ASPECTOS PROCESSUAIS DA
TUTELA COLETIVA
Américo Bedê Freire Júnior1
RESUMO
Estuda-se no presente trabalho três temas controvertidos do processo coletivo, a saber: legitimidade, competência e coisa julgada. Buscou-se explorar as divergências doutrinárias e jurisprudências a fim
de fornecer subsídios para melhor compreensão das questões relativas a essa nova forma de processo. Ao longo do trabalho são emitidas opiniões pessoais sobre as questões levantadas com a proposição
de sugestões para equacionamento de diversos problemas.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos metaindividuais; aspectos polêmicos;
legitimação para o processo.
1
INTRODUÇÃO
O
objetivo do presente trabalho é tentar, na medida do possível,
efetuar uma nova análise dos institutos clássicos do processo civil,
procurando adaptá-los à nova realidade de nossa sociedade de massa.
Nesse diapasão, serão abordados os temas da legitimidade para as
ações civis públicas, competência e coisa julgada no processo coletivo.
No que se refere ao método de abordagem a ser utilizado, pela
natureza do tema é dialético, em razão das influências recíprocas
entre teoria e prática.
1
Mestre em Direitos Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Juiz
Federal Substituto, Vitória-ES; Professor da Faculdade de Direito de Vitória.
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No que tange aos métodos de procedimento, será adotado não
apenas um método, mas sim dois métodos que irão se interligar ao
longo do trabalho. Os métodos de procedimento serão o históricodocumental e o comparativo.
2
O PROBLEMA DA LEGITIMAÇÃO NAS
AÇÕES COLETIVAS
Talvez um dos temas mais tormentosos do processo coletivo seja
justamente a quem atribuir a legitimidade para a provocação do
Poder Judiciário.
Interessante frisar que, apesar da divergência doutrinária sobre
a matéria em estudo, até mesmo questiona-se a importância das condições da ação,2 ninguém nega a importância (necessidade) do estudo da relação jurídica de direito material para a efetiva análise da
legitimidade para a causa no Processo civil.
No processo típico liberal-individualista, o artigo 6° do CPC observa-se que o tema da legitimidade é enfrentado do seguinte modo: “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando
autorizado por lei”. Logo a legitimidade ordinária é daquele que é o titular do direito material discutido no processo, sendo qualquer outra situação da relação jurídica material típica de legitimação extraordinária.
No processo coletivo, a situação não é tão simples, posto que,
por exemplo, quem é o titular do direito material a que não haja a
poluição do Rio Amazonas? Esse é um exemplo tradicional de direito difuso em que “é difusa a titularidade subjetiva dos bens tutelados, sendo esses titulares substancialmente anônimos”.3
Percebe-se, sem muito esforço, que é preciso repensar a questão
da legitimidade quando estamos diante de uma relação jurídica
material meta individual.
Há, na doutrina especializada brasileira, vários posicionamentos
divergentes sobre o equacionamento do problema.
2
3
Não se pretende, no presente trabalho, discutir a importância da teoria da asserção como
ponto de fixação da distinção entre mérito e condições da ação ou se essa distinção é
artificial e despicienda.
DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 52.
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Podemos citar três posições sobre a natureza jurídica da legitimidade para o processo coletivo, a saber: a) os defensores de que a
legitimidade sempre seria extraordinária;4 b) os que sustentam uma
legitimidade ordinária5 e c) aqueles que afirmam estarmos diante de
uma legitimação autônoma para a condução do processo.6
Filiamos-nos aos que sustentam estarmos diante de uma legitimação
autônoma para a condução do processo. Nesse diapasão, é imperioso
destacar a lição de Marcelo Abelha Rodrigues,7 ao pontificar que,
Deve ficar bem claro ao leitor que, nas ações coletivas para a defesa de
direitos metaindividuais, o eixo de análise deixa de ser a titularidade do
direito material e passa a ser o reconhecimento da adequada representação, no processo, para proteger e tutelar esses direitos. Assim, preferimos dizer que a legitimidade é autônoma, um tertium genus, e que,
aprioristicamente, não deve ser classificada como ordinária ou extraordinária. Não é ordinária porque o atingido pela coisa julgada não é o
titular do direito de ação, ainda que se dissesse que o ente com
representatividade adequada tenha por finalidade institucional a defesa desses direitos. Repita-se, os limites subjetivos da coisa julgada alcançarão os titulares do direito adequadamente representado em juízo.
