Efeitos do Recurso Ordinário cível Samoel Martins Evangelista, DesembargadorPresidente do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, Pós-Graduado em Direito Processual Civil. Celso Jerônimo de Souza, Promotor de Justiça da Terceira Promotoria Cível de Rio Branco-Ac. Presidente da Associação do Ministério Público do Estado do Acre, Pós-Graduado em Direito Processual Civil e Direito Público. 1. Introdução. 2. Objetivo do recurso. 3. Efeitos jurídicos do recurso. 4. Efeito devolutivo. 5. Efeito suspensivo. 6. O recurso ordinário. 7. Procedimento do recurso ordinário. 8. Fundamentos jurídicos do recurso ordinário e nuances da ação mandamental. 9. Alternativa para evitar eventual lesão irreparável ou de difícil reparação. 10. Conclusões. 11. Referências Bibliográficas. 1. INTRODUÇÃO. Historicamente os recursos são dotados de efeitos devolutivos e suspensivos, sendo que aqueles praticamente todos os recursos possuem, enquanto estes são reservados para situações em que a execução imediata do julgado pode ocasionar gravame irreparável ou de difícil reparação ao vencido. Há recurso que admite os dois efeitos e ocorrendo esta hipótese, fala-se que o ele foi recebido no duplo efeito, como é a apelação cível. O presente trabalho pretende refletir, tão-somente sobre os efeitos do recurso ordinário tirado das decisões proferidas, em única ou última instância, em sede de mandado de segurança pelos tribunais regionais federais ou estaduais, no exercício das suas competências originárias. Deste modo, cumpre assinalar que não será abordado o recurso ordinário interposto para impugnar decisão proferida em causas envolvendo Estado estrangeiro e município ou pessoa que mora no Brasil. Considerando a definição do recurso ordinário, como sendo a apelação com outro título (nome), pelo menos no tocante ao juízo de admissibilidade (CPC, art. 540), poderse-ia afirmar que, a exemplo desta, deve aquele ser recebido mediante atribuição dos efeitos devolutivo e suspensivo, já que não integra as exceções inscritas no artigo 520 do Código de Processo Civil? 2. OBJETIVO DO RECURSO. Ao julgar o recurso no mérito, ou seja, se o órgão ad quem dele conhecer, podem ocorrer duas hipóteses: 1 – pode ser negado provimento ao recurso se entendido que a impugnação é infundada; 2 – pode ser dado provimento ao recurso entendendo-se fundada a impugnação, pelo que o órgão ad quem reforma a decisão recorrida ou simplesmente a anula, dependendo logicamente tenha reconhecido a existência de error in judicando ou de error in procedendo. Cumpre assinalar que os efeitos do julgamento nos casos de error in judicando o objeto do juízo de mérito no procedimento recursal coincide com o objeto do juízo no grau inferior, ou seja, do ponto de vista qualitativo ambos os pronunciamentos se reportam à mesma matéria, e como não podem subsistir duas decisões com o mesmo objeto, o julgamento pelo tribunal ad quem substitui a decisão recorrida no limite de sua impugnação, ou seja, nos limites em que dela conheceu o tribunal do recurso. É o que determina o art. 512 do CPC (o julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso). Nos casos de error in procedendo, dar-se-á a substituição somente no caso de ser negado provimento ao recurso. É que se este for provido, anulará a decisão recorrida pelo que, obviamente, não poderá substituir a decisão já que não haverá mais a decisão do órgão a quo, que foi cassada, nem do órgão ad quem, que se limitou a cassar a decisão determinando que nova seja proferida. 3. EFEITOS JURÍDICOS DO RECURSO. O primeiro deles é o de ampliar procedimentalmente a relação processual, vez que vários atos processuais serão praticados após o pedido de reexame da decisão contra a qual o recurso é interposto. Com essa série de atos, forma-se um novo procedimento que é denominado procedimento recursal. O segundo efeito jurídico adia o trânsito em julgado da decisão impugnada, ou seja, interrompe a concreção da coisa julgada (art. 467 do CPC). O terceiro efeito é o de prorrogar a litispendência, vez que uma série de atos, no procedimento recursal, envolve via de regra, as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido que já foram conhecidos no 1° grau de jurisdição. A doutrina tradicional identifica mais dois efeitos: o devolutivo e o suspensivo e a doutrina moderna passou a criar outros fenômenos a partir das tendências legislativas do processo civil, aos quais Nelson Nery Junior nomina de efeito expansivo, efeito translativo e efeito substitutivo dos recursos. O objetivo deste trabalho é examinar apenas os primeiros, isto é, os efeitos devolutivo e suspensivo, notadamente, no recurso ordinário contra decisão proferida em mandado de segurança. 