Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
RESPONSABILIDADE CIVIL DE PROVEDORES BRASILEIROS
DE CONTEÚDO DA INTERNET
Autor: Ary de Oliveira Lopes Júnior
Orientador: Msc. Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz
Brasília - DF
2010
ARY DE OLIVEIRA LOPES JÚNIOR
RESPONSABILIDADE CIVIL DE PROVEDORES BRASILEIROS DE CONTEÚDO
DA INTERNET
Monografia apresentada ao curso de graduação
em Direito da Universidade Católica de
Brasília, como requisito parcial para obtenção
do Título de Bacharel em Direito.
Orientador: Msc. Ângelo Aurélio Gonçalves
Pariz
Brasília
2010
Monografia de autoria de Ary de Oliveira Lopes Júnior, intitulada “Responsabilidade
Civil de Provedores Brasileiros de Conteúdo da Internet”, apresentada como
requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade
Católica de Brasília, em _____/_______________/______, defendida e aprovada
pela banca examinadora abaixo assinada:
_______________________________________________________
Msc. Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz
(Orientador)
________________________________________________________
(examinador)
________________________________________________________
(examinador)
Brasília
2010
Dedico o presente trabalho aos meus amigos e
colegas de curso que comigo passam as
dificuldades na caminhada para a graduação.
AGRADECIMENTO
Agradeço aos meus pais pelo dom da vida, o que me propiciou buscar a realização de
todo e qualquer sonho.
"A sabedoria é a verdadeira virtude, pois dela
depende a interpretação de tudo.”
Gonçalves Ribeiro
RESUMO
LOPES JÚNIOR, Ary de Oliveira. Responsabilidade Civil de Provedores Brasileiros de
Conteúdo da Internet. 2010. 66 f. Trabalho de conclusão de curso – (Bacharel em Direito) –
Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.
Com a evolução da sociedade surgem novas formas de convívio e com elas novas formas de
conflito. O jurista, pela natureza de sua atividade, é condenado a conhecer os mais diversos
campos do conhecimento. O objeto de estudo deste trabalho é o de fornecer dados para
melhor compreensão dos fenômenos relacionados com a responsabilidade civil na internet,
mais especificamente os relacionados com os Provedores de Conteúdo. Desta forma, antes de
conhecer as nuances das relações jurídicas oriundas da Internet, faz-se mister um histórico
sobre a internet, a diferenciação entre os provedores de internet, bem como a relação desses
provedores com seus respectivos os usuários.
Palavras-chave: Responsabilidade – Provedores – Usuário.
ABSTRACT
With the evolution of society new forms of conviviality appears and with them new forms of
conflict. The lawyer, by the nature of its activity, is doomed to meet the most diverse fields of
knowledge. The object of this document is to provide data to better understand the phenomena
related to liability on the Internet, specifically those relating to the Content Providers. Thus,
before knowing the nuances of legal relations arising from the Internet, most important make
an historical analysis over the internet, the differentiation between the internet providers, as
well as the relation of these providers with his respective ones the users.
Keywords: Responsibility – Providers – User.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABREVIATURAS
Art. por artigo
Inc. por inciso
N. por número
SIGLAS
CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO - Código Civil
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CF - Constituição Federal
LISTA DE SÍMBOLOS
§ parágrafo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 13
CAPÍTULO 1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................................ 15
1.1 NOÇÕES SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................................... 16
1.2 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA .................................................... 19
1.3 RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL ......................... 21
1.4 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................ 23
1.4.1 Conduta humana ................................................................................................... 23
1.4.2 Nexo de causalidade .............................................................................................. 24
1.4.3 Dano ........................................................................................................................ 25
1.4.4 Culpa....................................................................................................................... 27
1.5 RESPONSABILIDADE NA INTERNET .................................................................................. 28
CAPÍTULO 2 INTERNET E PROVEDORES DE CONTEÚDO ......................................... 30
2.1 CONTEXTO HISTÓRICO ......................................................................................................... 30
2.2 NOÇÕES BÁSICAS SOBRE O FUNCIONAMENTO DA INTERNET .................................. 31
2.3 CONCEITOS .............................................................................................................................. 32
2.3.1 Internet ................................................................................................................... 32
2.3.2 Provedores de serviço de internet ........................................................................ 34
2.3.3 Provedores de conteúdo de internet ..................................................................... 35
CAPÍTULO 3 DEVERES DOS PROVEDORES DE CONTEÚDO DE INTERNET ......... 37
3.1 UTILIZAÇÃO DE TECNOLOGIA APROPRIADA ................................................................. 37
3.2 CONHECIMENTO DOS DADOS DE SEUS USUÁRIOS. ...................................................... 42
3.3 MANUTENÇÃO DAS INFORMAÇÕES POR TEMPO DETERMINADO ............................ 46
3.4 MANTER EM SIGILO OS DADOS DOS USUÁRIOS ............................................................ 47
3.5 INFORMAR EM FACE DE ATO ILÍCITO COMETIDO POR USUÁRIO. ............................ 49
CAPÍTULO 4 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE CONTEÚDO .... 53
4.1 RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO DOS PROVEDORES DE
CONTEÚDO DE INTERNET POR ATOS PRÓPRIOS ................................................................. 53
4.2 RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO DOS PROVEDORES DE
CONTEÚDO DE INTERNET POR ATOS ILÍCITOS COMETIDOS POR TERCEIROS ............ 55
4.3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROVEDOR DE CONTEÚDO PELO FATO DO
PRODUTO OU SERVIÇO DE TERCEIROS .................................................................................. 56
4.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE INTERNET NO DIREITO
COMPARADO ................................................................................................................................. 59
4.4.1 O sistema da União Européia ............................................................................... 60
4.4.2 O sistema Norte-Americano ................................................................................. 61
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 62
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 64
13
INTRODUÇÃO
No Direito Civil Brasileiro, existem peculiaridades importantes e admiráveis,
as quais só podem ser notadas após um longo estudo sobre esta disciplina.
Como o Direito está sempre em constante atualização, torna-se importante
analisarmos os impactos que tais mudanças causam à sociedade. A legislação que
disciplina as relações civis é cada vez mais ampla, complexa, nos instigando a
estarmos sempre estudando e analisando cuidadosamente cada passo que o
universo do direito dá, em todos os seus âmbitos.
A Internet é um dos mais importantes e revolucionários meios de
comunicação utilizados pelo homem. Permite agilidade nas comunicações, possui
alcance global e seu custo é relativamente baixo se comparado a outros sistemas,
por isso sua utilização é cada vez mais disseminada, a importância da Internet
cresceu tanto que seu ambiente virtual é palco para as mais diversas relações
sociais.
Ressalta-se, a priori, que por muito tempo, a utilização da Internet se
restringia a alguns poucos grupos, como instituições de pesquisa e universidades.
Com a popularização da informática, o acesso à internet cresceu em grandes
proporções, os computadores se tornaram mais fáceis de usar e atualmente é
possível que praticamente qualquer pessoa possa usufruir o acesso a internet.
O objetivo deste trabalho está concentrado em aprofundar-se nas relações
jurídicas existentes entre provedores de conteúdo, usuários e terceiros, e nas
questões de responsabilidade civil decorrentes da conduta de tais agentes na
internet.
Dessa forma, a pesquisa apresentará a definição de provedor de conteúdo,
nos deveres inerentes a sua atividade, na responsabilidade derivada de seus
próprios atos e na responsabilidade decorrente de atos de terceiros.
Destarte, o presente estudo constitui-se, primeiramente, de uma breve
análise a respeito da responsabilidade civil, discorrendo sobre os conceitos
elementares, espécies e natureza jurídica da responsabilidade.
14
Serão analisados ainda, a aplicação do Código Civil com relação a
responsabilidade civil na internet e a responsabilidade dos provedores de conteúdo
por atos próprios e de terceiros.
O segundo capítulo trás os conceitos pertinentes ao tema proposto, o
contexto histórico deste meio de comunicação e noções básicas sobre seu
funcionamento.
O terceiro capítulo apresenta os deveres dos provedores de conteúdo de
internet, com breve análise dos elementos fundamentais de resguardo destes
provedores, a fim de evitar a responsabilização civil.
Por fim, o quarto trata do cerne da pesquisa, qual seja a responsabilidade
civil dos provedores de conteúdo, tanto por seus atos próprios bem como por atos
ilícitos praticados por terceiros. O capítulo derradeiro discorre ainda sobre normas
jurídicas de direito comparado relevantes a respeito do tema, o que possibilita
melhor compreensão e operacionalização do sistema jurídico brasileiro.
No que diz respeito à metodologia aplicada para a realização da presente
pesquisa, foi utilizado o método exploratório, fazendo-se uso de pesquisa
bibliográfica (doutrina e artigos em periódicos); entremeado com a técnica
dissertativa, auxiliada por um apoio em pesquisa documental (alicerçada na
jurisprudência e leis referentes à matéria estudada), sobretudo pela observação do
problema, ora em estudo, mediante o contato direto à internet.
15
CAPÍTULO 1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL
De início, mister se faz destacar que a responsabilidade é um instituto distinto
da indenização, confusão recorrente no meio acadêmico. Neste sentido, requer-se a
análise dos termos que compõem qualquer instituto para sua melhor compreensão.
O termo responsabilidade advém do latim respondere, que significa dizer,
responder, no sentido do ato praticado ou do compromisso feito, sendo de modo
geral, a obrigação de responder por alguma coisa.1
Em outras palavras, a responsabilidade é a qualidade do que é responsável, é
a obrigação de responder por certos atos, sejam próprios ou alheios, ou por alguma
coisa que lhe foi confiada.
Segundo Hildebrand, responsabilidade “é a capacidade ético-jurídico e
determinação volitiva adequada, que constitui pressuposto penal necessário da
punibilidade”.2
No contexto civil, a responsabilidade poder ser definida como a obrigação,
imposta pela lei, pela qual se tem de responder perante um terceiro pelos prejuízos
que se lhe tenha causado.
De Plácido e Silva define o terno como sendo:
[...] dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de
contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado,
para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as
sanções legais, que lhe são impostas.
Onde que, portanto, que haja obrigação de fazer dar ou não fazer
alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou
penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a
satisfação ou o cumprimento da obrigação ou sanção.3
Para Hildebrand, a responsabilidade civil é aquela “relativa às relações dos
cidadãos entre si, reguladas por normas do Direito Civil”.4
1
DE PLÁCIDO E SILVA, Oscar Joseph. Vocábulo jurídico. Atualizada por Nagib Slaibi Filho e Glaucia
Carvalho. 26.ed. v. IV. São Paulo: Forense, 2006.
2
A. R., Hildebrand. Dicionário jurídico. São Paulo: JH Mizuno, 2004.
3
SILVA, De Plácido e, op. cit., p. 125.
4
A. R., Hildebrand, op. cit., p. 284.
16
Segundo Buarque Ferreira de Holanda a responsabilidade civil reside no
“compromisso de contestar, replicar, retorquir ou dar satisfação pelos próprios atos
ou de outra pessoa, ou por uma coisa que lhe foi confiada.”5
A responsabilidade é um termo amplo, que se aplica em diversos ramos do
direito. O Código Civil Brasileiro o emprega, em diversos dispositivos que disciplinam
a matéria no seu âmbito de atuação. Assim, tem-se a responsabilidade social, a
responsabilidade dos juízes, a responsabilidade civil dos menores de idade,
responsabilidade limitada e etc.
Contudo, é importante salientar que embora existam várias esferas de
responsabilidade, a aplicação de uma norma inerente a um ramo do direito, não
exclui, conforme o caso, a responsabilização em outros campos. Ad exemplo, a
responsabilidade administrativa do servidor por ato doloso não exclui sua
responsabilização na esfera penal.
Entretanto, o presente estudo se dispõe a apreciar as peculiaridades da
responsabilidade civil dos provedores brasileiros de conteúdos da internet. Porém,
antes de adentrar no cerne do tema, é imperioso fazer breve abordagem das noções
gerais da responsabilidade civil.
1.1 NOÇÕES SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL
O contexto histórico da sociedade justifica as razões para a manutenção do
império da lei e do Direito. As normas que integram o Estado de Direito são
imprescindíveis a equidade nas relações entre os cidadãos. Em outras palavras, é o
poder normativo que delimita o direito de ir e vir, os deveres, as obrigações do ser
humano dentro de um grupo social, cujo fim é tão somente, propiciar
proporcionalidade e justiça, bem como evitar conflitos de interesses.
O filósofo Tomas Hobbes, em brilhante estudo, afirma “ser a lei o exato limite
entre o justo e o injusto”.6 Depreende-se, portanto, que as normas que regem o
Estado, traçam o equilíbrio entre o justo e injusto no cerne das crenças de cada
cidadão.
5
FERREIRA, Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3.ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
6
HOBBES, Tomas. Leviatã. São Paulo: Nova Cultural, 1997.
17
Ainda no período da sociedade primitiva, o senso de responsabilização era
efetivado mediante duras punições, seguindo as disposições da Lex de Talionis
(Lex: lei e talis: tal, parelho), o que significa Lei de Talião, ou seja, “Olho por olho
dente por dente”. A primeira abordagem da Lei de Talião, segundo indícios,
encontra-se no Código de Hamurabi, “editado” em 1.780 a.C. na Babilônia. O
princípio do “olho por olho dente por dente” desenvolveu-se na medida em que a
sociedade primitiva evoluía e, ante a inexistência, de um sistema jurídico de
repressão e resolução de conflitos, aplicavam-se penas proporcionais ao agravo.