Não é extraordinária nos moldes clássicos porque não se identifica o
substituído e, portanto, não se sabe quando seria ordinária.
Fixada, mesmo que sucintamente, a natureza jurídica da legitimidade para a causa nos rocessos coletivos, deve ser tratado o problema de saber a quais entes ou se ao cidadão deve ser conferida essa
legitimidade autônoma para a condução do processo.
4
5
6
7
Ibidem, p. 204.
Por todos, deve-se citar: WATANABE, Kazuo. A tutela jurisdicional dos interesses
difusos: a legitimação para agir. GRINOVER, Ada Pelegrini (coord.). A tutela dos
interesses difusos. São Paulo: Max Limonad, 1984.
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil
comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. Deve-se citar que Márcio Leal
aponta que “Nery Júnior, defende que a questão está mal posta, não se tratando de
legitimação ordinária ou extraordinária, mas autônoma (selbstandige
prozessfuhrungsbefugnis), baseado em parte da doutrina alemã. Essa doutrina na realidade faz referência a uma substituição processual diferenciada, que não retira o caráter
extraordinário da legitimação do autor”. (LEAL, 1998. p. 126)
ABELHA RODRIGUES, Marcelo. Ação civil pública e meio ambiente. São Paulo:
Forense Universitária, 2003. p 59.
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No que tange aos fundamentos para essa “opção legislativa”
quanto aos legitimados para o processo coletivo, é pertinente trazer
à baila o escólio de Donaldo Armelim8 que leciona:
Evidencia-se, destarte, que o sistema jurídico, consoante o grau de interesse atribuído à prática de determinados atos, amplia ou restringe o
círculo de legitimados para tanto. Os motivos potenciadores desse grau
de interesse são díspares, mas podem ser enfeixados, basicamente em três
categorias: a) o alto preço atribuído pelo sistema jurídico ao bem tutelado
ou objetivado através do ato; b) o interesse público a ser tutelado através
do ato, e finalmente, c) a partilha entre vários sujeitos de direito de interesses coletivos ou particulares a serem tutelados ou colimados pelo ato.
Deve-se ainda pontificar que o magistrado deve ter sensibilidade
para o direito coletivo evitando que, por mero formalismo, seja decretada uma ilegitimidade ativa, deixando, por conseguinte, ao desamparo
relevantes bens jurídicos protegidos pelas normas do sistema jurídico.
Poder-se-ia falar que, na dúvida, é de reconhecer a legitimidade
de qualquer dos legitimados legalmente para a demanda.
Feitas essas breves considerações gerais sobre a legitimidade para
o processo coletivo, devemos analisar, ainda que superficialmente,
algumas das principais questões relativas à legitimidade para a
propositura de uma ação coletiva.
Inicialmente, deve ser analisado o papel do Ministério Público
como legitimado para a propositura das ações coletivas.
A Constituição Federal (CF) de 1988 viabilizou um novo papel para
o Ministério Público pondo no fortalecimento dessa instituição a esperança de que existe um órgão capaz de viabilizar pelo direito de ação a
implementação dos nobres ditames do Estado Democrático de Direito.
Assim, a Constituição Federal aponta, no artigo 127, que compete ao parquet a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis. A Lei complementar 75/93 e a lei 8625/93 regulam minuciosamente a altaneira missão do Ministério Público no Brasil.
8
ARMELIM, Donaldo, apud ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito processual coletivo
brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 504.
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Não obstante tais previsões, a jurisprudência vem reiteradamente, especialmente quando da atuação do parquet na proteção dos
interesses individuais homogêneos, tentando restringir a atividade
postulatória do Ministério Público.
Tal postura é contraditória com o espírito da máxima efetividade
da tutela coletiva e com a viabilização do acesso à justiça, garantia
constitucional da própria efetividade do ordenamento jurídico.
É certo que não será qualquer insignificante lesão a interesses
individuais homogêneos que irá justificar a atuação do Ministério
Público, entretanto, quando existir lesão relevante a interesses individuais homogêneos, ser indiscutível a legitimação do Ministério
público para a propositura da ação.
Outra questão palpitante que, data vênia, a jurisprudência majoritária não vem tratando adequadamente é a questão da legitimidade do parquet para a propositura de ação civil pública relativa à
matéria tributária.
