pois defendia que os
critérios de defesa da concorrência poderiam auxiliar a abordagem do tema, já que
incorporam uma preocupação maior com os efeitos para o consumidor,
diferentemente da defesa comercial têm ênfase na proteção da indústria
doméstica696.
Veja-se que, nos últimos anos, ocorreram diversas reuniões entre os
representantes dos Estados-Partes do MERCOSUL para discutir o uso – ou a
restrição ao uso – de medidas compensatórias, principalmente relacionadas à
aplicação das medidas antidumping. Cumpre destacar que a finalidade principal
dessas discussões era tentar viabilizar a substituição de algumas medidas.
Apesar de existir uma sensível disparidade no grau de maturidade dos
Estados-Partes com relação aos instrumentos de defesa da concorrência e de
defesa comercial, ainda assim se passou a discutir uma segunda etapa a ser
desenvolvida após a eliminação das medidas compensatórias, para a criação de um
único órgão supranacional da concorrência697. Tal órgão supranacional teria a
695
OLIVEIRA, Gesner. Concorrência no Brasil e no mundo. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 47.
OLIVEIRA, 2001, p. 49.
697
Este é um conceito que “se envolve com um matiz de interessante e peculiar especificidade, ao
dotar um ordenamento jurídico comunitário de incomum mecanismo, ou melhor, de um artifício, o
artifício da supranacionalidade, sobre o qual se articulam as relações entre as instituições e o direito”.
696
239
competência de cuidar de todos os aspectos relacionados à concorrência e à
competitividade no bloco, incluindo as questões de defesa comercial.
Diante desse cenário a SEAE/MF elaborou um estudo, em 2002, que
objetivou analisar se essa discussão fazia sentido e se seria possível colocá-la em
prática698. A SEAE/MF procurou elucidar se não teriam que ser criadas outras
medidas para compensar alguns pontos em que a defesa da concorrência não
abarca a defesa comercial.
Assim, foi redigido um texto refletindo algumas possíveis respostas para
estas perguntas, sem a pretensão de ser algo conclusivo. Nos dizeres de SCHMIDT,
SOUSA e LIMA:
De forma geral, pode haver divergências e antagonismos de
objetivos entre as políticas de defesa comercial e as de defesa da
concorrência. Este fato faz com que a implementação de políticas
para promover o comércio e a concorrência, simultaneamente, seja
complexa ou até mesmo inviável. Alguns países têm buscado
solucionar este problema através de aplicações de conceitos de
defesa da concorrência na análise de questões relacionadas ao
comércio, mas não é uma regra e tampouco há consenso.699
A SEAE/MF preparou referido estudo motivada, principalmente, pelos
debates que já existiam no MERCOSUL relacionados à supressão de medidas
compensatórias por medidas de defesa da concorrência e à idéia de criação de um
órgão supranacional. Aproveitou-se esse estudo para realizar uma análise focada na
pertinência da adoção de conceitos antitruste no âmbito da análise de defesa
comercial no Brasil.
A primeira conclusão do estudo indicou que, dentre os instrumentos de
defesa comercial, o antidumping é o que apresenta divergência conceitual mais
expressiva entre as políticas trade and competition. De acordo com SCHMIDT,
SOUSA e LIMA:
OLIVEIRA, Odete Maria de. União Européia: processos de integração e mutação. Curitiba: Juruá,
1999, p. 70.
698
Veja-se: SCHMIDT, Cristiane Alkmin Junqueira; SOUSA, Isabel Ramos de; LIMA, Marcos André
M. de. Comércio e Competição. SEAE/MF Documento de Trabalho n. 14, abr.2002.
699
SCHMIDT; SOUSA; LIMA, 2002, p. 3. O próprio documento preocupa-se em esclarecer que não
se buscava, com o estudo, uma resposta para as questões analisadas, mas sim promover a abertura
de um espaço para discutir o tema: “[...] o objetivo da SEAE neste momento, mais do que alcançar
resultados imediatos sobre os casos de dumping, o que poderia provocar uma disputa interministerial
desnecessária, é criar uma discussão intelectual pertinente sobre o assunto, para que se possa ter
uma conclusão sobre um tema, de tanta relevância, de forma tranqüila e robusta no longo prazo, em
que o interesse nacional prevaleça, sob rationales sólidas”. SCHMIDT; SOUSA; LIMA, 2002, p. 13.
240
Da forma como é definido, o dumping acaba englobando casos que
não seriam analisados pelo órgão de defesa da concorrência. Já com
relação aos outros dois instrumentos, subsídios e salvaguardas, as
divergências inexistem ou são contornáveis. Assim, se fosse o caso,
como se discute no MERCOSUL, por exemplo, de se eliminar as
medidas compensatórias, principalmente o antidumping, sobrepondoas por medidas de defesa da concorrência, haveria de se ter a
consciência que não seriam analisados os casos de discriminação de
preço, exceto os de preço predatório. Conseqüentemente, se não
houver consenso de que só é relevante analisar os casos de preços
predatórios, talvez, toda essa discussão seja desnecessária.700
Os autores do documento de trabalho da SEAE/MF indicaram também não
concordar com as medidas compensatórias adotadas no Brasil pelo DECOM, apesar
de aceitá-las, pois entendem que não há ainda um consenso no Brasil sobre a
introdução de princípios antitruste em assuntos de defesa comercial, e muito menos
um debate profundo sobre o tema. De todo modo, os autores entendem que uma
medida antidumping poderia, em tese, incentivar empresas a formar um conluio, o
que tanto pela Lei n. 8.884/94 quanto pela lei antitruste de outros países é
considerado como prática ilegal.701
Embora nos últimos anos esse debate não tenha evoluído no âmbito do
MERCOSUL, em 2007, diante da ameaça da Argentina pedir abertura de Painel na
OMC contra o Brasil (caso da resina PET702), o Ministro das Relações Exteriores
Celso Amorim declarou a intenção de retomar as negociações dos mecanismos para
harmonizar a defesa de concorrência e a defesa comercial no bloco, apesar de
reconhecer que não seria algo fácil e exigiria concessões de todas as partes.703
Em que pese a suposta boa vontade em se colocar o tema na pauta de
discussões, é inegável que muito pouco se avançou, e ainda hoje existem diferenças
para que o tema possa evoluir dentro do bloco no sentido proposto pelo Protocolo de
Fortaleza, o que é um grande desafio para o Comitê de Defesa Comercial e
Salvaguardas do MERCOSUL (CDCS) e para a Comissão de Comércio do
700
SCHMIDT, Cristiane Alkmin Junqueira; SOUSA, Isabel Ramos de; LIMA, Marcos André M. de.