Era tido como Código de Justiça.7
Com a evolução da sociedade, a forma de responsabilização ganhou novos
ares; sobretudo na esfera penal. Contudo, a responsabilização civil denota no ser
humano, um verdadeiro senso de justiça, a representação de efetividade da lei, de
resposta a um dano outrora configurado.
Neste contexto, ressalta-se o entendimento de Sílvio Rodrigues, ao citar
Savatier, o qual conceitua responsabilidade civil como sendo a obrigação que pode
incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por
fato de pessoas ou coisas que dela dependam.8
O mesmo autor acentua que o difícil é saber se o prejuízo experimentado pela
vítima deve ou não ser reparado por quem o causou e, em caso afirmativo, cumpre
indagar em que condições e de que maneira será tal prejuízo reparado.9
Caio Mário da Silva Pereira ensina que a expressão responsabilidade civil, na
linguagem jurídica atual, é o conjunto de regras que obrigam o autor de um dano
causado a outrem a reparar este dano, oferecendo à vítima uma compensação.10
Segundo Plácido e Silva a responsabilidade civil é expressão usada na
linguagem jurídica, em distinção à responsabilidade criminal ou penal. O autor afirma
que esta designa a obrigação de reparar o dano ou de ressarcir o dano, quando
injustamente causado a outrem. Aponta que resulta da ofensa ou da violação de
direito, que redunda em dano ou prejuízo a outrem, podendo ter como causa a
7
WIKIPÉDIA. Lei de Talião. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_tali%C3%A3o>.
Acesso em: 20 abr. 2009.
8
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. v. 4. 19.ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
9
Ibidem, p. 06.
10
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
18
própria ação ou ato ilícito, como, também, o fato ilícito de outrem, por quem, em
virtude de regra legal, se responde ou se é responsável.11
Resumindo o conceito desse instituto, Maria Helena Diniz ensina que: "poderse-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem
alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do
próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal
sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal
(responsabilidade objetiva)”.12
Importante frisar que, a responsabilidade civil manifesta-se sobre o patrimônio
do individuo, independentemente, se pessoa natural ou jurídica; ou seja, não afeta a
pessoa em si, no contexto do próprio ser. Neste sentido, dispensa-se, conforme o
caso, a culpa do agente; quando a hipótese viabilizar a responsabilidade a terceiros
e/ou herdeiros do agente causador do dano.
O que se objetiva com a responsabilização é a reestruturação do patrimônio
da vítima, o ressarcimento fundado no dano causado, fazendo com que aquele
retorne ao status quo ante.13
Destaca-se
a
necessidade
de
observância
aos
pressupostos
da
responsabilidade civil. Desde os primórdios a idéia de responsabilidade esteve
intrinsecamente ligada à existência de dano.14 Atualmente a relação permanece,
sendo imprescindível à responsabilização civil a presença concreta de um dano,
bem como um prejuízo efetivo a terceiro.
O Código Civil Brasileiro dispõe claramente a relação dos pressupostos ao
instituto, vejamos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Sílvio Rodrigues assevera que se abstrai deste dispositivo o princípio geral de
direito. Alega que tal princípio impõe a quem causa dano a outrem o dever de
11
DE PLÁCIDO E SILVA, op. cit,. p. 713.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 7, 15.ed. São Paulo:
Saraiva, 2001.
13
GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade civil: dano e defesa do consumidor. Belo Horizonte: Del
Rey, 2001.
14
Ibidem, p. 19.
12
19
repará-lo, sendo, por tanto, princípio informador de toda teoria da responsabilidade e
sem o qual a vida social é quase inconcebível.15
Nota-se a evolução histórica do instituto, que embora o passar do tempo,
mantém
a
exigência
de
certos
pressupostos
para
sua
configuração.
A
responsabilidade, como dito alhures, norteia diversos ramos do direito, sendo que no
âmbito do Direito Civil detém ramificações específicas as quais, se tratará a seguir.
1.2 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA
De início, frise-se que a responsabilidade pode assumir concepções distintas,
que dependerá da forma como se observa a obrigação de reparar o dano. O Direito
Civil moderno elege o princípio da culpa como princípio fundamental da
responsabilidade
extracontratual,
abrindo,
entretanto,
exceções
para
a
responsabilidade por risco da atividade, criando-se, assim, um sistema misto de
responsabilidade.
A responsabilidade subjetiva está intrinsecamente ligada à culpa, elemento
fundamental ao dever de reparar, nesta espécie de responsabilidade. Sílvio
Rodrigues entende que a responsabilidade é subjetiva quando se inspira na idéia de
culpa e objetiva quando esteada na teoria do risco.16
Para o autor, na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do
agente causador do dano não possui tanta relevância, desde que exista relação de
causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, momento em
que surge o dever de indenizar17. Acrescenta ainda, que a teoria do risco pertence à
responsabilidade objetiva:
Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade cria um
risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que
sua atividade e seu comportamento estejam isentos de culpa.
Examina-se a situação e, se for verificada, objetivamente, a relação
de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano
experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada.18
Pode-se dizer que a responsabilidade civil objetiva é aquela que independe
da culpa. Para esta espécie de responsabilidade basta somente a existência do
15
RODRIGUES, Sílvio, op. cit, p. 13.
Idem, p. 11.
17
Ibidem, loc cit.
18
Ibidem, loc cit.
16
20
nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável. Em outras
palavras, o fundamento da responsabilidade objetiva é o risco que uma atividade
oferece a coletividade e os danos que essa atividade pode ensejar.
Quanto à responsabilidade subjetiva, Sílvio Rodrigues esclarece que quando
a prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o
dever de indenizar a responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do
comportamento do sujeito.19
Maria Helena Diniz20 sustenta que haverá responsabilidade subjetiva quando
se encontrar sua justificativa na culpa ou dolo por ação ou omissão lesiva a
determinada pessoa, ao passo que haverá responsabilidade objetiva quando for
fundada em risco, que se funda no fato de haver o agente causado prejuízo à vítima
ou aos seus bens.
A responsabilidade subjetiva baseia-se, então, na idéia de culpa, nessa
modalidade de responsabilidade em não havendo culpa não há também a obrigação
de reparar. Por se caracterizar em fato constitutivo de direito à pretensão
reparatória, caberá ao autor, sempre, o ônus da prova de tal culpa do réu.
Nesse sentido conclui-se que a concepção subjetiva requer a observância da
intenção do titular do direito, de modo a averiguar se este agiu com pleno interesse
no resultado, - utilizando-se de direito preexistente em sua esfera jurídica sem o
intuito de auferir frutos para si, em virtude do ato -; causando, por conseguinte, lesão
a direito de terceiro.
De outra face, a concepção objetiva busca avaliar o ato e o dano em si, cujo
fim é verificar conseqüências em virtude de ações abusivas perante um direito.
Segundo esta concepção, o titular de um direito que ciente de suas ações pode agir
de maneira benéfica, mas opta por caminhos que trazem prejuízos a terceiros, é
obrigado a reparar o dano causado.
Desta forma, conclui-se que a relativização dos sistemas da obrigação
indenizatória civil firma-se, precipuamente, à prova da culpa, ao cerne da
distribuição do ônus probatório, sendo este o centro em que tem gravitado a
distinção entre a responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil objetiva.
19
20
RODRIGUES, Sílvio, p. 15.
DINIZ, Maria Helena, p. 120.
21
1.3 RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL
Outro aspecto de importante relevância é a distinção entre responsabilidade
contratual e responsabilidade extracontratual, eis que uma pessoa pode causar
prejuízo à outra tanto por descumprir uma obrigação contratual quanto por praticar
ato ilícito.
Destarte, cumpre-nos colacionar a definição destes institutos nas breves,
porém, sábias palavras de César Fiuza, verbis:
Responsabilidade contratual é a que decorre da celebração ou da
execução de um contrato. [...] a responsabilidade contratual poderá
ser por ato lícito ou ilícito. Vizinhas da responsabilidade contratual,
mas ontologicamente diferentes são as responsabilidades précontratual e pós-contratual. Em ambos os casos, não há contrato. Na
responsabilidade pré-contratual, o contrato ainda não foi celebrado;
as partes encontram-se em fase de negociações preliminares. A
responsabilidade pós-contratual ocorre após a execução do contrato.
Mesmo não havendo mais contrato, por já ter sido executado,
permanecem deveres para as partes, como os de garantia; daí falarse em responsabilidade pós-contratual. A responsabilidade précontratual e a pós-contratual não têm natureza de responsabilidade
contratual. No entanto, não se podem dizer absolutamente
extracontratual, por estarem ligadas aos contratos. Tem, na verdade,
natureza mista, sui generis.21
E acerca da responsabilidade extracontratual assevera que:
[...] a responsabilidade extracontratual decore de atos unilaterais de
vontade, como a promessa de recompensa, a gestão de negócios e
o pagamento indevido; decorre também de fatos ilícitos, como a
paternidade, e decorre, por fim, do abuso de direito e dos atos
intrinsecamente ilícitos. Também, a responsabilidade extracontratual,
como é óbvio, poderá ser por atos ou fatos lícitos ou ilícitos.22
Segundo Sílvio Rodrigues o artigo 186 do Código Civil Brasileiro disciplina
genericamente as conseqüências da responsabilidade extracontratual, enquanto o
artigo 389 do mesmo diploma legal disciplina os efeitos resultantes da
responsabilidade contratual.23
A propósito, vejamos os mencionados artigos, verbis:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência,
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.
21
FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 9.ed., rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: DelRey, 2006.
Ibidem, p. 277-278.
23
RODRIGUES, Sílvio, p. 8-9.
22
22
Art. 389: Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas
e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais
regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
O autor afirma que na hipótese de responsabilidade contratual, antes de a
obrigação de indenizar emergir, existe entre o inadimplente e seu co-contratante um
vínculo jurídico derivado da convenção. Já na hipótese de responsabilidade
extracontratual, nenhum liame jurídico existe entre o agente causador do dano e a
vítima até que o ato gerador do dano ponha em ação os princípios causadores de
sua obrigação de indenizar.24
A Maria Helena Diniz pondera a responsabilidade contratual como sendo
oriunda de inexecução de negócio jurídico bilateral ou unilateral. Aduz que resulta,
portanto, de ilícito contratual, ou seja, de falta de adimplemento ou da mora no
cumprimento de qualquer obrigação. Trata-se de infração a um dever especial
estabelecido pela vontade dos contraentes, por isso decorre de relação obrigacional
preexistente e pressupõe capacidade para contratar.25
Responsabilidade
extracontratual,
segundo
a
autora,
resulta
do
inadimplemento normativo, ou seja, da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou
incapaz, visto que não há vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligadas
por uma relação obrigacional ou contratual.26
Dependendo da natureza da norma jurídica violada pelo autor do dano, a
responsabilidade pode ser classificada em contratual e extracontratual ou aquiliana.
Dessa forma, se o ato que gerar a obrigação de reparar se der por meio de atuação
ilícita do agente infrator ou por violação de mandamento legal estamos diante da
responsabilidade extracontratual. Contudo se a relação entre as partes for derivada
de uma norma contratual prévia que as vinculava e o dano decorre em face do
descumprimento de obrigação do contrato temos a responsabilidade contratual.27
Quando se trata de responsabilidade contratual e extracontratual, a grande
questão está em saber se o ato danoso ocorreu em razão de uma obrigação
preexistente, contrato ou negócio jurídico unilateral. Alega que quem transgride
dever de conduta, com ou sem negócio jurídico, pode ser obrigado a ressarcir o
dano.
24
RODRIGUES, Sílvio, p. 9.
DINIZ, Maria Helena, p. 120.
26
Ibidem.
27
Rodrigues, Sívio, op. cit. p. 15.
25
23
Para César Fiuza, a responsabilidade contratual é baseada em princípios
próprios, como o da obrigatoriedade contratual e da boa-fé objetiva. Já na
responsabilidade extracontratual, em regra, não interessa a diferença entre dolo e
culpa; na contratual a diferença interessa, dependendo de o contrato ser gratuito ou
oneroso.28
Conclui-se, portanto, que os fundamentos da responsabilidade contratual são
distintos daqueles inerentes a responsabilidade extracontratual. Em ambos os
casos, a base consiste no princípio que coíbe a prática da antijuridicidade, por ir de
encontro a princípios de maior relevância no Direito, v.g. a paz e a ordem na vida em
sociedade.
1.4 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Apresenta-se a seguir os pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam:
a conduta humana (ação ou omissão), o nexo de causalidade, o dano e a culpa.
Assentado o princípio, universalmente aceito, de que todo aquele que causar dano a
outrem é obrigado a repará-lo, cabe-nos agora analisar, em linhas gerais, tais
pressupostos também denominados elementos básicos da responsabilidade civil.
1.4.1 Conduta humana
A conduta humana classifica-se como pressuposto da responsabilidade civil,
assim entende-se que:
[...] vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito,
voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de
terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a
outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.29
Logo, a conduta humana seja ela ação ou omissão é o ato da pessoa que
causa dano ou prejuízo a outrem. É o ato do agente ou de outro que está sob a
28
FIUZA, César. Releitura da Teoria Geral da Responsabilidade. Disponível em: <
http://www.lex.com.br/noticias/artigos/default.asp?artigo_id=1135260&dou=1>. Acesso em: 24 de abril
de 2009.
29
DINIZ, Maria Helena, p.37.
