1
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
EMENTA: PENALIDADE DE CENSURA CONFIDENCIAL EM AVISO
RESERVADO, PREVISTA NA ALÍNEA “B”, DO ARTIGO 22, DA LEI
Nº 3.268/57 – INFRAÇÃO AO ARTIGO 19 DO CÓDIGO DE ÉTICA
MÉDICA - APELAÇÃO AO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA –
PRELIMINAR DE NULIDADE DO JULGAMENTO EM RAZÃO DE
ALEGAÇÃO DE QUE O MÉDICO RECORRENTE TERIA SIDO
JULGADO PELAS OFENSAS CONTIDAS NO BOJO DE SUA
DEFESA DE FLS. 21/25 – REJEIÇÃO DA PRELIMINAR
PORQUANTO DESSUME-SE, DA LEITURA DO PARECER DO
CONSELHEIRO RELATOR, QUE ESTÁ EM JULGAMENTO O
COMPORTAMENTO DO MÉDICO APELANTE POR OCASIÃO DA
SOLICITAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO PARA INTERNAÇÃO DE
PACIENTE
COMPORTAMENTO
RATIFICADO
PELO
DEPOIMENTO DOS PRÓPRIOS ENVOLVIDOS COMO, BEM
ASSIM,
PELAS
DECLARAÇÕES
PRESTADAS
PELAS
TESTEMUNHAS – INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO À AMPLA
DEFESA E AO CONTRADITÓRIO – PROCESSO EM ORDEM –
REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES
NOTA TÉCNICA Nº 021.SJ/01
PEP CFM Nº 9039-112/99, de 07 de outubro de 1999
APELANTE: DR. RUBENS MARQUES DOS SANTOS (CRM-MS 132)
APELADO: Dr. Ricardo Leão de Souza Zardo
ORIGEM: CRM-MS – PEP Nº 15/95
Aprovado em Reunião de Diretoria do dia 22/3/2001.
I - RELATÓRIO
1.
Não se conformando com o v. acórdão de fls. 287 que houve por
bem aplicar-lhe a penalidade de censura pública em aviso reservado, prevista na alínea “c”,
do artigo 22, da Lei nº 3.268/57, interpõe o médico apelante o recurso de fls. 290/297 em
cujo bojo encontram-se arguídas algumas preliminares cuja análise cumpre a esta
Assessoria, senão vejamos:
1.1
Principia o apelante por apontar a nulidade do julgamento uma
vez que afirma ter sido julgado não pelos fatos narrados na denúncia, mas, isto sim, pelos
fortes termos e improprérios contidos em sua defesa, elaborada sob forte emoção,
indignação e revolta.
Assevera, assim, que a fundamentação contida no r. decisum
apelado recaiu inteiramente “sobre o conteúdo de uma peça que não servira de motivação
da queixa”, o que viria, a seu ver, caracterizar “error in procedendo”.
2
Alega ainda o recorrente que teria restado malferido o princípio do
nulla culpa sine legis, pelo qual não há culpa sem lei que regule o comportamento,
desprezando-se o “formalismo do Processo, com direito à ampla defesa e ao contraditório,
olvidando-se até mesmo a inexistência de uma queixa ou acusação específica referenciada
àquela peça”.
1.2
Em outra preliminar, aponta o apelante a nulidade do julgamento
por ausência de motivação do voto do Conselheiro Relator, que teria relacionado quais os
fatos que levaram à conclusão da violação ao Código de Ética Médica.
Este, em síntese, o relatório.
II – PARECER
2.
Quanto à preliminar de nulidade do julgamento apontada,
relativamente ao fato de que o médico denunciado, ora recorrente, tivesse sido julgado pelos
termos depreciativos utilizados na sua defesa de fls. 21/25, entende esta Assessoria Jurídica
que razão não lhe assiste.