Comércio e competição. SEAE/MF Documento de Trabalho n. 14. abr. 2002, p. 14.
701
SCHMIDT; SOUSA; LIMA, 2002, p. 14.
702
ICTSD. Brasil, Argentina e as resinas PET: novo painel na OMC? Pontes. v. 2. n˚. 2. 9 de abril de
2007. Disponível em: <http://ictsd.org/i/news/pontesquinzenal/5342/> Acesso em: 22 jul. 2010.
703
Amorim prega defesa da concorrência unificada no Mercosul. Valor Econômico, de 12 de junho
de 2007. Nessa mesma reportagem, o Secretário de Comércio da Argentina Alfredo Chiaradia,
também reconheceu a importância dessa negociação, e o Diretor do Departamento de Defesa
Comercial (DECOM) do MDIC à época, Dr. Fernando Furlan, hoje Conselheiro do CADE, foi incisivo:
“O Brasil está tecnicamente pronto, depende dos outros sócios”.
241
MERCOSUL (CCM)704.
Indubitavelmente, após uma harmonização mínima entre os EstadosPartes705, as chances de êxito poderão aumentar para a adoção de um regulamento
comum a partir do qual os órgãos nacionais trabalhariam e aplicariam medidas
somente em relação a terceiros países. Aliás, nesse ponto o Protocolo de Fortaleza
deveria conter uma delimitação mais clara das esferas de competência nacional e
regional, de forma a evitar potenciais conflitos de competência706.
Somente após a superação dos pontos críticos de divergência, aí sim
poderia então ser pensada a etapa de criação de um órgão supranacional para
administrar e aplicar um regulamento comum, o que por enquanto não parece ser
plausível.
Diante da pouca evolução do tema no MERCOSUL não há sequer debates
sobre regras comuns ou uma política de controle direcionada aos cartéis de
exportação, o que denota que, pelo menos nesse acordo regional, não há previsão
de regulação desse tipo de prática em curto prazo.
704
No mesmo sentido, veja-se: “No momento da assinatura do protocolo, o Brasil era o único país do
Mercosul que possuía os instrumentos mínimos indispensáveis à implementação dos compromissos
ali firmados. [...] Entretanto, os procedimentos descritos no protocolo pressupõem a existência de
agências antitruste em todos os Estados Membros, ainda que, de fato, aqueles procedimentos sejam
conflitantes com a natureza das funções cumpridas por tais agências. Esta dicotomia entre o escopo
normativo do protocolo e o estado das instituições nacionais implicou uma série de inconsistências
que estão retardando a execução das metas definidas em Fortaleza. [...] Além disso, o protocolo
impede que as autoridades antitruste cumpram uma função estratégica no processo de integração,
que é a de cooperar com as contrapartes dos países vizinhos na promoção da eficiência produtiva e
do interesse do consumidor em âmbito regional. De fato, são usuais conflitos transfronteiriços em
que, de um lado, as autoridades antitruste da região encontram-se unidas no combate a uma
determinada prática; e, de outro, órgãos de governo, empresas ou associações privadas dos
respectivos países estão aliados na defesa dos privilégios advindos daquela prática. O protocolo não
contempla este tipo de conflito”. In: ARAÚJO JUNIOR, José Tavares de. Política de concorrência
no Mercosul: uma agenda mínima. Department of Trade, Tourism and Competitiveness (DTTC).
2001. Disponível em: <http://www.dttc.oas.org/trade/STAFF_ARTICLE/tav01_conc_agenda.asp>.
Acesso em: 10 jun. 2008.
705
Conforme bem elucida Mattos, em processos de integração é fundamental que haja entendimento
comum acerca do trade-off entre políticas de concorrência e políticas industriais, evitando que ações
ou omissões constituam exercício velado de protecionismo. Veja-se: MATTOS, César. Harmonização
das políticas de defesa da concorrência e comercial: questões teóricas e implicações para o
Mercosul, Alca e OMC. Estudos Econômicos (IPE/USP), São Paulo, v. 29, n. 2, p. 267-291, 1999.
706
DOMINGUES, Juliana Oliveira. O papel da livre concorrência no Mercosul. In: VIEIRA, Osmar
(Org.). Desafios e paradigmas do direito, comércio e relações internacionais. 1 ed. Londrina:
Unifil, 2001, v. 1, p. 548. No mesmo sentido, veja-se: OLIVEIRA, 2001, p. 47.
242
6.5.3 A cooperação em Acordos Bilaterais
Há mais de 10 anos ao elaborar estudo referente às leis de concorrência em
âmbito regional, OLIVEIRA elaborou uma tabela com uma lista de acordos bilaterais
e regionais que existiam à época, conforme se reproduz abaixo:
TABELA 09 - Lista de Acordos Bilaterais e Regionais relativos à Política
de Concorrência – 1998707
Nome do Acordo
Protocolo do Mercosul sobre defesa
da concorrência
Acordo entre os governos dos EUA e
do Canadá sobre aplicação de regras
de restrições de práticas
empresariais
Revisão das recomendações do
Conselho de Países Membros da
OCDE sobre práticas empresariais
restritivas que afetam o comércio
internacional
Acordo de Associação entre a União
Européia e outros países do Sul do
Mediterrâneo
Acordo de Cooperação e
Coordenação assinado pelo Comitê
Australiano de Práticas Comerciais e
pelo Comitê Neo Zelandês de
Práticas Comerciais
Acordo Europeu de Política
Econômica
Tratado de Distribuição de Energia
Acordo de Livre Comércio Norte
Americano
Acordo assinado pelos EUA e pelo
Comitê das Comunidades Européias
sobre aplicação das leis de
concorrência
Acordo do Conselho de Cartagena,
decisão 285: Regras sobre como
prevenir ou corrigir distorções na
concorrência restringindo a
concorrência no comércio de livre
mercado
Memorando de Entendimentos sobre
Harmonização das Leis de Comércio
assinado pela Austrália e pela Nova
Zelândia
Acordos assinados entre a União
Européia e países da Europa Central
e do Leste Europeu
Ações para construir impedimentos
estruturais assinado entre os
governos dos EUA e Japão.
Acordo assinado pelos governos da
707
Ano (a)
Tipo
Cooperação
Regras
comuns (b)
Autoridade
comum
1996
Regional
Sim
Sim
Não
1995
Bilateral
Sim
Não
Não
1995
Regional
Sim
Não
Não
1995,
1996 (c)
Bilateral
Não
Sim
Não
1994
Bilateral
Sim
Não
Não
1994
Regional
Sim
Sim
Não
1994
Regional
Sim
Não
Não
1992
Regional
Sim
Não
Não
1991
Bilateral
Sim
Não
Não
1991
Regional
Sim
Sim
Sim
1990
Bilateral
Sim
Não
Não
1991,
1996 (d)
Bilateral
Sim
Sim
Não
1990
Bilateral
Sim
Não
Não
1984
Bilateral
Sim
Não
Não
OLIVEIRA, Gesner. Aspects of Competition Policy in Mercosur. Disponível em:
<http://virtualbib.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/1898/TD92.pdf?sequence=1>. Acesso em: 25
Ago. 2010.