24
responsabilidade do agente que produz resultado danoso seja por dolo, negligência,
imprudência ou imperícia. Este ato gera a obrigação de reparação.30
Segundo Silvio Rodrigues a responsabilidade do agente pode defluir de ato
próprio, de ato de terceiro que esteja sob a responsabilidade do agente, e ainda de
danos causados por coisas que estejam sob a guarda deste. A responsabilidade por
ato próprio se justifica no próprio principio informador da teoria da reparação, pois se
alguém, por sua ação, infringindo dever legal ou social, prejudica terceiro, é curial
que deva reparar esse prejuízo.31
Maria Helena Diniz define conduta humana como sendo o ato humano,
comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do
próprio agente ou de terceiro, que cause dano a outrem, gerando o dever de
satisfazer os direitos do lesado. Afirma, ainda, que a ação ou omissão que gera a
responsabilidade civil pode ser ilícita ou lícita e que a responsabilidade decorrente
de ato ilícito baseia-se na idéia de culpa, e a responsabilidade sem culpa se funda
no risco, principalmente ante a insuficiência da culpa para solucionar todos os
danos.32
Embasado pelas definições supracitadas, nota-se que a responsabilidade
oriunda de ato ilícito respalda-se na idéia de culpa, enquanto que a responsabilidade
objetiva funda-se no risco.
1.4.2 Nexo de causalidade
A relação de causalidade entre a conduta humana e o dano verificado é
evidenciada pelo verbo "causar", contido no artigo 186 do Código Civil vigente. Sem
o nexo causal, não há como existir a obrigação de indenizar. A respeito da
existência do dano, se sua causa não estiver relacionada com o comportamento do
agente, não há o que se falar em relação de causalidade e, conseqüentemente, em
obrigação de indenizar. Nexo de causalidade é, pois, o liame entre a conduta e o
dano.
Sílvio de Salvo Venosa, ao definir nexo de causalidade, ensina que:
30
RODRIGUES, Sílvio, p. 16.
Idem.
32
DINIZ, Maria Helena, p. 37.
31
25
O conceito de nexo causal, nexo etimológico ou relação de
causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do
agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que
concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento
indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas
nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um
dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao
responsável, não há como ser ressarcida”.33
Dessa forma, o dano sofrido pela vítima por si não basta para a imputação de
responsabilidade a alguém, é preciso que esta lesão passe a existir em virtude de
ato do agente causador para que haja a obrigação de indenizar. É necessário o nexo
entre o ato omissivo ou comissivo do agressor e o dano experimentado, de maneira
que possa ser imputado ao agente a causa do dano.
1.4.3 Dano
Sem a comprovação do dano não há o que se falar em responsabilidade civil,
Não se pode imputar responsabilidade civil a alguém, ou seja, não existe a
obrigação de reparar sem a lesão de um bem jurídico protegido. Dessa forma, o
dano, ou prejuízo, é, ao lado do nexo de causalidade, um dos pressupostos da
responsabilidade civil, porquanto, sem a sua ocorrência inexiste a indenização.
Sérgio Cavalieri Filho, citado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona
Filho, assevera que:
O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não
haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não
houvesse dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não
pode responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva,
qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento
– risco profissional, risco proveito, risco criado etc. -, o dano constitui
o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não
haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até
dolosa. 34
O dano indenizável pode ser classificado em duas espécies distintas: o dano
patrimonial e o dano moral. O dano material é aquele que se refere as lesões
ocorridas junto ao patrimônio pecuniário e que possa ser valorado economicamente,
abrangendo também o dano emergente e o lucro cessante. Já o dano moral não
33
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. v. 04. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003.
34
26
está diretamente relacionado com o patrimônio do indivíduo, sendo aplicado nos
casos cujo conteúdo não pode ser valorado em pecúnia.
Maria Helena Diniz conceitua o dano patrimonial como sendo a lesão
concreta que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na
perda ou deterioração total ou parcial dos bens materiais que lhe pertencem,
passível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável. A autora alega
que constituem danos patrimoniais a privação do uso da coisa, os estragos nela
causados, a incapacitação do lesado para o trabalho, a ofensa a sua reputação
quando tiver repercussão na vida profissional.35
Sustenta, ainda, que o inadimplemento doloso ou culposo por parte de um
agente acarreta indenização por danos patrimoniais e morais, visto que são
ressarcíveis não só os dispêndios feitos pelo repudiado, mas também o moral,
ambos oriundos da quebra unilateral de promessa.
No que tange aos danos morais, Humberto Theodoro Júnior esclarece sobre
a matéria afirmando que, verbis:
No convívio social, o homem conquista bens e valores que formam o
acervo tutelado pela ordem jurídica. Alguns deles se referem ao
patrimônio e outros à própria personalidade humana, como atributos
essenciais e indisponíveis da pessoa. É direito seu, portanto, manter
livre de ataques ou moléstias de outrem os bens que constituem seu
patrimônio, assim como preservar a incolumidade de sua
personalidade.
É ato ilícito, por conseguinte, todo o ato praticado por terceiro que
venha refletir, danosamente, sobre o patrimônio da vítima ou sobre o
aspecto peculiar do homem como ser moral. Materiais, em suma, são
os prejuízos de natureza econômica, e, morais, os danos de natureza
não-econômica e que „se traduzem em turbações de ânimo, em
reações desagradáveis, desconfortáveis, ou constrangedoras, ou
outras deste nível, produzidas na esfera do lesado‟ (CARLOS
ALBERTO BITTAR, Reparação Civil por Danos Morais, 2ª ed., São
Paulo, Revista dos Tribunais, 1993, n.5, p. 31). Assim, há dano moral
quando a vítima suporta, por exemplo, a desonra e a dor provocadas
por atitudes injuriosas de terceiro, configurando lesões nas esferas
interna e valorativa do ser como entidade individualizada.
De maneira mais ampla, pode-se afirmar que são danos morais os
ocorridos na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da
pessoa na sociedade, alcançando os aspectos mais íntimos da
personalidade humana („o da intimidade e da consideração pessoal‟),
ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o
da reputação ou da consideração social).
35
DINIZ, Maria Helena, op. cit, p. 64.
27
Sílvio Venosa acentua que o dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo
psíquico, moral e intelectual da vítima. O autor sustenta que o dano moral abrange
não somente os danos psicológicos, mas também a dor ou padecimento moral,
sendo esta inserida no amplo campo da teoria dos valores. Deste modo, conclui, o
dano moral é indenizável, ainda que não resulte em alterações psíquicas. 36
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em acordo com a
mais acertada jurisprudência e doutrina, sovou completamente o problema, uma vez
que, de forma expressa, no artigo 5º, inciso V, consagrou a possibilidade de
reparação por danos morais.
O Código Civil de 2002 reproduziu este pensamento, trazendo de forma
expressa a possibilidade de reparação por danos morais no já mencionado artigo
186.
Mesmo assim, o instituto dos danos morais permanece cheio de polêmicas,
dúvidas, paradoxos e variantes intermináveis. Uma dificuldade colossal, por
exemplo, liga-se à fixação de critérios para arbitramento quantitativo do dano moral
no caso em concreto.
1.4.4 Culpa
Por nosso ordenamento civil, pode-se considerar como pressuposto da
responsabilidade civil subjetiva, o elemento culpa. Contudo, pode existir a
responsabilidade civil sem a culpa, conforme disposto no parágrafo único do artigo
927 do Novo Código, “haverá obrigação de reparar o dano independentemente de
culpa”.
Sílvio Rodrigues divide a culpa como sendo grave, leve e levíssima.37
A culpa grave, segundo o mencionado autor, é a decorrente da imprudência
ou negligência grosseira. Acentua que a culpa grave se equipara ao dolo.
Já a culpa leve é aquela na qual um homem de prudência normal pode
incorrer e a levíssima seria aquela em que um homem de extrema cautela não
poderia deixar de escapar.
Segundo Sílvio Venosa a culpa é a inobservância de um dever que o agente
devia conhecer e observar. Sustenta que a culpa civil, em sentindo amplo, não
36
37
VENOSA, Sílvio de Salvo. p. 40-41.
RODRIGUES, Sílvio, p. 148.
28
abrange somente o ato ou conduta intencional, mas também os atos ou condutas
eivados de negligência, imprudência ou imperícia.38
Conclui-se que quando restar comprovada a presença de um dos três
elementos: negligência, imperícia ou imprudência fica caracterizada a culpa do
agente, surgindo o dever de reparação, pois mesmo sem intenção o agente causou
dano.
1.5 RESPONSABILIDADE NA INTERNET
O Direito, ao longo da existência humana, sempre acompanhou o progresso
tecnológico e suas implicações na sociedade. A cada nova descoberta surgem
desafios para a regulamentação dos conflitos emergentes, implicando em mudanças
na legislação de cada sociedade.
Dessa maneira, a medida que o uso da Internet se torna mais popular e
essencial na vida das pessoas, os ordenamentos jurídicos aplicados a esta
tecnologia devem ser cautelosamente estudados, de forma que sua aplicação seja
compatível com os objetivos de cada sociedade.
Liliana Minardi Paesani afirma que a questão fundamental, que com extrema
pertinência expõe, é a quem atribuir a eventual responsabilidade por dano. Assevera
que o primeiro problema a ser enfrentado é o que diz respeito aos fornecedores de
serviços via internet, ou seja, os provedores, cuja responsabilidade é vista como
alternativa ou concorrente do sujeito que cometeu o ilícito.39
A mesma autora sustenta que os provedores assumem uma posição
ambígua: de um lado eles são conduzidos a desenvolver o papel de operadores de
telecomunicações, transmitindo mensagens por meio da rede sem conhecer o
conteúdo e, por outro lado, eles são levados a desenvolver o papel tradicional do
editor, nesse caso, sendo responsáveis pelo conteúdo disponibilizado.
No Código Civil, a responsabilidade contratual fora tratada nos artigos 389 e
seguintes. Tais dispositivos não trazem grandes inovações em relação ao Código
Civil de 1916.
38
VENOSA, Sílvio de Salvo, p. 23-24.
PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet: Liberdade de informação, privacidade e
responsabilidade. São Paulo: Atlas, 2000.
39
29
Com relação à responsabilidade extracontratual, Marcel Leonardi alega que o
Código Civil de 2002 manteve o tradicional sistema brasileiro de responsabilidade
civil objetiva, alargando o campo de aplicação da responsabilidade objetiva, ao
associar os conceitos de culpa e risco.40
Sustenta, ainda, que o pressuposto para a existência de responsabilidade civil
subjetiva é a prática de ato ilícito, cuja definição se encontra nos arts. 186 e 187 do
CC de 2002, a saber:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comente ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seus fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Verifica-se, assim, que, no âmbito da internet, a teoria da culpa permanece
como regra básica de responsabilidade civil, tendo aplicação, em situações
específicas, a teoria do risco criado, sempre em razão de atividade que implicar risco
para outrem.41
40
LEONARDI, Marcel. Responsabilidade civil dos provedores de serviços de internet. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2005.
41
Ibidem.
30
CAPÍTULO 2 INTERNET E PROVEDORES DE CONTEÚDO
2.1 CONTEXTO HISTÓRICO
Desenvolvida pela empresa ARPA (Advanced Research and Projects Agency)
em 1969, com o objetivo de conectar os departamentos de pesquisa, esta rede foi
batizada com o nome de ARPANET.
Marcel Leonardi ensina que antes da ARPANET, já existia outra rede que
ligava estes departamentos de pesquisa e as bases militares, mas como os EUA
estavam em plena guerra fria, e toda a comunicação desta rede passava por um
computador central que se encontrava no Pentágono, sua comunicação era
extremamente vulnerável.42
Ensina, ainda, que a Internet não foi concebida como uma rede comercial, e
antes do desenvolvimento da World Wide Web, seus usuários seguiam políticas
gerais de conduta que proibiam expressamente o uso da rede para fins comerciais.
Nos anos 1970, as universidades e outras instituições que faziam trabalhos
relativos à defesa tiveram permissão para se conectar à ARPANET. Em 1975,
existiam aproximadamente 100 sites. Os pesquisadores que mantinham a
ARPANET estudaram como o crescimento alterou o modo como as pessoas usavam
a rede. Anteriormente, os pesquisadores haviam presumido que manter a velocidade
da ARPANET alta o suficiente seria o maior problema, mas na realidade a maior
dificuldade se tornou a manutenção da comunicação entre os computadores (ou
inter-operação).43
No Brasil, a história da Internet começou bem mais tarde. Só surgiu em 1991
com a RNP (Rede Nacional de Pesquisa), uma operação acadêmica subordinada ao
MCT (Ministério de Ciência e Tecnologia). Até hoje a RNP é o "backbone" principal e
envolve instituições e centros de pesquisa, universidades, laboratórios, dentre
outros. Em 1994, no dia 20 de dezembro é que a EMBRATEL lançou o serviço
experimental a fim de conhecer melhor a internet.44
42
LEONARDI, Marcel, p. 03.
Ibidem, p. 04.
44
Ibidem, p. 03
43
31
Somente em 1995 é que foi possível, pela iniciativa do Ministério das
Telecomunicações e Ministério da Ciência e Tecnologia, a abertura ao setor privado
da Internet para exploração comercial da população brasileira.
Fica a cargo da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa a responsabilidade pela
infra-estrutura básica de interconexão e informação no Brasil, tendo controle do
principal backbone (conjunto de equipamentos que faz a conexão da internet entre
um país e as demais redes da internet) do país.