Inicialmente, insta destacar a completa inconstitucionalidade da MP
2180-35 que introduziu o parágrafo único do artigo 1ª da lei 7347/85 que
prevê “Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que
envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço-FGTS ou outros fundos de natureza institucional
cujos beneficiários podem ser individualmente determinados”.
Não há dúvida de que tal dispositivo fere frontalmente o princípio da proporcionalidade, bem como o acesso à justiça além de contribuir decisivamente para a proliferação de demandas repetidas que
conspurcam a imagem do Poder Judiciário.
Fixada a inconstitucionalidade da medida provisória retro-mencionada, devemos analisar a legitimidade do Ministério Público para
a propositura de ações em matéria tributária.
Ora a origem dos direitos dos contribuintes no caso em análise é
comum, qual seja a norma inconstitucional que cria o tributo (lembre-se de que a única fonte da tributação é a lei – princípio da legalidade tributária9 , além de ser plenamente identificável cada titular).
9
Princípio mitigado jurisprudencialmente pela possibilidade de medida-provisória tratar
de matéria tributária e com a emenda constitucional 32 que acabou por referendar a
prática de medida provisória regular matéria tributária.
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É certo que, no mundo fático, faz-se necessário que cada contribuinte pratique o fato gerador para surgir à obrigação tributária. Ocorre
que como a ameaça de lesão é cristalina, tendo em vista que o tributo é
cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada, tal
momento para fins de propositura de ação não é tão importante, bastando lembrar, para corroborar tal afirmativa, da costumeira prática de
utilizar mandado de segurança preventivo em matéria tributária por
ameaça à lesão de direito decorrente de tributo inconstitucional.
Cabe, nesse contexto, frisar que a ação civil coletiva tem várias
vantagens em relação à Ação Direta de inconstitucionalidade;10
primus – a propositura no local do dano, deveras a proximidade com
a população faz com que haja uma maior consciência da urgência e
relevância da adoção de medidas que impeçam a continuidade da
cobrança de tributo inconstitucional; secundus – a simples declaração de inconstitucionalidade implica que cada contribuinte tenha o
dever de propor uma ação visando ao ressarcimento do período da
cobrança indevida, por outro lado a decisão positiva na ação civil
coletiva permite ao contribuinte liquidar e executar a sentença, nos
termos do § 3º do artigo 103 da lei 8078/90; tertius – muitas vezes a
lei instituidora é anterior a Constituição Federal o que inviabiliza a
ação direta de inconstitucionalidade, conforme pacífico entendimento
do STF (na doutrina Gilmar Mendes admite tal controle), restando
apenas a possibilidade de propor a ação civil coletiva como remédio
transindividual ao abuso da tributação.
Deve-se ainda lembrar que o pagamento de tributos não é uma
disponibilidade do contribuinte, ficando ao seu critério o pagamento
da obrigação, pois, de acordo com o Código Tributário Nacional, um
dos caracteres do Tributo é a sua compulsoriedade, logo impossível
10
Impende aclarar que o objeto da ação civil pública não se confunde com o da ação direta
de inconstitucionalidade. Para dissipar qualquer dúvida, é conveniente transcrevermos o
escólio de Nelson Nery: “O objeto da Ação civil pública é a defesa de um dos direitos
tutelados pela CF, CDC e pela LACP. A ACP pode ter como fundamento a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. O objeto da Adin é a declaração, em
abstrato, da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, com a conseqüente retirada
da lei declarada inconstitucional do mundo jurídico por intermédio da eficácia ergaomnes da coisa julgada. Assim, o pedido da ACP é a proteção do bem tutelado pela CF,
CDC ou LACP, que pode ter como causa de pedir a inconstitucionalidade de lei [...] São
inconfundíveis os objetos da ACP e da Adin”.
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falar de disponibilidade, uma vez que o não pagamento traz inúmeras conseqüências como multa de mora e juros.
De outra banda, querer que cada contribuinte individualmente
entre com uma ação visando extirpar a cobrança do tributo, além de
sobrecarregar o judiciário implicará um processo de seleção em que
os mais pobres, por não possuírem recursos para a contratação de
um advogado e nem possuírem uma defensoria pública estruturada
a ponto de atingir o interior dos Estados, continuarão sofrendo
indevidamente a cobrança de tributos inconstitucionais, violando,
no mundo fático, o princípio da igualdade.