243
República da Alemanha e da França
para Cooperação relativa a práticas
restritivas de mercado
Acordo assinado pelos governos dos
EUA e da Austrália sobre questões
1982
Bilateral
Sim
relativas a Antitruste
Guia para Empresas Multinacionais
1976
Regional
Sim
da OCDE
Acordo entre a República Federal da
Alemanha e o governo dos EUA para
1976
Bilateral
Sim
Cooperação Mútua relativa à práticas
restritivas empresariais
Tratado de criação da Comunidade
1957
Regional
Sim
Européia
(a) o ano que o acordo foi assinado.
(b) O número de regras comuns difere consideravelmente de acordo para acordo.
(c) Israel, Marrocos, Autoridade Palestina (1996) e Tunísia.
(d) Seis acordos como o de Acordo de Junho 1996 foram assinados.
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Sim
Sim
Existem debates que apontam que regras bilaterais também seria um
caminho positivo para a convergência de regras concorrências. Contudo, apesar de
existirem bons instrumentos que podem ser utilizados na tentativa de dar efetividade
às leis de defesa da concorrência internacionalmente em alguns acordos regionais e
aqueles resultantes de acordos bilaterais, partilha-se da mesma opinião de
FINKELSTEIN de que a cooperação bilateral também é falha708.
WAISBERG explica que os países em desenvolvimento devem procurar
soluções internacionais que evitem a aplicação extraterritorial do direito antitruste,
sem qualquer controle da comunidade internacional, para que isso não seja usado
contra eles próprios709. O autor ainda explica que:
Os acordos de cooperação bilateral são importantes, mas não
resolvem o conflito se esse persistir. Assim, o eventual acordo
internacional de concorrência, para os países em desenvolvimento,
deve conter alguma previsão de mecanismo de solução de
controvérsias para minorar a possibilidade de uma aplicação
extraterritorial, que, muitas vezes, tem cunho político ou
protecionista710.
De maneira bastante elucidativa, que espelha o mesmo entendimento deste
estudo FINKELSTEIN explica de forma objetiva as razões da cooperação bilateral
ser falha:
708
FINKELSTEIN, Cláudio. A. Dimensão e o Controle Internacional do Comércio Local. TORRES,
Heleno Taveira. Comércio Internacional e Tributação São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 57.
709
WAISBERG, Ivo. Direito e política da concorrência para os países em desenvolvimento. São
Paulo: Aduaneiras, 2006, p. 139.
710
WAISBERG, Ivo. Direito e política da concorrência para os países em desenvolvimento. São
Paulo: Aduaneiras, 2006, p. 139.
244
Primeiramente, tendo em vista que o simples fato de haver
cooperação, por mais extensa que essa possa ser, não implica
necessariamente que as decisões dos órgãos de defesa da
concorrência em diferentes jurisdições sejam coerentes entre si.
Ademais, como já visto acima, mesmo que haja cooperação, as leis
de defesa da concorrência em diferentes jurisdições diferem em
inúmeros aspectos. Com isso, práticas consideradas lícitas sob uma
determinada jurisdição, podem ser consideradas ilícitas sob outras.
Logo, não obstante uma intensa troca de informações entre duas
autoridades de defesa da concorrência na análise de um
determinado caso, nada impede que ela seja considerada legal por
uma das autoridades e ilegal por outra. E, por fim, sendo bilaterais,
esses acordos de cooperação somente são vinculativos com relação
às suas partes signatárias, o que limita consideravelmente o seu
campo de aplicabilidade e potencialidade de gerar benefícios.711
De fato, esse é o dilema enfrentado com relação aos cartéis de exportação,
pois ao mesmo tempo em que pode ser considerado um ilícito no país que sofre com
a conduta ele é autorizado muitas vezes pelo país cujos agentes praticam a conduta.
Assim, a cooperação também não seria adequada para tratar desse problema, e, tal
como pondera FINKELSTEIN, esses acordos ficam limitados às suas partes
signatárias, não sendo possível utilizá-los de uma forma geral que abarque
amplamente a questão em âmbito internacional.
6.6 A promoção do desenvolvimento por meio de hard law e soft law
Na última década, tem se observado uma corrida para adoção de leis de
concorrência em várias regiões, independente do grau de desenvolvimento e das
circunstâncias políticas. De acordo com GESNER OLIVEIRA em 1998 (à época em
que era presidente do CADE), são necessários estágios de desenvolvimento para a
implementação de políticas antitruste, o que requer tempo, mudança cultural,
investimento e instituições adequadas712.
Segundo OLIVEIRA, para o desenvolvimento institucional de novas leis e/ou
políticas de concorrência, é necessária assistência técnica das agências ou
711
FINKELSTEIN, Cláudio. A. Dimensão e o Controle Internacional do Comércio Local. TORRES,
Heleno Taveira. Comércio Internacional e Tributação São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 57.
712
OLIVEIRA, Gesner. Competition Policy in Brazil and Mercosur: aspects of the recent experience.
Paper distributed at the brazilian antitrust roundtable/ symposium Miami – USA. In. Boletim
latinoamericano de concorrência n° 3-B, março, 1998, p. 3.
245
governos que possuem um sistema sólido que possam cooperar no nível
internacional. Isto também seria importante dentro das organizações internacionais
(incluindo a OMC) para se estabelecer os princípios centrais de direito da
concorrência, em nível multilateral713.
WALLER defende que há tanto soft law como hard law internacionais que
poderiam embasar a caracterização de um chamado “state of international
competition rules” que emergiriam dos trabalhos das organizações internacionais,
tais como: OCDE, APEC, NAFTA, MERCOSUL entre outros 714 .
A questão já colocada pelo autor há mais de 10 anos ponderou quais regras
específicas poderiam ser aceitas como obrigatórias ou se essas regras poderiam ser
consideradas como leis vinculantes decorrentes de costumes internacionais. Nesse
sentido, seu estudo sugere que, se uma nação escolheu ter leis de concorrência, ela
deveria aplicá-las de uma maneira não discriminatória715.
Da mesma forma que BECKER e SOKOL, WALLER analisa a utilização de
princípios que são familiares ao sistema da OMC: o tratamento nacional e cláusula
NMF. Teoricamente, esses princípios poderiam cobrir muitos problemas clássicos de
concorrência, em que pese em determinadas situações alguns casos não se
encaixarem bem às regras existentes716.