2.2 NOÇÕES BÁSICAS SOBRE O FUNCIONAMENTO DA INTERNET
A internet é organizada na forma de espinhas dorsais, os chamados
backbones, “que são estruturas de rede capazes de manipular grandes volumes de
informações, constituídas basicamente por roteadores de tráfego interligados por
circuitos de alta velocidade...”.45
Leonardi leciona que a Internet consiste na interligação de milhares de
computadores do mundo inteiro que se comunicam através da utilização de variados
protocolos. A interligação física da rede pode ser realizada por meio de cabos
coaxiais, fibras óticas, transmissão via satélite, ou via rádio. Os usuários da Internet
podem conectar-se direta ou indiretamente a ela, sendo no último caso através de
um provedor de acesso. Quando conectado diretamente, o usuário recebe um
endereço IP (Internet Protocol), enquanto que a conexão indireta confere ao usuário
um sub-endereço em um dos provedores.46
O endereço IP dos sites tem um correspondente escrito chamado nome de
domínio e essa tradução é realizada pelo protocolo DNS (Domain Name System). O
servidor de DNS é o responsável pelo serviço de armazenar listas com os endereços
de IP dos variados sites e traduzi-los para nomes amigáveis, v.g 64.233.163.104
para o nome amigável www.google.com.br.
Os nomes de domínio devem ser únicos. A FAPESP (Fundação de Amparo a
Pesquisa do Estado de São Paulo) é o órgão encarregado de realizar os registros de
domínio no Brasil.
45
LUNA FILHO, Eury Pereira. Internet no Brasil e o direito no ciberespaço. Disponível em
<http://www.jus.com.br/doutrina/netbrasil.html>. Acesso em 30 de outubro de 2008.
46
LEONARDI, Marcel, p. 05.
32
Quando conectado a Internet o usuário deve fazer uso do browser (programa
de computador) se quiser fluir pelas páginas da WWW (World Wide Web). Vários
browsers encontram-se à disposição dos usuários da Internet.
2.3 CONCEITOS
É imperioso apresentar a terminologia básica utilizada na rede mundial de
computadores para melhor compreensão da tese desenvolvida no presente estudo.
Dessa forma, demonstrar-se-á a seguir o conceito dos termos técnicos apresentados
neste trabalho.
2.3.1 Internet
A internet pode ser definida, de uma forma genérica, como o conjunto de
redes, os meios de transmissão e comutação, roteadores, equipamentos e
protocolos necessários à comunicação entre computadores.47
Segundo Antônio Lago Junior a internet é um sistema mundial de redes de
computadores conectados entre si, que teve a sua origem com a ARPA (Advanced
Research Projects Agency), agência federal norte-americana fundada em 1957, cujo
objetivo era buscar estabelecer um sistema de informações descentralizado e
independente de Washington, a fim de que a comunicação entre cientistas e
engenheiros militares resistisse a um eventual ataque à capital americana durante a
Guerra Fria.48
Marcel Leonardi ensina que a internet é um meio de comunicação que
possibilita o intercâmbio de informações de toda natureza, em escala global, com um
nível de interatividade jamais visto anteriormente.49
Sustenta, ainda, que por ocasião da introdução da Internet no Brasil, o
Ministério das Comunicações e o Ministério da Ciência e Tecnologia a definiram
como um conjunto de redes interligadas, de abrangência mundial, fazendo menção
aos serviços disponíveis à época, tais como correio eletrônico, transferência de
47
Norma n. 004/95. Define o uso e meios da rede pública de telecomunicações para acesso à
internet, aprovada pela Portaria n. 148, de 31 de maio de 1995, do Ministério da Ciência e da
Tecnologia.
48
LAGO JUNIOR, Antônio. Responsabilidade civil por atos ilícitos na internet. São Paulo: Ltr, 2001.
49
LEONARDI, Marcel, p. 01.
33
arquivos, acesso remoto a computadores, acesso a base de dados e diversos tipos
de serviços de informação, cobrindo praticamente todas as áreas de interesse da
sociedade.50
Pode-se concluir que a Internet é uma grande rede de computadores, com
alcance global, sem um regulamento único, capazes de transmitir grandes volumes
de informação em alta velocidade.
Nesse mesmo sentido, Pedro Alberto de Miguel Asensio, observa que a
Internet constitui um emaranhado mundial de redes conectadas entre si de modo a
tornar possível a comunicação quase instantânea de qualquer usuário de uma
dessas redes a outros situados em outras redes do conjunto, tratando-se de um
meio de comunicação global.51
Aqui se faz importante mencionar a amplitude dos serviços e a gama de
efeitos que o acesso à Internet produz no consumidor dos serviços do provedor.
Através da Internet enviam-se arquivos de grande complexidade, efetuam-se
transações bancárias, que vão desde a simples conferência da movimentação
bancária até investimentos de grande porte, podendo ainda configurar-se operações
como compra e venda compra e venda em leilões virtuais ou diretamente em lojas
virtuais especializadas, assim como as mais diversas relações comerciais entre
consumidores fornecedores, ou ainda entre empresas.
Por fim, cumpre acentuar que a Internet representa um conjunto global de
redes de computadores interconectadas e não existe nenhum governo, organismo
internacional ou entidade que exerça controle ou domínio sobre ela. Daí surge a
necessidade de se trabalhar em políticas protetivas para o usuário, pois se ao Direito
cabe regular os negócios jurídicos de uma forma geral, caberá também acompanhar
a genialidade humana a fim de possibilitar uma garantia à população ante situações
de vulnerabilidade.
50
51
Ibidem.
ASENSIO, Pedro Alberto de Miguel apud LEONARDI, Marcel, p. 02.
34
2.3.2 Provedores de serviço de internet
O provedor de acesso52 é uma atividade meio, ou seja, um serviço de
intermediação entre o usuário e a rede. É aquele que presta o serviço de conectar o
usuário à internet. É o típico contrato de prestação de serviços onde por um lado o
usuário se responsabiliza pelo conteúdo de suas mensagens e pelo uso
propriamente dito, enquanto por outro o provedor oferece serviços de conexão à
rede de forma individualizada e intransferível e até mesmo o uso por mais de um
usuário.
Segundo ensinamento de Lago Junior, citando Newton de Lucca, o provedor
de acesso é aquele que presta ao usuário um serviço de natureza variada, seja
através de franquia de endereço na internet, seja no armazenamento e
disponibilização de sites para a rede, seja prestando e coletando informações,
dentre outras.
Marcel Leonardi aduz que provedor de acesso é uma espécie do gênero
provedor de serviços de internet, onde esse último é pessoa natural ou jurídica que
fornece serviços relacionados ao funcionamento da Internet ou por meio dela.53
Já o provedor hospedeiro, também conhecido como “Hosting Service
Provider”, somente fornece meios para a hospedagem de páginas de terceiros, não
influindo nos conteúdos por eles publicados. Esses provedores detêm a estrutura
física necessária para manter um site de internet online e transferem por meio de
controle de acesso, a responsabilidade de alteração e controle dos conteúdos
publicados.
Tem-se ainda o provedor de backbone que, segundo ensinamentos de Marcel
Leonardi, é a pessoa jurídica que efetivamente detém as estruturas de rede capazes
de manipular grandes volumes de informações constituídas, basicamente, por
roteadores de tráfego interligados por circuitos de alta velocidade. Essas estruturas
são disponibilizadas usualmente a título oneroso, aos provedores de acesso e
hospedagem, o que demonstra sua fundamental importância para o funcionamento
da Internet dentro do país.54
52
BRASIL, Ângela Bittencourt. Provedores de acesso e de conteúdo. Pontocom S/A, Julho/2004.
Disponível em: <www.direitonaweb.com.br>. Acesso em: 12 de abril de 2009.
53
LEONARDI, Marcel, p 19.
54
Ibidem, p. 20.
35
As espécies de serviço prestado pelos provedores implicam em diferentes
modalidades de responsabilização. Podendo ser analisados por diversas óticas, seja
por responsabilidade objetiva, subjetiva ou consumerista, variando conforme a
atividade exercida.
2.3.3 Provedores de conteúdo de internet
O enfoque legal dos provedores de conteúdo é bem diferente dos primeiros,
estes podem ser conceituados como os que têm a finalidade de coletar, manter e
organizar informações para acesso on-line através da Internet, ou seja, aqueles que
oferecem informação através de uma página ou site.55
O provedor de conteúdo detém maior responsabilidade dentre os outros, vez
que, embora não conheça do conteúdo das mensagens e informações transmitidas,
tem a oportunidade de verificá-las, caso queira. Neste contexto, o provedor de
conteúdo pode responder civilmente por danos oriundos de tais mensagens e
informações inseridas em seu servidor.56
Nota-se que o dever de observância é o principal respaldo de que possui os
provedores de serviço e de conteúdo, embora o teor de sua responsabilização
perante terceiros seja distinta.
O conflito quanto a responsabilização dos provedores de conteúdo reside
basicamente, na condição técnica de verificar todas as informações constantes em
seus servidores. A transmissão de dados corre em alta velocidade, ou seja, a
inserção de novos dados e informações são extremamente velozes, o que inviabiliza
a ciência de todo o conteúdo inserido no servidor.
Deste modo, discute-se a não responsabilização dos provedores de conteúdo,
no tocante a tais informações veiculadas pelos usuários. Para o advogado Antonio
Lindberg Montenegro, “a única maneira que se tem para punir os culpados está em
chamar a responsabilidade o provedor de informação ou conteúdo, o que, em outros
termos, significa chegar a identificação do verdadeiro ofensor”.57
55
VASCONCELOS, Fernando Antônio de. Internet: responsabilidade dos provedores pelos danos
praticados. 1 ed. Curitiba: Juruá, 2006.
56
MONTENEGRO, Antonio Lindberg. A internet em suas relações contratuais e extracontratuais. Rio
de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.
57
Ibidem, p. 175.
36
Depreende-se que para identificar o usuário, se faz necessário incluir na
responsabilização o provedor de informação ou conteúdo, de modo a estabelecer
uma responsabilidade isolada ou concorrente ou de exclusão de responsabilidade.
Gilberto Almeida Martins sustenta a responsabilidade do provedor de
conteúdo, sob o fundamento de que no desempenho dessa função ele desenvolve o
papel tradicional de editor.58 Sob esta análise, não se pode afirmar que a
responsabilidade seja única e exclusivamente do provedor de conteúdo, cabendo,
pois, a averiguação do “redator”, ou seja, daquele que redigiu a mensagem, quem foi
o autor do ato.
Nesta hipótese a responsabilidade seria subsidiária, quando na medida do
possível o “editor”, não observou das impropriedades do texto, in casu, conteúdo
inserido no servidor.
58
MARTINS, Gilberto Almeida apud MONTENEGRO, Antonio Lindberg, p. 175.
37
CAPÍTULO 3 DEVERES DOS PROVEDORES DE CONTEÚDO DE INTERNET
Em primeiro lugar, convém ressaltar que determinados deveres decorrem da
própria natureza das atividades exercidas pelos provedores de conteúdo de Internet.
A par disso entende-se que tais deveres são intrínsecos aos provedores e
intimamente ligados ao serviço prestado, sem os quais os provedores de conteúdo
de Internet incorrem em condutas passíveis de responsabilização por possíveis
danos gerados a terceiros.
Acerca dos deveres dos provedores de serviços de internet, manifesta-se
Marcel Leonardi:
Ao prestar seus serviços a um usuário, o provedor submete-se a
diversas situações jurídicas que exigem a observância de certas
condutas, independentemente de eventuais restrições previstas em
seus contratos de adesão, de termos de utilização de serviços ou de
demais instrumentos jurídicos que utilizem para pretender limitar sua
responsabilidade.59
Baseado no projeto de Lei nº 5.403/01, o autor elenca quais os deveres
aplicáveis aos provedores de internet. No presente capítulo utilizar-se-á somente
aqueles diretamente relacionados à atividade específica dos provedores de
conteúdo, quais sejam: utilização de tecnologias apropriadas, conhecimentos dos
dados de seus usuários, manutenção das informações por tempo determinado,
manutenção em sigilo dos dados dos usuários e prestação de informações em face
de ato ilícito cometido por usuário.
3.1 UTILIZAÇÃO DE TECNOLOGIA APROPRIADA
No que toca a utilização de tecnologia apropriada, vale lembrar o contínuo
processo evolutivo da informatização. A compreensão e aplicação deste processo
podem ser observadas a partir do contexto histórico do avanço de diversos
processos tecnológicos, os quais atualmente são considerados obsoletos.
59
LEONARDI, Marcel, p. 77.
38
Ad exemplo, analogicamente, cite-se a utilização da máquina de escrever na
sede de um grande jornal, ou a fabricação de veículos automotores em grande
escala e etc.
No primeiro exemplo é possível deduzir a celeridade no processo de
divulgação da notícia; já na segunda hipótese, além da celeridade verifica-se o
quantitativo na linha de produção, se em ambos os casos houvesse a aplicação de
tecnologia mais avançada.
Nas duas hipóteses, a aplicação devida da tecnologia adequada é crucial
para obtenção dos objetivos traçados pelos “usuários”, in casu, o lucro. Em outras
palavras, com a tecnologia adequada o custo x benefício seria mais significativo, em
face dos diversos elementos que norteiam a tecnologia e o mercado capitalista.
A obtenção dos objetivos requer, contudo, a manutenção da tecnologia
aplicada, bem como atualização de seu sistema, a fim de que o processo não se
torne novamente obsoleto.
A questão do custo x benefício e a obtenção dos lucros advindos dos bons
resultados auferidos com o processo tecnológico aplicado são pontos extremamente
importantes no atual mundo globalizado e capitalista. Entretanto, outro fator
preocupa grande parte dos empresários, sobretudo, da área de informatização.
Trata-se da responsabilização.
A responsabilidade, como se viu alhures, é tema que remonta aos primórdios
da civilização. No atual contexto tecnológico, a responsabilidade por lesões a
terceiros constitui-se tema de suma importância àqueles que detêm e administram o
acesso a informação.
Os provedores de conteúdo de internet têm a obrigação de manter um
patamar mínimo de qualidade de seus serviços, utilizando para tanto, sistemas
tecnológicos adequados com o momento da prestação do serviço.
