A NOVA PORTARIA DO MTE SOBRE REGISTRO ELETRÔNICO DE PONTO E A QUESTÃO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Carlos Henrique Bezerra Leite Desembargador Federal do Trabalho do TRT da 17ª Região/ES Professor de Direito Processual do Trabalho e Direitos Humanos da UFES Professor de Direitos Metaindividuais da FDV Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho – ANDT Diretor da EJUD-Escola Judicial do TRT da 17ª Região/ES Meireely Alvarenga Machado Acadêmica de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo Estagiária de Direito do TRT da 17ª Região Sumário: 1. Introdução. 2. Ônus da Prova no Processo Trabalhista. 3. Inversão do Ônus da Prova no Processo Trabalhista. 4. Momento da Inversão do Ônus da Prova. 5. A Nova Portaria MTE 1.510/2009 e a Questão da Inversão do Ônus da Prova. 6. Conclusão. 1. INTRODUÇÃO Nos termos do § 2º do art. 74 da CLT, com redação dada pela Lei n. 7.855, de 24.10.1989, nos estabelecimentos com mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, devendo haver pré-assinalação do período de repouso. Assim, se a empresa possui apenas um estabelecimento e neste trabalhem mais de dez empregados há obrigatoriedade de registro do horário de trabalho, sendo que tal registro pode ser por meio manual, mecânico ou eletrônico. Se a empresa possui até dez trabalhadores, estará dispensada do respectivo registro. Do ponto de vista do direito processual do trabalho, a finalidade do registro de ponto reside na facilitação da produção da prova respeitante às horas extras. Desse modo, nas empresas com até dez empregados o ônus probatório da jornada e horário de trabalho é fato constitutivo do direito alegado pelo empregado/autor (art. 818 da CLT c/c art. 331, I, do CPC). Se a empresa possui onze empregados ou mais e o trabalhador propõe demanda trabalhista pedindo horas extras, a jurisprudência pacificou o entendimento de que o referido onus probandi é do empregador, ou seja, inverte-se o ônus probatório acerca do horário de trabalho em favor do trabalhador. Recentemente, o Ministério do Trabalho e Emprego editou a Portaria n. 1.510, de 21.08.2009 (DOU de 25.08.2009), cujo art. 11 prevê a obrigatoriedade de o empregador que adota sistema eletrônico de controle de horário entregar ao trabalhador documento impresso contendo o horário de entrada e saída. O presente artigo se propõe a enfrentar a seguinte indagação: a Portaria MTE n. 1.510/2009 altera o entendimento jurisprudencial sobre a inversão do ônus da prova nas ações em que o trabalhador de empresa com mais de dez empregados postula horas extras? Esclarecemos ao leitor que não constitui objeto do presente artigo examinar a questão da (in)constitucionalidade da referida Portaria Ministerial, pois, a princípio, entendemos que ela não extrapola os limites impostos pelo art. 87, II, da CF, haja vista a autorização contida no § 2º do art. 74 da CLT. 2. ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO TRABALHISTA O ônus da prova nos subsistemas dos processos civil e trabalhista pode ser assim problematizado: quem deve provar? Em linha de princípio, as partes têm o ônus de provar os fatos jurídicos narrados na petição inicial ou na peça de resistência, bem como os que se sucederem no evolver da relação processual. O art. 818 da CLT estabelece textualmente que “o ônus de provar as alegações incumbe à parte que as fizer”. Essa regra, dada a sua excessiva simplicidade, cedeu lugar, não obstante a inexistência de omissão do texto consolidado, à aplicação conjugada do art. 333 do CPC, segundo o qual cabe ao autor a demonstração dos fatos constitutivos do seu direito e ao réu a dos fatos impeditivos, extintivos ou modificativos. 3. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO TRABALHISTA A jurisprudência trabalhista vem mitigando a rigidez dos arts. 818 da CLT e 333 do CPC, passando a admitir a inversão do ônus da prova em algumas hipóteses, como a do registro de horário para fins de comprovação de horas extras. É o que se vê da Súmula n. 338 do TST, in verbis: “JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA. I — É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. II — A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. III — Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir.” O CDC consagra expressamente o princípio da inversão do ônus da prova, como se infere do seu art. 6º, VIII, in verbis: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII — a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.” Ora, é exatamente o requisito da hipossuficiência (geralmente econômica) do empregado perante seu empregador que autoriza o juiz do trabalho a adotar a inversão do onus probandi. Atualmente, parece-nos não haver mais dúvida sobre o cabimento da inversão do ônus da prova nos domínios do direito processual do trabalho, não apenas pela aplicação analógica do art. 6º, VIII, do CDC, mas também pela autorização contida no art. 852-D da CLT, in verbis: “O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, considerado o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica.” Poder-se-ia dizer que tal regra é específica do procedimento sumaríssimo. Todavia, entendemos que, em matéria de prova, não é o procedimento que vai impedir o juiz de dirigir o processo em busca da verdade real, levando em conta as dificuldades naturais que geralmente o empregadoreclamante enfrenta nas lides trabalhistas. Cremos, portanto, ser analogicamente viável a aplicação da regra do art. 852-D da CLT a qualquer procedimento do processo trabalhista, com apenas uma advertência: o princípio em tela só tem lugar quando não existirem outras provas nos autos suficientes à formação do convencimento do juiz acerca dos fatos alegados pelas partes. 4. MOMENTO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Um outro problema acerca da inversão do ônus da prova diz respeito ao momento processual em que o juiz poderá adotá-lo. Para promover a inversão do ônus da prova parece-nos factível que o juiz adote a aplicação do art. 6º, VIII, do CDC no processo do trabalho, cabendo-lhe, assim, com base nas regras de experiência, apreciar a verossilhança das alegações das partes e, sobretudo, verificar a hipossuficiência econômica e social da parte que, em princípio, teria o ônus probatório acerca da existência de jornada elastecida. Neste ponto é importante a observação de Edilton Meireles, para quem cabe ao juiz, “considerando as regras ordinárias de experiência, apreciar se a alegação é verossímil ou se a parte requerente é hipossuficiente. Quanto à hipossuficiência, ao Juiz Trabalhista, segundo regras de experiência, cabe decidir se, mesmo percebendo ganhos acima de dois salários mínimos, o reclamante-trabalhador tem condições ou não de arcar com os custos do processo laboral. Da mesma forma, essas regras de experiência devem ser utilizadas na inversão do ônus da prova com fundamento na hipossuficiência do autor, para que se evitem situações que afrontem o bom senso e agridam o princípio da razoabilidade. Conquanto a lei utilize da conjunção disjuntiva “ou” ao mencionar os pressupostos necessários à inversão do ônus da prova (verossímil a alegação “ou” hipossuficiente o demandante), entendemos que sempre que seja inverossímil a alegação da inicial, o Juiz não deve inverter esse encargo, mesmo diante da hipossuficiência do autor, sob pena de possibilitar que o processo se transforme em instrumento de locupletamento ilícito por parte do requerente”.1 Outra questão importante: qual o momento processual em que o juiz deve decidir sobre a inversão do ônus da prova? Não há uniformidade doutrinária para responder à indagação. Para Kazuo Watanabe, tal inversão deve ocorrer na sentença, pois “as regras de distribuição do ônus da prova são regras de juízo e orientam o juiz, quando há um non liquet em matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à causa”(9). E corrobora: “somente após a instrução do feito, no momento da valoração das provas, caberá ao juiz habilitado a afirmar se existe ou não situação de non liquet, sendo caso ou não, consequentemente, de inversão do ônus da prova. Dizê-lo em momento anterior será o mesmo que proceder ao prejulgamento da causa, o que é de todo inadmissível.”