4. EFEITO DEVOLUTIVO. Nos primórdios, a função ou poder de julgar e dizer o direito nos conflitos de interesses era do Imperador, que representava a figura divina na terra. Com o passar do tempo, as sociedades começaram a ficar mais complexas e com isso, os conflitos experimentaram paulatino incremento, inviabilizando suas soluções pelo soberano, posto que lhe tomava precioso tempo o qual poderia ser despendido com as demais questões de interesse da coletividade. Com isso, resolveu ele delegar a função jurisdicional a determinados funcionários, sobretudo, na Roma antiga, preservando, destarte, o poder de revisar a decisão proferida, caso o jurisdicionado, não concordando com o resultado do julgamento, recorresse ao Imperador, titular da função jurisdicional, a fim de modificar ou confirmar a decisão hostilizada. Daí porque surgiu a noção da devolutividade dos recursos, vale dizer, devolvia-se ao titular do poder, o reexame da matéria decidida pelo funcionário delegado. Por efeito devolutivo, subentende-se a transferência ao órgão ad quem da matéria impugnada, com o objetivo de reexaminar a decisão recorrida. Como o recurso é um prolongamento do exercício do direito de ação, a sua interposição transfere ao órgão ad quem o conhecimento da matéria impugnada. O juízo destinatário do recurso somente poderá julgar o que o recorrente tiver requerido nas suas razões de recurso, encerradas com o pedido de nova decisão. Assim, como bem salienta Nelson Nery Junior: “o efeito devolutivo prolonga o procedimento, pois faz com que o processo fique pendente até que a decisão judicial não mais seja impugnável, quer pela inércia da parte em não interpor recurso, quer pelo esgotamento da instância recursal. Por outras palavras, o efeito devolutivo adia a formação da coisa julgada” 5. EFEITO SUSPENSIVO. Efeito suspensivo é a propriedade do recurso que leva ao adiamento da produção dos efeitos normais da decisão hostilizada, a partir do momento em que é possível impugná-la. Tem início com a publicação da decisão impugnável por recurso para o qual a lei prevê efeito suspensivo e termina com a publicação da decisão que julga o recurso. Segundo o magistério de Barbosa Moreira, Vicente Greco Filho, Nelson Nery Junior e outros, o efeito suspensivo do recurso não tem a característica de retardar o trânsito em julgado da decisão, porque o adiamento ocorre em razão do efeito devolutivo. Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim e outros doutrinadores distinguem o efeito suspensivo em duas modalidades: típico e atípico. Para esta corrente, o recurso tem efeito suspensivo típico quando a suspensão da eficácia da decisão impugnada decorre da simples interposição do recurso, ou, nas palavras de Luiz Rodrigues Wambier, “da mera situação de recorribilidade”. É o caso da apelação – que, como regra geral, é dotada de efeito suspensivo -, por força de disposição legal expressa. Note-se que quando o efeito suspensivo decorre de um pedido (como na hipótese do art. 558 do CPC) ou da formação de pedido cautelar, já há a tramitação de feitos que serão, em virtude desses casos suspensos, por causa da interposição do recurso e da formulação do pedido. Dá-se, então, o fenômeno processual do efeito suspensivo atípico. 6. O RECURSO ORDINÁRIO. O recurso ordinário, de cunho constitucional, tem por objetivo impugnar decisão denegatória de segurança, consoante estabelece o artigo 102, II, a e 105, II, b da Constituição Federal, verbis: Art. 102. Compete ao Supremo tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: II – Julgar, em recurso ordinário: a)- o habeas corpus, o mandado de segurança, segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão. decisão. Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: II – julgar, em recurso, ordinário: b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão. decisão. Por seu turno, o legislador ordinário, também, disciplinou a matéria como se nota pela redação do Código de Processo Civil, com o seguinte comando: Art. 539. Serão julgados em recurso ordinário: I – pelo Supremo Tribunal Federal, os mandados de segurança, segurança, os hábeas data e os mandados de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, quando denegatória a decisão. II – pelo Superior Tribunal de Justiça: a)- os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal e Território, quando denegatória a decisão; b)- as causas em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional e, de outro, Município ou pessoa residente e domiciliada no País. Parágrafo único. As causas referidas no inciso II, aliena b, caberá agravo das decisões interlocutórias. A exegese dos dispositivos transcritos autoriza concluir que o recurso ordinário é exclusivo do impetrante, exceto o instituído pelo art. 539, II, b, do Código de Processo Civil, e deve ser exercitado no prazo de 15 (quinze) dias, conforme orienta o artigo 508 do CPC. 7. PROCEDIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO. Dispõe o artigo 540 do estatuto processual civil que se aplica ao recurso ordinário, quanto aos pressupostos de admissibilidade e ao procedimento, no juízo recorrido, as mesmas regras de regência do recurso de apelação, senão vejamos: Art. 540. Aos recursos mencionados no artigo anterior aplica-se quanto aos requisitos de admissibilidade e ao procedimento no juízo de origem, o disposto nos Capítulos II e III deste Título, observando-se, no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, o disposto nos seus regimentos internos. Por seu turno, o Regimento Interno do STJ preconiza que: Art. 248. Distribuído o recurso, a Secretaria fará os autos com vista ao Ministério Público pelo prazo de cinco dias. Parágrafo único. Conclusos os autos ao relator, este pedirá dia para julgamento. Como se infere do dispositivo regimental citado, após a distribuição do recurso ordinário, ele sequer passa pelo Relator, indo direto ao Ministério Público, para colher seu parecer, somente depois é que os autos lhe serão conclusos, quando então terá a oportunidade de fazer-lhe o juízo de admissibilidade, podendo adotar uma das seguintes providências: a)- nega seguimento ao recurso, se inexistente um dos requisitos de admissibilidade (art. 557, CPC, art. 38, Lei nº 8038/90 e art 34, XVIII, RISTJ); b)- positivado o recebimento, dá provimento ao recurso, se a decisão impugnada estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do STF e STJ (CPC, art. 557, § 1ºA), ou então, leva o recurso a julgamento perante o órgão colegiado competente (art. 34, X, e art. 248, Parágrafo único, RISTJ). 8. FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO RECURSO ORDINÁRIO E NUANCES DA AÇÃO MANDAMENTAL. Como já visto em outro lugar, a decisão que reclama recurso ordinário é aquela proferida no exercício da competência originária pelos Tribunais de Justiça ou Regional Federal, denegando a ordem de segurança, tendo como destinatário o Superior Tribunal de Justiça, que funcionará como tribunal de segundo grau ou corte de apelação. De igual sorte, os Tribunais Superiores (STF, STJ, TSE, TST, STM), que denegarem mandado de segurança, da sua competência originária, o recurso ordinário será interposto perante o tribunal superior correspondente, endereçado ao STF que funcionará como tribunal de segundo grau. Não apenas a decisão que denega, mas também aquela que extinguir o processo, onde se veicula mandado de segurança, sem julgamento do mérito, podem ser desafiadas por recurso ordinário. De fato. É questão superada a exegese restritiva, que outrora chegou a imperar, sobretudo, no pretório, segundo a qual, apenas a primeira se expunha ao recurso ordinário. Oportuno advertir que, se o Relator designado para o mandado de segurança, por decisão unilateral indeferir a inicial, por entender faltar algum dos requisitos da lei de regência ou que a matéria não pode ser ventilada nesta via, esta