DIREITO
ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO
PROCESSO PENAL FRENTE AO PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE
Autor: Luiz Carlos Inácio Junior
Orientador: Prof. M.Sc. Arnaldo Siqueira de Lima
LUIZ CARLOS INÁCIO JÚNIOR
ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL FRENTE AO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito parcial
para obtenção do Título de Bacharel em
Direito.
Orientador: Professor
Siqueira de Lima.
Brasília
2008
Mestre
Arnaldo
Monografia
de
autoria
de
Luiz
Carlos
Inácio
Júnior,
intitulada
“ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL FRENTE AO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE” apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em
__/__/__, definida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
___________________________________________
Professor Mestre Arnaldo Siqueira de Lima
Orientador
Direito – UCB
___________________________________________
Prof. (titulação) (nome)
Direito – UCB
___________________________________________
Prof. (titulação) (nome)
Direito – UCB
Brasília
2008
Dedico esse trabalho aos meus familiares,
em especial, ao meu pai Luiz Carlos
Inácio
Ferreira
e
minha
mãe
Maria
Madalena Jonas Francisco Inácio, pelo
incentivo
e
carinho
recebidos,
pois
sempre acreditaram em uma sociedade
mais justa. Dedico também à Jércika
Inácio Ferreira, minha irmã, que, com
brincadeiras, nunca deixou o desânimo
afetar-me, e a minha namorada Elaine
Oliveira Rodrigues, que se prontificou a
ajudar-me nos momentos mais difíceis.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os amigos que me ajudaram na realização deste trabalho,
em especial ao grande Professor Mestre Arnaldo Siqueira de Lima, pelo auxílio
prestado ao longo do curso e na figura de orientador de monografia.
RESUMO
INÁCIO JÚNIOR, Luiz Carlos. Admissibilidade das provas ilícitas no Processo Penal
frente ao princípio da proporcionalidade. 2008. 74 f. Trabalho de Conclusão de
Curso (Graduação)-Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília,
2008.
Esta pesquisa tem como escopo central o estudo da admissibilidade das provas
ilícitas, com a utilização do princípio da proporcionalidade. Faz um estudo das
provas no âmbito do processo penal, da sua finalidade, objeto, classificação, dos
meios de provas, do sistema de avaliação das provas, das perícias em geral, dos
princípios constitucionais, do princípio da proporcionalidade, das formas de
aceitação das provas ilícitas, visa estabelecer um equilíbrio entre as normas
constitucionais abrangendo o artigo 5°, inciso LVI, da Constituição Federal de 1988,
que estabelece a impossibilidade da admissão de provas ilícitas no nosso
ordenamento jurídico, com exceção no caso de absolvição do réu, mostra que os
princípios constitucionais não são absolutos e sim relativos, e que, dessa forma, fazse necessária uma melhor análise e elaboração de jurisprudências que possibilitem
ao magistrado aplicar os princípios frente às grandes controvérsias nos processos
em que a prova ilícita é a única fonte material, para que assim se possa ponderar e
harmonizar os direitos fundamentais conflitantes. Tem-se na doutrina e na
jurisprudência posicionamentos que, em casos concretos, há necessidade de
admissibilidade das provas ilícitas. Por fim, conclui-se a necessidade de melhor se
fazer a utilização das provas ilícitas não somente em favor do réu, aperfeiçoando-se
as necessidades em que a atual sociedade se encontra, de forma a se fazer justiça,
assegurando à população a punição aos grandes criminosos.
Palavras-Chave: Direito Processual Penal; Admissibilidade das provas ilícitas;
Proporcionalidade; Provas ilícitas;
ABSTRACT
INÁCIO JÚNIOR, Luiz Carlos. Admissibility of the illicit proofs in the Penal Process in
face of the proportionality principle. 2008. 74 f. Course Conclusion Paper –
Graduation in Laws. Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2008.
This research has as its central scope the study of the admissibility of the illicit
proofs, with the utilization of the proportionality principle. It makes a study of the
proofs in the penal process ambit, of its purpose, object, classification, of the proofs
means, of the proofs evaluation system, of the expertness in general, constitutional
principles, proportionality principle, of the acceptance forms of the illicit proofs,
aiming to establish a balance among the constitutional norms embracing the 5°
article, incise LVI, of the Federal Constitution of 1988, which establishes the
impossibility of the admission of illicit proofs in our juridical ordainment, with
exception in case of absolution of the defendant, showing that the constitutional
principles are not absolute, but relatives, and in this way, it makes necessary a better
analysis and elaboration of jurisprudences which make possible to the magistrate to
apply the principles in face of the great controversies in the processes which the illicit
proof is the unique material source, making it possible to ponder and harmonize the
fundamental rights in conflict. There are positionings in the doctrine and in the
jurisprudence which, in concrete cases, have the necessity of the admissibility of the
illicit proofs. At the end, it can be concluded the necessity of better utilization of illicit
proofs not only in favor of the defendant, improving the necessity in which the
present society encounters itself, in order to make justice, ensuring to the population
the punishment to the great criminals.
Keywords: Penal Procedural Law; Admissibility of the illicit proofs; Proportionality;
Illicit proofs.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABREVIATURAS
Art. – artigo
Min. – Ministro
Rel. – Relator
DJ – Diário de Justiça
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
SIGLAS
CF – Constituição Federal
CPB – Código de Processo Brasileiro
CPP – Código de Processo Penal
HC – Hábeas Corpus
MS – Mandado de Segurança
P. – Página
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
LlSTA DE SÍMBOLOS
“” – Aspas
[] – Colchetes
() – Parênteses
§ - Parágrafo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
11
CAPÍTULO 1 DAS PROVAS
13
1.1 FINALIDADE E OBJETO DA PROVA
13
1.2 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS
14
1.2.1 Quanto ao objeto
14
1.2.2 Quanto ao efeito
15
1.2.3 Provas reais ou pessoais
15
1.2.4 Quanto à forma: testemunhal, documental e material
15
1.2.5 Prova emprestada
16
1.2.6 Prova ilegais, ilícitas e ilegítimas
17
1.3 MEIOS DE PROVAS
18
1.4 SISTEMA DE AVALIAÇÃO DAS PROVAS
19
1.5. PERÍCIAS EM GERAL
21
1.5.1 Do exame do corpo de delito
22
1.5.2 Do interrogatório
24
1.5.3 Da confissão
27
1.5.4 Das testemunhas
28
1.5.5 Do reconhecimento de pessoas e coisas
30
1.5.6 Dos documentos
31
1.5.7 Dos indícios
32
1.5.8 Da busca e apreensão
33
CAPÍTULO 2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO PENAL
37
2.1 DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS
37
2.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL
39
2.3 PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA
40
2.4 DIREITOS À INTIMIDADE E PRIVACIDADE
41
2.5 DIREITO AO SIGILO
42
CAPÍTULO 3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
44
3.1 A ORIGEM DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
44
3.2 TEORIA DA PROPORCIONALIDADE
46
3.3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA ORDEM CONSTITUCIONAL
BRASILEIRA
49
3.4 A PROPORCIONALIDADE E A IGUALDADE
50
3.4.1 A relação entre igualdade e proporcionalidade
52
3.4.2 Igualdade formal e igualdade material
52
3.4.3 A proporcionalidade no controle da lei em face do princípio da
igualdade
53
3.5 CRÍTICA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
54
3.5.1 A crítica de Ernst Forsthoff
54
3.5.2 A ameaça ao princípio da separação do poderes
55
3.5.3 A proporcionalidade e a segurança jurídica
57
CAPÍTULO 4 ADMISIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA
58
4.1 CONCEITO DE PROVA ILÍCITA
58
4.2 CONVALIDAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS EM NOME DA LEGÍTIMA DEFESA
(PROVA ILÍCITA PRO REO)
60
4.3 PROVA ILÍCITA PRO SOCIETATE
61
4.4 TEORIA DOS FRUTOS DA ÁVORE ENVENENADA
62
4.5 PELA ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA
64
5 CONCLUSÃO
66
REFERÊNCIAS
69
11
INTRODUÇÃO
A Constituição estabelece, expressamente, em seu artigo 5°, LVI, que são
inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos, nesse mesmo sentindo
estabelece a nova reforma do Código de Processo Penal, com a Lei 11.690 de 09 de
julho de 2008, em que estabelece que a prova ilícita é toda forma de prova que
tenha sido obtida em violação a normas constitucionais ou legais, devendo ser
desentranhada do processo.
É pacífico na jurisprudência e na doutrina, a inadmissibilidade das provas
ilícitas, no entanto, vem sendo aceitas as provas ilícitas que favoreçam ao réu em
situações que a prova obtida ilicitamente é a única forma de se provar a sua
inocência, utilizando-se assim de uma ponderação na aplicação das normas
constitucionais.
Os
princípios
constitucionais
possuem
um
caráter
fundamental
na
manutenção e harmonização das liberdades constitucionais, não podendo ser
interpretados de forma absoluta, quando dois ou mais princípios estiverem em
conflito. Nesse sentido, tem-se análise do caráter relativo do princípio constitucional
da inadmissibilidade das provas ilicitamente adquiridas, e se pode ser validamente
aplicado no caso concreto em que se saberá qual interesse se sobreporá aos
demais (princípio da proporcionalidade). O preceito constitucional há de ser
interpretado de forma a comportar alguma sorte de abrandamento relativo à
expressão taxativa de sua redação.
Analisasse se a admissibilidade das provas ilícitas possibilita ao Poder
Judiciário e às Polícias realizarem investigações e chegarem a conclusões
relacionadas a crimes que são impossíveis de se provar por meios aceitos e
totalmente idôneos, em casos de extrema gravidade.