Veja-se que, apesar de ser possível o uso das regras atualmente em vigor no
âmbito da OMC, conforme se viu neste estudo, entende-se que para resolver toda a
variedade de problemas relacionados ao direito antitruste, regras específicas
deveriam ser criadas num sistema multilateral. Isto aplica-se inclusive ao caso dos
cartéis de exportação.
WALLER defende que, com base nos princípios da OMC, haveria uma
violação ao princípio de não discriminação ao se dar isenção antitruste aos cartéis
de exportação, se no país dos membros do cartel existe uma política anti-cartel.
Também seria uma violação isentar os exportadores da aplicação das leis antitruste
713
OLIVEIRA, Gesner. Competition Policy in Brazil and Mercosur: aspects of the recent experience.
Paper distributed at the brazilian antitrust roundtable/ symposium Miami – USA. In. Boletim
latinoamericano de concorrência n° 3-B, março, 1998, p. 4-5.
714
WALLER, Spencer Weber. An International common law of Antitrust. New England Law Review,
Vol. 34, 1999, p. 168. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=984490>.
Acesso em: 12 jan. 2010.
715
WALLER, 1999, p. 168.
716
WALLER, 1999, p. 169.
246
e, ao mesmo tempo, impor responsabilidade às empresas estrangeiras que
prejudicam a competição por meio das exportações717.
Quando o aplicador das regras antitruste recusa-se a cooperar com outro país
e, ao mesmo tempo, utiliza-se dos instrumentos de cooperação para investigar
questões de comércio exterior, poderia violar ao PTN e à cláusula NMF718.
FINKELSTEIN também explica que existem limitações na mera cooperação
internacional que poderiam ser resolvidas por meio da ação da OMC, ou seja, a
organização pode tratar de eventuais divergências entre decisões de diferentes
Estados719.
Veja-se ainda que WALLER entende que existem regras disponíveis e um
sistema de solução de controvérsias bem desenvolvido capaz de responder às
questões de antitruste na OMC720. Discorda-se dessa opinião apenas no sentido de
que as regras disponíveis seriam suficientes, mas certamente o sistema de solução
de controvérsias seria um grande atrativo para responder às questões de antitruste.
Conforme pondera FINKELSTEIN, a possibilidade de se discutir essas
questões da OMC é importante em razão de dois fatores principalmente:
(i)
o fato de a OMC ter um corpo próprio de profissionais treinados
para julgar as lides do comércio internacional, de forma jurídica, sem
ingerências políticas, com excelentes resultados e com uma retórica
de submissão voluntária dos Estados aos seus julgamentos,
somados a (ii) uma inequívoca vocação democrática, em que os
interesses dos países em desenvolvimento são analisados e em
muitos casos são determinantes na política a ser adotada pelo
órgão721.
A principal relutância dos Membros da OMC para utilizar esse tipo de análise
no sistema de solução de controvérsias não seria, então, a ausência total de regras
de concorrência, mas sim a falta de consenso entre os Membros sobre a aplicação
dessas regras para esses fins722.
717
WALLER, 1999, p. 169.
WALLER, 1999, p. 169.
719
FINKELSTEIN, Cláudio. A. Dimensão e o Controle Internacional do Comércio Local. TORRES,
Heleno Taveira. Comércio Internacional e Tributação São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 82.
720
WALLER, 1999, p. 171.
721
FINKELSTEIN, Cláudio. A. Dimensão e o Controle Internacional do Comércio Local. TORRES,
Heleno Taveira. Comércio Internacional e Tributação São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 82.
722
WALLER, 1999, p. 169.
718
247
O que é importante observar é que as regras atuais que poderiam ser
aplicáveis às questões de concorrência, podem não responder a todos os problemas
relacionados ao direito antitruste. O “melhor cenário” seria a criação de regras
específicas. Como WALLER defendia, há 10 anos, a possibilidade de criação de um
código internacional de direito da concorrência “seria provavelmente o melhor que
poderia ser esperado no futuro próximo e um resultado muito bom no mundo real.”723
Vale dizer que a OMC e outras organizações, acordos e tratados, possuem,
de fato, regras internacionais que poderiam servir, ao menos parcialmente, para
avaliar determinados casos e prevenir alguns abusos à concorrência. Entretanto,
entende-se que a OMC seria o foro mais adequado para tratar dessas questões,
principalmente relacionadas aos cartéis de exportação, uma vez que, além de já
possuir algumas regras e princípios que poderiam ser aplicados aos problemas de
direito da concorrência, também já possui maturidade e um sistema de solução de
controvérsias efetivo.
Ainda, em um contexto de desenvolvimento (tal como o adotado no presente
estudo), a OMC poderia oferecer uma estrutura adequada para os PEDs,
considerando o tratamento diferenciado que deve ser garantido aos países nessa
situação, o que favorece o desenvolvimento.
Uma possível solução seria resolver as divergências ou a falta de um
regulamento que trate de isenções antitruste por meio de uma hard law. Em poucas
palavras, pode-se dizer que quando existem efeitos vinculantes entre os resultados
de um documento ou decisão entre Estados estar-se-ia diante de uma hard law.
De acordo com ABBOTT e SNIDAL:
Ao utilizar a hard-law para ordenar as suas relações, os atores
internacionais reduzem os custos das operações, reforçam a
credibilidade dos seus compromissos, expandem as suas estratégias
políticas disponíveis, e resolvem problemas de contratação
incompleta. Fazendo isso, no entanto, custos significativos são
ocasionados: a lei restringe duramente o comportamento dos atores
e até mesmo a sua soberania724. (tradução livre)
723
WALLER, 1999, p. 171.
ABBOTT, Kenneth W.; SNIDAL, Duncan. Hard and Soft Law in International Governance. In:
International Organization, v. 54, n˚. 3. Cambridge, Ma: IO Foundation and the MIT, Summer, 2000, p.
2.
724
248
Ainda com relação ao direito antitruste, entende-se então que uma hard law
aplicável por meio das instituições existentes poderia significar a regulação
internacional dos cartéis de exportação. A sugestão desse estudo é que isso ocorra
por meio de regras específicas que poderiam ser estabelecidas na OMC.
Vale apontar que SOKOL entende que o caso dos cartéis de exportação
seria diferente das disputas comerciais tradicionais levadas à OMC725. SOKOL
explica que, como existem poucos dados disponíveis a respeito dos cartéis de
exportação, uma solução precisa pesar se a análise deve ser feita caso a caso ou de
forma mais categórica, uma vez que, com base nesse tipo de conduta, acredita que,
por si sós, os cartéis de exportação não desaparecerão726.