decisão não fica exposta a recurso ordinário, sendo necessário, provocar a decisão colegiada em sede de agravo regimental, para que em sendo confirmado a rejeição da inicial, possa o impetrante, interpor o recurso ordinário 1 . Assim, se denegada a ordem ou extinto o processo sem julgamento do mérito, o impetrante poderá manejar recurso ordinário perante o tribunal recorrido endereçado ao STJ, cuja disciplina é a mesma prevista para a apelação, no tocante à sua admissibilidade e procedimento. No caso do tribunal conceder a segurança e esgotadas a instância ordinária, ao 2 impetrado restará tão-somente a via do Recurso Especial ou Extraordinário, se houver ofensa 1 Neste sentido decidiu o STJ ao julgar em 24.2.1992 o RMS 1365, relatado pelo Ministro Dias Trindade, publica no DJU de 23.3.1992, página 3481. 2 O STF firmou entendimento que a legitimidade para recorrer é do representante da pessoa jurídica interessada e não da autoridade impetrada. Hely Lopes Meirelles se contrapõe a essa posição pretoriana. de lei federal ou à Constituição Federal. Como é sabido, inexiste remessa necessária do aresto concessivo da segurança, ao contrário do que ocorre com a sentença do juízo singular. (LMS, art. 12, parágrafo único). Se a assertiva é verdadeira, então o recurso pode ser recebido no efeito devolutivo e suspensivo? A doutrina majoritária inclina no sentido de admitir apenas o efeito devolutivo, isto porque anota o Ministro Humberto Gomes de Barros no seu Artigo: Recursos Cíveis Ordinários e Regimentais no Superior Tribunal de Justiça 3 , a eficácia suspensiva seria contrária aos imperativos de urgência e auto-executoriedade que inspiram o processo do mandado de segurança; o recurso ordinário presta-se, apenas, ao desafio de acórdão denegatório da segurança. Ora, se a decisão recorrida nada concedeu, não há o que suspender. Contudo, no caso de haver liminar deferida, revogada pelo acórdão denegatório, responde o Ministro que o recurso ordinário será recebido no duplo efeito, citando, inclusive, precedente da Corte, Primeira Turma, em acórdão da sua lavra exarado no Agravo Regimental na Medida Cautelar nº 569/RJ, in verbis: “A teor do sistema consagrado no Código de Processo Civil, o recurso ordinário em mandado de segurança produz eficácia suspensiva (CPC, arts. 520 e 540).” Conclui que admitido o recurso nos efeitos devolutivo e suspensivo, a eficácia da decisão colegiada ficará suspensa e, por isso, a liminar remanescerá ativa e eficaz. Sua linha de raciocínio e a seguinte: “O Acórdão montou-se na observação de que o art. 540 do Código de Processo Civil trata o recurso ordinário – no que se refere à admissibilidade – como se fora apelação. Ora, a teor do art. 520, ‘a apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo’, a não ser nas cinco hipóteses arroladas naquele dispositivo legal. Como o acórdão que denega segurança não está arrolado entre aquelas exceções, é de se concluir que o recurso ordinário em mandado de segurança há que ser admitido no duplo efeito. O Professor Cássio 3 Doutrina. Superior Tribuna de Justiça. Edição Comemorativa – 15 anos, pp; 431-447. Scarpinella Bueno arrola valiosas opiniões doutrinárias, prestigiando esse entendimento.” É verdade, também, que o artigo 247 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça manda aplicar ao recurso ordinário em ação de segurança, o regime da apelação previsto no CPC. Art. 247. Aplicam-se ao recurso ordinário em mandado de segurança, quanto aos requisitos de admissibilidade e ao procedimento no Tribunal recorrido, as regras do Código de Processo Civil relativas à apelação. Na lição de Alcides de Mendonça Lima 4 , o recurso contra decisão denegatória da segurança deve ser recebido no efeito suspensivo e, com isso, suspenso fica, inclusive, a decisão que revogou a liminar, concluindo, assim, que esta continua a produzir seus efeitos, impedindo a auto-executoriedade do ato administrativo censurado pelo mandado de segurança até o julgamento do recurso, a despeito da Súmula 407 do STF proclamar que denegado o mandado de segurança, fica sem efeito a liminar concedida. Para o Professor Cássio Scarpinella Bueno, esta súmula se assentou em precedentes