Não há intenção de infringir os princípios basilares da Carta Magna como o da
privacidade e intimidade, no entanto o que se deseja é uma melhor avaliação frente
às formas de produção de provas, fazendo o uso devido do princípio da
proporcionalidade que não foi adotado pelo direito brasileiro na sua integralidade.
O tema apresentado tem o escopo de mostrar a importância do Princípio da
Proporcionalidade no âmbito da admissibilidade, pelos Tribunais, das provas ilícitas
12
não podendo ser ignoradas pelo Poder Judiciário. Analisar-se-á que o art. 5o, LVI, da
Carta Magna não é interpretado de forma absoluta.
O estudo proposto basear-se-á no método de abordagem dedutivo, buscando
por meio de levantamentos de estudos e dados, informações que visem esclarecer a
problemática da admissibilidade da prova ilícita.
A monografia é composta de quatro capítulos. O primeiro tratará das provas e
meios de provas, o segundo dos princípios e direitos fundamentais que norteiam a
produção de prova no processo penal . O terceiro capítulo destina-se ao princípio da
proporcionalidade que é basilar para julgamento da admissibilidade das provas e,
por fim o quarto capítulo traz uma análise da admissibilidade das provas ilícitas e as
formas de aplicá-las no caso concreto.
13
CAPÍTULO 1 – DAS PROVAS
A prova é o meio pelo qual se procura mostrar a realidade dos fatos, é, antes
de mais nada, uma forma de fixar a veracidade dos fatos, é o meio pelo qual os
juízes baseiam-se para proferir suas decisões. Tourinho Filho assim define seu
entendimento sobre a prova;
[...] provar é, antes de mais nada, estabelecer a existência da verdade; e as
provas são os meios pelos quais se procura estabelecê-la. É demonstrar a
veracidade do que se afirma, do que se alega. Entendem-se, também, por
prova, de ordinário, os elementos produzidos pelas partes ou pelo próprio
Juiz visando a estabelecer, dentro do processo, a existência de certos fatos.
É o instrumento de verificação do thema probandum. 1
Grinover também preconiza: [...] instrumento por meio do qual se forma a
convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência de certos fatos. 2
Considerando-se que as provas são os pilares para formação da convicção
dos juízes, é de suma importância a produção das mesmas, de forma que se
retratem no total a realidade dos fatos.
1.1 FINALIDADE E OBJETO DA PROVA
A prova destina-se ao convencimento do juiz em relação à verdade dos fatos
em litígio. As partes têm que mostrar ao magistrado qual é a mais certa, a mais
verossímil, de maneira a convencer o órgão julgador que sua versão é a mais
aceitável até chegar à verdade, uma verdade processual.
O objeto da prova são os fatos em que se tenta provar a verdade real,
enquanto a finalidade da prova é o consenso do grupo em nome do qual será
pronunciada a decisão juntamente com o convencimento do juiz.
Segundo Fernando Capez;
1
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 513.
2
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarane.
As nulidades no processo penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 120.
14
Objeto da prova é toda circunstância, fato ou alegação referente ao litígio
sobre os quais pesa incerteza, e que precisam ser demonstrados perante o
juiz para o deslinde da causa. São, portanto, fatos capazes de influir na
decisão do processo, na responsabilidade penal e na fixação da pena ou
medida de segurança, necessitando, por essa razão, de adequada
comprovação em juízo. Somente os fatos que revelem dúvida na sua
configuração e que tenham alguma relevância para o julgamento da causa
merecem ser alcançados pela atividade probatória, como corolário do
princípio da economia processual. 3
1.2 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS
Em muito se tem dividido a classificação das provas no nosso direito, gerando
uma problemática frente às definições, contudo há uma frente majoritária que pode
ser analisada das seguintes formas descritas abaixo:
1.2.1 Quanto ao objeto
A prova pode ser direta, quando tem por objeto imediato a coisa que se quer
verificar, quando é de fácil percepção ou quando se tem certeza do que se pretende
provar pelo simples olhar da materialidade da prova. É a prova que leva a certeza do
fato apurado (filmes, testemunhas, gravações, documentos, etc.). Ou indireta, que
ocorre se comprovada por outro acontecimento, outro fato, em que se utiliza da
dedução de hipóteses para se chegar a uma certeza.
Segue abaixo o exemplo citado por Mossin;
Quando uma da partes apresenta testemunhas que presenciaram a
comissão do crime, é para que deponham sobre ele (prova direta). Mas, se
o réu estava no Japão, o objeto direto da prova é o álibi, isto é, o fato de
estar em outro lugar, e o indireto é a inocência, a não autoria do crime. Por
isso, os indícios são considerados prova indireta e adjutórios da prova
direta 4 .
3
4
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 239.
MOSSIN, Heráclito Antônio. Curso de processo penal. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2002. v. 2, p. 207.
15
1.2.2 Quanto ao efeito
A prova pode ser plena, completa acerca dos fatos, é a prova que elimina
qualquer controvérsia acerca do fato afirmado, tem-se uma convicção plena, uma
certeza relativa ao fato, e é produzida segundo as regras da lei. Há também a prova
não plena, que não gera uma total certeza sobre os fatos, e não produz irrefutáveis
ou inequívocas certezas relacionadas aos fatos que se pretendem provar, porém
cria uma probabilidade de procedência dos fatos alegados que pode desencadear
medidas preliminares como seqüestro, arresto, prisão preventiva, etc.
Por fim, há a chamada prova prima facie, aquela que deixa, desde logo, no
espírito do juiz, a convicção da veracidade de um fato, embora possa ser infirmada
por outras provas. (Exemplo: Se um ladrão invade uma residência à noite,
arrombando a porta e é morto por uma pessoa indefesa, prima facie, nos leva a crer,
de início, que a pessoa agiu em legítima defesa).
1.2.3 Provas reais ou pessoais
As provas reais são as que se distinguem do indivíduo, consistindo em algo
que surge do próprio fato: o lugar do crime, as pegadas, a mutilação de um membro,
uma fotografia. Já as pessoais são afirmações relacionadas ao conhecimento
pessoal que o um indivíduo possui sobre outro, exprimem um conhecimento
subjetivo e pessoal que caracteriza alguém ou até mesmo sua personalidade: um
interrogatório, um testemunho com finalidade de fazer fé dos fatos afirmados.
1.2.4 Quanto à forma: testemunhal, documental e material
A prova testemunhal expõe o pensamento das pessoas, pode ser formada por
um depoimento ou declaração testemunhal. Já prova documental é formada por
documentos, ou seja, papel escrito que demonstra o fato alegado.
16
Por fim, a prova material que Mossin aduz é;
Qualquer materialidade, que, apresentada à percepção direta do juiz, lhe
sirva de prova, sempre que tal materialidade, enquanto produzida por uma
pessoa, seja inconscientemente produzida como revelação do seu espírito,
ou, mesmo quando, sendo produzida conscientemente no seu sentido
revelador, não se destine a fazer fé da variedade dos fatos com ela
afirmados pela pessoa 5 .
1.2.5 Prova emprestada
Entende-se por prova emprestada a prova que é colhida em outro processo,
em que as partes são as mesmas, ou se tenha tido como parte, a pessoa contra
quem se pretende utilizar a prova emprestada. É uma prova produzida em um
processo e transportada, documentalmente, para outro, observando que sempre
deverá passar pelo crivo do princípio do contraditório e da ampla defesa, caso
contrário, ensejará nulidade.
O princípio do contraditório especificou que somente a prova que passe por
uma ampla apreciação da parte contrária, terá como válida a sua produção, firmando
assim que, de forma alguma, a prova emprestada poderá ser utilizada em desfavor
de outra pessoa que não tenha participado na produção da prova no processo
originário.
Outro requisito deixado em segundo plano é de que a prova tenha que ser
produzida perante o mesmo juiz, e que na falta deste a prova se tornaria ilegítima.
Ada Pellegrini Grinover afirma que, “quanto à forma, a prova emprestada será
sempre documental, no entanto, o seu valor probante é o da sua essência, e esta
será sempre a originária, consoante foi produzida no processo primitivo”. 6
5
6
MOSSIN, 2002, p. 210.
GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 2001, p. 125.
17
1.2.6 Prova ilegais, ilícitas e ilegítimas
Prova ilícita e ilegítima são espécies de prova ilegais. A primeira viola a
proibição de direito material, infringe normas ou princípios postos pela Constituição e
pelas leis, a fim de proteger as liberdades públicas, os direitos da personalidade e
sua manifestação, o direito à intimidade. A segunda infringe proibição de ordem
processual.
Grinover faz a distinção entre provas ilegais, ilícitas e ilegítimas;
[...] diz-se que a prova é ilegal toda vez que sua obtenção caracterize
violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, de
natureza processual ou material. Quando a proibição for colocada por uma
lei processual, a prova será ilegítima (ou ilegitimamente produzida); quando,
pelo contrário, a proibição for de natureza material, a prova será ilicitamente
obtida. 7
Tourinho Filho mostra como a constituição de 1988 extinguiu a diferença entre
as provas ilícitas e ilegítimas;
A Constituição Federal de 1988 extinguiu o discrime entre provas ilegítimas
e provas ilícitas. Na verdade, dizendo o art. 5. °, LVI, da Lei Maior serem
“inadmissíveis, no processo as provas obtidas por meios ilícitos”, isto é,
conseguidas mediante a violação de normas de direito constitucional ou
material, evidente que as provas até então denominadas ilegítimas, como
as cartas interceptadas ou obtidas por meios criminosos, ou seja,
8
ilegitimamente, inserem-se no rol das provas ilícitas.
Para que se tenha uma dimensão da importância de se identificar uma prova
ilícita, é importante observar que o seu aproveitamento gera nulidade no processo,
seja em parte, seja no todo.