É viável lembrar a precisa lição de Sérgio Coelho, 11 ao
apontar que:
O Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação civil
pública em matéria tributária em face do disposto no artigo 129, incisos II
e IX da Constituição Federal, artigos 5º, inciso I, alínea g e inciso II alínea
a e 6º, inciso VII, alínea d e inciso XII da lei complementar 75/93, bem
como o artigo 80 da lei 8625/93.
Indubitavelmente, surge de maneira límpida da nossa ordem
jurídica a legitimidade do Ministério Público para a propositura de
ação civil pública em matéria tributária, devendo o Poder Judiciário
acatar tal legitimidade para que os contribuintes não fiquem à mercê
da voracidade do fisco.
Não será possível, nos estreitos limites desse trabalho, analisar
individualmente cada um dos legitimados para a propositura de
ações coletivas, todavia não podemos deixar de abordar no tema
da legitimidade para as ações coletivas o problema da denominada
representação adequada.
A doutrina tradicional nacional afirma peremptoriamente que
a adequação da representatividade em nosso país foi delimitada na
lei não cabendo o controle judicial, como, por exemplo, nas class
actions nos Estados Unidos.
11
COELHO, Sérgio Neves. Da legitimidade do Ministério Público para a propositura de ação
civil pública na defesa de interesses de contribuintes. In: CONGRESSO NACIONAL DO
MINISTÉRIO PÚBLICO, 13, 1999, Recife. Livro de teses: Recife, vol. 2, 1999, p. 350.
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Filio-me aos que sustentam a necessidade de ser interpretado
que, mesmo no Brasil, é possível o controle judicial sobre a adequada
representação do legitimado ativo. Nessa alheta, deve-se trazer à
baila a lição de Antonio Gidi,12 quando pontifica:
Não somente no direito americano, portanto, mas também no direito brasileiro, não há que se falar em representante inadequado. Trata-se de uma
contradição em termos. Todo representante é, por definição, adequado. Caso
contrário não houve representação legítima. Utilizando a dicotomia entre o
poder e o dever, pode-se dizer que o poder que tem o representante para
tutelar os interesses do grupo deriva do dever de adequadamente representálos em juízo. A adequação legitima e convalida a atividade do representante. Os membros do grupo não deveriam ficar vinculados pelos atos de um
representante inadequado.O representante inadequado, portanto, é um nãorepresentante. Essa é uma questão extremamente delicada no caso das ações
coletivas, em que o representante não foi eleito, selecionado, ou sequer aprovado pelos representados. O representante obtém essa posição por manifestação de sua própria vontade, ao propor a ação em benefício de uma coletividade. O mínimo que esse estranho tipo de representante deve ser é adequado.
Essa adequação deve ser submetida a um rigoroso controle judicial.
Efetivamente, entendemos que é necessário um controle judicial da adequação dos legitimados para a ação coletiva com o intuito
de impedir que o instrumento criado para beneficiar o acesso à justiça produza resultados práticos diametralmente opostos e, nesse caso,
deve-se frisar que a coisa julgada secundum eventum litis não alcança
todas as hipóteses em que uma representação inadequada possa causar prejuízos aos “substituídos”, aos fins pelos quais foi concebido.
3
A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA NAS
AÇÕES COLETIVAS
Sabe-se que competência é a medida de jurisdição. O nosso problema não é a definição de competência, mas sim a definição, em
relação ao processo coletivo, do alcance do critério de competência
estabelecido na lei de ação civil pública.
12
GIDI, Antonio. A representação adequada nas ações coletivas brasileira: uma proposta.
Revista de Processo, São Paulo, ano 27, nº 108, out-dez 2002.
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Insta frisar que, apesar de a doutrina majoritária apontar que o
critério adotado para a fixação do local do dano como o competente
para a ação civil público ser o critério funcional,13 filio-me aos que sustentam que, na verdade, estamos diante de uma hipótese de competência territorial, mas que o legislador resolveu, como, por exemplo, no
caso do artigo 95 do CPC, dar um tratamento de competência absoluta.