Toda a estrutura do provedor de conteúdo é de certa forma fruto da criação
humana, e como tais estão suscetíveis a falhas. Os problemas podem surgir em
conseqüência de má operação ou por defeitos internos dos sistemas.
A grande maioria dos problemas apresentados pelos provedores de conteúdo
de Internet ocorre devido à utilização de tecnologias obsoletas ou inadequadas,
problemas físicos no equipamento informático, a não adoção de sistemas de
segurança adequados, entre outros motivos.
39
Neste contexto, compete aos provedores de serviços de internet adotar as
devidas precauções, a fim de não ser submetida às penalizações oriundas da
imprudência e/ou imperícia, que caracterizam a culpa, caso tais ações enseje em
lesão aos usuários de seus serviços.
São várias as precauções devidas, v.g. os investimentos em máquinas,
softwares, programas de computador, profissionais especializados, atualização do
sistema, controle de qualidade dos serviços disponibilizados e outros aparatos
capazes de conferir sigilo e segurança às informações inerentes aos usuários dos
serviços de internet.
Com a aplicação de tais precauções, os provedores de serviços de internet
terão maior confiabilidade do público, bem como respaldo, sobretudo jurídico,
conforme dispositivo do Código do Consumidor – Lei nº 8.078/90, que assim
consigna:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da
existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre a fruição e
riscos.
[...]
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas
técnicas.
Nota-se que embora, o prestador do serviço responda por danos causados a
terceiros, em face da prestação de seus serviços, independente da existência de
culpa; a hipótese não ocorre caso o prestador programe novas técnicas a seus
serviços, conforme se abstrai da exceção constante no §2º do dispositivo supra.
Significa dizer que havendo constante aplicação de novas técnicas cujo fim
seja a ampliação e melhoria do serviço prestado, e caso este enseje danos a
terceiros, não haverá aplicação imediata de responsabilização. Haverá, pois em
última análise a necessidade de comprovação da culpa e/ou dolo do prestador de
serviço.
Cumpre colacionar o entendimento de Antônio Lago Júnior, que ratifica a tese
apresentada, verbis:
[...] o serviço não será defeituoso, nem tampouco o provedor de
acesso ou proprietário do site terá faltado com seu dever de
informação e segurança, se procurou diligenciar no sentido de se
40
cercar de todos os cuidados que a ciência técnica poderia propiciar,
para colocar à disposição um ambiente o mais seguro possível ao
cliente. Para efeito de se aferir esse fato, deverá ser levada em
consideração a época em que ocorrer o evento danoso,
principalmente em razão do rápido avanço da tecnologia da
informática.60
Dessa forma, os provedores de conteúdo têm o dever de utilizar tecnologias
adequadas às suas atividades, considerando o estágio de desenvolvimento
tecnológico apropriado ao momento da prestação do serviço. O não cumprimento
deste dever implica em responsabilização direta, quando se tratar de ato próprio, ou
co-responsabilidade por ato de terceiro.
Entretanto, não haverá responsabilização do provedor, quando na hipótese,
inexistir defeito no serviço prestado como há de se verificar no julgado proferido pela
Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios:
DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. SITE
ORKUT. PÁGINA CONTENDO INFORMAÇÕES OFENSIVAS AO
USUÁRIO. INEXISTÊNCIA DE DEVER LEGAL OU CONTRATUAL
DE FISCALIZAÇÃO OU MONITORAMENTO DO CONTEÚDO DAS
PÁGINAS PESSOAIS. FATO DE TERCEIRO. DEVER DE
INDENIZAR INEXISTENTE.
I. Aplica-se a legislação consumerista aos litígios envolvendo
provedores ou responsáveis por sites de relacionamento e os
respectivos usuários, ainda que o serviço disponibilizado não seja
direta ou imediatamente remunerado.
II. Aquele que é prejudicado por defeito ou falha na prestação de
serviço, tenha ou não relação jurídica direta com o fornecedor,
qualifica-se como consumidor ante os termos do art. 17 da Lei
8.078/90.
III. A Google Brasil Internet Ltda é parte legítima para figurar no pólo
passivo da ação indenizatória que tem como fundamento ato ilícito
praticado nos domínios do sítio eletrônico denominado orkut.
IV. Não havendo obrigação legal ou contratual do provedor ou
responsável por site de relacionamento de controlar o conteúdo nem
de monitorar os atos praticados pelos usuários, inexiste dever de
reparação de danos oriundos da adulteração de dados promovida
por outros usuários ou por terceiros.
V. Inexistente ação ou omissão imputável ao provedor ou
responsável pelo site de relacionamento, não pode ser
60
JÚNIOR, Antônio Lago, 2001 apud LEONARDI, 2001, p. 80.
41
considerado defeituoso o serviço que se circunscreve à
disponibilização de uma plataforma virtual de comunicação.
VI. Sem a configuração do defeito do serviço esvai-se um dos
requisitos imprescindíveis à caracterização da responsabilidade
civil objetiva prevista no art. 14 do Código de Defesa do
Consumidor.
(20060110068265ACJ, Relator JAMES EDUARDO OLIVEIRA,
Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais
do D.F., julgado em 31/10/2006, DJ 07/12/2006 p. 242)
(grifo nosso)
Ao analisar a teoria da culpa negativa, que qualificou como “a abstenção ou
inércia contrária a dever preestabelecido”, José de Aguiar Dias observou que:
[...] aplica-se extensivamente e seu espírito exige do proprietário da
coisa suscetível de causar dano a adoção de todos os
aperfeiçoamentos sugeridos pela ciência, de forma a restringir,
sempre e sempre, as possibilidades desses danos. Se não atende a
essa obrigação, se não se põe em dia, a sua responsabilidade
emerge da omissão.61
Ainda que hoje, a teoria objetiva prevaleça em tais hipóteses, a lição se
mantém atualizada. Naturalmente, o aparato tecnológico mais avançado do passado
é hoje risível, da mesma maneira que as tecnologias atuais frente às novas
descobertas de algumas décadas.
Dessa forma, os equipamentos e programas de computador utilizados hoje
por um provedor de conteúdo de Internet estará ultrapassado em um período de
tempo variável conforme o progresso da informática.
Como regra, se os equipamentos informáticos e programas de computador
utilizados pelo provedor de serviços forem obsoletos ou desatualizados, a tal ponto
que se encontrem aquém do padrão mínimo utilizado no país por outras empresas
que tenham a mesma atividade econômica, certamente seus serviços não
fornecerão a segurança que o consumidor dele poderia esperar.
Quando não for possível deduzir, da experiência comum, se determinado
provedor de serviços atendia ou não aos padrões mínimos estabelecidos pelo
estado da técnica no momento da prestação dos serviços, a questão deverá ser
dirimida por especialistas do setor, mediante verificação pericial.
61
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6.ed., rev., aum., v.1. Rio de Janeiro: Forense,
1979. p. 66 apud Leonardi, Marcel , p. 79.
42
3.2 CONHECIMENTO DOS DADOS DE SEUS USUÁRIOS.
É cediço o direito a livre manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato62 e, em contra partida, o direito de resposta, proporcional ao agravo, além
da indenização por dano material, moral ou à imagem. 63 Tais disposições
constitucionais são por vezes violadas, em decorrência dos fatos oriundos da
utilização de serviços da web.
Os provedores de conteúdo de Internet permitem a seus usuários transmitir e
acessar qualquer tipo de informações através da rede. Nada impede que terceiros
omitam sua identidade através de apelidos, que empresas utilizem apenas nomes
de fantasia, ou que disponibilizem propositalmente, em web sites, informações falsas
ou errôneas.64
De plano, nota-se a violação à vedação ao anonimato, no tocante à livre
manifestação do pensamento, vez que corre na internet informações as quais não se
pode precisar a origem, mediante a análise dos provedores de conteúdo. O acesso a
origem das informações, como identidade de usuários e empresas responsáveis
pela transmissão, armazenamento e divulgação de dados e informações, somente é
possível mediante os provedores de serviços.
Se dos cadastros de usuários, os dados obtidos forem falsos, incompletos ou
desatualizados, de modo que seja impossível identificar ou localizar o autor do ato
ilícito, sujeitam-se os provedores a responder solidariamente pelo ato cometido por
terceiro que não puder ser identificado ou localizado.
A ocorrência prática da incidência da responsabilização pode ser abstraída
das constantes ações da polícia e do judiciário brasileiro, na busca dos usuários que
praticam os mais variados crimes e delitos pela rede mundial de computadores,
dentre os quais: agressões morais a terceiros, proliferação de imagens e fotos de
menores em cenas de nudismo, apologia às drogas, práticas de racismo, dentre
diversas outras formas de preconceito.
Sites de relacionamento são os mais utilizados para a prática destes delitos,
v.g. o Orkut, administrado pela Google, que nos últimos anos respondeu
solidariamente a diversas ações no judiciário para retirar do ar, conteúdos lesivos a
terceiros.
62
Art. 5º, inciso IV da Constituição Federal de 1988.
Art. 5º, inciso V da Constituição Federal de 1988.
64
LEONARDI, Marcel, p. 81.
63
43
Há situações em que comprovada a prática lesiva e, tendo o provedor, ciência
desta prática, responderá pelos danos suportados pela vítima. Destaca-se a decisão
exarada pela 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, vejamos:
DANO MORAL - Indenização - Discutível a aplicação da
responsabilidade objetiva do provedor de hospedagem pelos
conteúdos de autoria de terceiros - De um lado, se afirma a
inexistência de um dever de censura do provedor de hospedagem
sobre os pensamentos e manifestações dos usuários - De outro lado,
se afirma que se trata, pela própria ausência de controle, de
atividade de risco, ou de risco da atividade - No caso concreto, o
conteúdo dos perfis em site de relacionamento Orkut era
manifestamente ilícito e foi o provedor, em diversas
oportunidades, admoestado pelos autores e por autoridade
policial a proceder ao seu cancelamento, tomando inequívoca
ciência da ilicitude do conteúdo - Inocorrência de dúvida
razoável sobre a ilicitude do conteúdo, que em tese permitiria ao
provedor aguardar determinação judicial - Criação de perfil falso
e de conteúdo prima fade ilícito, gerador de responsabilidade
civil do provedor, tão logo tome conhecimento de tal fato e
persista no comportamento de mantê-lo – Clara violação à honra
objetiva da pessoa jurídica e objetiva e subjetiva das pessoas
naturais - Ação procedente - Recurso de apelação da Ré improvido Recurso dos Autores provido, para o fim de majorar o valor das
indenizações,
adequando-os
à
sua
função
preventiva.
(5232674600AC, Rel. Francisco Loureiro, 4ª Câmara de Direito
Privado – TJSP. Data do julgamento: 13/08/2009. DJ 13/08/2009.
Data do registro: 02/10/2009).
(grifo nosso)
Dessa forma entende-se que os provedores de serviços devem utilizar meios
tecnológicos e equipamentos informáticos que possibilitem a identificação dos dados
de conexão dos usuários, para que tais informações sejam disponibilizadas a quem
de direito em caso de ato ilícito, pois nem sempre os dados cadastrais contendo os
nomes, endereços e demais dados pessoais dos usuários estarão corretos ou
atualizados.
Tal medida constitui garantia ao disposto no inciso IV da Constituição Federal
de 1988. No que se refere ao direito de resposta, salienta-se que o termo
“proporcional ao agravo” confere à vítima o direito de se utilizar do mesmo meio de
veiculação do ato que causou o dano, o que não excetua, contudo, o direito a
indenização.
Neste sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, como abaixo
se verifica:
44
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. REITERADA
PUBLICAÇÃO DE NOTÍCIAS LESIVAS À HONRA DO AUTOR.
EXTRAPOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO. DANO MORAL
CONFIGURADO.
RESSARCIMENTO.
VALOR.
ELEVAÇÃO.
PUBLICAÇÃO DA DECISÃO. CABIMENTO. FORMA. DURAÇÃO.
"SITE" DA INTERNET. EMBARGOS INFRINGENTES. ALCANCE.
PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS N. 282 E 356STF.
I. Configurada a gravidade da lesão causada ao autor, pela
sucessiva publicação de matérias acusatórias de imenso teor
ofensivo, desprovidas de embasamento na verdade, procedente é o
pedido reparatório, que deve ser o mais integral possível, pelo que a
par de uma indenização compatível com o dano moral causado,
impõe a publicação da decisão judicial de desagravo, pelos
mesmos meios de comunicação utilizados na prática do ilícito
civil, a fim de dar conhecimento geral, em tese, ao mesmo
público que teve acesso às notícias desabonadoras sobre o
postulante.
II. Elevação do valor indenizatório por considerado insuficiente
aquele fixado no 2º grau da instância ordinária, ante a extensão do
dano moral causado. Restabelecimento daquele fixado pela 1ª
instância.
III. Figurando as reportagens em "site" mantido pela editora ré
na Internet, pertinente a condenação imposta pelo acórdão a
quo de divulgação da decisão judicial reparatória no mesmo
local, dentro da exegese que se dá aos arts. 12, parágrafo único,
e 75 da Lei n. 5.250/1967.
IV. Impossibilidade de exame da possível violação ao art. 530 do
CPC, quanto ao tempo de permanência da decisão no sítio mantido
na Internet, por ausência de efetivo prequestionamento da questão
federal, sob o aspecto suscitado pelo autor na peça recursal.
Incidência das Súmulas n. 282 e 356-STF.
V. Recurso especial do autor parcialmente conhecido e provido
nessa parte. Recurso especial da ré não conhecido. (REsp
957.343/DF, Rel. Ministro
ALDIR PASSARINHO JUNIOR,
QUARTA TURMA, julgado em 18/03/2008, DJe 28/04/2008)
(grifo nosso)
Frise-se ainda, que a plena disposição dos provedores de serviço de internet
às determinações legais, lhes confere maior segurança na execução de seus
serviços, como se viu no julgado supra.