A problemática da prova ilícita não está na ilegalidade de um ato anterior ou
não coincidente com o da produção da prova em juízo, mas sim na sua valoração
frente aos direitos fundamentais transgredidos.
A nova redação dada ao artigo 157 do Código Penal Brasileiro pela Lei
11.690 de 09 de julho de 2008, extingui a diferenciação entre as provas ilícitas,
ilegítimas ou ilegais, estabelecendo que toda prova obtida em contrariedade a norma
de constitucional é inadmissível, devendo ser desentranhada do processo.
7
8
GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 2001, p. 133.
TOURINHO FILHO, 2007, p. 518.
18
Muitos crimes se tornam impossíveis de punição em detrimento da falta de
meios de se produzir provas lícitas, devido à atuação dos infratores, como por
exemplo, grandes quadrilhas que procuram camuflar e extinguir fatos ou materiais
que possam servir de provas, exigindo que em muitas vezes se utilize de meios
considerados ilícitos para se obter alguma prova que incrimine o autor dos fatos;
problemática essa que será abordada nos próximos capítulos.
1.3 MEIOS DE PROVAS
Meios de provas são todas as formas de se adquirir material capaz de
comprovar fatos alegados, assim é imprescindível que ambas as partes tenham
ampla liberdade na busca de formas que comprovem suas alegações.
Nesse sentido Mirabete aduz;
Meios de prova são as coisas ou ações utilizadas para pesquisar ou
demonstrar a verdade: depoimentos, perícias, reconhecimento etc. Como
no processo penal brasileiro vige o principio da verdade real, não há
limitação dos méis de prova. A busca da verdade material ou real, que
preside a atividade probatória do juiz, exige que os requisitos da prova em
sentido objetivo se reduzam ao mínimo, de modo que as partes possam
utilizar-se dos meios de prova com ampla liberdade. Visando o processo
penal o interesse público ou social de repressão ao crime, qualquer
limitação à prova prejudica a obtenção da verdade real e, portanto, a justa
aplicação da lei. A investigação deve ser a mais ampla possível, já que tem
como objetivo alcançar a verdade do fato, da autoria e das circunstancias
do crime. Nada impede, portanto, que se utilizem provas com a utilização de
meios técnicos ou científicos, como gravações em fita magnética, fotos,
9
filmes, videofonograma etc.
Tem-se que os meios de provas são tudo que possa ser utilizado direta ou
indiretamente para se obter uma verdade no processo: documento, perícia,
reconhecimento, testemunha, informação da vítima, exame de corpo de delito,
confissão.
9
MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo penal. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 259.
19
1.4 SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DAS PROVAS
Devido ao crescimento e desenvolvimento da humanidade e a evolução
doutrinária o sistema de apreciação das provas sofreu várias modificações, com o
intuito de amoldar o direito às necessidades da sociedade.
Dentre esses sistemas, podemos destacar os seguintes:
a)
Sistema ordálico (os juízos de Deus): baseado na superstição e ligado
à crença em divindades. Elas orientavam e favoreciam quem estivesse
com a razão. Portanto, em um primeiro momento, o juiz só apreciava o
confronto e declarava o resultado, pois, as divindades ajudariam e
fariam vencer o réu, se esse detivesse a razão, ou seja, os acusados
tinham que ter força e sorte para provar sua inocência, pois eram
jogados a mercê de sua própria sorte em provas contra serpentes,
provas de ferro em brasa, juramentos, duelos, ordálias, dentre outros,
onde tinham que ter força e sorte para provar sua inocência.
b)
Sistema inquisitivo: nesse sistema, foi tirado dos juízes de Deus o
direito de inquirição e passado às Igrejas que criaram o Tribunal do
Santo Ofício, onde a confissão do acusado era o objetivo principal,
muitas vezes, sendo imbuído de formas inescrupulosas de tortura para
que obtivesse uma confissão.
c)
Sistema da íntima convicção: nesse sistema, o juiz decide segundo sua
íntima convicção, sem ter o dever de se basear somente em provas
materiais ou reais, assim o magistrado pode julgar com as provas dos
autos, sem elas ou contra elas, logo, o juiz não tinha que fundamentar
suas decisões.
Conforme escrito por Greco Filho;
Segundo o sistema da livre apreciação ou da convicção íntima, tem o juiz
ampla liberdade de decidir, convencendo-se da verdade dos fatos segundo
critérios de valoração íntima, independentemente do que consta dos autos
de uma fundamentação de seu convencimento. Decide por convicção íntima
ou livre apreciação pura o Tribunal do Júri. Nem fundamentam os jurados as
razões de seu convencimento, nem importa como formaram sua convicção.
10
10
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 214.
20
d) Sistema legal das provas: nesse sistema, o juiz tinha a obrigação de se
basear e julgar somente segundo as provas existentes nos autos era
obrigado pela lei a decidir conforme as provas materiais ou reais, uma
vez que, a mesma lei exigia que fatos se provassem dessa ou daquela
maneira, prevendo em várias hipóteses o valor dos meios probatórios,
se satisfeitas certas condições, situação totalmente adversa do sistema
da íntima convicção, que era baseado na simples percepção do juiz.
Nesse sentido, Greco Filho aduz;
Segundo o sistema da prova legal, cada prova tem seu peso e seu valor,
ficando o juiz vinculado dosimetricamente às provas apresentadas,
cabendo-lhe, apenas, computar o que foi apresentado. No plano histórico, o
sistema da prova legal representou a reação extremada ao sistema da
convicção íntima, que era evidentemente instrumento de arbítrio, porque de
nada adiantava a prova consistente e produzida corretamente se, depois,
podia o juiz decidir secundum conscientiam. É do sistema da prova legal o
brocarod testis unus testis nullius (uma só testemunha não tem valor) e
tantos outros que limitavam o convencimento do juiz. 11
e) Sistema da livre convicção ou persuasão racional: trata-se do sistema,
majoritariamente, adotado pelo processo penal brasileiro, em que se
procura fazer uma análise sintetizando, tanto o sistema legal quanto o
sistema da livre convicção. Esse sistema dá ao magistrado o poder de
analisar e fazer sua própria decisão baseada não somente nas provas,
mas também, na sua convicção. Assim, “ao mesmo tempo em que
mantém a liberdade de apreciação, vincula o convencimento do juiz ao
material probatório constante dos autos, obrigando, também, o
magistrado a fundamentar sua decisão de modo a se poder aferir o
desenvolvimento de seu raciocínio e as razões de seu convencimento.”
12
Nestes termos, também coaduna o pensamento de Tourinho Filho;
De modo geral, admitem-se todos os meios de prova. O juiz pode desprezar
a palavra de duas testemunhas e proferir sua decisão com base em
depoimento de uma só. Inteira liberdade tem ele na valoração das provas.
Não pode julgar de acordo com conhecimento da existência de algum
elemento ou circunstância relevante para o esclarecimento da verdade,
deve ordenar que se carreiem para os autos as provas que se fizerem
11
12
GRECO FILHO, 1999, p. 214.
GREFO FILHO, loc. cit.
21
necessárias. [...] Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi
legis, valor absoluto. [...] O Juiz está livre de preconceitos legais na aferição
das provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se ao seu conteúdo. Não
está dispensado de motivar a sua sentença. 13
1.5 PERÍCIAS EM GERAL
Perícia trata-se de exames realizados por pessoas com conhecimentos
técnicos, artísticos, científicos, ou práticos específicos relacionados aos fatos,
circunstâncias ou mesmo condições pessoais apurados no processo, a fim de
comprová-los para embasar a decisão judicial.
A perícia é instrumental, pois serve de meio para o juiz compor o litígio, é
técnico-opinativo, uma vez que, se faz necessária a opinião de um especialista
sobre o fato, é alicerce para a sentença, uma vez que, esta poderá ser o único meio
de prova de um fato, e, na maioria das vezes, tem o poder de desembaraçar casos
de difícil percepção, facilitando a obtenção da verdade real dos fatos.
Em regra, as perícias são colhidas na fase do inquérito policial, para evitar o
perecimento de algumas provas que são irrepetíveis, evitando que se perca o seu
valor probatório, elas são colhidas sem a necessidade da observância do princípio
do contraditório.
É necessário vislumbrar o valor dos peritos, os quais se pode dizer auxiliares
do juiz, como aduzem várias doutrinas. É importante refletir que, muitas vezes, o
perito vai além da prova testemunhal, não somente reproduzindo os resultados das
perícias, como também, formando juízo de valor, e em sua maioria, as perícias
fazem prospecção de fatos sucessivos, e não ficam apenas no aspecto
retrospectivo, como nas provas, já que examina o fato ou objeto, fazendo
retrospecção sobre o ocorrido, e depois o avalia, fazendo uma prospecção. O que
mostra que as perícias não são simplesmente meros meios de provas e sim um
“plus” em relação à prova.
Apesar da prova pericial ser produzida com qualidade, esta não tem maior
valor que uma prova testemunhal, uma vez que, não existe para o direito uma prova
mais valiosa que outra, e também se encerra que o juiz tem o livre arbítrio para
13
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 3, p. 246.
22
basear suas decisões, pois está inserido no sistema do livre convencimento
motivado, adotado pelo Código de Processo Penal (art 155 do CPP). Até porque o
juiz não está preso à valoração e opinião do perito, podendo aceitar ou rejeitar o
laudo no todo ou em parte, tudo de acordo com o seu livre convencimento motivado
pelo (art. 182 do CPP).
1.5.1 Do exame do corpo de delito
O exame de corpo de delito deverá ser realizado toda vez que, ocorrendo um
crime, este deixe vestígios. Existem infrações que deixam vestígios, são as facti
permanentis, e outras que não deixam vestígios, as facti transeuntis. O exame de
corpo de delito deverá ser realizado sempre que houver facti permanentis, ou seja,
em casos que se tem o corpo de delito, (exemplos: homicídio, lesão corporal), e não
nos casos em que houver facti transeuntis, os crimes sem vestígios, (exemplos:
injúria, calúnia, difamação, ou seja, crimes cometidos verbalmente...).