WALLER possui uma posição mais firme no que diz respeito aos cartéis de
exportação. Esse autor, ao fazer a análise to ETC nos EUA, destaca em suas
conclusões que uma grande vantagem seria abolir ou controlar totalmente todos os
cartéis de exportação, tanto dos EUA como os estrangeiros, por meio de acordos ou
regulações internacionais727.
Realmente, diante dos dados trazidos sobre as aplicações das isenções em
diversas jurisdições, aparentemente uma proibição completa dos cartéis de
exportação parece difícil de ser obtida, além de ser uma proposta pouco razoável.
Conforme explica SOKOL, os cartéis de exportação são casos muito específicos e
alguns cartéis de exportação podem ter justificativas complementares para sua
conduta, ou seja, uma proibição geral das isenções concedidas pode não ser ideal
em termos de bem-estar global728.
Ainda, veja-se que considerar os cartéis de exportação como uma proibição
per se, pode ser um meio excessivo para tratar da questão. Como não há
entendimento de que os cartéis de exportação são sempre negativos, uma proibição
geral pode vedar comportamentos que poderiam, pelo menos em tese, ser prócompetitivos729. Vale dizer que não é isso que a presente tese propõe.
725
SOKOL, 2008, p. 9
SOKOL, 2008, p. 9.
727
Veja-se: WALLER, Spencer. The failure of the export trading company program. North Carolina
Journal of International Law and Commercial Regulation, v. 17, 1992, p. 276.
728
SOKOL, 2008, p. 9.
729
Veja-se: USA. Federal Trade Comission (FTC). Antitrust gudelines for collaborations among
competitors, april 2000. Disponível em: <http://www.ftc.gov/os/2000/04/ftcdojguidelines.pdf>. Acesso
em: 20 dez. 2009.
726
249
A proposta deste estudo é de que deve haver o tratamento internacional dos
cartéis de exportação - ou seja, não se defende necessariamente que esses cartéis
sejam completamente abolidos - e que isso poderia ocorrer por meio de uma hardlaw, com a criação de regras multilaterais adicionais na OMC.
Ao estudar eventual aplicação dos dispositivos existentes na OMC, BECKER
apresenta a possibilidade da abordagem aos cartéis de exportação se dar com a
adaptações (i.e., pelo tratamento nacional - Artigo III do GATT, princípio da nãodiscriminação)730. SOKOL, entende que poderia haver um enquadramento no
contexto do tratamento nacional do Artigo III:4 do GATT731, sugerindo também que o
ASMC poderia ser uma possibilidade para limitar o alcance dos cartéis de
exportação, apesar de nenhum país ter tentado esse tipo de resolução na OMC732.
BHATTACHARJEA indica apoiar a criação de normas na OMC que tratem
das sobretaxas por meio da criação de uma “medida reparatória”, uma espécie de
“antidumping reverso”, ou seja: se o preço de exportação exceder o valor normal, o
país importador poderia retaliar a empresa exportadora733.
Essa abordagem é bastante inovadora, contudo, tal como SOKOL734
partilha-se neste estudo do entendimento de que isto poderia deslocar mais
responsabilidade aos países importadores, ao invés dos países exportadores que
são a verdadeira raiz do problema dos cartéis de exportação. Ainda, entende-se que
essa proposta não resolveria o problema do ponto de vista dos PEDs.
730
BECKER, 2007, p. 118-123.
O autor explica que o Órgão de Apelação decidiu que os termos comerciais podem estar cobertos
pelo termo “afetado” com base no Artigo III:4 do GATT 1994 que tem um “amplo escopo de
aplicação”. SOKOL, 2008, p. 10. Veja-se nesse sentido: Nesse sentido, veja-se: WTO. Appellate
Body Report, United States-Tax Treatment for `Foreign Sales Corporations`, WT/DS108/AB/RW, 14
jan. 2002, p. 209-210. (recourse to Article 21.5 of the DSU by European Communities).
732
SOKOL, 2008, p. 11.
733
O autor explica o seguinte: “For example, instead of requiring proof of a price-fixing conspiracy, the
enforcement agency could be required to demonstrate that the price exceeds some “normal value”. As
with AD, this could be assessed on the basis of best information available regarding the firms’ costs,
or the prices they charge in their own or other markets. Other leaves that could be taken from the AD
book include norms for defining a “like product” (to avoid penalising firms which sell different varieties
in different countries); retroactive assessment; and provisional measures such as requiring bonds or
advance deposits from respondent firms while the case is pending. With the qualifications expressed
at the end of the preceding section, the penalty could include both a fine and an “anti-reversedumping” duty. Like an AD duty, this would be discriminatory and firm-specific, and possibly in excess
of the country’s bound tariff rate. This would be justifiable on welfare grounds, unlike most AD duties,
which are blatantly abused.” BHATTACHARJEA, Aditya. Export Cartels - A Developing Country
Perspective. Working Paper No. 120. Centre for Development Economics, January, 2004, p, 35.
734
Cf. SOKOL, 2008, p. 11.
731
250
Apesar de se concordar que o PTN e outras regras poderiam ser aplicáveis,
defende-se aqui que a alternativa mais adequada seria a criação de um novo
conjunto de medidas/regras dentro da OMC, específica para a concorrência,
particularmente em razão da realidade da maioria dos PEDs. Ou seja, há países que
sofrem efeitos dos cartéis de exportação que não tem lei de concorrência, ou, ainda,
na maioria dos países, as agências de concorrência não têm os conhecimentos
necessários para realizar uma análise completa dos efeitos dessas condutas e nem
possuem o alcance extraterritorial necessário para obtenção de provas ou execução
de penas735.
Certamente a solução “preferida” indicada na maior parte dos documentos e
estudos consultados são as soft laws que, diferentemente da hard law não obrigam
as partes. No que diz respeito ao antitruste, as organizações têm sido efetivas na
produçãos desses documentos.
Se o problema relacionado aos cartéis de exportação é obter informações
suficientes para tomar as decisões apropriadas, as instituições antitruste de soft law
poderiam oferecer parâmetros para a criação de regras. As organizações têm se
esforçado significativamente para aperfeiçoar as chamadas “melhores práticas”736.
Nos últimos 05 anos a ICN, por exemplo, destacou-se nos trabalhos sobre melhores
práticas.
Entretanto, ainda no que diz respeita às soft laws, não existem muitos
trabalhos sobre cartéis de exportação, muito menos documentos sobre “melhores
práticas”. Ainda, considerando os reflexos dos cartéis de exportação no comércio
internacional, entende-se que apenas soft laws não tratariam da questão de forma
adequada.