jurisprudenciais de 1963, portanto, antes da vigência do Código de Processo Civil, em 1973, estando em descompasso com a novel ordem processual civil devendo, por isso, ser revista pelas críticas que contra aqueles vetustos precedentes podem ser lançadas. Diz mais, que conquanto extravagante a lei de regência do mandado de segurança, suas lacunas devem ser integradas pelo Código de Processo Civil, ainda que textualmente admita a aplicação deste apenas no tocante ao litisconsorte (LMS, art. 19), em especial, a disciplina dos recursos. Como se percebe, essa corrente doutrinária diferencia o mandado de segurança com veiculação de pedido de liminar, do mandado de segurança sem esse pedido, para assegurar que no primeiro, acolhida a liminar suspendendo o ato tido por ilegal, abusivo ou arbitrário da autoridade administrativa, se o Tribunal, ao definir o processo, denegar a ordem pleiteada ou colocar fim ao processo sem julgar-lhe o mérito, eventual recurso ordinário, observado os requisitos de admissibilidade, deve ser recebido no efeito devolutivo e 4 Sua doutrina remonta 1958, antes, portanto, da edição da Súmula 407 do STF em 1963. suspensivo, afirmando que a suspensão do decisório impugnado restabelece (repristina) ou conserva a eficácia da liminar anteriormente concedida até a definição do ordinário. É verdade que a tese do Ministro Humberto Gomes de Barros, Cássio Scarpinella Bueno, Ovídio Baptista da Silva, Alcides de Mendonça Lima, Sérgio Ferraz, Botelho de Mesquita, Luiz Antônio Barbosa Franco e Adroaldo Furtado Fabrício acerca do restabelecimento da eficácia da liminar, decorrente de recurso ordinário munido de efeito suspensivo, é sedutora, mas não parece, permissa venia, ser a melhor. Sem prejuízo destas abalizadas e respeitáveis vozes defendendo o duplo efeito do recurso ordinário na decisão denegatória da segurança com liminar positivada, contudo pedimos licença para discordar. Como contraponto a essa corrente doutrinária, comecemos pelo exame do artigo 808, III, CPC, cuja redação vale transcrever: Art. 808. Cessa os efeitos da medida cautelar: (...). III – se o juiz declarar extinto o processo principal, com ou sem julgamento do mérito. Não bastasse a regra legal, o STF pacificou o entendimento sobre a matéria com a edição do Verbete 407 no seguinte sentido: “Denegado o mandado de segurança pela sentença ou no julgamento do agravo dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária”. Assim, afigura correto dizer que denegada a ordem, independente da anterior concessão de liminar, o recurso, se admitido, o será no efeito meramente devolutivo, porquanto o aresto que nega a segurança tem natureza declaratória negativa, não havendo, a rigor, efetivamente o que suspender. Nesse sentido, RT 684/169, RT 662/115. Por seu turno, há até quem sustente que o recurso ordinário é munido apenas do efeito meramente devolutivo, porque está sujeito ao mesmo regime do artigo 497 do CPC, que disciplina: “O recurso extraordinário e o recurso especial não impedem a execução da sentença; a interposição do agravo de instrumento não obsta o andamento do processo, ressalvado o disposto no artigo 558 desta Lei” Certo é que denegada a ordem, julgando-se o mérito do mandado de segurança, pelo tribunal, revogando ou não expressamente a liminar antes deferida, não há que se falar em efeito suspensivo do acórdão recorrido. Ademais, considerando que a liminar teve seus efeitos cessados pela definição do mandamus, o ato administrativo alvejado restabelece sua eficácia. De sorte que a suspensão do julgado restaria providência inútil. Razão disso, também não prospera o entendimento segundo o qual, ainda que o recurso ordinário não tivesse efeito suspensivo, poder-se-ia aplicar-lhe o comando do artigo 558, parágrafo único do CPC, que teria incidência para as exceções contempladas pelo artigo 520 do mesmo estatuto processual, se presentes a possibilidade de lesão grave ou de difícil reparação, desde que relevantes os fundamentos, e que não difere da norma inscrita no artigo 7º, II, da LMS. Ocorre, todavia, que a invocação do artigo 558, parágrafo único, em substituição ao caput do artigo 520, não resolve a questão como sugere o