No Art. 158 do Código de Processo Penal Brasileiro está expresso que
quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito,
direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Tão valioso é o exame de corpo de delito que o art. 564, item III, b; do mesmo
diploma legal, afirma que a falta do exame de corpo de delito provocará a nulidade
insanável do feito.
É importante diferenciar o exame de corpo de delito do próprio corpo de
delito. O corpo de delito é o vestígio do crime, um conjunto de elementos sensíveis
do fato criminoso, já o exame de corpo de delito é uma perícia realizada por
especialistas no corpo de delito.
O art. 158 do Código de Processo Penal evidencia a existência de duas
formas de exame de corpo de delito, uma direta e outra indireta. O exame de corpo
de delito direto ocorre quando houver o exame direto dos especialistas no corpo de
delito, e o indireto, será por meio de fotos, filmes, atestado médico, e quando não
houver vestígios, será suprido pela prova testemunhal. Alguns doutrinadores como
Tourinho Filho e Mirabete entendem que a prova testemunhal seria uma espécie de
prova indireta, preferimos não adotar esse entendimento seguindo a linha de
23
pensamento de Arnaldo Siqueira de Lima, em que a prova testemunhal seria apenas
uma outra forma de prova que no caso da falta da prova direta ou indireta suprir-lheia a sua falta, não sendo assim, uma forma de se realizar o exame de corpo de
delito.
O art. 167 do Código de Processo Penal, assim exemplifica: “Não sendo
possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a
prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”.
A prova testemunhal é uma das formas admitidas pelos magistrados para
suprir o exame de corpo de delito direto ou indireto, evitando que, em casos que
ocorra o desaparecimento dos vestígios o acusado não fique em pune. As outras
formas são as provas documentais, o boletim de atendimento médico e de registros
hospitalares na impossibilidade de se realizar o Laudo de Lesões Corporais.
A confissão do acusado não supre o exame de corpo de delito direto ou
indireto, pois este por muitas vezes pode ser influenciado a confessar o crime para
auferir vantagens futuras, gerando uma enorme insegurança jurídica no processo
penal.
Nesse sentido entende Nucci;
A lei é clara ao mencionar que a confissão do réu não pode suprir o exame
de corpo de delito, direto ou indireto. A única fórmula legal válida para
preencher a sua falta é a colheita de depoimentos de testemunhas, nos
termos do art. 167 [...] trata-se de um tema desenvolvido com especial
cuidado pelo legislador, tendo em vista as inúmeras razoes que podem
conduzir uma pessoa a confessar falsa ou erroneamente, colocando em
grave risco a segurança exigida pelo processo penal. Assim, se o cadáver,
no caso do homicídio, desapareceu, ainda que o réu confesse ter matado a
vítima, não havendo exame de corpo de delito, nem tampouco prova
testemunhal, não se pode punir o autor. A confissão isolada não presta
para comprovar a existência das infrações que deixam vestígios
14
materiais. (grifo nosso).
O exame de corpo de delito deverá ser realizado por um perito oficial, não
havendo oficial, será feito por pessoas idôneas com diploma de curso superior.
Quando a perícia fosse realizada por apenas um perito esta seria nula, como
exemplificava a súmula 361 do Superior Tribuna Federal, no entanto, os
magistrados, por um período, analisavam que essa súmula só alcançava a hipótese
de peritos não oficiais nomeados pelo juiz.
14
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. p. 366.
24
Com o advento da Lei n.° 11.690, de 09 de junho de 2008, que deu nova
redação ao art. 159 do Código de Processo Penal, passando a exigir apenas um
perito oficial.
Art. 159 do Código de Processo Penal Brasileiro;
O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito
oficial, portador de diploma de curso superior.
§ 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas
idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área
específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a
natureza do exame.
§ 2o Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente
desempenhar o encargo.
§ 3o Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao
ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação
de assistente técnico.
§ 4o O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a
conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo
as partes intimadas desta decisão.
§ 5o Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à
perícia:
I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para
responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos
ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência
mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo
complementar;
II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo
a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.
§ 6o Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de
base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que
manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame
pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.
§ 7o Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de
conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um
perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.
1.5.2 Do interrogatório
“O interrogatório é o ato pelo qual o juiz toma as declarações do acusado
sobre sua pessoa, sobre a veracidade ou não dos fatos e as circunstâncias em que
estes passaram”. 15
Muito se tem discutido sobre qual a natureza do interrogatório, se seria um
meio de prova, um meio de defesa, um ato de defesa. Grecco Filho afirma que é “um
15
MORAIS, Paulo Heber de; BATISTA LOPES, João. Da prova penal. Campinas, SP: Copola, 1994.
p. 83.
25
meio de defesa, porque nele esboça-se a tese de defesa, e é a oportunidade para o
acusado apresentar sua versão dos fatos, mas é ato de instrução, porque pode
servir como prova”. 16
Mirabete colaciona com essa idéia, fazendo uma ampla exemplificação;
[...] perante a nossa legislação, o interrogatório do acusado é meio de
prova. Mas, como se observa agudamente na doutrina, não se pode ignorar
que é ele, também, ato de defesa, pois não há dúvida que o réu pode dele
valer-se para se defender da acusação, apresentando álibi, dando sua
versão dos fatos etc. Com fundamento na Constituição Federal de 1988,
que consagra o direito do acusado de permanecer calado no interrogatório,
e na legislação comparada, Fernando da Costa Tourinho Filho chega a
afirmar que o interrogatório não meio de prova e sim meio de defesa. [...]
Mesmo o silêncio do acusado, se não pode ser interpretado em prejuízo do
réu, pode fornecer ao juiz a convicção íntima para a condenação quando
encontra amparo em outros elementos dos autos. Conceitualmente,
portanto, o interrogatório, ato privativo do juiz que não sofre interferência
das partes, é meio de prova e oportunidade de defesa do acusado. Tem,
17
portanto, esse caráter misto afirmado pela doutrina dominante. (grifo do
autor).
Tem-se então a teoria mista, que melhor se adapta a realidade, em que o
interrogatório é sim um meio de prova, tanto que está inserido na parte das provas
no Código de Processo Penal e é, nesse momento, que o acusado tem como
reproduzir a verdade dos fatos, por conseguinte, tem-se também que é um meio de
defesa, pois o interrogado pode aproveitar o momento para justificar ou atenuar o
crime, opor exceções contra testemunhas e indicar fatos ou provas que estabeleçam
sua inocência.
O interrogatório pode ser realizado a qualquer momento no processo, mesmo
após a sentença, desde que não tenha trânsito em julgado.
A jurisprudência assim tem entendido;
"E M E N T A- HABEAS CORPUS - PACIENTE INIMPUTAVEL ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA IMPOSIÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANCA PRETENDIDA ANULAÇÃO DO PROCESSO-CRIME POR AUSÊNCIA DO
INTERROGATORIO JUDICIAL - NULIDADE RELATIVA – ATO
PROCESSUAL NÃO REALIZADO EM FACE DAS CONDIÇÕES PESSOAIS
DO ACUSADO - INOCORRÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL ORDEM DENEGADA.O interrogatório judicial, qualquer que seja a
natureza jurídica que se lhe reconheça - "meio de prova, meio de
defesa ou meio de prova e de defesa" - constitui ato necessário do
processo penal condenatório, impondo-se a sua realização, quando
16
17
GRECO FILHO, 1999, p. 227.
MIRABETE, 2003, p. 277.
26
possível, mesmo depois da sentença de condenação, desde que não
se tenha consumado, ainda, o trânsito em julgado. 18 (grifo nosso).
O contraditório não está presente no interrogatório, cabendo ao juiz fazer as
inquirições que desejar, resguardando o direito de ter a presença de um defensor no
momento do interrogatório.
O interrogatório é o momento em que o juiz tem a possibilidade formar sua
íntima convicção, analisando o perfil do acusado e formando suas conclusões com
relação aos fatos alegados. A maioria da doutrina entende que o juiz que sentencia
deve ser o mesmo que realiza o interrogatório, no entanto, muitas vezes, o
interrogado encontra-se em outro estado do país, o que obriga o judiciário a realizar
o interrogatório por meio de carta precatória, desde que, com o consentimento do
interrogado. O Supremo Tribunal Federal já pronunciou que, quando o interrogatório
for realizado fora do juízo do processo, é legítimo o interrogario, desde que não haja
nenhuma nulidade e tenha o consentimento do interrogado.
Nesse mesmo sentido entende o STJ;
O interrogatório é meio de prova e de defesa. Ideal seria que fosse sempre
tomado pelo Juiz processante. O judiciário, no entanto, precisa ser realista,
a extensão territorial do País impede o deslocamento de pessoas de uma
comarca para outra. Some-se a isso o ônus das despesas. O CPP, além
disso, não consagrou o princípio da identidade física do Juiz. Em havendo
necessidade, admissível se faz a renovação do ato pelo Magistrado que
prolatará a sentença. Admissível, pois, a tomada do interrogatório no juízo
deprecado. 19
O interrogatório é ato personalíssimo, tem que ser restrito ao próprio acusado
e ninguém pode substituí-lo. Não se admite qualquer tipo de representação ou
substituição. O interrogatório é feito sob forma oral, em que o juiz realiza as
perguntas, o réu responde e o escrivão as digita.
18
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Hábeas corpus n. 73.758-RJ. Relator: Ministro Moreira Alves.
Informativo, n. 134, 12 jul. 1998
19
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. MS 3.164/SC, DJU, 10 maio 1993. p. 8599.
