Relato de Caso Aspectos radiológicos de displasia fibrosa crânio-facial persistente Radiological aspects of persistent craniofacial fibrous dysplasia José Lacet de Lima-Júnior 1 Eduardo Dias Ribeiro 2 Túlio Neves de Araújo 3 Saulo Anderson Neves de Lima 4 Candice Regadas Gondim 5 Vânio Santos Costa 6 Resumo Summary A displasia fibrosa é uma lesão benigna definida como uma desordem do esqueleto idiopática e é caracterizada pela substituição do trabeculado ósseo normal por tecido fibroso desorganizado, ocorrendo mais frequentemente na maxila e sem predileção por gênero. Esse trabalho apresenta um caso clínico de displasia fibrosa poliostótica crânio-facial em paciente de gênero masculino e revisa as principais características clínicas e radiográficas, que auxiliam no diagnóstico dessa doença. The fibrous dysplasia is a benign lesion defined as an idiopathic skeletal disorder and is characterized by the replacement of the normal bone by disorganized fibrous tissue, more frequently occurring in the maxilla and without predilection for gender. This paper has the aim to report a clinical case of cranium-facial polyostotical fibrous dysplasia in a 17-years-old boy and to revise clinical and radiological characteristics, which aid the diagnosis of this disease. Palavras-chave: Displasia Fibrosa Óssea; Displasia Fibrosa Óssea; Doenças Maxilares. Keywords: Fibrous Dysplasia of Bone; Fibrous Dysplasia of Bone; Maxillary Diseases. Introdução A displasia fibrosa é uma lesão de etiologia desconhecida, de patogênese incerta e de aspecto histopatológico diverso1. Caracteriza-se por ser uma desordem esquelética idiopática, que ocorre pela substituição do trabeculado ósseo normal por tecido fibroso estruturalmente desorganizado2. Por tratar-se de defeito congênito da modelagem óssea, manifesta-se mais frequentemente em crianças e adolescentes, sem predileção por gênero, tendo crescimento lento e tendência a estabilizar-se após a puberdade, junto com a maturação do esqueleto2. Embora seja uma doença benigna, seu comportamento clínico pode ser severo, com possibilidade de crescimento local e de degeneração maligna, apresentando alta taxa de recidiva, com valores em torno de 37% nos adultos. Nas displasias que comprometem a maxila, pode-se encontrar frequentemente assimetria facial relacionada à deformidade oclusal e à perda dos dentes envolvidos3. Clinicamente, o paciente com diagnóstico de displasia fibrosa dos maxilares apresenta assimetria facial, normalmente associada à assimetria palatal. O crescimento da lesão geralmente é lento e não apresenta sintomatologia dolorosa, porém, quando o crescimento é rápido, o paciente usualmente relata presença de dor4. O aspecto radiográfico da displasia fibrosa depende da proporção relativa entre tecido fibroso e ósseo e do estágio da doença, podendo apresentar-se radiolúcido uni 1) Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais. Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais pela APCD, Regional de Bauru, Bauru, São Paulo / SP, Brasil. 2) Aluno de mestrado em Estomatologia, Departamento de Estomatologia, FOB-USP, Bauru, São Paulo / SP, Brasil. 3) Cirurgião-Dentista, Clínica Privada, João Pessoa / PB, Brasil. 4) Cirurgião-Dentista, Clínica Privada, João Pessoa / PB, Brasil. 5) Cirurgiã-Dentista, Clínica Privada, João Pessoa / PB, Brasil. 6) Radiologia Odontológica. Especialista em Radiologia Odontológica pela Universidade Federal da Bahia, UFBA, Salvador / BA, Brasil. Instituição: Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena. João Pessoa / PB – Brasil. Correspondência: Eduardo Dias Ribeiro – Rua Capitão Gomes Duarte, 26-36 – Bauru / SP – Brasil – CEP: 17011-180 – E-mail: [email protected] Recebido em 07/01/2010; aceito para publicação em: 10/01/2010; publicado online em: 30/03/2010. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.39, nº 1, p. 85-87, janeiro / fevereiro / março 2010 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 85 Aspectos radiológicos de displasia fibrosa crânio-facial persistente. Lima-Junior et al. Figura 1. Radiografia Panorâmica. Imagem radiopaca na região maxilar superior direita envolvendo totalmente o seio maxilar deste lado. Nota-se a presença prolongada dos elementos 53 e 54 e anodontia dos elementos 13 e 14. ou multilocular, com radiopacidade em diferentes graus e radiopacidade granular de pouca definição com aspecto de vidro fosco5. A tomografia computadorizada (TC) é uma ferramenta útil no diagnóstico da displasia fibrosa crânio-facial por permitir a visualização da localização exata e da extensão do envolvimento ósseo, facilitando o plano de tratamento e o acompanhamento do paciente4. O tratamento nos casos de lesões grandes é exclusivamente cirúrgico, principalmente para o controle das grandes deformidades estéticas e funcionais. A curetagem é uma forma mais conservadora e um procedimento que permite aliviar sinais e sintomas efetivamente, contudo, retornos periódicos são indicados para descobrirem recidivas ou mudanças malignas nas fases iniciais1. A radioterapia é responsável pelo provável aumento da capacidade