Professor Scarpinella, porque ainda, assim, a suspensão do aresto atacado continua a ser medida processual inútil, porquanto a decisão desfavorável ao impetrante, nada de concreto reconheceu ou impôs ao impetrado. De outro norte, pudesse prevalecer o entendimento de que o efeito suspensivo no recurso ordinário restabelece a liminar, isto criaria, data maxima venia, uma situação surreal. Toda vez que o juiz, no primeiro grau, ou o relator, no tribunal, acolher o pedido liminar, o impetrado se veria obrigado a agravar da decisão, para na eventualidade de ser inexitoso o mandado de segurança, se houver recurso admitido no duplo efeito, não correr o risco de ter a liminar restabelecida. Explica-se. Como é sabido, se na pendência do agravo, o processo principal for julgado, aquele recurso (agravo) fica prejudicado, pela superveniente perda do interesse recursal. Pois bem. A prevalecer a tese da repristinação, a assertiva da perda do objeto passaria a ser um sofisma, porquanto remanesceria o interesse recursal, para o fim de reformar a decisão interlocutória e, assim, evitar a sua sobrevida até a definição do recurso ordinário. Não parece acertado, igualmente, a assertiva segundo a qual, a decisão denegatória do mandado de segurança até o trânsito em julgado, seria ato ineficaz e que a interposição do recurso apenas prolongaria essa ineficácia, querendo com isso, admitir a possibilidade de conferir-lhe efeito suspensivo. Ora, é preciso não descurar que a via, na hipótese, é de mão dupla, isto é, pudesse a decisão denegatória ser ineficaz até o trânsito em julgado, também a autoridade dita coatora, só estaria obrigada a cumprir a ordem concedida, após o seu trânsito em julgado. Sabemos, destarte, que não é bem assim, até pela natureza mandamental do julgado concessivo (LMS, art. 12, parágrafo único, in fine). Não fosse assim e se tivesse de aguardar o lapso temporal preclusivo, a medida judicial deferida, quando executada, poderia se tornar providência totalmente inútil. De igual sorte, se o efeito suspensivo em apelação ou recurso ordinário pudesse reviver a liminar cassada pela decisão desfavorável ao impetrante, haveria que se reconhecer, também, como possível restabelecer a eficácia de liminares concedidas nos demais processos, cujas decisões desafiam recursos no efeito suspensivo, até pela aplicação do princípio da simetria. Dir-se-ia em contraposição que mandado de segurança é ação especial e, portanto, não se confunde com as ações de rito ordinário. Destarte, o raciocínio e os fundamentos, permissa venia, não podem ser diferentes. 9. ALTERNATIVA PARA EVITAR EVENTUAL LESÃO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. Se se é certo que a decisão denegatória da segurança pelo tribunal se expõe a recurso ordinário no efeito meramente devolutivo, não sendo possível imprimir-lhe o efeito suspensivo e a liminar continuar vigendo, pelos motivos já esposados em linhas pretéritas. Como justificar a sobrevida de liminar cassada por decisão lançada mediante cognição exauriente, reconhecendo a inexistência do direito liquido e certo ao impetrante, para depois dar prevalência ao ato produzido anteriormente em cognição sumária? Não parece uma subversão? Se a tese da sobrevida da liminar viesse dos processos com decisões terminativas, (sem julgamento do mérito), até não seria de todo questionável, uma vez que na hipótese, a extinção do processo decorreu de um vício processual e não da existência ou inexistência do direito afirmado pelo impetrante, conquanto o artigo 808, III, CPC, seja expresso em contrariar tal conclusão, a exegese da Súmula 407 não a desautoriza, até porque esta não deixa dúvida, quando proclama que a cessação dos efeitos da liminar decorre da denegação da ordem, nada dizendo acerca da extinção do processo sem aferição de mérito. Sem embargo disso, certo é que o remédio para evitar eventual lesão irreparável ou de incerta reparação, será a medida cautelar albergada pelo artigo 800, parágrafo único do CPC, perante o STJ, não para emprestar efeito suspensivo ao recurso ordinário, mas para suspender o próprio ato administrativo atacado pelo mandado de segurança denegado, mercê da necessidade da prévia