27
1.5.3 Da confissão
A confissão nada mais é que a própria declaração dita pelo acusado,
reconhecendo a sua participação na realização de algum crime, ou seja, ocorre
quando o imputado reconhece que realizou um crime.
A confissão já foi considerada a rainha das provas, uma vez que, o próprio
acusado tinha o poder de mostrar a realidade dos fatos, no entanto, essa
característica se perdeu, pois, em muitas vezes, o acusado era obrigado a confessar
por meio de tortura e coações. Existiam pessoas que desejavam a morte, por isso
declaravam que haviam cometido determinado crime com o intuito de receber a
pena de morte. Assim, a confissão perdeu o status de rainha das provas, até mesmo
porque em nosso direito não se tem valoração de provas, tendo como exemplo a
confissão de um acusado de homicídio que por si só não basta para que o juiz tenha
como fundamento para condenar o acusado, sendo necessário o exame de corpo de
delito, direto ou indireto.
A confissão se divide em:
a. Explícita: ocorre quando o acusado declara serem verdadeiros os fatos
alegados contra si, sem oferecer qualquer modificação.
b. Implícita: quando o acusado confessa a autoria e procura recuperar os
prejuízos causados ao ofendido.
c. Simples: o acusado admite a simples autoria do crime.
d. Qualificada: ocorre quando o acusado admite a autoria do crime, mas
procura se isentar da pena reforçando seu direito de liberdade.
e. Judicial: quando feita em Juízo.
f. Extrajudicial: quando não realizada perante o Juiz.
g. Expressa: produzida por palavras ou documento.
h. Tácita ou Ficta: quando ocorre a revelia do acusado ou quando este se
recusar a prestar depoimento.
Cabe ressaltar, a confissão ficta não tem valor no processo penal, uma vez
que não se considera como verdadeiros os fatos alegados no caso do acusado
revel. O silêncio do acusado também não pode ser considerado como confissão.
28
A confissão tem que ser realizada sem nenhuma pressão ao acusado e o juiz
tem que ter conhecimento e percepção ao analisar a confissão, verificando se está
de acordo com os indícios.
O réu confesso pode retratar-se, entretanto, cabe ao juiz formar seu
convencimento, acreditando ou não na retratação. Como disciplina o art. 200 do
CPP “A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do
juiz, fundado no exame das provas em conjunto”.
1.5.4 Das testemunhas
“Testemunhas são terceiras pessoas que comparecem perante a Autoridade
para externar-lhe suas percepções sensórias extraprocessuais: o que viu, o que
ouviu etc” 20 . “É a pessoa que declara ter tomado conhecimento de algo, podendo,
pois, confirmar a veracidade do ocorrido, agindo sob o compromisso de estar sendo
imparcial e dizendo a verdade.”
21
As testemunhas são pessoas que, de alguma forma, presenciaram ou sabem
como ocorreu o crime, são meios de prova, assim como os documentos, e têm a
obrigação de dizer a verdade perante o juiz.
Os informantes ou declarantes são pessoas sem qualquer vínculo com a
imparcialidade e com a obrigação de dizer a verdade. O informante não presta
compromisso, motivo pelo qual não deve ser considerado como testemunha e sim,
como simples informante.
Nem todas as pessoas intimadas pelo juiz são obrigadas a depor, é o caso
dos pais, irmãos, dentre outros parentes do acusado, em que o depoimento estaria
maculado devido à grande ligação afetiva existente entre os mesmos. Seria
imensamente insuportável para um pai ter que testemunhar em desfavor de seu
próprio filho.
O artigo 206 do CPP, assim dispõe;
20
21
TOURINHO FILHO, 2007, p. 552.
NUCCI, 2008, p. 441.
29
A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão,
entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em
linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o
filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo,
obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias. 22
Existem hipóteses em que apesar da proteção do artigo 206 do CPP, os
protegidos por esse artigo, poderão testemunhar, uma vez que o interesse social se
sobreponha ao interesse particular, ou seja, em casos em que não houver outro
meio de prova e o pai for à única testemunha de um crime cometido por seu filho,
ele poderá testemunhar sobre o ocorrido, caso o seu testemunho não for colhido,
ensejará nulidade no processo, no entanto, o que não se pode esperar é que este,
sendo pai do acusado, proceda com total imparcialidade em seu testemunho, por
fim, caso o juiz não tenha como obter outros meios de provas, as pessoas
protegidas pelo artigo 206 do CPP, serão obrigadas a depor.
O artigo 207 do CPP coloca a seguinte exceção: “São proibidas de depor as
pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar
segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu
testemunho” 23 , tem-se então que essas pessoas não podem testemunhar, no
entanto, se forem liberadas pela parte interessada poderão. Há que se ressalvar,
que mesmo que as pessoas que sejam desobrigadas pela parte interessada não
poderão testemunhar quando o seu sigilo for de interesse da sociedade e não só de
uma determinada pessoa.
Os menores de 14 (quatorze) anos, os doentes, deficientes mentais, bem
como os citados no artigo 206 do CPP, não estão obrigados a prestar compromisso,
caso seja necessário o seu depoimento, estes serão inquiridos como informantes,
como preceitua o artigo 208 do CPP; Não se deferirá o compromisso a que alude o
art. 203 aos doentes e deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos,
nem às pessoas a que se refere o art. 206.
Quando houver divergências entre depoimentos, será realizada uma
acareação que é o confronto direto entre duas ou mais pessoas que tomaram
conhecimento do caso por algum meio, mas que conflitam seus depoimentos.
22
23
Ibid., p. 456.
NUCCI, 2008, p. 458.
30
1.5.5 Reconhecimento de pessoas e coisas
Trata-se de um meio de prova, em que uma ou mais pessoas, que tiveram
contato visual com o acusado, são convidadas a fazer um reconhecimento. Estas
pessoas, primeiramente, fazem uma descrição da pessoa a ser reconhecida e logo
após passam a analisar a pessoa que se pretende reconhecer juntamente com
outras pessoas postas pela autoridade, a fim de que se possa fazer uma
identificação em meio a outras semelhastes.
Paulo Heber de Morais assim preceitua;
O reconhecimento de pessoas é um dos meios de se provar a autoria da
infração. Por meio dele uma pessoa, ou mais de uma, que tenha visto o
autor da infração, será convidada a visualizar os suspeitos, a ver se
reconhece nele à mesma pessoa. É prova de extrema importância e
delicadeza. Importância porque muitas vezes o reconhecimento pode ser a
única prova direta da autoria, que poderá ser prestigiada por eventuais
provas indiciárias. O autor do ilícito, sabendo-o ou não, pouco antes,
durante ou após a infração, pode ter sido visto por alguém. De extrema
delicadeza porque é necessário que seja feita de forma absolutamente
segura, não deixando remanescer dúvidas de que o reconhecimento
decorre de uma ciência visual anterior, e não daquela que se dá no próprio
24
ato.
O reconhecimento pode ser realizado por meio de fotografia e retrato falado,
que, apesar não ser um meio tratado pelo CPP, tem sido muito utilizado pela Polícia
para identificação de supostos criminosos. Observando que após o reconhecimento
fotográfico ou falado, este deverá ser realizado pessoalmente, de maneira que a
pessoa tenha exatidão no seu apontamento.
Tourinho Filho afirma;
O reconhecimento é, de todas as provas, a mais falha, a mais precária. A
ação do tempo, o disfarce, as más condições de observação, os erros por
semelhança, a vontade de reconhecer, tudo, absolutamente tudo, torna o
reconhecimento uma prova altamente precária. 25
O reconhecimento de objetos também haverá de ocorrer da mesma maneira
que o procedimento de reconhecimento de pessoas, onde será lavrado o auto
24
25
MORAIS, 1994, p. 123.
TOURINHO FILHO, 2007, p. 569.
31
circunstanciado, assinado pela autoridade presente, por duas testemunhas, e pela
pessoa que tiver prestado o reconhecimento.
1.5.6 Dos documentos
A maioria dos doutrinadores faz uma diferenciação das formas de
documentos, pode ser; em sentido lato, toda e qualquer forma de representação de
comento e em sentido estrito, somente o que conter notícia escrita.
Nucci bem define documentos;
É toda base materialmente disposta a concentrar e expressar um
pensamento, uma idéia ou qualquer manifestação de vontade do ser
humano, que sirva para expressar e provar um fato ou acontecimento
juridicamente relevante. São documentos, portanto: escritos, fotos, fitas de
vídeo e som, desenhos, esquemas, gravuras, disquetes, CDs, e-mails, entre
outro. 26
O CPP em seu artigo 232, afirma que: “Consideram-se documentos quaisquer
escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares. Parágrafo único. À
fotografia do documento, devidamente autenticada, se dará o mesmo valor do
original”. Determina que apenas os escritos em papel fossem documentos, no
entanto, o artigo 11 da lei 11.419/2006, afirma que: “Os documentos produzidos
eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de
seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para
todos os efeitos legais”, deixa evidente que o artigo 232 do CPP já não condiz com a
realidade da sociedade atual, em que o meio digital está cada vez mais presente na
vida das pessoas.
26
NUCCI, 2008, p. 493.
32
1.5.7 Dos indícios
Os indícios quando constituem prova indireta em que, por meio dos indícios,
formam-se induções que comparadas com outras provas ou fatos se pode chegar a
outros fatos, formando uma conclusão.
Os indícios por si só demonstram uma grande fragilidade, uma vez que não
podem provar a materialidade de um crime, necessitando que se prove um fato
conhecido, é então, que o juiz por meio de um raciocínio lógico, parte de um fato
conhecido e chega a um fato desconhecido, ou seja, do indício se chega à indução.