Os estudos produzidos por LEVENSTEIN, SUSLOW e por BECKER
sugerem que poderia haver maior cooperação internacional para monitorar e
processar os cartéis de exportação737, mas ainda há pouco incentivo para as
agências interagirem nas questões envolvidas. Essa suposta “falta de interesse” no
tema na verdade está relacionada com o fato dos cartéis de exportação não
735
BHATTACARJEA, 2004, p. 32.
Nesse sentido, veja-se: GABAN; DOMINGUES, 2009, p. 260. No mesmo sentido: SOKOL, 2008,
p. 12.
737
LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 815-816. No mesmo sentido veja-se: BECKER, 2007, p. 126.
736
251
afetarem os interesses de ambos os países envolvidos (i.e., o exportador e o
importador) da mesma forma que ocorre em relação aos cartéis hard core.
O país responsável pela exportação comprometer-se com um eventual
monitoramento da conduta poderia resultar no dispêndio de recursos, sendo que o
retorno de tal monitoramento não lhe acrescentaria nada. Na verdade, como bem
explica SOKOL, isto poderia até mesmo reduzir as exportações do país e gerar uma
reação política por parte dos entusiastas das isenções aos cartéis de exportação em
vigor738.
Vale dizer então que usar apenas a soft law para identificar e regular cartéis
de exportação exigiria mudanças significativas nas diversas jurisdições que
concedem aos cartéis de exportação isenções implícitas ou explícitas, isso sem
considerar a vontade política necessária. O fato de os cartéis de exportação estarem
fora das agendas pode ter relação com a dinâmica de poder das jurisdições que
mais têm a perder com as limitações aos cartéis de exportação e que concedem
isenções implícitas ou explícitas.
De todo modo, entende-se no presente estudo que o assunto precisa ser
tratado e que os debates para o estabelecimento de regras multilaterais poderiam
ser retormados especialmente considerando a realidade dos PEDs. Concorda-se
com as ponderações que se encontram em documento de trabalho do WGTCP de
que os compromissos assumidos precisam contar com a cooperação739. Veja-se que
isso poderia ajudar a atender às realidades dos PEDs e à promoção do
desenvolvimento.
738
SOKOL, 2008, p. 12.
“Com relação ao potencial valor-agregado de um acordo multilateral sobre política de
concorrência, particularmente para países em desenvolvimento, preocupações foram externadas com
relação à natureza limitada da cooperação que estava aparentemente prevista. Em particular, foi
externada preocupação de como, na prática, tal mecanismo limitado de cooperação poderia ajudar a
lidar com cartéis internacionais e com cartéis de exportação, no futuro próximo. [...]. Foi observado, a
esse respeito, que as regras comerciais tinham mudado fundamentalmente para acomodar novas
questões geradas pela globalização, como a inclusão da propriedade intelectual no acordo
GATT/OMC. Talvez o mesmo tipo de reflexão inovadora fosse necessário no campo da política da
concorrência, uma vez que está relacionada ao comércio internacional. Em resposta, foi sugerido que
o acordo proposto tivesse três dimensões: uma dimensão relacionada à cooperação técnica; outra
relativa a mecanismos procedimentais que permitissem a autoridades de defesa da concorrência em
diferentes níveis de desenvolvimento compartilhar experiências próprias; e, por fim, outra relativa a
um protocolo para facilitar uma cooperação em casos específicos.” (tradução livre). WTO. Report
(2001) of the Working Group on the Interaction Between Trade and Competition Policy to the General
Council. WT/WGTCP/5. 08 Oct. 2001, p. 24.
739
252
Certamente as soft laws – especialmente produzidas pelos trabalhos das
organizações e fóruns internacionais - pode oferecer um ponto de apoio na criação
de normas que tratem dos cartéis de exportação, mas entende-se que não seriam
suficientes para tratar da questão740.
740
Por exemplo, que essas organizações que produzem soft law podem abordar as questões dos
cartéis de exportação através da análise e implementação de normas de cartel gerais fazendo a
distinção entre os cartéis que são hard core e os cartéis em que a restrição é meramente acessória.
Cf. SOKOL, 2007, p. 13.
253
7 CONCLUSÃO
Conforme explicado nos capítulos iniciais do presente estudo, os debates
sobre a relação entre a concorrência e o comércio internacional já não são novos.
Cada vez mais se observa que, apesar de serem temas com algumas características
distintas, e objetivos diferenciados, a concorrência e o comércio internacional
possuem grande relação e muitas vezes se comunicam (principalmente nas
questões de defesa comercial).
Ainda, conforme se procurou elucidar com alguns exemplos, ambas as
lógicas de análise, embora distintas, possuem relevantes zonas de interconexão e,
portanto, têm o potencial de contribuir uma com a outra.
Também se mostrou importante, para melhor compreensão da tese
proposta, analisar o contexto de criação das leis de concorrência e das políticas de
defesa da concorrência nos países que não possuíam tradição ou familiaridade com
a matéria. Nesse sentido, foi importante analisar os trabalhos que têm sido
realizados pelas Organizações Internacionais e fóruns internacionais/multilaterais
(i.e., OCDE, UNCTAD, ICN, OMC) que fazem levantamentos, pesquisas e procuram
auxiliar muitos países na adoção das políticas de concorrência.
As divergências entre os graus de efetividade das leis antitruste são
ocasionadas
principalmente
pelas
diferenças
econômicas,
culturais
e
de
desenvolvimento entre os países. Observou-se nos estudos e pesquisas consultados
que as economias em desenvolvimento e menos desenvolvidas geralmente são as
que mais sofrem com condutas anticompetitivas. Os PEDs possuem particularidades
que precisam ser levadas em consideração para a incorporação de regras e políticas
de concorrência que possam combater eventuais efeitos negativos das condutas de
terceiros países e promover o desenvolvimento.
Assim, procurou-se indicar nesse estudo que a criação de regras multilaterais
poderia ser um caminho para tratar de forma global da conduta dos cartéis de
254
exportação. Entende-se que a criação de uma política de concorrência no âmbito da
OMC poderia suprir as necessidades dos PEDs e de todos os países com economias
mais sensíveis para promover o desenvolvimento.
A dimensão do desenvolvimento para a política de concorrência já foi
reconhecida pela Declaração Ministerial de Cingapura de 1996, mas ao retomar o
tema de inclusão de regras adicionais de concorrência no âmbito da OMC (que foi
retirado de pauta) em futura discussão, é preciso dar especial atenção aos objetivos
de desenvolvimento em uma perspectiva mais ampla, atentando à situação especial
dos PEDS.