(10) Em sentido contrário, Edilton Meireles, em magnífico artigo científico, sustenta que “o disposto no art. 6º, inciso VIII, do CDC não estabelece uma simples regra de julgamento mas, sim, um comando que prevê um procedimento a ser adotado pelo juiz, vinculado às atividades a serem desenvolvidas pelas partes, especialmente pelo réu-fornecedor, ao se impor a este um ônus processual que ordinariamente não lhe seria exigível. A partir dessa decisão, o juiz estaria autorizado, para compatibilizá-la à atividade procedimental, a inverter os demais encargos processuais, como, por exemplo, em relação ao ônus pecuniário da realização da perícia quando determinada de ofício, numa verdadeira alteração da regra estabelecida no art. 33, in fine, do CPC que impõe ao autor esse encargo. Assim, o juiz estaria, a partir dessa inversão do ônus da prova, autorizado a adotar todas as providências procedimentais necessárias à efetivação desse direito do autor-consumidor. Seria, portanto, uma regra de atividade e não uma regra de julgamento (...) Assim, por exemplo, na reclamação trabalhista onde seja necessária a realização de prova pericial para comprovar o labor em condições perigosas, sendo o reclamante hipossuficiente, deve o juiz inverter o ônus da prova, incumbindo à demandada o ônus de comprovar o fato contrário. Evidentemente que o juiz deve verificar se o fato alegado na inicial é verossímil, pois a não comprovação das afirmações do réu, em sua defesa, acarretará a presunção de veracidade do aduzido pelo autor, o que pode conduzir a uma aberração jurídica, que repugna a consciência comum, em não existindo dita verificação.”2 De nossa parte, parece-nos que a norma contida no inciso VIII do art. 6º do CDC encerra regra de julgamento, como, aliás, vem entendendo o STJ, in verbis: “RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ART. 6º, VIII, DO CDC. REGRA DE JULGAMENTO. A inversão do ônus da prova, prevista no Art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, é regra de julgamento. Ressalva do entendimento do Relator, no sentido de que tal solução não se compatibiliza com o devido processo legal.” (STJ-REsp 949000/ES — 2007/0105071-8 — Rel. Min. Humberto Gomes de Barros — 3ª T. — j. 27.03.2008 — DJe 23.06.2008). 1 MEIRELES, Edilton. Inversão do ônus da prova no processo trabalhista. Revista Juris Plenum. [CD-ROM], v. 2, Caxias do Sul-RS: Plenum, 2005. 2 MEIRELES, Edilton. Inversão do ônus da prova no processo trabalhista. Revista Juris Plenum. [CD-ROM], v. 2, Caxias do Sul-RS: Plenum, 2005. Há vozes na doutrina, como a de Emília Simeão Albino Sako, que ecoam no sentido de que a “declaração de inversão do onus probandi não precisa, necessariamente, ser expressa, pois na sentença, quando o juiz analisar as demais provas, irá dizer quem tinha o ônus de produzir a prova e não a produziu, independentemente de ter emitido declaração anterior sobre a quem competia esse ônus. O art. 6º, VIII, do CDC não exige expresso pronunciamento sobre quem compete provar. É suficiente, para legitimidade da decisão, que o juiz, no julgamento da causa, diga em que prova se baseou para proferir a decisão. Nenhuma nulidade haverá caso o juiz não declare invertido o ônus da prova, pois o ônus da prova é um dever da parte. Além disso, nem o CDC, nem outro diploma legal obrigaram o juiz a declarar de forma expressa invertido o ônus da prova antes do julgamento e nem mesmo no julgamento. As partes têm o conhecimento da lei, não podendo alegar o seu desconhecimento. Além disso, devem pautar-se conforme o princípio da boa-fé, o qual impõe o dever de agir com lealdade, afirmando e sustentando apenas a verdade.”3 Parece-nos, porém, que por ser regra de julgamento, cabe ao juiz, na sentença, fundamentar (CF, art. 93, IX) a respeito de quem era o onus probandi, informando, inclusive, a razão que o levou a inverter o ônus probatório. Afinal, tal declaração, além de atender ao princípio da fundamentação das decisões judiciais, encontra-se em sintonia com os princípios do devido processo legal e da ampla defesa. Como regra de julgamento, pensamos, inclusive, que a declaração de inversão do ônus da prova pode ocorrer até mesmo no julgamento da demanda na instância ordinária, isto é, perante o Tribunal Regional do Trabalho. Não cabe, entretanto, na instância extraordinária, pois nesta é vedado o reexame de fatos e provas. 