O critério adotado é o territorial e não o funcional. A interpretação literal do artigo 2º da lei de ação civil pública não pode prosperar. Devemos lembrar Shakespeare14 quando afirmava “o que são
nomes? O que chamamos de rosa, com outro nome, não teria igual
perfume?”. Ora, o critério adotado, ou seja, local do dano é critério
territorial, não podemos tratá-lo, portanto, como se critério funcional fosse, simplesmente porque o legislador equivocou-se ao chamar
de funcional o que efetivamente é territorial.
Uma questão extremamente controvertida na doutrina e na jurisprudência é a definição da competência para a ação civil pública quando
existir interesse da União e o local do dano não for sede de vara federal.
Inicialmente, o STJ editou a súmula 183 que previa: “Compete
ao Juiz Estadual, nas comarcas que não sejam sede de vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que a união
figure no processo [...]”.
Defendendo o teor da súmula, Patrícia Pizzol15 sustenta que:
1) a Constituição Federal, no art.109 §3º, permite a delegação, por lei
infraconstitucional, de competência da Justiça Federal à Estadual; foi exatamente isso que o Código de Defesa do Consumidor e a lei da ação civil
pública fizeram; 2º) o argumento utilizado, de que a lei não expressa
referência à Justiça Estadual, não se justifica, uma vez que o art. 93 do
CDC fala ‘ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para
a causa a justiça local’ ora, que se pode entender por justiça local nesse
contexto, senão justiça estadual?; 3º) a competência de que estamos tratando, como dito, é territorial funcional, logo, absoluta, isso se deve exatamente ao fato de que o juiz do local do dano é o que tem melhores condi-
13
14
15
Ver, por exemplo, a posição de Patrícia Pizzol em seu livro: PIZZOL, Patrícia Miranda.
A competência no processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003.
SHAKESPEARE, William. Romeu e Julieta. São Paulo: Martin Claret, 2002.
PIZZOL, Patrícia Miranda. A competência no processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003.
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ções de julgar a lide – ora, retirando-se a competência do juiz estadual, em
tais hipóteses, se está permitindo que um juiz que não está próximo ao local
do dano, que não tem as melhores condições de julgar a causa, o faça.
Apesar do brilho da exposição da autora, filio-me à posição
ora prevalente na jurisprudência, tanto que o STJ cancelou a súmula
183, de que a competência é do foro da Justiça Federal que abranger o local do dano.
Em relação aos argumentos levantados com maestria por Patrícia Pizzol, não vislumbro que o CDC tenha regulado o artigo 109 §3º
da Constituição Federal. Em razão das seguintes ponderações:
Uma – porque toda vez que o legislador ordinário pretende que
o Juiz Estadual seja investido de função federal ele o faz de forma
expressa, por exemplo, na lei da Justiça Federal que prevê que as
execuções fiscais serão propostas no domicílio do devedor ou até
mesmo em matéria penal como no caso da lei de entorpecentes que
prevê, no artigo 27, ainda em vigor, que na hipótese de tráfico internacional a competência pode ser exercida pelo juiz estadual.
Duas – porque, em relação ao segundo argumento exposto, há a
confirmação de que em relação às regras expostas há de se ressalvar a
competência da Justiça Federal, portanto o legislador relativiza a regra do local do dano quando estamos diante de competência da Justiça Federal, não se tratando, no caso da lei de ação civil pública, de um
silêncio relevante do legislador, mas sim de uma falta de técnica da
qual não podemos extrair conclusões para além do equívoco legislativo.
Três – porque não podemos esquecer que a competência da Justiça Federal é também absoluta e fixada na Constituição e, por fim,
em relação à proximidade do dano é de se lembrar que, com a
interiorização da Justiça Federal, esse argumento de validade fática,
não tanto jurídica, perderá sua eficácia.
Enfim, cabe trazer à baila as conclusões de Fredie Didier Junior,16
em artigo específico sobre o tema ora discutido, com as quais concordamos integralmente, ao asseverar que:
16
DIDIER JR, Fredie. A Competência Jurisdicional para a Ação Civil pública e a regra do
art. 109 §3º da CF/88 (Comentário ao Acórdão do STFnº RE228955-9). Revista dialética
de direito processual, São Paulo, n. 5, agosto de 2003. São Paulo: Dialética.
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a) a competência jurisdicional para a ação civil pública é territorial absoluta; b) a delegação de competência da Justiça Federal para a Justiça Estadual, feita pelo legislador ordinário com base na parte final do §3º do art.