Com a finalidade de fomentar o desenvolvimento, indicou-se, então, a
possibilidade de concessão de preferências aos PEDs no contexto multilateral,
viabilizando a criação de instituições que regulem a concorrência e o comércio, mas
que ao mesmo tempo respeitem a realidade desses países, incluindo a criação de
regras para o tratamento das condutas dos cartéis de exportação.
A nova economia institucional de Douglass North e o desenvolvimento como
liberdade de Amartya Sen foram as duas teorias que embasaram, principalmente, o
conceito de desenvolvimento, ora adotado, e a estratégia normativa para a
regulação dos cartéis de exportação, uma vez que se entende que: i) as instituições
desempenham papel relevante para o desenvolvimento; e ii) as liberdades formais e
substanciais dos indivíduos são fundamentais para o desenvolvimento de suas
potencialidades.
Essas teorias aplicadas à proposta deste estudo indicam que o
desenvolvimento deve ser entendido de forma mais ampla, excedendo a noção
básica de crescimento econômico. Veja-se que o crescimento econômico não é
ignorado, mas passa a ser visto como um dos componentes do processo de
desenvolvimento. Assim, entende-se que o desenvolvimento é um processo
abrangente.
Essas teorias complementam-se para sustentar as propostas deste estudo,
uma vez que a criação de regras de concorrência em âmbito multilateral, ou seja, a
ampliação da agenda da OMC para a inclusão de um acordo de concorrência que
255
trate, inclusive, dos cartéis de exportação, pode ser um meio eficiente de promover o
desenvolvimento.
Ainda, no que diz respeito à concorrência propriamente, em razão da política
de concorrência e de comércio internacional serem diferentes, mas complementares,
indicou-se como conveniente considerar a concorrência internacional como um bem
público global dentro do critério previsto pelo PNUD.
As condutas dos cartéis de exportação merecem maior atenção em razão de
seus efeitos potenciais e também em razão da ausência de qualquer tratamento em
âmbito internacional. Trata-se de conduta que geralmente possui isenção (explícita
ou implícita) pelas regras nacionais de direito da concorrência.
Verificou-se que, diante das atividades dos cartéis de exportação, muitos
governos não intervêm nas atividades dos participantes dessa conduta, pois apenas
os mercados estrangeiros passam a ser alvo de determinadas atividades que, no
mercado interno, na maioria das vezes, seriam consideradas como anticompetitivas
(i.e., cartéis hard-core).
A despeito da existência de opiniões contrárias, os cartéis de exportação são
considerados predominantemente como anticompetitivos pelos documentos das
organizações internacionais. Entende-se que a simples exclusão dos cartéis de
exportação do escopo da legislação antitruste ou a falta de qualquer controle do
fenômeno gera reflexos negativos à política de concorrência num contexto nacional
e perdas ao comércio internacional.
Para compreender a complexidade da conduta de um cartel de exportação,
entendeu-se relevante dedicar parte deste estudo à análise da prática realizada pela
OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Trata-se de fonte
importante, cujo estudo indica como na prática pode ser difícil a análise de um cartel
de exportação se não existem regras específicas em âmbito multilateral.
No caso da OPEP, avaliou-se uma investigação tratada por um órgão
nacional (no caso, os EUA) onde foi possível perceber que, em casos semelhantes
(e na situação atual, em que cada país seria responsável pela investigação sem
respaldo de um órgão internacional) os tribunais nacionais teriam que lidar com
256
questões que demandam expertise dos profissionais, pois envolvem problemas de
antitruste, de comércio e também outros temas mais delicados, tais como a
avaliação dos atos de soberania (Act of State). Esse caso também permitiu um
exercício analítico no sentido de avaliar o potencial de outros argumentos que
poderiam ser utilizados (i.e., aplicação do Foreing Sovereign Compulsion ou
Comity).
Ainda na análise dos cartéis de exportação, outros casos e exemplos foram
trazidos, principalmente dos EUA e da CE, em razão de serem jurisdições mais
maduras na análise antitruste. Procurando enriquecer ainda mais este estudo,
também foi trazida pesquisa realizada com 56 jurisdições diferentes, englobando
todos os países membros da OCDE, os países da CE e alguns PEDs (conforme
classificação do Banco Mundial) para analisar como tem sido o tratamento aos
cartéis de exportação em cada uma dessas jurisdições.
As isenções dos cartéis de exportação foram classificadas em: i) isenções
explícitas, isenções implícitas e isenções não oficiais. Verificou-se que atualmente a
maioria dos países desenvolvidos tem concedido cada vez menos as isenções de
forma explícita. Isto traz mais atenção à temática, uma vez que, apesar do cenário
ideal ser o de inexistir qualquer isenção, a isenção explícita teria pelo menos como
vantagem a transparência.
Veja-se que, diante do conhecimento da conduta, eventuais medidas
compensatórias poderiam ser sugeridas ou preparadas, da mesma forma que o
conhecimento permite que haja uma melhor supervisão das atividades dos membros
do cartel, à luz de seus efeitos. Sem clareza da conduta, dificulta-se, ainda mais, seu
tratamento nos países que podem sofrer com essa prática.
Conforme se viu, a situação jurídica dos cartéis de exportação está ficando
cada vez mais ambígua e existem poucas informações sobre essas condutas, uma
vez que, muitas vezes, não se exige sequer notificação às autoridades dos locais
onde esses conluios são organizados. Portanto, diante de seus efeitos potenciais
negativos, avaliou-se qual seria a melhor política de concorrência e quais seriam os
melhores mecanismos que viabilizariam efetiva regulação dessas condutas em
âmbito internacional.
257
Assim, com base em todo arcabouço teórico e pesquisas estudadas, a idéia
(inovação) defendida neste estudo é a de que um acordo multilateral de direito da
concorrência, que trate das isenções dos cartéis de exportação, seria o modo ideal e
mais factível para mitigar eventuais efeitos negativos dessas condutas, assim como
melhorar o bem-estar dos consumidores, fomentando o desenvolvimento.
A titulo de elucidação, hoje, os cartéis de exportação não possuem disciplina
jurídica inclusive no Brasil, como também em muitos países, situação que não torna
o tema menos importante, mas, ao contrário, torna premente sugestões de trato
normativo nacional e internacional da questão, como ora se inova com a presente
tese, com vistas ao bem-estar social.
Ressalte-se que as leis de direito da concorrência têm limitações, já que
possuem alcance nacional, ou seja: se for ausente o efeito no país exportador, a
autoridade da concorrência pode não ter jurisdição para controlar os cartéis de
exportação, considerando os limites territoriais e os próprios princípios de direito
internacional.
Outra inovação contida neste estudo é a escolha da OMC como foro
adequado para regular os cartéis de exportação, em razão, dentre outros motivos,
do fato de ser atualmente a estrutura com maior capacidade de promover a
aplicação de regras multilaterais considerando todos os pontos estudados (tais
como, eficiência, grau de respeitabilidade, sistema de solução de controvérsias etc.).