5. A NOVA PORTARIA MTE 1.510/2009 E A QUESTÃO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA A Portaria MTE n. 1.510/2009 prevê, em seu artigo 11 e seus parágrafos, in verbis: “Art. 11. Comprovante de Registro de Ponto do Trabalhador é um documento impresso para o empregado acompanhar, a cada marcação, o controle de sua jornada de trabalho, contendo as seguintes informações: I - cabeçalho contendo o título “Comprovante de Registro de Ponto do Trabalhador”; II - identificação do empregador contendo nome, CNPJ/CPF e CEI, caso exista; III - local da prestação do serviço; IV - número de fabricação do REP; V - identificação do trabalhador contendo nome e número do PIS; VI - data e horário do respectivo registro; e VII - NSR. § 1º A impressão deverá ser feita em cor contrastante com o papel, em caracteres legíveis com a densidade horizontal mínima de oito caracteres por centímetro e o caractere não poderá ter altura inferior a três milímetros. § 2º O empregador deverá disponibilizar meios para a emissão obrigatória do Comprovante de Registro de Ponto do Trabalhador no momento de qualquer marcação de ponto”. Há que salientar que, nos termos do art. 74, § 2º, da CLT, o empregador tem a obrigação de manter os registros da jornada de trabalho dos seus empregados, fato este que atrai para si (empregador) o ônus de apresentar tais documentos em juízo, já que é ele quem detém tais documentos. É o que dispõe a Súmula 338 do TST. Vê-se, no entanto, que, com a inovação trazida pela referida Portaria ministerial, as empresas que adotarem o sistema eletrônico de controle de horário de trabalho deverão fornecer ao empregado um documento impresso, a cada marcação de ponto, contendo todos os elementos necessários 3 SAKO, Emília Simeão Albino. A prova no processo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 31. para identificação do empregador, do trabalhador, do fabricante do REP, do local de trabalho, data e horário do respectivo registro de ponto. Assim, o trabalhador passa também a ter acesso ao comprovante de sua jornada de trabalho, estando ausente, assim, o fato que ensejaria a aplicação da Súmula 338 do TST, já que, como mencionado alhures, a razão de ser do ônus probatório a cargo do empregador repousa no fato de ser ele o único a possuir o controle de jornada de seus empregados. É o que entende o TST: “HORAS EXTRAS - PROVA - CARTÕES-PONTO - DEMONSTRAÇÃO - IMPUGNAÇÃO POR AMOSTRAGEM – PERTINÊNCIA - HIPÓTESES. O empregador dirige a prestação dos serviços (CLT, art. 2º). Nos estabelecimentos com mais de dez empregados é obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída em registro manual, mecânico ou eletrônico (CLT, art. 74, parágrafo 2º). No processo as partes devem proceder com lealdade e boa fé, expondo os fatos conforme a verdade (CPC, art. 14, I e II), não se admitindo a alteração dos fatos (CPC, art. 17, II). Diante disso, quando o litígio envolve o trabalho extraordinário sem a necessária contraprestação, o ônus probatório incumbe àquele que possui o controle da jornada. Assim, deve não somente juntar os cartões de ponto e comprovantes de pagamento, como demonstrar sua correção. Incumbe ao reclamante, de sua parte, diante da prova documental, apontar e comprovar o excedimento da jornada que deixou de ser registrada ou a inadimplência do trabalho extraordinário, anotado ou não. Em se tratando de documentação volumosa, admite-se a demonstração por amostragem, porém, partida do empregador, deverá ser necessariamente incisiva a ponto de fulminar o pedido. Partindo do empregado, com força bastante para infirmar ainda que parcialmente a prova documental, faz com que o empregador refute sua demonstração e comprove a regularidade de seu procedimento ao longo da execução do contrato de trabalho” (TRT 2ª R., RO 19990443451, Ac. 20000541430, Rel. Juiz Jose Carlos da Silva Arouca, j. 09/10/2000, 8ª T., DOE 28/11/2000 – grifos nossos). “HORAS EXTRAS. ÔNUS DA PROVA. CARTÕES DE PONTO. HORÁRIO INVARIÁVEL. INVALIDADE. Segundo dispõe