109 da CF/88 deve ser expressa; c) O art. 2º da lei de ação civil pública não
é hipótese dessa delegação de competência, segundo o entendimento do
STF, com o qual concordamos e que foi corroborado posteriormente pelo
STJ que mudou de posição; d) o termo comarca previsto no §3º do art. 109
da CF/88 deve ser compreendido em sua acepção técnica de unidade
territorial da Justiça Estadual.
4
A COISA JULGADA NO PROCESSO COLETIVO
Carnelutti,17 em obra clássica, afirmava sobre a coisa julgada que:
A expressão coisa julgada, da qual pela força do costume não cabe prescindir, tem mais de um significado. Res iudicata é, na realidade, o litígio
julgado, ou seja, o litígio depois da decisão, ou mais precisamente, levando-se em conta a estrutura diversa entre o latim e o italiano, o juízo dado
sobre o litígio, ou seja, sua decisão. Em outra palavras: o ato é, por sua
vez, o efeito de decidir, que realiza o juiz em torno do litígio. Se se decompusesse esse conceito (ato e efeito), o segundo dos lados que dele resultam, ou seja, o efeito de decidir, recebe também e especialmente o nome da
coisa julgada que, por conseguinte, serve para designar, tanto a decisão
em conjunto, quanto em particular sua eficácia.
Liebman,18 por sua vez, clarificou que:
A autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença, como postula a
doutrina unânime, mas, sim, modo de manifestar-se e produzir-se dos
efeitos da própria sentença, algo que a esses efeitos se ajunta para qualificálos e reforçá-los em sentido bem determinado.
A coisa julgada é uma necessidade do próprio sistema jurídico
de conferir estabilidade às soluções judiciais, evitando que o vencedor permaneça eternamente com a espada de Dâmocles.
17
18
CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. V.1, São Paulo: Classic
Book, 2000, p. 406.
LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a
coisa julgada. 3. ed. São Paulo: Forense, 1984, p. 36.
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Fixadas as noções gerais sobre o instituto da coisa julgada, devemos analisar as peculiaridades da coisa julgada quando tratamos
do processo coletivo.
Efetivamente, as peculiaridades do processo coletivo impõem
um tratamento diferenciado para a coisa julgada na ação coletiva.
Um dos fatores que justifica essa peculiaridade foi exposto por
Gregório Almeida,19 ao lecionar que:
O CDC, diferentemente do regime adotado no CPC, onde existe disposição expressa no sentido de que “a sentença faz coisa julgada às partes
entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros(1ª
parte do art. 472), adotou técnica destinada a atender a necessidade de
efetividade dos direitos ou interesses massificados. Explica Rodolfo de
Camargo Mancuso que, nos conflitos pluriindividuais ou metaindividuais,
a coisa julgada não pode funcionar como está regulamentada no CPC,
porque nessa dimensão coletiva os legítimos contraditores formam legião, o que torna praticamente inviável identificá-los e citá-los para o
contraditório, até porque o que mais importa é que o representante legalmente legitimado seja reconhecidamente idôneo.
Bedaque20 demonstra ainda que a alteração do regime da coisa
julgada tem por fundamento a relação jurídica material posta em
juízo, pontificando, em obra clássica, que:
A coisa julgada erga omnes [...] nos processos cujo objeto seja um interesse difuso ou coletivo, decorre de circunstância inerente à própria natureza do direito, isto é, sua indivisibilidade. Também nos chamados interesses individuais homogêneos, ou seja, aqueles direitos subjetivos, divisíveis, que, por circunstâncias, receberam tratamento coletivo, a coisa julgada
atinge terceiros, mas secundum eventum litis. Tais observações visam
demonstrar que o regime da coisa julgada tem peculiaridades nas demandas coletivas, em virtude da natureza da relação jurídica material,
mormente do objeto dessa relação.
19
20
ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito processual coletivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 376.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material
sobre o processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 96.
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Observa-se, então, que, em razão da relação jurídico material, bem
como da necessidade de observância ao princípio constitucional do contraditório, construiu a doutrina a denominada coisa julgada secundum
eventum litis e o efeito erga omnes da decisão, devemos, desta forma,
minudenciar cada uma dessas peculiaridades do processo coletivo.