Portanto, à luz dos resultados da análise, defende-se o relançamento de
negociações sobre um acordo de concorrência dentro da OMC.
Em adição, levando-se em consideração as diferenças existentes entre os
graus de desenvolvimento dos países, entende-se que a negociação de um acordo
não deveria estar vinculada à harmonização das leis nacionais de defesa da
concorrência e, muito menos, à obrigação geral de se adotar uma lei nacional de
defesa da concorrência.
Sendo assim, a criação de regras multilaterais de concorrência, que
abarquem os pontos sensíveis de antitruste e/ou condutas que possam prejudicar ou
afetar o comércio internacional, não necessariamente precisa de uma harmonização
prévia ou da criação de regras nacionais (principalmente no caso dos países que
258
sequer possuem legislação antitruste). Com relação ao escopo de tal acordo
estrutural, é sabido que as propostas de convergência e de criação de regras de
concorrência saíram da agenda da OMC. Contudo, ao se sugerir o relançamento,
entende-se não ser vantajoso limitar a agenda futuramente apenas aos temas
propostos anteriormente.
Assim, além das propostas anteriores que estavam em pauta e que foram
trazidas ao longo desse estudo, propõem-se os seguintes itens para um futuro
acordo: i) regras com as isenções aplicáveis aos cartéis de exportação, com a
obrigação de notificação desses acordos; ii) obrigação de cooperarão entre os
países para monitorar a conduta dos cartéis de exportação (ou seja, não apenas dos
cartéis hard-core); iii) especificação dos princípios de não-discriminação aplicáveis;
iv) compromisso com a transparência, v) possibilidade de se questionar eventuais
violações ao acordo por meio do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC).
Esses itens, arrolados acima, seriam para uma agenda mínima, no entanto,
entende-se que, no cenário ideal de desenvolvimento considerado - dentro da
proposta trazida neste estudo - mais dois itens também deveriam estar em pauta: i)
proibição de cartéis de exportações, que não possuam qualquer efeito líquido
positivo; e ii) institucionalização de assistência técnica e capacitação.
Nesse sentido, o presente estudo considera um relançamento das
negociações como um benefício potencial ao desenvolvimento que beneficiaria a
OMC de modo geral e, em particular, aos PEDs. Desse modo, sugere-se que o tema
da concorrência retorne à agenda das negociações, assim como seja ampliado para
abarcar os cartéis de exportação (sejam eles mistos ou puros) e não apenas os
cartéis hard-core.
Essa proposta está de acordo com a aplicação das teorias de
desenvolvimento aqui sugeridas. Vale dizer que isto estaria de acordo também com
os aspectos econômicos e institucionais relativos à hipótese de regras internacionais
complementares de defesa da concorrência. Ressalte-se que a política de
concorrência, quando adequada, pode embasar reformas microeconômicas e
influenciar positivamente os PEDs.
259
Os resultados das tentativas no passado para a adoção de regras
internacionais complementares de defesa da concorrência no âmbito da OMC não
chegaram a qualquer consenso. Veja-se que, nos documentos de trabalhos trazidos
a este estudo, o que se observou foram discussões pouco produtivas que não se
aprofundaram no tratamento de uma política de concorrência.
Contudo, defende-se neste estudo que há espaço institucional para
introdução de regras internacionais de defesa da concorrência no âmbito da OMC, e
que isto seria vantajoso tanto para aos países desenvolvidos como aos PEDs. O
desafio real, todavia, é criar um cenário político para tanto.
Geralmente, a abordagem dos autores que defendem a inclusão de regras
de concorrência na agenda da OMC (tais como KROL, BECKER, SUSLOW,
LEVENSTEIN, entre outros) sugere o estabelecimento de uma agenda mínima, em
razão dos resultados das últimas negociações, o que poderia aumentar a viabilidade
política, já que acomoda a política da concorrência como uma área política sensível
que requer discricionariedade em nível nacional. Esse poderia ser um caminho
possível, mas não seria o ideal, já que os países menos desenvolvidos poderiam
ficar em desvantagem.
O argumento de que um acordo multilateral poderia ser oneroso aos PEDs
também não parece ser adequado, uma vez que seus interesses podem ser
acomodados sem a imposição de custos substanciais de implementação aos seus
governos, por meio do Tratamento Especial e Diferenciado (TED).
Atendendo-se inclusive ao princípio da não-discriminação, deveriam ser
eliminados os efeitos prejudiciais decorrentes da política protecionista do beggar-thyneighbour, subjacente ao regime existente de cartéis de exportação. Desse modo, o
acordo deveria conter obrigação de conceder medidas de proteção, uma vez que
semelhante conduta seria proibida se produzisse efeitos no mercado doméstico. Ao
mesmo tempo, tal formulação não deve permitir uma interferência inapropriada na
soberania estrangeira e deve, portanto, ser cuidadosamente elaborada.
Certamente, tal como ocorre nos demais acordos no âmbito da OMC, deve
haver o compromisso de que os Membros envidem os melhores esforços para
assistência mútua e cooperação na aplicação da política de concorrência,
260
especialmente aqueles que já possuam um regime jurídico de defesa da
concorrência em vigor.
Instrumentos de soft law também poderiam ser criados para possibilitar
maior segurança e entendimento aos países que necessitem de orientações básicas
sobre a política de concorrência, bem como sobre aplicação das ferramentas da lei
antitruste. Ou seja, um alinhamento de normas processuais, em bases de soft law,
poderia servir como apoio e cooperação aos países menos desenvolvidos. Veja-se
que isso poderia ocorrer dentro de Grupos de Trabalho criados no sentido de
viabilizar consenso e a elaboração de guidelines para a institucionalização de
assistência técnica e capacitação.
Sem dúvida, as regras de concorrência também deveriam estar ligadas ao
OSC, que traria mais segurança jurídica e previsibilidade ao sistema normativo.
Assim, nos casos necessários, os Membros da OMC poderiam requerer consultas e
até mesmo pedir a abertura de painéis pelas supostas infrações.
Portanto, com as propostas descritas acima, esse estudo traz uma
contribuição inovadora com base nas teorias de desenvolvimento, para resgatar
essa idéia de inclusão de regras de concorrência no âmbito da OMC, sugerindo,
para tanto, o seu aprofundamento com regras complementares que tratem do tema
dos cartéis de exportação. Espera-se com o embasamento teórico aqui trazido
contribuir, ao menos, para perpetuar essa discussão tão importante para a
concorrência, para o comércio internacional e para o desenvolvimento como um
todo.
261
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