de transformação maligna, que se calcula que pode variar de 0,5% em condições normais a 44% após radioterapia3,4. Relato de caso Paciente do gênero masculino, 17 anos de idade, procurou o serviço de Imaginologia do Hospital Universitário de Brasília/DF, com queixa de aumento de volume do lado direito da face, de crescimento lento e indolor, para realização de exames radiográficos e tomográficos da face para avaliação diagnóstica. Foram realizados os seguintes exames imaginológicos: radiografia panorâmica, oclusal e telerradiografia lateral, além de exame tomográfico helicoidal e 3D. Na radiografia panorâmica, observou-se uma imagem radiopaca na região maxilar superior direita envolvendo totalmente o seio maxilar desse lado, com a presença prolongada dos elementos 53 e 54 e anodontia dos elementos 13 e 14 (Figura 1). No exame radiográfico oclusal, observou-se no palato duro à direita uma imagem radiopaca de limites imprecisos com aparência de vidro fosco ou despolido e, na telerradiografia lateral, assimetria facial. A TC de face revelou uma lesão insuflativa, com densidade de vidro fosco no osso maxilar, etmoidal, esfenoidal e placas pterigoides à direita, ocupando parcialmente os seios maxilar e esfenoidal 86 Figura 2. Tomografia Computadorizada da face (corte coronal). Lesão insuflativa com densidade de vidro fosco no osso maxilar, etmoidal, esfenoidal e placas pterigóides à direita, ocupando parcialmente os seios maxilar e esfenoidal e a cavidade nasal deste lado. Nota-se deslocamento superior dos cornetos, elevaçào do assoalho da órbita e rebaixamento do palato duro, com envolvimento dos alvéolos dentários. e a cavidade nasal desse lado, deslocamento superior dos cornetos, elevação do assoalho da órbita e rebaixamento do palato duro, com envolvimento dos alvéolos dentários e envolvimento do clívus. A reconstrução em 3D oferece uma melhor compreensão tridimensional da lesão, mostrando-se mais precisa em relação ao volume, densidade e envolvimento de estruturas anatômicas adjacentes, o que facilita o plano de tratamento (Figuras 2 e 3). O paciente tem diagnóstico histopatológico estabelecido de displasia fibrosa desde os sete anos de idade, com histórico de cirurgia para osteoplastia da maxila direita e, nessa situação, trata-se de um caso de displasia fibrosa poliostótica recidivada, com alterações radiológicas influenciadas por alterações cicatriciais. Após o diagnóstico, foi proposto ao paciente o tratamento cirúrgico para melhoras na estética e função, porém até o presente momento o paciente não retornou para realização do tratamento. Discussão A displasia fibrosa é uma doença pouco comum, congênita, benigna, caracterizada por defeito de modelagem óssea, com substituição gradual do osso normal por fibrose com traves osteoides irregularmente mineralizadas. Acredita-se ser uma anomalia congênita do desenvolvimento do tecido mesenquimal3, ou uma lesão de etiologia desconhecida e de patogênese incerta1. ���������������������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.39, nº 1, p. 85-87, janeiro / fevereiro / março 2010 Aspectos radiológicos de displasia fibrosa crânio-facial persistente. Lima-Junior et al. Figura 3. Tomografia Computadorizada da face (reconstrução 3D). Apesar de ter comportamento benigno, seu comportamento clínico pode ser severo, com possibilidade de crescimento local e de degeneração maligna (osteossarcoma), principalmente quando está associada à radioterapia3,4. Apresenta alta taxa de recidiva, com valores em torno de 37% nos adultos3. No caso apresentado, as características clínicas como a idade, a localização, a ausência de sintomatologia e os achados radiográficos e tomográficos estão todos de acordo com a literatura pesquisada4,5. Diversos argumentos para o tratamento da displasia fibrosa por modalidades terapêuticas radicais ou conservadoras são citados na literatura1,4. A não cooperação do paciente ao tratamento proposto torna-se mais um desafio a ser superado. Referências 1. Ozek C, Gundogan H, Bilkay U, Tokat C, Gurler T, Songur E. Craniomaxillofacial fibrous dysplasia. J Craniofac Surg. 2002;13(3):382-9. 2. Oliveira RCB, Granato L, Korn GP, Marcon, MA, Cunha, AP. Displasia fibrosa do osso temporal: Relato de dois casos. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(5):695-700. 3. Jan M, Dweik A, Destrieux C, Djebbari Y. Fronto-orbital sphenoidal fibrous dysplasia. Neurosurgery. 1994;34(3):544-7. 4. Hernandez-Cancino CM, Weismann R, de Oliveira MG. Displasia fibrosa monostótica: Relato de un caso clínico. Rev Cubana Estomatol. 2002;39(3):417-26. 5. Dal Cin P, Sciot R, Brys P, De Wever I, Dorfman H, Fletcher CD, Jonsson K, Mandahl N, Mertens F, Mitelman F, Rosai J, Rydholm A, Samson I, Tallini G, Van den Berghe H, Vanni R, Willen H. Recurrent chromosome aberrations in fibrous dysplasia of the bone: a report of the CHAMP study group. Chromosomes and morphology. Cancer Genet Cytogenet. 2000;122(1):30-2. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.39, nº 1, p. 85-87, janeiro / fevereiro / março 2010 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 87