Nucci, assim define indício;
Fornecido pela própria lei, trata-se da circunstância conhecida e provada,
que, se relacionado com o fato, autoriza o juiz, por indução, a concluir a
existência de outra circunstância ou de outras provas. É prova indireta,
embora não tenha, por causa disso, menor valia. O único fator – e principal
– a ser observado é que o indício, solitário nos autos, não tem força
suficiente para levar a uma condenação, visto que esta não prescinde de
segurança. Assim, valemo-nos, no contexto dos indícios, de um raciocínio
indutivo, que é o conhecimento amplificado pela utilização da lógica para
justificar a procedência da ação penal. A indução no permite aumentar o
campo de conhecimento, razão pela qual a existência de vários indícios
torna possível formar um quadro de segurança compatível com o almejado
pela verdade real, fundamentando uma condenação ou mesmo uma
27
absolvição.
O indício é uma forma de construção de raciocínios lógicos, que baseados em
fatos provados, são utilizados num processo lógico de indução, e que apesar de
grandes preconceitos, os indícios têm o mesmo valor probatório de uma prova
direta, na busca da verdade real.
O indício perderá seu valor probatório, quando um acusado por meio de um
contra-indício conseguir provar sua inocência, justificando a invalidade do material
anteriormente colhido.
27
NUCCI, 2008, p. 502.
33
1.5.8 Da busca e apreensão
Na busca e apreensão tem-se em primeiro lugar o ato, que é a busca de algo,
e em segundo, o objetivo da busca, que é a apreensão. Ela pode ser tanto pessoal
quanto domiciliar.
A busca e apreensão estão previstos no artigo 240 do CPP;
A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1.° Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a
autorizarem, para:
a) prender criminosos;
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contratação e objetos
falsificados ou contrafeitos;
d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de
crime ou destinados a fim delituoso;
e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;
f)
apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu
poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa
ser útil à elucidação do fato;
g) apreender pessoas vitimas de crimes;
h) colher qualquer elemento de convicção.
§ 2.° Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de
que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas
letras b a f e letra h do parágrafo anterior.
Quanto à busca pessoal, esta se torna mais simples, uma vez que basta uma
fundada suspeita para que se proceda à busca, tendo apenas que se atentar ao
artigo 249 do CPP que prevê: “A busca em mulher será feita por outra mulher, se
não importar retardamento ou prejuízo da diligência.”, e também ao artigo 5°, XLIX
da CF, que prevê a preservação da integridade física e moral da pessoa, mesmo
que presa.
Na busca domiciliar, esta se torna mais complicada, uma vez que há que se
observar a proteção dada pela Constituição Federal de 1988, ao domicílio, tornando
este, inviolável.
Vejamos o artigo 5°, XI da CF de 1988; “A casa é asilo inviolável do indivíduo,
ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de
flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial.” Assim tem-se que, no período da noite, somente com o
consentimento do morador os agentes da autoridade poderão fazer buscas, sem o
34
consentimento do morador, nem com autorização judicial poderá ser realizada.
Durante o dia, sem o consentimento do morador, somente com autorização judicial.
Muito se tem discutido em relação a que horário começa a noite e termina o
dia, isso devido a enorme extensão territorial do nosso país. A forma que melhor se
tem adequado é que ao nascer do Sol se tem o dia, e ao pôr do Sol inicia-se a noite.
Grinover aponta que a busca trata-se de uma medida cautelar, onde se deve
observar o periculum in mora e do fumus boni júris. Assim elucida;
O perigo da demora está quase sempre presente. Normalmente, a busca na
pessoa suspeita ou em residência deve ser realizada com urgência, sob
risco de se perderem vestígios do crime, relevantes para a demonstração
do corpo do delito. Como é intuitivo, o adiamento ou a divulgação da busca
traz como conseqüência a grande probabilidade de desaparecimento dos
objetos ou pessoas a serem apreendidos.
A questão mais delicada está na configuração do fumus boni júris.
Diz o § 1.° do art. 240 do CPP que a busca domiciliar será efetivada quando
“fundadas razões a autorizarem”. O art. 244 repete a exigência quanto à
busca pessoal.
Assim, é pressuposto essencial da busca que a autoridade, com base em
elementos concretos, possa fazer um juízo positivo, embora provisório, da
existência de motivos que possibilitem a diligência. Deve dispor de
elementos informativos que lhe façam acreditar estar presente a situação
legal legitimadora da sua atuação.
Mais dificultosa é a avaliação nas hipóteses em que o agente ou a
autoridade policial, por suspeita de flagrante, deva ingressar no domicilio
sem mandado. Nessas situações, haverá necessidade de informes que
façam surgir razoável convicção da prática delituosa. Deve-se supor, com
base em dados obtidos previamente, que a coisa ou pessoa procurada se
28
encontra naquela determinada residência.
Como continua Grinover, é importante salientar, que;
Não se exige, contudo, que a diligência seja cercada de êxito, com a
conseqüente apreensão da pessoa ou coisa procurada. É suficiente ter a
autoridade, antes do ingresso, razoáveis motivos para suspeitar da
ocorrência de crime e forte convencimento de que irá apreender
determinadas coisas ou pessoas necessárias à demonstração da prática
ilícita. 29
Por fim, temos que, a busca deverá ser realizada com a menor perturbação
possível de casas habitadas, até que se chegue ao objeto ou pessoa procurada.
Outro ponto importante a ser analisado é o art. 240, § 1.º, alinha f. na hipótese
de violação da correspondência do preso, em que para alguns doutrinadores como
28
29
GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 2001, p. 171.
GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 2001, p. 172.
35
Tourinho Filho a sua desobediência ensejaria ato contra direitos previstos na
Constituição.
Assim aduz Tourinho Filho:
A Constituição de 1988, de acordo com a tradição do nosso Direito Público,
consagra, entre os “Direito e Garantias Individuais”, no art. 5.º, XII, a
inviolabilidade da correspondência, e, pó isso mesmo, o CP, sancionando a
garantia constitucional, estabelece, no art. 151, constituir crime “devassar
indevidamente o conteúdo de correspondência fechada dirigida a outrem”.
Dir-se-á que a correspondência do preso pode ser devassada, porquanto
nela pode estar a prova de algum plano ilícito. Observe-se que a Lei Maior
não faz nenhuma distinção entre preso e solto, e, não o fazendo, a doutrina
e o direito pretoriano não podem faze-lo, tanto mais quanto o sigilo da
correspondência apresenta dupla proteção constitucional: a prevista no inc.
XII do art. 5.º, como também aquela tratada no inc. X do mesmo artigo, ao
tutelar a privacidade, e, sem dúvida, pôr a descoberto o conteúdo de uma
carta implica desrespeito à privacidade, e um Regulamento de Cadeias e
Penitenciárias não pode sobrepor-se à Constituição, mesmo porque esta só
restringe a garantia nas exclusivas hipóteses dos seu arts. 136 § 1.º, I, b, e
30
139, III.
Conclui-se então que para Tourinho Filho a correspondência do preso não
pode ser violada sem se observar o art. 240, § 1.º, f. no entanto há outra corrente
defendida por Alexandre de Morais em que deve-se utilizar o princípio da
proporcionalidade para se fazer a abertura das cartas com o fim de impedir fugas.
Alexandre de Morais apud Nucci:
A interpretação do presente inciso deve ser feita de modo a entender que a
lei ou a decisão judicial poderão, excepcionalmente, estabelecer hipóteses
de quebra das inviolabilidades da correspondência, das comunicações
telegráficas e de dados, sempre visando salvaguardar o interesse público e
impedir que a consagração de certas liberdades públicas possa servi de
incentivo à prática de atividades ilícitas. 31
Nesse mesmo sentido aduz Arnaldo Siqueira de Lima:
Desta forma, não há como assimilar a idéia de conceder ao preso o direito
absoluto de ter sua correspondência inviolável, quando até o cidadão livre
está sujeito à perda de outros direitos mais importantes que do sigilo da
correspondência, como, por exemplo, a perda momentânea da liberdade e a
invasão a sua intimidade com o decreto de quebra de sigilo telefônico e
bancário e o ingresso de pessoas estranhas em sua residência para fazer
busca por ordem judicial. 32
30
TOURINHO FILHO, 2007, p. 582.
NUCCI, 2008, 512.
32
TAGUARY, Eneida Orbage de Brito; LIMA, Arnaldo Siqueira. Temas de direito penal e direito
processual penal. 3. ed. Brasília: Brasília jurídica, 2005. p. 76.
31
36
Com todo respeito ao ilustríssimo doutrinador Tourinho Filho e aos demais
que defendem a inviolabilidade das correspondências do preso, não se pode
concordar com esse posicionamento, uma vez que o indivíduo ao estar preso tem o
seu direito de liberdade e intimidade cerceado, e garantir a um preso o direito de
inviolabilidade de correspondência é afrontar diretamente a regra universal que
ensina que os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais desigualmente.
Por fim, trata-se de uma forma eficiente de se evitar que sejam executados planos
de seqüestro, fugas, dentre outros.
37
CAPÍTULO 2 – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO PENAL
Os princípios constitucionais são de fundamental importância para orientação
na criação de novas leis. São o berço das estruturas e instituições jurídicas. Têm a
função de orientar a interpretação e a constitucionalidade das normas produzidas
pelo legislador.
Os princípios constitucionais norteiam para onde o hermeneuta deve seguir
na difícil atividade de adaptação do direito posto às novas situações jurídicas que
surgem no nosso planeta globalizado, que se modifica a todo o momento.