Isto porque, a fls. 279, pode-se colher que o Conselheiro Relator,
no item 2º de seu parecer, afirma que o médico Rubens Marques dos Santos teve “atrito
direto” com o denunciante, Dr. Ricardo Leão. Tal comportamento, prossegue o Conselheiro
Relator, pôde ser extraído através do próprio depoimento dos médicos envolvidos, como,
bem assim, daqueles prestados pelas testemunhas.
Como se vê, a ilação de culpabilidade por infringência ao artigo 19
do Código de Ética Médica não é formulada, como quer fazer crer o recorrente, apenas e
tão-somente a partir de sua defesa.
Outrossim, em seu voto de fls. 281, mais uma vez o Conselheiro
Relator deixa transparecer a imprescindível fundamentação de seu voto pela aplicação de
penalidade ao médico recorrente, quando assevera que, “apesar de considerar e
compreender todos os argumentos relevantes na sua defesa, concluo que o Dr. Rubens
Marques dos Santos, por seu comportamento hostil, agressivo e depreciativo contra o Dr.
Ricardo Leão de Souza Zardo, infringiu o artigo 19 do Código de Ética Médica”, absolvendo
o médico apelante de eventual violação dos artigos 4º e 29, do mesmo codex.
2.1
Por tudo isto é que não há falar-se, consequentemente, em
desprezo ao “formalismo do Processo, com direito à ampla defesa e ao contraditório,
olvidando-se até mesmo a inexistência de uma queixa ou acusação específica referenciada
àquela peça”.
O médico apelante, desde o início, sabia que estava sendo
julgado pelo seu comportamento por ocasião dos fatos narrados na denúncia, ocorridos no
Hospital da Associação de Amparo à Maternidade e à Infância.
Assim, resulta evidente que a penalidade aplicada não resultou
das ofensas irrogadas no bojo de sua defesa de fls. 21/25, mas pelo comportamento
adotado pelo Dr. Rubens Marques dos Santos ao solicitar do Dr. Ricardo Leão de Souza
Zardo, auditor do INAMPS em Campo Grande, a autorização para internação de paciente
para cesária eletiva.
3
Dessarte, a preliminar deve ser afastada. Todavia, sobre ter
havido ou não agressão ou comportamento inadequado por parte do médico recorrente, tal
decisão nos é defesa, cumprindo aos ilustres membros destes Conselho Federal de
Medicina dirimir a matéria atinente ao mérito.
2.2
Pelas mesmas razões aqui elencadas, não poderá medrar a
afirmação do médico recorrente, segundo a qual o julgamento seria írrito por ausência de
motivação do voto do Conselheiro Relator.
A fundamentação é clara e resulta não só do seu parecer como
também de seu voto. Os demais Conselheiros, divergindo apenas no que tange à
penalidade que seria aplicada, acompanham o Conselheiro Relator na conclusão de que
teria havido infringência ao artigo 19 do Código de Ética Médica.
2.3
Por derradeiro, cumpre registrar que se equivoca o denunciado
apelante quando menciona eventual violação do princípio do “nulla culpa sine legis”.
O recorrente afirma ter havido violação do referido princípio e
conclui que a penalidade que lhe foi aplicada decorreu de um procedimento que teria
desprezado o necessário formalismo e olvidado de uma queixa ou acusação específica.
Com efeito, o princípio da nullum crimen nulla poena sine lege
não se aplica ao procedimento administrativo-disciplinar, já que o Código de Ética Médica
contém, em seu corpo, princípios e regras de caráter subjetivo em razão da impossibilidade
material de se definir todo e qualquer comportamento tido como violador da ética médica.