O primeiro ponto o qual é preciso clarificar é que, ao contrário
do que boa parte da doutrina aponta, não existe apenas alteração
nos limites subjetivos da coisa julgada, mas sim uma extensão dos
limites objetivos da coisa julgada.
Para explicarmos tal proposição, devemos inicialmente trazer à
baila a lição de Eduardo Couture,21 ao esclarecer a diferença entre
limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, sustentado que:
O problema dos limites subjetivos da coisa julgada consiste em determinar os sujeitos de direito aos quais a sentença prejudica ou beneficia. O
ponto de partida neste assunto é o de que, em princípio, a coisa julgada
alcança tão somente os litigantes; os que não tenham sido partes no feito
não são afetados por ela, e podem proclamar-se alheios à mesma alegando que res inter alios judicata aliis neque prodesse neque nocere potest [...] Falase de limites objetivos da coisa julgada para significar o objeto mesmo do
litígio e da decisão. O preceito clássico neste assunto é o de que a coisa
julgada cobre tudo quanto tenha sido discutido.
O termo coisa julgada secundum eventum litis significa, num primeiro momento, que não produz coisa julgada a decisão do juiz que
julga improcedente o pedido por falta de provas.
Tal previsão visa evitar a injustiça de uma coisa julgada produzida, muitas vezes, em virtude da omissão do autor, ou mesmo do juiz
que não cumpriu com seu papel no processo civil moderno,22 atingir,
negativamente, quem não foi formalmente parte no processo coletivo.
Para um correto equacionamento do instituto, é necessário fixarmos o conceito de falta de provas. Nesse mister, concordamos
21
22
COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do processo civil. Campinas: Red livros, 1999.
Devemos lembrar que o juiz não deve ter uma postura meramente passiva no processo, devendo colaborar de ofício para a materialização do resultado correto almejado
pelo ordenamento.
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integralmente com Ricardo Leonel,23 apesar de reconhecer as dificuldades práticas decorrentes dessa posição, ao pontificar que:
A concepção da deficiência probatória que melhor atende ao processo coletivo é calcada no critério substancial: o que importa não é a dicção do magistrado na sentença, mas o conteúdo ou modo pelo qual o feito se encerrou. Se
a discordância diz respeito a questões de fato que possam receber demonstração diversa da pretérita, inclusive em função do avanço tecnológico nos
meios de prova, será possível a reformulação da ação já julgada.
É certo que a coisa julgada secundum eventum litis não é imune a
críticas, visto que, como afirma Pedro Dinamarco,24
Essa coisa julgada secundum eventum litis, adotada por vários países, era
criticada por Mauro Cappelletti. Afinal, se a parte representa adequadamente os membros de um grupo, então não se poderia distinguir entre
efeitos favoráveis ou contrários, devendo a coisa julgada estender-se a
todos os representados [....] Não se pode pensar exclusivamente no lado
coletivo; ele é relevantíssimo, mas o indíviduo-réu não pode estar eternamente sujeito à angústia, aos riscos e ao elevado custo decorrente de um
sem número de processos (nas demandas coletivas sequer tem havido
condenação do autor pelos encargos da sucumbência), apesar de já ter
saído vencedor em uma demanda coletiva.
Com o respeito que o autor merece, num juízo de proporcionalidade, entendemos que, apesar de ponderáveis os argumentos expostos, é inviável, por frontal violação ao princípio do contraditório,
a existência de coisa julgada quando utilizando o magistrado a regra do ônus da prova indefere o pedido por falta de provas.
Como sofrer com uma sanção que a parte não deu causa? Ademais, como criticado anteriormente, se não se admite o controle judicial
da representatividade adequada, como admitir que o descumprimento
fático dessa situação provoque mais prejuízo para a sociedade?
Por outro lado, o aspecto erga-omes refere-se a uma alteração dos
limites subjetivos da coisa julgada, uma vez que a sentença no proces23
24
LEONEL, Ricardo Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 274.
DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 103.
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so coletivo permite a pessoas que não foram formalmente partes no
processo de conhecimento serem alcançadas pelo efeito da decisão.
Uma outra questão relevante reporta-se aos efeitos da coisa
julgada para além do limite territorial do órgão prolator da sentença.