o art. 74 da CLT, em seu § 2º, para os estabelecimentos com mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho. Assim, sendo do empregador a obrigação de manter controle de jornada de trabalho dos seus empregados, e não o fazendo corretamente, assume ele o ônus advindo da irregularidade do seu proceder, ônus que não pode ser transferido à parte reclamante, a quem cabe a comprovação do horário alegado, desde que o empregador demonstre cumprir com a obrigação legal que lhe é imposta, concernente à manutenção de registro de jornada laboral de forma válida. Embargos conhecidos e desprovidos” (TST-E-RR 8679/2002-900-12-00, Rel. Min. José Luciano de Castilho Pereira, 5ª T., DOU 13/06/2003). Portanto, na hipótese de a empresa possuir mais de dez empregados e adotar o novel sistema de que cuida a Portaria n. 1.510/2009, ou seja, fornecer ao empregado o documento comprabatório do controle de ponto, parece-nos que caberá ao trabalhador que pretender judicialmente o pagamento de horas extras instruir a petição inicial da ação trabalhista com tal documento, como se infere do art. 787 da CLT, segundo o qual a inicial deve estar “desde logo acompanhada dos documentos em que se fundar”. Como decorrência lógica, nas empresas que adotarem o novel sistema eletrônico previsto na Portaria MTE n. 1.510/2009, caberá ao trabalhador o ônus de provar a falsidade ou o erro contido no documento eletrônico de controle da sua jornada de trabalho, o que certamente implicará a alteração parcial do entendimento constante do item I da Súmula 338 do TST, no sentido de não mais presumir-se a veracidade da jornada apontada na petição inicial diante da não-apresentação injustificada dos controles de frequência pelo empregador. É dizer, estando o empregado de posse desse comprovante e considerando a exatidão na marcação efetuada pelo empregador no controle de sua jornada, não mais se justifica a inversão do ônus da prova, no caso em que for alegada pelo trabalhador diferença entre as horas trabalhadas e aquelas constantes dos comprovantes que possui. Aliás, há alguns julgados que assentam que se o trabalhador impugnar os controles de ponto apresentados pelo empregador, a ele caberá o onus probandi. É o que se colhe do seguinte aresto: “HORAS EXTRAS – IMPUGNAÇÃO AOS REGISTROS DE HORÁRIO – ÔNUS DA PROVA – Tendo a reclamada juntado aos autos cartões-ponto em que constam horários não uniformes e a assinatura do empregado. Cabia ao reclamante demonstrar que os horários ali registrados não correspondem à realidade da prestação laboral (Súmula 338 do TST), ônus do qual não se desincumbiu a contento. Recurso ordinário da reclamada a que se dá provimento” (TRT 4ª R., RO 00115-2007-662-04-00-2. Relª Des. Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo, j. 11.12.2008). Assim, se o empregado não anexar à petição inicial o documento eletrônico de controle da jornada fornecido pelo empregador (CLT, art. 787; CPC, art. 283), o juiz deverá abrir-lhe prazo para emendar a inicial, sob pena de seu indeferimento (CPC, art. 284). Todavia, se o empregado alegar que não recebeu o documento do empregador ou que houve seu extravio, poderá o juiz, se verossímel a alegação, determinar, com base no art. 6º, VIII, do CDC, aplicado subsidiriamente à espécie, que o empregador apresente o comprovante de registro de ponto do trabalhador. Afinal, trata-se de documento comum a ambas as partes. Vale lembrar que em situação semelhante respeitante ao ônus da prova, a jurisprudência, interpretando o art. 17 da Lei n. 8.036/90, segundo o qual os “empregadores se obrigam a comunicar mensalmente aos trabalhadores os valores recolhidos ao FGTS e repassar-lhes todas as informações sobre suas contas vinculadas recebidas da Caixa Econômica Federal ou dos bancos depositários”, firmou entendimento de que é do trabalhador o ônus de apresentar documentos que indiquem o período em que não houve depósito (ou depósito inferior) do FGTS. Nesse sentido é a Súmula 301 do TST: “FGTS. DIFERENÇAS. ÔNUS DA PROVA. LEI Nº 8.036/90, ART. 17. Definido pelo reclamante o período no qual não houve depósito do FGTS, ou houve em valor inferior, alegada pela reclamada