Apenas à guisa de esclarecimento, a aplicação de referido
princípio, exclusivo do Direito Penal, deve-se ao fato de que não haverá crime sem lei
anterior que o defina e não haverá pena sem prévia cominação legal. Assim, no Direito
Penal, o fato que se pretende punir há que se justapor fielmente a uma prévia descrição,
prevista em lei, de um “tipo penal”, daí originando-se a tipicidade, que é a exata
correspondência do fato, da conduta, ao “tipo penal”. O “tipo penal” é, então, uma fórmula
previamente descrita em lei, que serve para avaliar se determinada conduta está incriminada
ou não. O fato que não corresponde exatamente ao “tipo” não é considerado crime, por
ausência de um dos elementos do fato típico, a citada tipicidade. O “tipo”, no direito penal,
tem função de garantia, impedindo que seja considerado crime o fato que não estiver
descrito em lei, daí a razão do princípio da reserva legal, consubstanciado no mencionado
brocardo nullum crimen, nulla poena sine lege, haurido a dogma constitucional inscrito no
inciso XXXIX, do art. 5º, da Constituição Federal e artigo 1º do Código Penal. Não se pode,
portanto, em direito penal, haver condenação por fato cuja descrição não esteja
previamente descrita em lei.
Dessa forma, a razão pela qual não se pode aplicar, in casu, o
princípio do nullum crime, nulla poena sine lege encontra explicação no fato de que, no
caso de infrações ético-profissionais, ao contrário do que se sucede no regime do direito
repressivo comum, não há como tipificar, i.e., individualizar positivamente (rectius: em lei),
todo o amplo espectro de situações fáticas ensejadoras de infração ética, preferindo o
Código de Ética Médica estabelecer regras e princípios gerais de conduta, cuja infringência
implicará em aplicação de uma, e apenas uma, das penalidades previstas nos diversos
incisos do artigo 22, da Lei 3.268/57, mesmo que diversas as ofensas a dispositivos do
CEM.
4
O CEM, assim, não abarca, em qualquer dos seus dispositivos,
ainda que sejam aqueles que determinam a abstenção de um ato (é vedado ao médico:...), a
sanção, ou, no dizer de Giuseppe Bettiol, o “preceito secundário”, ínsito em toda norma
penal incriminadora, preferindo elencar, em numerus clausus, no artigo 22 da Lei 3.268/57,
as possíveis penalidades, sem, contudo, estabelecer qualquer ordem em sua aplicação.
Sobre o tema da legalidade de capitulação dos médicos em
dispositivos que preconizam princípios e regras gerais de conduta, é bem elucidativo o
Parecer Consulta CFM nº 1759/89, no qual se infere que tais artigos “são enunciados e
regras éticas de caráter compulsório, cuja eventual contrariedade implica, necessariamente,
na sujeição às penas disciplinares previstas em lei e que é indubitável o caráter coercitivo de
seus princípios fundamentais, artigo 1º usque 19, claramente destituídos de qualquer ranço
exordial ou meramente subjetivo”.
A punição, como se dessume de tudo quanto foi exposto, se
impõe não pela perfeita e exata adequação do fato descrito ao tipo (tipicidade), como
poderia desejar o apelante, mas pela preservação moral administrativa estreitamente
conjugada e indissoluvelmente correlata com o interesse público em “zelar e trabalhar pelo
perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão”
(art. 4º, do CEM).
De fato, “não se confundem as sanções administrativas com as
penas criminais. As suas finalidades são diversas e o procedimento para a sua imposição
distingue-se nitidamente”.1
Opinamos, assim, pelo não acolhimento da preliminar invocada.
III - CONCLUSÃO
3.
Dessa forma, entende esta Assessoria Jurídica, salvo melhor
juízo, que as preliminares invocadas merecem rejeição, cumprindo aos ilustres membros
deste Conselho Federal de Medicina a análise do mérito do recurso para, a seu exclusivo
crivo, manter ou reformar a r. decisão atacada.
Este é, s.m.j., o parecer.
Brasília, 29 de janeiro de 2001
Rubem Dario F. Brisolla
Assessor Jurídico
De acordo:
Giselle Crosara Lettieri Gracindo
Chefe do Setor Jurídico
cfm/notatecn021.01
1
”in F. Fleiner, Droit Adm. Allemand, pág. 136, apud Tratado de Direito Administrativo, Themistocles Brandão
Cavalcanti, pág. 101
Download

penalidade de censura confidencial em aviso reservado