J.J. Gomes Canotilho apud Rachel Pinheiro, assim expõe o fundamento dos
princípios constitucionais;
Os princípios são o fundamento de regras jurídicas e têm uma idoneidade
irradiante que lhes permite “ligar” ou cimentar objectivamente todo o sistema
constitucional... O sistema jurídico necessita de princípios (ou os valores
que eles exprimem) como os da liberdade, igualdade, dignidade,
democracia, Estado de direito; são as exigências de optimização abertas a
várias concordâncias, ponderações, compromissos e conflitos. 33
Apesar de toda a sua importância, é necessário saber que os princípios não
são, em nosso ordenamento, absolutos, e sim relativos, pois muitas vezes ocorrem
embates entre dois ou mais princípios, devendo realizar-se ponderações, atenuando
tensões normativas, atentando-se para a aplicação no caso concreto. A exemplo
tem-se a admissibilidade da prova ilícita pro réu, em que se a prova pesar para sua
absolvição é admitida.
2.1 DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS
Os direitos são bens e vantagens disciplinados na Constituição Federal,
imprimem a existência legal dos direitos reconhecidos. As garantias são disposições
assecuratórias que defendem os direitos, evitando o arbítrio dos Poderes Públicos.
33
CANOTILHO, 1998, p. 1037 apud MENDONÇA, Rachel Pinheiro de Andrade. Provas ilícitas: limites
à ilicitude probatória. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2004. p. 15.
38
Pimenta Bueno, apud Rogério Lauria Tucci, por ora citado por Rachel
Pinheiro, aduz;
Os direitos individuais, que se podem também denominar naturais,
primitivos, absolutos, primordiais ou pessoais, são faculdades, as
prerrogativas morais que a natureza conferiu ao homem como ser
inteligente, são propriedades inerentes a sua personalidade: são partes
integrantes entidade humana. 34
Os direitos ficariam sem respaldo se não houvesse as garantias. Vejamos
alguns exemplos em nossa constituição em que temos os direitos e garantias:
a) CF, art. 5°, VI – direito de crença + garantia de liberdade
de culto;
b) CF, art. 5°, IX – direito de expressão + garantia da
proibição à censura;
c) CF, art. 5° LV – direito à ampla defesa + garantia do
contraditório.
Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça demonstra bem a importância dos
direitos e garantias frente ao Estado Democrático de Direito, vejamos;
Os direitos fundamentais traduzem as restrições da soberania no Estado
Democrático de Direito, estando expressamente previstos na lei
fundamental. As garantias são as limitações impostas ao poder político em
beneficio dos direitos tutelados por estas, impedindo a excessiva e
exorbitante atividade política do Estado.
Tais direitos e garantias limitam a atividade do Estado. Entretanto, se o
Estado, no exercício desta nelas adentrar, surge a actio nata com o fim de
defender o direito subjetivo atacado, sendo em função disto criados
remédios constitucionais com o fim de impedir a atividade ilimitada do
Estado e garantir os direitos fundamentais como Hábeas Corpus, Hábeas
Data, Mandado de Segurança individual e coletivo. Ação Popular, Mandado
35
de Injunção.
Certamente, pouco importa um direito fundamental ser reconhecido ou
declarado se não for garantido, pois existirão momentos em que ele poderá ser alvo
de discussão e até de violação.
34
35
TUCCI, 1993 apud MENDONÇA, 2004. p. 17.
MENDONÇA, 2004, p. 15.
39
Existe o entendimento que decorre do princípio da relatividade ou
convivência das liberdades públicas, pelo qual os direitos e garantias fundamentais
encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela
Constituição Federal.
Tem-se então que os direitos e garantias individuais são relativos, e nesse
sentido, temos o posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Embasado no
princípio da convivência entre liberdades, a Corte concluiu que nenhuma
prerrogativa pode ser exercida de modo danoso à ordem pública e aos direitos e
garantias fundamentais, as quais sofrem limitações de ordem ético-jurídica. Essas
limitações visam, de um lado, tutelar a integridade do interesse social e, de outro,
assegurar a convivência harmônica das liberdades, para que não haja colisões ou
atritos entre elas. Evita-se, assim, que um direito ou garantia seja exercido em
detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de
terceiros.
36
Nesse sentido entende também se posiciona Alexandre de Moraes:
Os direitos e garantias fundamentais não podem ser utilizados como um
verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco
como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil
ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito
a um verdadeiro Estado de Direito. 37
A que se observa-se que é inegável a existência de hipóteses em que um
direito ou garantia fundamental seja absoluto, devendo ser exercido de maneira
irrestrita. É o caso da proibição à tortura e do tratamento desumano ou degradante.
Neste caso não existe relatividade alguma.
2.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL
É um direito e garantia de que toda pessoa terá que ser submetida a um
processo lícito, em que serão assegurados direitos como a ampla defesa e o
contraditório. Trata-se de um fundamento em que todos os outros direitos
36
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 23.452. Relator. Ministro Celso de Mello. Diário da Justiça,
12 maio 2000.
37
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.45.
40
fundamentais repousam, é um reservatório de princípios constitucionais expressos e
implícitos que limitam a ação dos Poderes Públicos.
Tem origem no Direito Inglês, precisamente na Magna Carta inglesa de 1215,
imposta pelos barões ao rei João Sem Terra, que obteve o título de lei da terra, em
que, mais tarde, foi utilizado pelos americanos com a expressão due process of law,
que se expandiu por todo o mundo.
É de fundamental importância, pois impede que as liberdades públicas fiquem
ao arbítrio das autoridades executivas, legislativas e judiciais.
No Brasil, embora o art. 5°, LIV da CF, tenha mencionado apenas a liberdade
e propriedade, o devido processo legal abrange a vida, a inviolabilidade à vida, a
privacidade, o direito de locomoção, a legalidade, os bens corpóreos e incorpóreos,
dentre outros, assim o STF tem reconhecido na sua inteireza, reconhecendo-lhe a
sua grandiosidade que lhe é imanente, nos diversos quadrantes da ordem jurídica.
Para se ter uma melhor amplitude do devido processo legal pode-se analisálo sob duas formas. A primeira que é o devido processo legal matéria ou substantive
due processo of law, que é a manifestação em todos os ramos do Direito,
constituindo inspiração para interpretar as liberdades fundamentais, e a segunda, o
devido processo legal formal ou procedural due process of law, que é basicamente o
acesso à justiça, à expressão máxima de que um cidadão possa reivindicar, no
Poder Judiciário, seus direitos.
2.3 PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA
Preceitua o art. 5°, LV da CF; aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios a ela inerentes. Trata-se de uma bilateralidade, uma
possibilidade de reação, garantindo o direito de ação e o direito de defesa,
respeitando-se a igualdade das partes. É de suma importância, pois, de um lado,
leva ao conhecimento a existência do processo, e, de outro, enseja a possibilidade
de defender-se daquilo que lhes for desfavorável, é uma forma que a parte tem de
produzir e exteriorizar sua defesa.
41
A ampla defesa por sua vez fornece aos acusados em geral o amparo
necessário para que levem ao processo os argumentos necessários para esclarecer
a verdade, ou, se for o caso, faculta-lhes calar-se, não produzindo provas contra si
mesmo.
Um princípio está em função do outro, não podemos separá-los, “são
princípios que se mesclam: a ampla defesa, que principia no momento em que o
Estado dá início à sua atividade persecutória contra o indivíduo, e o contraditório,
que é a possibilidade do acusado manifestar-se sempre contra ato atentatório à sua
liberdade”.
38
2.4 DIREITO À INTIMIDADE E PRIVACIDADE
O art. 5°, X, da CF de 1988 consagra a inviolabilidade da intimidade, vida
priva, honra e imagem. A intimidade e privacidade são inerentes ao ser humano, à
pessoa física, são outros nomes do direito de se estar só.
A vida priva envolve todos os relacionamentos do indivíduo, tais como suas
relações comerciais, de trabalho, de estudo, de convívio diário, já a intimidade diz
respeito às relações íntimas e pessoais do indivíduo, seus amigos, familiares,
companheiros que participam de sua vida pessoal.
É importante salientar esses princípios, pois na esfera familiar o constituinte
vedou qualquer inviolabilidade à intimidade ou privacidade para obtenção de provas.
Assim, qualquer intromissão é indevida.
Assim entende o Ministro Celso de Mello, citado por Rachel Pinheiro;
O direito à intimidade – representa importante manifestação do direito da
personalidade – qualifica-se como expressiva prerrogativa da ordem jurídica
que consiste em reconhecer, em favor da pessoa, a existência de um
espaço indevassável destinado a protegê-la contra indevidas interferências
de terceiros na esfera de sua vida privada. Acrescenta, ainda, que o direito
à intimidade não tem um caráter absoluto, não obstante não possa ser
arbitrariamente desconsiderado pelo Poder Público. 39
38
NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal.1 ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 33.
39
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, MS n. 23.669-DF, informativo, n. 185, 21 abr 2000, p. 8-12
apud MENDONÇA, 2004, p. 27.
42
Prossegue, ainda, o Ministro, fazendo menção a outro Mandado de
Segurança apud Rachel Pinheiro;
Não há no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se
revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse
público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades
legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos
estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas,
desde que respeitados os termos estabelecidos na própria Constituição. 40
Assim conclui-se que a intimidade e privacidade devem ser guardadas ao
máximo, pois o “lar do homem é o seu castelo”, como diziam os ingleses, e somente
em hipóteses que existam relativos e fundados motivos, é que esse princípio é
quebrado em face à relatividade dos dispositivos constitucionais.
2.5 DIREITO AO SIGILO
A Constituição de 1988 garantiu a inviolabilidade do direito ao sigilo, vejamos;
Art. 5°, XII: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
para fins de investigação criminal ou instrução processual.
A inviolabilidade do sigilo decorre do direito à vida privada (art. 5°, X, CF),
regido pelo princípio da exclusividade, mediante o qual o Poder Público não pode
adentrar a esfera íntima do individuo, defasando suas particularidades.