Nesse passo, cumpre colacionar o entendimento exarado por Antonio Jeová
Santos, vejamos:
O ideal é que o provedor ao receber um assinante ou cliente, ou
usuário, exija todos ou seus dados identificadores. Se não o faz,
45
visando aumentar o número de usuários que o freqüentam ou para
ter, ainda mais, grande número de pessoas que acedem a seus
serviços tornando-se potenciais compradores, assume os riscos
dessa atividade calculada. A não identificação de pessoas que
hospeda em seu site, não o exime da responsabilidade direta, se o
anônimo perpetrou algum ataque causador de dano moral. Não
exigindo a identificação dos seus usuários, assume o ônus e a culpa
pelo atuar indiscreto, criminoso ou ofensivo à honra e intimidade
acaso cometido.65
Para o cumprimento deste dever, quando da contratação dos serviços o
provedor de conteúdo deve exigir de seus usuários uma série de dados,
principalmente aqueles que permitam sua posterior identificação, tais como
documentos pessoais válidos.
A identificação mediante documentos válidos propicia, sobretudo, a
verificação da origem dos dados, ou seja, a localidade em que estão instalados os
equipamentos, o endereço de IP do usuário, a linha telefônica utilizada para conexão
à rede e etc.
Salienta-se a atuação do legislativo no que concerne ao Direito da Internet. O
Substituto ao Projeto de Lei nº 5.403/0166, que agregou diversos projetos acerca da
matéria, trata dos dados a serem registrados, a fim de prevenir o anonimato dos
usuários, verbis:
Art. 2º. [...]
Parágrafo único. [...]
I – identificação da origem da transação e do seu destinatário;
II - horários de início e conclusão da transação;
III – número de telefone ou identificação do ponto de rede utilizado
para efetuar a conexão, salvo impossibilidade técnica.
Importante mensurar que este rol não é taxativo, podendo outros dados ser
registrados para conferir plena garantia da identidade do usuário do serviço.
Com essas informações, havendo a prática de conduta delituosa ou quaisquer
ações que ensejem em dano material, moral ou a imagem, pode o provedor
65
JEOVÁ SANTOS, Ântonio. Dano moral na internet: São Paulo: Método, 2001.
Projeto de Lei nº 5.403/01. Câmara dos Deputados. Disponível em:
<http://imagem.camara.gov.br/dc_20.asp?selCodColecaoCsv=D&Datain=30/10/2001&txpagina=5408
7&altura=700&largura=800>. Acesso em: 10 set. 2009.
66
46
repassar tais informações às autoridades competentes para que tomem as devidas
providências.
Em síntese, isenta-se o provedor de qualquer responsabilidade, caso
comprove a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, conforme disposição do
artigo 14, §3º, inciso II do Código de Defesa do Consumidor.
3.3 MANUTENÇÃO DAS INFORMAÇÕES POR TEMPO DETERMINADO
Como se viu, o acesso a rede de computadores mediante o uso de um
computador passa a falsa impressão de anonimato, uma sensação de que é
possível realizar diversos atos, pois inexistem observadores. Entretanto, quase todo
uso que se faz na internet pode ser monitorado, vez que a cada acesso é gerado um
registro de atividade que possibilita sua identificação. A este registro dá o nome de
IP.
Por manterem os dados cadastrais de seus usuários e dos acessos por eles
realizado, os provedores de conteúdo de internet detêm as informações necessárias
para a possível identificação e localização dos mesmos.
Ad exemplo cite-se o envio e o recebimento de mensagens via correio
eletrônico; ou seja, ao enviar uma mensagem de correio eletrônico, um computador
estabelece uma conexão com o servidor do provedor de correio eletrônico, o qual
registra tanto o número de IP daquele computador que pretende enviar a
mensagem, quanto dados de conexão.
Conforme demonstrado alhures, é salutar a preservação de tais informações
para identificar e responsabilizar o real autor de ato ilícito. A preservação das
informações técnicas e cadastrais dos usuários é, portanto, dever de todo provedor
de serviços de Internet, vez que representa a única forma de identificar e localizar os
usuários responsáveis por atos ilícitos. Caso não realizem a manutenção de tais
dados, estarão os provedores sujeitos a responsabilização solidária pelos danos
causados por terceiros, em face da conduta omissiva. 67
Inexiste legislação específica relativa ao prazo em que os provedores de
conteúdo armazenem tais registros, e seria demasiado dispendioso armazenar
essas informações para sempre.
67
LEONARDI, Marcel, p. 83.
47
A priori, em face da inexistência de norma legal específica a respeito, tais
informações devem ser preservadas pelo prazo de três anos, à luz do artigo 206, §
3º, inciso V do Código Civil, que estabelece o prazo prescricional geral de três anos
para a propositura de ações objetivando reparação civil.68
Outrossim, o Substitutivo ao Projeto de Lei nº 5.403/01 versa acerca do prazo
de preservação dos dados69, destaca-se:
Art. 2º [...] os provedores de acesso ficam obrigados a registrar todas
as transações realizadas por meio de seus serviços, originadas no
usuário ou a ele destinadas, devendo preservar tais registros pelo
prazo de três anos.
[...]
§2º [...] serão preservados pelo provedor de acesso até que seu
descarte seja autorizado pela autoridade judiciária.
Embora não seja uma norma vigente, percebe-se o avanço legislativo no
sentido de preservar os dados da origem das informações veiculadas na rede
mundial de computadores. Nota-se que o §2º dispõe sobre a extensão do prazo, nos
casos de determinação judicial, que em hipóteses específicas, sobretudo, em virtude
dos prazos judiciais, demandará maior tempo para a apreciação de todo conteúdo.
O §3º registra ainda que o prazo contar-se-á da data de encerramento da
prestação de serviços e, deverá manter registro de qualquer modificação
processada sobre tais dados.
Verifica-se, portanto, a relevância do prazo de preservação dos dados e
informações dos usuários, que caso seja exíguo, caracterizará pleno prejuízo, tanto
ao provedor de serviços e conteúdo em termos de demonstração de sua idoneidade,
quanto à vítima de um ato ilícito.
3.4 MANTER EM SIGILO OS DADOS DOS USUÁRIOS
Neste momento adentra-se no delicado campo do sigilo, que a muito confere
polêmicas, sobretudo no âmbito da Internet. O legislador constitucional, sabiamente
68
Art. 206. Prescreve:
[...] §3º: em três anos:
[...] V – a pretensão de reparação civil.
69
LEONARDI, Marcel, p. 84.
48
inseriu dentre as garantias constitucionais, o direito à privacidade, consagrado no
inciso X do artigo 5º da Magna Carta:
Art. 5º. [...]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material
ou moral decorrente de sua violação.
Em 1988 a rede mundial de computadores não detinha a amplitude de
funcionalidade que possui hoje, sobretudo, o livre acesso à população. Com a
difusão que a Internet detém na atualidade, mediante o crescente processo de
globalização, surgiram problemas de toda ordem, dentre eles a lesão à intimidade e
a vida privada.
Neste contexto é que se insere o dever dos provedores de serviços, em
resguardar os dados cadastrais fornecidos pelos usuários no momento do cadastro.
Entende-se por dados cadastrais, aqueles inerentes as informações pessoais do
usuário, quais sejam: nome, endereço, números de documentos pessoais ou
empresariais e demais informações necessárias a instalação, funcionamento e
cobrança dos serviços prestados pelo provedor.70
Submete-se ainda ao dever de sigilo, os dados de conexão a rede, tais como
os números de IP gerados em cada acesso a Internet, datas e horários de acesso e
desconexão a web, que na linguagem informática são denominados login e logout,
dentre outras informações técnicas cujo objetivo seja identificar o usuário.
Inobstante a isso, destaca-se que o conteúdo das comunicações e as
transmissões de dados realizadas pelo usuário, não são passíveis de sigilo, vez que
apenas os dados inerentes à identificação do usuário adentram no dever de sigilo.
Como se nota, o conteúdo das mensagens, textos e demais informações
transmitidas pelos usuários não são submetidos ao sigilo pelos provedores de
serviço, pois dessa forma podem extrapolar a determinação legal que lhes foi
imposta.
Cumpre observar o magistério de Rodrigo Telles de Souza acerca da garantia
do direito à intimidade, verbis:
O princípio constitucional da inviolabilidade da intimidade e da vida
privada abrange, em seu âmbito de proteção, o segrego de dados
pessoais arquivados. Tal preceito está previsto de forma explícita no
70
LEONARDI, Marcel, p. 84.
49
art. 5º, X, da Constituição Federal [...]. É de salientar que o direito ao
sigilo de informações armazenadas não se insere no campo protetivo
do princípio consubstanciado no inciso XII do art. 5º do Texto Maior,
pois o dispositivo se refere especificamente à comunicação de
dados. Cuida-se, neste caso, de tutelar o segredo do fluxo de
informações, analisadas dinamicamente, e não de proteger a reserva
de dados registrados, considerados estaticamente.71
Nota-se que o inciso X preocupa-se em garantir o sigilo dos dados pessoais
arquivados, já o inciso XII respalda a comunicação de dados. Em outras palavras,
são direitos distintos amparados em diferentes dispositivos legais.
No que concerne à disposição do inciso X do dispositivo supra, compete aos
provedores de serviço à manutenção do sigilo dos dados dos usuários, de modo a
resguardar a intimidade, vida privada, honra e imagem dos usuários.
Entretanto, no campo prático existem algumas ressalvas a divulgação dos
dados cadastrais e de conexão, o qual consiste na autorização expressa por parte
do usuário no momento da contratação do serviço. No ato do preenchimento dos
dados cadastrais e da efetivação do contrato, normalmente de adesão, alguns
provedores incluem a opção de divulgação dos dados dos usuários a “parceiros
comerciais” do provedor. Inexiste qualquer ilegalidade nesta prática, desde que o
consumidor seja informado desta possibilidade e a autorização seja expressa.72
Outra exceção ao dever de sigilo consiste na prática de atos ilícitos por parte
dos usuários, situação que autoriza o provedor de serviços a fornecer os dados
cadastrais às autoridades competentes.
3.5 INFORMAR EM FACE DE ATO ILÍCITO COMETIDO POR USUÁRIO.
Viu-se que o dever de sigilo dos dados cadastrais e de conexão pode ser
afastado caso o usuário tenha praticado qualquer ato ilícito fazendo uso da Internet.
Neste caso há a inversão dos deveres, onde outrora era proibido informar, agora o
provedor é obrigado a fornecer, desde que os dados sejam solicitados por
autoridade competente ou autorizada a divulgação, em face de disposições
expressas do contrato de prestação de serviços.
71
FERREIRA, Ivete Senise (Coord.). O exame judicial de dados armazenados e dispositivos de
memória informática secundária como prova no direito constitucional processual brasileiro, in Novas
fronteiras do Direito na era digital. São Paulo: Saraiva, 2002.
72
LEONARDI, Marcel, p. 85.
50
Não se pode olvidar que os dados cadastrais são os inerentes a identidade do
indivíduo ou empresa (nome, numero de documentos, endereço e etc.), já os dados
de conexão são relativos à sua identificação na Internet (número de IP, datas e
horários de login e logout e etc.). Excetuam-se destes dados o conteúdo as
informações veiculadas pelos usuários.
É imprescindível compreender que o dever de sigilo, consiste no segredo dos
dados inerentes a identidade do usuário ou da empresa, os quais estão registrados
em banco de dados. Trata-se de informações estáticas, que não se relacionam com
a transmissão de informações, que também é objeto de debate, porém foge ao tema
proposto.
Augusto Tavares Rosa Marcacini assevera que:
[...] apesar de se atribuir a mesma qualidade de inviolável a estes
direitos, intimidade, vida privada, honra e imagem são expressões de
larga amplitude, de modo que podem por vezes conflitar com outros
direitos e garantias. Por esta razão, aplicado o critério da
proporcionalidade, os bancos de dados estão protegidos por um
sigilo relativo, não imune a ordem da autoridade judicial.73
Importante destacar ainda, o entendimento de Marcel Leonardi no que
concerne a relativização entre o direito a privacidade e a prática de um ilícito por
meio da Internet:
[...] verifica-se que os dados cadastrais e de conexão de determinado
usuário não se confundem com o conteúdo das comunicações
eletrônicas realizadas por ele. O sigilo dos dados cadastrais e de
conexão é protegido pelo direito a privacidade que não prevalece em
face de ato ilícito cometido, pois, do contrário, permitir-se-ia que o
infrator permanecesse no anonimato.74
A inviolabilidade das comunicações é amparada pelo inciso XII do artigo 5º da
Constituição Federal, a qual requer autorização expressa e detalhada do poder
judiciário para que haja a quebra do sigilo. A hipótese do inciso X prescinde estes
requisitos, vez que inexiste interceptação do fluxo das comunicações por parte dos
provedores.
É comum a prática de agressões a imagem e a honra das pessoas mediante
sites de relacionamento, bem como o recebimento de mensagens eletrônicas
ofensivas e/ou ameaçadoras. Do mesmo modo que diversas ações são realizadas
73
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Direito e informática: uma abordagem jurídica sobre
criptografia. São Paulo: Forense, 2002.
74
LEONARDI, Marcel, p. 92.
51
por pessoas mal intencionadas, as quais fazem uso de dados de terceiros idôneos.
Entretanto, é inviável às vítimas descobrirem por conta própria os autores de tais
ilícitos, tendo em vista que a identificação somente é possível mediante o acesso
aos registros cadastrais e de conexão de posse dos provedores de serviço.