O artigo 16 da lei de ação civil pública foi alterado para trazer
essa equivocada dicção de que a coisa julgada somente produzirá
efeitos nos limites da competência territorial do órgão prolator, deveras, tal proposição é absurda, pois:
a) a coisa julgada incidirá sobre o conteúdo pedido pelo autor,
ora o que servirá de parâmetro para a sentença é o pedido e não a
competência do órgão judicial; b) a medida conspira contra toda a
lógica do sistema das ações coletivas, pois provocará a repetição de
inúmeras demandas de conteúdo idêntico, podendo provocar ainda
decisões contraditórias para relações de direito material incindíveis;
c) fere o princípio da proporcionalidade em seu sub-princípio da
adequação, porque a restrição causada não é compatível com nenhum interesse público primário.
Aluísio Mendes Castro25 argumenta ainda que a inovação é
evidentemente inconstitucional, afrontando o poder de jurisdição
dos juízes, a razoabilidade e o devido processo legal.
Enfim, parece que o legislador,26 com essa infeliz alteração pretendeu apenas resolver o dilema de Shakespeare, pois, agora, mesmo no sistema da ação coletiva encontraremos processos coletivos
com possibilidade de decisões antagônicas, não sendo mais o problema do ser ou não ser a questão.
5
CONCLUSÃO
Ao Longo do trabalho procurou-se analisar o envolvente
tema do controle judicial de políticas públicas. Após a exposição, podemos tentar sistematizar em proposições objetivas as
seguintes conclusões:
25
26
CASTRO apud BUENO, Cássio Scarpinella. O poder público em juízo. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2003.
Não pretendemos extrair outras ilações que não a de um mero equívoco do legislador no tema.
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a) o processo liberal-individualista não tem aptidão para solucionar
adequadamente todas as crises de direito material, produzidas
pela sociedade moderna;
b) as ações coletivas foram concebidas como um instrumento hábil
a permitir um correto equacionamento de “novos direitos”
surgidos no bolo da modernidade, além de contribuir para um
acesso à justiça mais rápido e equânime;
c) para um correto equacionamento do processo coletivo, é preciso
repensar institutos clássicos do processo civil, ou seja, como
pontificou Barbosa Moreira, é necessário extrair das antigas
partituras novas sonoridades;
d) existem três posições sobre a natureza jurídica da legitimidade
ativa no processo coletivo, a saber: a) os defensores de que a
legitimidade sempre seria extraordinária;
e) os que sustentam uma legitimidade ordinária e c) aqueles que
afirmam estarmos diante de uma legitimação autônoma para a
condução do processo. Entendemos que estamos diante de uma
legitimação autônoma para a condução do processo;
f) poder-se-ia falar que na dúvida é de reconhecer a legitimidade
de qualquer dos legitimados legalmente para a demanda;
g) o Ministério Público assumiu papel altaneiro com a Carta Magna
de 1988 na defesa de direitos coletivos, devendo ser reconhecida
a sua legitimidade para as ações em que se discutam direitos
individuais homogêneos quando existir lesão relevante;
h) é inconstitucional a medida provisória que não admite a discussão
em ação civil pública de tributos;
i)
o Ministério público é parte legítima para a propositura de ação
civil pública relativa a tributos;
j)
o juiz, também no Brasil, pode (deve) efetuar o controle da
representação adequação por parte dos legitimados ativamente;
k) a competência definida na lei de ação civil pública é territorial
absoluta;
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l)
a competência para a ação civil pública de danos causados à
União, às autarquias ou às empresas públicas federais nos locais
em que não existir sede de Vara Federal é da Vara da Justiça
Federal que abranger o município onde o dano se consumou;
m) as peculiaridades do processo coletivo impõem um tratamento
diferenciado para a coisa julgada na ação coletiva;
n) a coisa julgada secundum eventum litis significa, num primeiro
momento, que não produz coisa julgada a decisão do juiz que julga
improcedente o pedido por falta de provas, devendo ser
interpretado a expressão falta de provas em seu aspecto substancial;
o) além de uma alteração de limite subjetivo da coisa julgada existe
uma verdadeira mudança no regime tradicional de limites objetivos
da coisa julgada, quando estamos diante de um processo coletivo;
p) a alteração legislativa de que a coisa julgada somente produz
efeitos nos limites da competência do órgão prolator é
inconstitucional e ineficaz, além de ser um retrocesso no sistema
de proteção dos direitos metaindividuais.
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