a inexistência de diferença nos recolhimentos de FGTS, atrai para si o ônus da prova, incumbindo-lhe, portanto, apresentar as guias respectivas, a fim de demonstrar o fato extintivo do direito do autor (art. 818 da CLT c/c art. 333, II, do CPC). Explicitando os termos do verbete ora focalizado, a 5ª Turma do TST, firmou o seguinte entendimento: “(…) FGTS. DIFERENÇAS. ÔNUS DA PROVA. Na hipótese, o Tribunal Regional impôs ao reclamante o ônus de apresentar documentos que indicassem o período no qual não houve depósito do FGTS, ou houve em valor inferior, porquanto fato constitutivo do seu direito. Somente se negada a existência das indicadas diferenças é que o ônus da prova deslocaria para a reclamada. Incidência da Orientação Jurisprudencial 301 da SDI desta Corte 9…)” (TST-RR 816/2002-654-09-00.5, 5ª Turma, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, unânime, DJe 13.08.2009). Mutatis mutandis, é dos trabalhadores o ônus de provar a existência de diferenças de horas trabalhadas constantes do seu documento de controle de registro de ponto. Vale dizer, o empregado, portador do controle de registro eletrônico, nos moldes da Portaria MTE 1.510/2009, tem o ônus de indicar as datas e horários em que não houve assinalação correta do ponto. Embora nos pareça razoável defender a inaplicabilidade da inversão do ônus em prol do trabalhador com as inovações trazidas pela Portaria MTE 1.510/2009, não podemos relegar ao oblívio os princípios norteadores do direito material e processual do trabalho, que visam à tutela jurídica da parte mais vulnerável na relação processual deduzida em juízo. Nessa esteira, cumpre salientar que o novo sistema de registro de ponto, não obstante a sua promissora exatidão e eficiência, não deve ser utilizado como prova absoluta da jornada de trabalho cumprida pelo trabalhador, uma vez que tal prova documental, da qual o empregado também terá acesso, é passível de ser elidida por outros meios probatórios, máxime a prova oral, que é de extrema importância para a solução justa do conflito justrabalhista. Nesse sentido: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. INVALIDADE DAS FOLHAS INDIVIDUAIS DE PRESENÇA E DOS REGISTROS DE PONTO ELETRÔNICO. VALORAÇÃO DA PROVA. SÚMULA 338, II/TST. Esta Corte possui entendimento no sentido de que o simples fato de as folhas de presença constituírem documentos e de sua exigência ter previsão no artigo 74, § 2º, da CLT não confere, por si só, credibilidade quanto aos horários nelas registrados, se o exame da prova oral demonstra que tais registros não atendiam à realidade da jornada praticada. Incidência da Súmula 338, II/TST. Agravo de instrumento desprovido” (TST-AIRR 25/2005-612-05-40.2, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, j. 11/06/2008, 6ª T., DOU 13/06/2008). O que se quer dizer, portanto, é que os comprovantes de registro, por si só, não constituirão prova juris et de jure da jornada e do horário de trabalho. No entanto, com a novel Portaria MTE 1.510/2009, ao trabalhador caberá, em princípio, o ônus de provar a jornada alegada na petição inicial. 6. CONCLUSÃO Em apertada síntese, com a nova Portaria MTE situações. 1.510/2009, poderemos ter as seguintes Se o empregador, independentemente do número de empregados, adotar o novo sistema eletrônico de controle de ponto e entregar o comprovante do registro respectivo ao trabalhador, a este caberá o ônus de provar a existência de diferenças entre o horário assinalado e o que alega ser o real, sendo inaplicável a Súmula 338 do TST. Se o empregador, com mais de dez empregados, não adotar o novo sistema eletrônico, ou migrar do sistema eletrônico anterior à Portaria MTE n. 1.510/2009 para o sistema manual ou mecânico, terá o ônus de provar o horário de entrada e saída, podendo o juiz inverter o ônus da prova (TST, Súmula 338). Se o empregado negar o recebimento comprovante de registro de ponto, caberá ao empregador o ônus de provar a entrega do referido do documento. Semelhante solução há de ser adotada se o empregado alegar o extravio do documento em tela, já que se trata de documento comum às partes figurantes da relação jurídica processual.