interposição do referido recurso. Dito isso, pode surgir a seguinte indagação: a cautelar só pode ser requerida ao tribunal competente quando o recurso já tiver subido à instância superior? Sérgio Bermudes sugere que sim. Há quem diga, ainda, como Clito Fornaciari Júnior que enquanto não subir o recurso, a competência para ação cautelar permanece com o juízo recorrido. Não parece, concessa venia, ser esta a melhor interpretação do dispositivo legal acima citado, eis que sua redação parece clara ao dizer: Art. 800. As medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa e, quando preparatórias, preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal. principal. Parágrafo único. Interposto o recurso, recurso, a cautelar será requerida diretamente ao tribunal. tribunal. Nesse particular, não há como discordar de Cássio Scarpinella Bueno quando sustenta: “...a razão está com aqueles que entendem que a interposição do recurso é causa suficiente para que a competência para conhecimento e processamento da ação cautelar, nos precisos termos do parágrafo único do art. 800 do CPC, seja transferida para o tribunal competente para apreciação da causa em sede recursal 5 . O tema, entretanto, não é tranqüilo na doutrina, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito do STJ, por exemplo, faz censura a essa posição dizendo que não tem o menor cabimento, em caso de sentença denegatória da ordem de segurança, de efeito declarativo, admitir a medida cautelar inominada como equivalente a uma nova liminar para suspender o ato de autoridade apontado como ilegal ou abusivo, configuração, de resto, repelida pela sentença 6 . 10. CONCLUSÕES. 1)- A decisão do Tribunal Estadual ou Regional Federal, que no exercício da sua competência originária, denegar mandado de segurança ou extinguir o processo sem julgamento do mérito pode ser desafiada por recurso ordinário dirigido ao STJ. Assim, decisão singular do relator não se expõe ao referido recurso, podendo esta ser impugnada em sede de agravo regimental; 2)- A legitimidade para interposição do recurso ordinário na hipótese acima é exclusiva do impetrante, de sorte que na hipótese da concessão da ordem, por ocasião do julgamento do mérito, restaria ao impetrado como alternativa, se for o caso, agitar o recurso extraordinário e/ou especial; 3)- Recurso ordinário não é instrumento de controle apenas da ordem negativa de segurança, mas, também, nas causas em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional e, de outro, Município ou pessoa residente e domiciliada no País; 4)- O recurso tirado da decisão denegatória de segurança, havendo ou não anterior concessão de liminar, será recebido no efeito meramente devolutivo, não sendo possível emprestar-lhe o efeito suspensivo, posto que a natureza do julgado é declaratória negativa e nada foi imposto a autoridade coatora, razão pela qual, não há o que suspender; 5)- A concessão de liminar em sede de segurança, que mais tarde foi denegado pelo tribunal com revogação explícita ou implícita da liminar, ainda que o recurso pudesse ser 5 6 Liminares em Mandado de Segurança. Um tema com variações. 2ª edição. São Paulo.RT. 1999. p. 315. Manual do Mandado de Segurança, 3ª edição, Renovar, p. 154. recebido no efeito suspensivo, não se restabelece a eficácia desta, podendo o ato estatal alvejado pelo mandado de segurança, ser executado, por ter recuperado sua autoexecutoriedade; 6)- Interposto o recurso ordinário, pode o recorrente propor perante o tribunal competente para dele conhecer, ação cautelar inominada objetivando suspender não o acórdão atacado, mas o próprio ato da autoridade coatora, até o julgamento do recurso, retardando, assim, a auto-executoriedade do ato administrativo, sem o que estará apto a produzir todos os seus efeitos jurídicos contra o particular. 11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. BARBI, Celso Agrícola. Do Mandado de Segurança. Rio Janeiro: Forense. 2000. BARROS, Humberto Gomes de. Doutrina. Superior Tribuna de Justiça. Edição Comemorativa – 15 anos. 2005. BUENO, Cássio Scarpinella.Liminar em Mandado de Segurança. São Paulo: RT. 2001. 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