Em tais circunstancias compete ao provedor de serviços fornecer às vítimas,
os dados mínimos de identificação e localização do(s) responsável(eis), sem,
contudo, efetuar a quebra do sigilo dos dados cadastrais, o qual, como visto, só é
devido mediante autorização judicial ou disposição contratual.
Destarte, é dever de um provedor de correio eletrônico informar todos os
números de IP gerados por usuário infrator, que tenha praticado atos ilícitos;
permitindo, pois, sua identificação junto ao provedor que forneceu o acesso a tal
usuário. Frise-se a impossibilidade de fornecimento dos dados cadastrais que não
estiverem relacionados ao ilícito, pois estes permanecem sob o resguardo do sigilo.
Ressalta-se a respeito o acórdão prolatado pelo Desembargador Elliot Akel da
Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
RESPONSABILIDADE CIVIL - INTERNET - decisão que determinou
a provedor de hospedagem que apresentasse qualificação completa
de usuário responsável pela criação de comunidade contendo
comentários ofensivos à imagem da agravada - agravante que não é
obrigada a registrar e manter em seu sistema os dados pessoais dos
usuários de seus serviços - recorrente que já forneceu os
números de IP de criação e acessos envolvidos no alegado
ilícito, sendo verossímil a alegação de que são os únicos dados
relevantes de que dispõe - recurso provido. (Agravo de Instrumento
n° 601.658-4/9 - SP, Rel. Des. Elliot Akel - 1ª Câmara de Direito
Privado. Data do julgamento: 27/01/2009. Data do registro:
11/02/2009).
(grifo nosso)
De outra face, a disponibilização de dados cadastrais e de conexão por
cometimento de atos ilícitos é permitida caso, tal hipótese, conste expressamente no
contrato de prestação de serviço. Tal disposição contratual evita a propositura de
ações judiciais em desfavor do provedor de serviços, para este fim, bem como
agiliza o acesso a tais informações e, por conseguinte, a descoberta do infrator.
Victor Drummond sustenta um posicionamento diverso, segundo o autor, toda
disposição que viabilize o fornecimento dos dados sem o amparo de ordem judicial,
causa prejuízo a ordem jurídica, destaca-se:
52
[...] a identificação deverá ser submetida a uma exigência do Poder
Judiciário. Ainda que se tenha conhecimento de que no âmbito das
novas tecnologias um mínimo de atraso pode prejudicar uma
identificação, não se pode permitir a divulgação sem interferência
75
judicial, sob pena de a segurança jurídica restar-se prejudicada.
A tese exarada por Victor Drummond justificar-se-ia pelo que dispõe o artigo
11 do Código Civil Brasileiro, pelo qual o exercício dos direitos da personalidade não
pode sofrer limitação. Entretanto, entende-se que inexiste limitação voluntaria, tendo
em vista a contraposição de direitos, ou seja, o direito a privacidade do usuário
quando este faz uso devido do serviço prestado e, em contrapartida, a quebra do
sigilo de seus dados, em virtude do ato ilícito praticado.
Apregoar tese contrária representaria pleno abuso do exercício de seu direito
à privacidade, bem como lesão uma série de outros direitos e garantias
constitucionais.
A ausência de normas específicas é a maior problemática existente na esfera
do Direito de Internet, contudo, o Poder Legislativo não está omisso a tais entraves.
Embora em processo lento, dois Projetos de Lei tramitam na Câmara dos
Deputados. O Projeto de Lei nº 4.906/2001 trata em seu artigo 34 da obrigatoriedade
da intervenção do Poder Judiciário para revelação das informações contidas em
documento eletrônico, as quais se inserem no âmbito de proteção do inciso XII do
artigo 5º da Constituição Federal. O artigo 5º do substitutivo ao Projeto de Lei nº
5.403/01 traz a regra de fornecimentos de dados dos usuários.
O referido dispositivo vem assim transcrito:
Art. 5º [...] as informações registradas, coletadas ou obtidas sobre os
usuários dos serviços de que trata esta lei e sobre as transações por
estes efetuadas serão mantidas em sigilo pelo prestador do serviço e
somente poderão ser fornecidas as autoridade mediante
determinação judicial.
Embora existam teses adversas quanto ao fornecimento dos dados cadastrais
e de conexão dos usuários infratores e, enquanto o legislativo não firma um
posicionamento em normal legal, deve o provedor de serviços observar a extensão
do ilícito e as disposições do contrato de prestação de serviços, a fim de evitar a
proposição de ação judicial pela vítima.
75
DRUMMOND, Victor. Internet, privacidade e dados pessoais. São Paulo: Lúmen Júris, 2003.
53
CAPÍTULO 4 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE CONTEÚDO
4.1 RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO DOS PROVEDORES
DE CONTEÚDO DE INTERNET POR ATOS PRÓPRIOS
Qualquer assunto relacionado com a responsabilidade dos provedores de
Internet, ou de qualquer outro que esteja inserido no contexto do novo meio de
comunicação deve ser analisado sob a ótica dos tempos hodiernos.
Definir os limites da responsabilidade do provedor de conteúdo quando o
dano gerado decorre em razão de fato não previsto em contrato é matéria muito
complexa.
Afirma Carlos Roberto Gonçalves que é objetiva a responsabilidade do
provedor quando se trata da hipótese de provedor de conteúdo, “uma vez que aloja
informação transmitida pelo site ou página, assume o risco de eventual ataque a
direito personalíssimo de terceiro”76. Esta responsabilidade é estendida tanto aos
conteúdos próprios quanto aos conteúdos de terceiros, estes últimos veremos
adiante.
Segundo Marcel Leonardi, para que a responsabilidade de um provedor de
serviços por seus atos próprios seja compreendida, é necessário analisar a natureza
da atividade por ele exercida e as cláusulas contratuais estabelecidas com o
tomador dos serviços.77
Este autor sustenta que desta forma, afiguram-se de fundamental importância
os princípios básicos estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor, norma
de ordem pública que trata da responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços. 78
Para Luiz Fernando Kazmierczack, quanto ao conteúdo próprio ou direto, os
provedores são autores respondendo diretamente pelo fato danoso ocorrido. Pode
ocorrer que o provedor para tornar seu portal mais agradável e assim conseguir um
número maior de usuários, contrata conhecidos profissionais da imprensa que
passam a colaborar com o noticiário eletrônico escrevendo notícias, efetuando
76
GONÇALVES, Carlos Roberto. Comentário ao Código Civil: parte especial: direito das obrigações.
v. 11. São Paulo: Saraiva, 2003.
77
LEONARDI, Marcel, p. 99.
78
Ibidem.
54
comentários, assinando colunas, publicando fotos e notícias. Estas condutas são
passíveis de ofender pessoas, dessa forma, dando ensejo à indenização.79
No exemplo supracitado, os tribunais vêm decidindo pela aplicação da Lei de
Imprensa, Lei n.º 5.250/67, quando a ofensa à moral é praticada por jornalista em
site da Internet80, pois a notícia é a mesma que seria colocada em um jornal
impresso. Neste caso, muda-se, apenas, o meio pelo qual é difundida. A atitude dos
provedores é similar à dos editores de jornais quando oferecem esta espécie de
serviço a seus usuários, pois prestando informações, atuam como se fossem um
diretor de publicações de algum periódico, jornal ou revista.
Neste sentido, afirma Antonio Jeová Santos que “a responsabilidade prevista
na lei de imprensa é a mesma para editores de jornais e a estes meios modernos de
informação”.81
A responsabilidade de um provedor de conteúdo é delimitada pelas
publicações
que
porventura
possam
ensejar
danos a
terceiros,
deve-se,
primeiramente, considerar as condições de controle prévio sobre o conteúdo
publicado. Mesmo que o provedor de conteúdo não tenha criado o teor da
informação, responderá de forma solidária com o autor, sempre que agir como
editor, ou seja quando possuir o poder de decidir o que publicar ou não.
Contudo, existem na internet os sites que permitem ao usuário editar o
conteúdo de suas publicações em tempo real, como ocorre em algumas redes
sociais ou fóruns de debate. Nesse caso, o controle prévio sobre o conteúdo
publicado é praticamente impossível considerando as atuais tecnologias de
processamento de informação, dessa maneira, a responsabilidade por qualquer
conteúdo danoso, inexiste.
Para Leonardi, em princípio não há responsabilidade do mero transmissor
pelas informações que circulam por seus equipamentos informáticos, exatamente
porquanto não exerce qualquer controle e porque tampouco tem conhecimento do
conteúdo das informações transmitidas.82
79
KAZMIERCZAK, Luiz Fernando. Responsabilidade Civil dos Provedores de Internet. Universo
Jurídico. Disponível em: <
http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/3532/RESPONSABILIDADE_CIVIL_DOS_PROVEDORES
_DE_INTERNET>. Acesso em: 29 de novembro de 2009.
80
GONÇALVES, p. 88.
81
Ibidem, p. 89
82
LEONARDI, Marcel, p.156.
55
4.2 RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO DOS PROVEDORES
DE CONTEÚDO DE INTERNET POR ATOS ILÍCITOS COMETIDOS POR
TERCEIROS
A priori, cumpre salientar que terceiros são os agentes que não possuem
qualquer relação com o provedor. Marcel Leonardi afirma que como regra geral para
estabelecer a responsabilidade de um provedor de serviços por atos ilícitos
cometidos por terceiros é preciso determinar se o provedor deixou de obedecer a
algum de seus deveres e, em virtude de tal conduta omissa, impossibilitou a
localização e identificação do efetivo autor do dano.83
O mesmo autor assevera que se os provedores não observarem os deveres
gerais mencionados anteriormente, preservando as informações referentes ao ato
ilícito, e os dados cadastrais, de conexão e demais que possibilitem identificar e
localizar o efetivo agente causador do dano, responderão solidariamente por sua
prática.84
Percebe-se que nesta situação é delicado dizer que a responsabilização cabe
ao provedor. Não é sensato exigir que o provedor responda pelo mau uso das
informações que algum usuário venha a obter, por exemplo, o usuário aprendido
conhecimentos eletrônicos que lhe possibilitem fraude ao sistema de telefonia.
Os provedores de conteúdo poderão ser responsabilizados pelas informações
publicadas por terceiros, quando exercer controle editorial sobre o que pode ser ou
não disponibilizado em seu site. Há casos em que o conteúdo, pela natureza do
próprio serviço, é de dificultoso monitoramento e controle, como nas salas de batebapo.
Neste tipo de situação, não houve controle prévio e tampouco a censura do
conteúdo posto na rede, portanto o provedor de conteúdo está isento de qualquer
responsabilidade, a menos que seja notificado por algum usuário ofendido ou
autoridade policial, não bloqueie ou remova a informação ofensiva em tempo
razoável.
Convém ressaltar que, para responsabilizar o provedor de conteúdo por
informações de terceiros, o controle editorial deverá ser prévio à publicação do
83
84
LEONARDI Marcel, p.155.
Ibidem, p. 156.
56
conteúdo na rede, ou posterior à notificação de sua existência, pois somente dessa
maneira o provedor de conteúdo age, de fato, como um editor.85
Para Antônio Lago Júnior, os provedores de conteúdo, por analogia, podem
ser comparados às empresas do meio de informação e divulgação, sempre que pela
natureza da informação, mantiver o controle editorial.86
Cumpre salientar que a inobservância dos deveres relacionados a atividade
do provedor de conteúdo, implica em culpa e conseqüente responsabilização do
provedor, mesmo em casos diversos dos relacionados a publicação de conteúdo.
Por exemplo, se um provedor ao utilizar de tecnologia ultrapassada permite a
invasão de seu sistema por um hacker (especialistas em informática) que modifica
conteúdo de seu site de forma a gerar dano.
4.3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROVEDOR DE CONTEÚDO PELO FATO DO
PRODUTO OU SERVIÇO DE TERCEIROS
A classificação quanto à modalidade de serviço de um provedor é confusa e
por vezes tênue. Vários provedores de serviço englobam mais de uma função, tais
como conteúdo e comércio eletrônico. Embora o comércio eletrônico não seja tema
deste trabalho, alguns provedores de conteúdo englobam de certa forma esse tipo
de atividade, sendo importante a sua compreensão nestes casos.
Neste tópico irá se abordar especificamente a responsabilidade pelo fato do
serviço e do produto comercializado por terceiros e expostos por intermédio do
provedor de conteúdo, que com eles compartilham parte dos lucros, a exemplo dos
“leilões virtuais”.
Esse tipo de site opera como facilitador ou intermediário de transações
negociais entre vendedores e usuários. O provedor disponibiliza o espaço virtual,
pelo qual os vendedores expõem os produtos e serviços e condições de pagamento.
Os usuários interessados recebem uma forma de contato com os vendedores, e o
portal recebe comissão dos negócios ali concretizados.
Pelo motivo do site de “leilão virtual”, em sua principal função, apenas
proceder na promoção do contato entre terceiros que possam comprar e vender
85
86
LEONARDI, Marcel, p. 180.
JÚNIOR, Antônio Lago, p.99.
57
entre si pode-se fazer uma interpretação de que não se aplica o Código de Defesa
do Consumidor.
Porém a situação se esclarece quando o provedor aufere vantagem
decorrente de comissão dos negócios realizados no ambiente virtual.
A
Jurisprudência tem se firmado neste sentido.
A propósito, o seguinte julgado, verbis:
CIVIL - CONSUMIDOR - COMPRA E VENDA DE APARELHO
CELULAR VIA INTERNET-NÃO ENTREGA DE MERCADORIA DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS - SOLIDARIEDADE
PASSIVA DO SITE QUE DISPONIBILIZA A REALIZAÇÃO DE
NEGÓCIOS
E
RECEBE
UMA
COMISSÃO
DO
VENDEDOR/ANUNCIANTE,
QUANDO
CONCRETIZADO
O
NEGÓCIO - 1. Doutrina. "Os contratos de fornecimento de produtos
ou de prestação de serviços, dos quais constituem exemplo aqueles
celebrados entre provedores de acesso à internet e os seus clientes,
encontram-se sujeitos, (....) às mesmas proteções ordinariamente
dirigidas à tutela dos consumidores, em relação à eventual aquisição
de bens no mundo real. (.......) Não se pode olvidar que os contratos
realizados pela Internet são contratos de adesão, daí porque as
limitações na interpretação de tal espécie de contrato são,
evidentemente, aplicáveis. Por isso é que devem ser consideradas
nulas todas as disposições que alterem o equilíbrio contratual das
partes, ou que liberem unilateralmente as partes de suas obrigações
legais, como é o caso das cláusulas de não indenizar." (Vitor
Fernandes Gonçalves, A Responsabilidade Civil na Internet, R. Dout.
Jurisp. TJDF 65, pág. 86). 2. O serviço prestado pela ré, de
apresentar o produto ao consumidor e intermediar negócio jurídico
por meio de seu site e receber comissão quando o negócio se
aperfeiçoa, enquadra-se nas normas do Código de Defesa do
Consumidor (art. 3º, §2º, da Lei 8078/90). 3. É de se destacar que a
recorrente não figura como mera fonte de classificados, e sim,
participa da compra e venda como intermediadora, havendo assim,
solidariedade passiva entre a recorrente e o anunciante, nos termos
do Parágrafo único do art. 7º do Código do Consumidor. 4. Merece
confirmação sentença que condenou a intermediadora a indenizar
consumidor pelo não recebimento de produto adquirido (aparelho de
telefone celular) em site de internet de responsabilidade daquela
(intermediadora), aqui Recorrente. 5. Sentença mantida por seus
próprios e jurídicos fundamentos.
(20030310140885ACJ, Relator JOÃO EGMONT, Segunda Turma
Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado
em 11/02/2004, DJ 20/02/2004 p. 159)
Nos ensinamentos de Zelmo Denari, o vício de qualidade se exterioriza da
seguinte maneira, a saber:
58
Entende-se por defeito ou vício de qualidade a qualificação de
desvalor atribuída a um produto ou serviço por não corresponder à
legítima expectativa do consumidor, quanto a sua utilização ou
fruição (falta de adequação), bem como por adcionar riscos à
integridade física (periculosidade) ou patrimonial (insegurança) do
consumidor ou de terceiros. 87
Partindo desse conceito pode-se dizer que um produto ou serviço é
defeituoso quando não corresponde à legítima expectativa do consumidor a respeito
da sua utilização ou fruição. Nesta hipótese, pode-se aludir um vício ou defeito de
adequação do produto ou serviço.
Percebe-se, portanto, que é necessária a caracterização de uma insegurança
quanto à prestação ou serventia daquele produto ou serviço, o que geralmente se
desencadeia de forma oculta.
Cumpre citar novamente o parágrafo único do artigo 7º, do Código de Defesa
do Consumidor, que é expresso em afirmar que:
Art. 7°. [...]
Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos
responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas
normas de consumo."
Corrobora com tal afirmativa o doutrinador Jose Geraldo de Brito Filomeno,
com a clareza de sempre, verbis:88
Como a responsabilidade é objetiva, decorrente da simples
colocação no mercado de determinado produto ou prestação de dado
serviço, ao consumidor é conferido o direito de intentar as medidas
contra todos os que estiverem na cadeia de responsabilidade que
propiciou a colocação do mesmo produto no mercado ou então a
prestação do serviço.
Para Marcel Leonardi, é a cobrança de comissão que acarreta a
responsabilidade objetiva da empresa de “leilão virtual” pelos produtos e serviços
comercializados,
sendo
que
tanto o
comprador quanto o vendedor são
consumidores dos serviços de intermediação oferecidos pela empresa.89
No entanto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios tem se
posicionado no sentido de que se aplica a legislação consumerista aos litígios
envolvendo provedores ou responsáveis por sites de relacionamento e os
87
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6.ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2000.
88
Ibidem, p. 156.
89
LEONARDI, Marcel, p.186.
59
respectivos usuários, ainda que o serviço disponibilizado não seja direta ou
imediatamente remunerado.
O TJDFT entende que aquele que é prejudicado por defeito ou falha na
prestação de serviço, tenha ou não relação jurídica direta com o fornecedor,
qualifica-se como consumidor nos termos do artigo 17 da Lei 8.078/90. Nesse
sentido, o entendimento exarado na Apelação Cível nº 20060110068265 de relatoria
do eminente Desembargador James Eduardo Oliveira da Primeira Turma Recursal
dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, julgado em
31/10/2006, DJ 07/12/2006 p. 242.
Conclui-se, então, que a falta de legislação dificulta a aplicação do Código do
Consumidor nas relações jurídicas entre provedores e terceiros, contudo a
Jurisprudência tem se pacificado no sentido de aplicar o instituto da solidariedade
passiva aos provedores de conteúdo que atuam como intermediadores de negócios
no ambiente virtual e auferem remuneração por transação efetuada.
4.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE INTERNET NO DIREITO
COMPARADO
Devido ao seu alcance global, a internet é utilizada por usuários de
praticamente todos os países do planeta. Sociedades de diferentes culturas lidam de
formas variadas com as questões conflituosas originadas da rede.
Ao analisar as soluções encontradas pelos ordenamentos jurídicos alienígenas,
podemos encontrar medidas que podem ser adequadas também para nosso sistema
de leis.
No tocante ao trato da liberdade de expressão na internet por outros países,
Rafael Sbarai e Renata Honorato informam que no geral existem três espécies de
controle, quais sejam: liberdade plena, situação intermediária e censura de
governo.90
No controle de liberdade plena, é livre o direito de manifestar idéias, desde
que não haja incitação à violência. Os conteúdos não podem ser excluídos, nem
90
SBARAI, Rafael; HONORATO, Renata. Marco Civil da web: como disciplinar sem
censurar?.Disponível em: < http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia-tecnologia/marco-civil-web-comodisciplinar-censurar-559914.shtml>. Acesso em: 15 maio. 2010.
60
mesmo por ordem judicial. A única sanção aos autores se dá pela via financeira, os
Estados Unidos é o maior exemplo de onde se adota esse tipo de controle. No
controle intermediário a situação é semelhante ao da liberdade plena, contudo os
conteúdos podem ser removidos por ordem judicial. Alemanha, Brasil, Espanha,
Finlândia, França e Itália são exemplos de países que o adotam. Já no controle de
censura de governo, há permanente controle prévio do governo de todos os
conteúdos publicados na rede. Arábia Saudita, Coréia do Norte, China, Cuba e Irã
adotam esse modelo.
Por se tratar de matéria relativamente nova, poucas publicações em língua
portuguesa são encontradas a respeito deste assunto. Entretanto, Marcel Leonardi,
um dos maiores especialistas da área, destaca dois sistemas utilizados no mundo
que já possuem regras específicas sobre a internet, o sistema europeu e o
americano que veremos com mais detalhes adiante.
4.4.1 O sistema da União Européia
A Europa adotou duas diretivas que estabelecem regras gerais de
responsabilidade dos provedores de serviços da internet.
Segundo Marcel Leonardi, a principal delas é a Diretiva 2000/31/CE, do
Parlamento Europeu e do Conselho. Mencionada norma trata do comércio eletrônico
na União Européia, estabelecendo regras gerais de responsabilidade dos
provedores de serviços de Internet, independentemente da natureza do ato ilícito
praticado.91
Existe outra Diretiva, a de n. 2001/29/CE, também do Parlamento e Conselho
Europeus, que cuida da harmonização dos direitos autorais e dos direitos conexos
na sociedade da informação.
As duas Diretivas se complementam e estabelecem padrões mínimos a
serem correspondidos por todos os países membro da União Européia, os quais são
livres para legislar a respeito de temas específicos.
O estudo do Sistema Europeu se faz interessante por ser o primeiro
regulamento que transcende a várias nações. Como já vimos alhures, o fenômeno
da Internet possui alcance global. Um sistema que atribui um padrão mínimo a ser
91
LEONARDI, Marcel, p 33.
61
aplicado em mais de uma nação facilita a imputação de responsabilidade para o
agente causador de fato danoso e sua conseqüente reparação.
4.4.2 O sistema norte-americano
Leonardi afirma que esse sistema é o contrário da Europa, que adota um
sistema de responsabilidade único para os provedores de serviços de internet. Os
Estados Unidos da América optaram por lidar com a questão através de duas leis
diferentes, uma referente ao conteúdo publicado e outra estabelecendo regras
específicas para cada modalidade de serviço prestado pelos provedores.
Para assuntos relacionados à propriedade intelectual, tem aplicação o Digital
Millennium Copyright Act, de 1998, enquanto para as demais hipóteses utiliza-se o
Communications Decency Act, de 1996. O primeiro estabelece regra geral de
isenção de responsabilidade pelo conteúdo de terceiros para provedores de
serviços, enquanto o segundo possui regras próprias para cada espécie de provedor
de serviços.92
92
LEONARDI, Marcel, p. 44.
62
CONCLUSÃO
Ao passo em que o ser humano conhece formas de domar suas limitações
físicas e desenvolve ferramentas para auxiliá-lo, ele também se torna dependente
destas ferramentas. Com a Internet não foi diferente, apesar de seu papel recente
na história, essa ferramenta revolucionou os meios de comunicação e criou novos
hábitos na sociedade. Contudo, como em todas as atividades exercidas pelo
homem, elas podem ser distorcidas e utilizadas para a prática de delitos.
Apesar da divergência quanto à possibilidade de responsabilização dos
provedores de conteúdo por seus atos ou por atos de terceiros, tem-se que seu
histórico embaraça-se, em especial, com a trajetória de desenvolvimento da idéia de
responsabilização; visto que é algo de dimensão subjetiva sendo, às vezes, difícil de
constituir, de se delimitar.
A Internet é composta por um conjunto de redes e sistemas de computador
conectados entre si e que compartilham protocolos comuns que lhes possibilitam a
troca de informações em alta velocidade. Possui alcance global e nenhuma entidade
possui controle absoluto sobre ela.
No tangente ao aspecto legislativo, nossos tribunais vêm aplicando de
maneira satisfatória as normas gerais de responsabilidade, não diferindo
substancialmente das aplicações no mundo físico. Entretanto, alguns pontos ainda
são contraditórios na jurisprudência pátria e carecem de regulamentos claros e
didáticos para que se possa afastar toda e qualquer dúvida, acerca dos limites da
responsabilidade no campo virtual.
A natureza jurídica dos provedores de serviços varia conforme o tipo de
serviço que realizam. As peculiaridades em relação ao limite da responsabilidade
devem ser analisadas de acordo com o caso concreto e com a modalidade de
serviço oferecido.
Os provedores de Internet detêm um argumento muito sólido e realista,
afirmando que o volume de dados dentro da Internet, como dentro das listas de
discussões, geralmente é tão grande que o processo de checar e verificar a
decência dos mesmos chega a ser humanamente impossível.
63
Todavia, o provedor de conteúdo também pode ser responsabilizado
civilmente, em virtude de ser ele quem responde pelos dados inseridos em seu
servidor. Compete ao provedor observar o conteúdo apresentado, bem como a
maneira pela qual se apresenta, cujo fim é verificar se porventura caracteriza alguma
ofensa a imagem das pessoas, transgressão aos direitos conexos, lesão ao
patrimônio, etc.
Entretanto, como se viu alhures, a verificação de tais dados é complexa, em
virtude da celeridade com que as informações são transmitidas, sem olvidar ainda, a
inviabilidade técnica para a execução desta medida.
Ademais, como o provedor de conteúdo é comparado a um editor de jornal,
sua responsabilidade deve seguir a Lei de Imprensa – Lei nº 5.250/67, desde que
seja possível ao provedor ter controle prévio das informações inseridas no servidor.
Com a prévia ciência das informações, pode o provedor, editar as informações
mediante normas anteriormente definidas e transmitidas aos usuários no momento
do contrato de prestação de serviços e, ainda, impedir que conteúdos lesivos sejam
publicados, afastando qualquer possibilidade de dano.
Neste contexto, pode-se concluir que a responsabilidade dos provedores de
conteúdos é subjetiva, sendo necessária a presença da culpa, elemento
caracterizador desta responsabilização, que se dará de forma subsidiária ao
verdadeiro causador da lesão. A responsabilidade objetiva será devida, somente, na
hipótese de acesso prévio do provedor ao conteúdo veiculado, onde este agiu de
modo omisso na edição ou negativa de publicação.
Salienta-se, por fim, que a responsabilidade civil dos provedores de internet
se dará sempre pela via pecuniária, cujo objetivo maior é equiparar a relação entre
empresa e consumidor, bem como coibir a reincidência do ato lesivo.
Não se pode olvidar que o papel do Judiciário nas relações de consumo que
lhe são apresentadas é buscar a reparação dos danos, mas também procurar
distinguir situações diferentes e aplicar sanções àqueles que devam recebê-las, de
acordo com o seu grau de responsabilidade no caso concreto.
O que se pretende com o presente trabalho não é por fim a discussão sobre a
responsabilidade dos provedores de conteúdo, mas abrir vistas a mais debates e,
principalmente, ensejar luz sobre o tema, para que haja a preocupação dos
operadores do direito na solução de problemas de semelhante natureza.
64
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Ary de Oliveira Lopes Junior - Universidade Católica de Brasília