O direito do sigilo procura evitar afrontas à reputação, ao bom nome, à
imagem física e social das pessoas, deixando-as a salvo de informações
comprometedoras da sua intimidade.
Todavia, as liberdades públicas não são absolutas.
O Supremo Tribunal Federal assegura a possibilidade da quebra do sigilo da
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados (bancários e fiscais),
40
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS n° 23.669-DF apud MS n. 23.452-RJ. Informativo, n. 185,
21 de abr de 2000, p. 8-12 apud MENDONÇA, 2004, p. 28.
43
telefônicos e telemáticas, sempre que estiverem sendo utilizadas como instrumento
de práticas ilícitas.
Vale observar que mediante ordem judicial, todas as formas de sigilo podem
ser quebradas.
Nas Comissões Parlamentares de Inquérito – CPIs só podem ser rompidos os
segredos bancários, fiscal e telefônico. Embora tenham poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais (art. 58, § 3°, CF), elas não possuem competência
para ordenar, ex própria auctoritate, a quebra dos sigilos epistolar, telegráfico,
profissional e telemático, já que incide, nessa seara, o princípio da reserva da
jurisdição.
44
CAPITULO 3 – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
3.1 A ORIGEM DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
O princípio da proporcionalidade está relacionado aos direitos e garantias
individuais e sempre acompanhou a evolução histórica na defesa dos direitos
humanos. Surgiu com a passagem do Estado de Polícia (poder de coação do
monarca), para o Estado de Direito, em que limitava o poder de polícia quanto aos
fins e aos meios empregados.
A idéia existente na Antiguidade Clássica entre os gregos e romanos era a de
um direito utilitário em que os gregos tinham como ultima ratio, (aqueles que
estivessem agrupados em um grupo para o bem-estar de todos). Já para os
romanos, a utilitas publica servia para fundamentar as intervenções do Estado no
patrimônio particular.
Passados alguns séculos, surgiram, na Inglaterra, as primeiras manifestações
por um tratamento igualitário entre as normas de direito, com o jusnaturalismo
moderno de John Locke, que o poder de polícia limitava-se aos direitos individuais
em nome de um interesse coletivo superior.
A Inglaterra, apesar de ter sido a primeira a tentar produzir materiais escritos
para assegurar os direitos então reconhecidos, não realizou uma Constituição
escrita, fato esse pelo qual acabou por distanciá-la de uma consolidação do princípio
tão eminente.
Na Alemanha o princípio da proporcionalidade adquiriu uma enorme
importância para ponderação dos direitos fundamentais, adquirindo uma precisa
formulação.
Avolio, assim dispõe;
Nesse sentido a primeira decisão da Corte Constitucional alemã em que se
encontra uma clara e precisa formulação do princípio, de 16.03.1971, afirma
que: “O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e exigível, para
que se atingido o fim almejado. O meio é adequado, quando com o seu
auxílio se pode promover o resultado desejado; ele é exigível, quando o
legislador não poderia ter escolhido outro igualmente eficaz, mas que seria
45
um meio não-prejudicial ou portador de uma limitação menos perceptível a
direito fundamental”. 41
O princípio da proporcionalidade foi reconhecido pela Corte Alemã, ainda que
implícito, conforme observa Daniela Lacerda Saraiva Santos;
Assim foi o Tribunal Constitucional Alemão, no momento em que
reconheceu o princípio da reserva legal como sendo o da reserva da lei
proporcional, passou a ser admitida a possibilidade de impugnação e
eliminação não apenas das medidas administrativas dês proporcionadas,
mas também da leis que, ofensivas à relação entre meios e fins,
estabelecem restrições aos direitos fundamentais.
Três elementos passaram a nortear e controlar as restrições legais;
exigibilidade
(Erforderlichkeit),
adequação
(Geeigntheit),
e
proporcionalidade
(Verhaltnismassigkeit). Então, a Corte Alemã criou um critério técnico para aferir a
legitimidade da intervenção do legislador na disciplina das normas que
regulamentam ou estatuem direitos e garantias.
Nesse sentido ensina Gilmar Ferreira Mendes;
No Direito Constitucional alemão, outorga-se ao princípio da
proporcionalidade (VERHALTNISMASSIGKEIT) ou ao princípio da proibição
do excesso (UBERMASSVERBOT) qualidade de norma constitucional nãoescrita, derivada do Estado de Direito. Cuida-se, fundamentalmente, de
aferir a compatibilidade entre meios e fins, de molde a evitar restrições
desnecessárias ou abusivas contra os direitos fundamentais. 42
O princípio da proporcionalidade teve também abrangência na América,
inicialmente, com os norte-americanos, que correspondia ao princípio da
razoabilidade. Nos Estados Unidos, o processo de adequação do princípio da
razoabilidade (proporcionalidade para os alemães) foi natural, as instituições se
desenvolveram sob a égide do sistema federal-republicano que permitiu à sociedade
buscar um controle efetivo de todos os atos estatais, primordialmente, os da
legislatura, em nível de garantia máxima aos direitos essenciais dos cidadãos.
No Brasil, o princípio da proporcionalidade teve ênfase inicialmente no direito
administrativo.
Avolio apud Sylvia Zanella di Pietro, expõe que;
41
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. interceptação telefônica, ambiente e gravações
clandestinas. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 61.
42
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São
Paulo: Saraiva, 1990, p. 43.
46
di Pietro, ao tratar dos limites ao poder de polícia, afirma não poder o seu
exercício, pelo Poder Público, “ir além do necessário para a satisfação do
interesse público que se visa proteger; a sua finalidade não é destruir os
direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício,
condicionado-os ao bem-estar social. Só poderá reduzi-los quando em
conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente
necessária à consecução dos fins estatais”. 43
Celso Antônio Bandeira de Mello apud Avolio, assim expõe;
Ao abordar os princípios constitucionais do direito administrativo, refere que
o princípio da proporcionalidade enuncia a de que “as competências
administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e
intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para
cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas”.
Esclarece, ainda, que o princípio da proporcionalidade não é senão uma
faceta do princípio da razoabilidade, com idêntica matriz constitucional: art.
37 da Lei Magna, conjuntamente com os art. 5.°, II, e 84, IV. Conclui que o
fato de ter que buscar o princípio pela trilha assinalada não o faz menos
amparado, nem menos certo ou verdadeiro, “pois tudo aquilo que se
encontra implicado em um princípio e tão certo e verdadeiro quanto ele”. 44
3.2 TEORIA DA PROPORCIONALIDADE
Os sistemas jurídicos organizam-se de modo a escalonar os valores por eles
protegidos, fazem uma valoração subjetiva entre os princípios, assim, a teoria da
proporcionalidade (verhaltnismassigkeitsprinzip), surgiu na Alemanha com a idéia de
se realizar uma ponderação entre os direitos fundamentais, de tal forma que quando
houvesse conflito entre normas constitucionais, se poderia por meio da
proporcionalidade, obter um resultado mais justo ao caso em concreto.
A proporcionalidade mostrava-se como a forma mais apropriada para
resolução de conflitos com a plena realização da justiça.
Nesse sentido aduz Avolio;
[...] O meio é adequado, quando o seu auxílio se pode promover o resultado
desejado; é exigível, quando o legislador não poderia ter escolhido outro
igualmente eficaz, mas que seria um meio não-prejudicial ou portador de
uma limitação menos perceptível a direito fundamental. 45
43
AVOLIO, 2003, p.62.
AVOLIO, loc. cit.
45
AVOLIO, ibid., p. 61.
44
47
Arnaldo
Siqueira
de
Lima
apud
Canotilho,
explica
o
princípio
da
proporcionalidade;
Canotilho, que afirma que o princípio da proporcionalidade também é
conhecido como o princípio da proibição de excesso, indica que dentro
desse princípio há de se analisar a necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida, quando da adoção de medidas coativas e
inibitórias do direito protegido, ainda que o fundamento seja o da
manutenção da ordem pública. Traz exemplos seguidos de indagação:
“poderá a autoridade administrativa competente proibir uma conferência
literária com o fundamento na necessidade de manutenção da ordem
pública antes de recorrer a outras medidas menos coativas da liberdade de
expressão e criação literária”. 46
Maria Cecília Pontes Carnaúba, define a proporcionalidade da seguinte forma;
Segundo Érico Bergman, a proporcionalidade é ínsita a todos os
ordenamentos jurídicos e visa um equilíbrio entre valores fundamentais
conflitantes, pois a sua inobservância propicia “resultados desproporcionais,
injustos ou repugnantes”. Apesar disso, Ada Pellegrini entende que:
“sempre que a violação se der com relação aos direitos fundamentais e
garantias , não haverá como invocar-se o princípio da proporcionalidade”.
Data venia, arriscamos a pensar o contrário, pois a proporcionalidade é
fundamento lógico de todas as construções ideológicas. Negá-la é fazer
antitética toda a estrutura legislativa. É destiná-la uma contradictio in
terminis. Portanto, pensamos que a proporcionalidade se aplica, sobretudo,
ao direito constitucional, porque os limites formais à atuação do Estado são
dados pela lei, e os materiais são fixados pelo critério de proporção entre a
restrição à liberdade individual e o fim estatal perseguido, que é o interesse
47
no bem-estar coletivo.
A aplicação desse princípio é, portanto, de suma importância no âmbito
constitucional, tendo o condão de justificar a sua qualidade de determinante
heterônoma, impositiva de limites não somente negativos, mas especialmente
positivos, à ação do legislador.
Para que se possa ter um melhor entendimento do princípio da
proporcionalidade, se faz necessário a abstração dos seus três sub-princípios,
sendo o primeiro o da adequação, em que é verificado se a eficácia da norma possui
meios aptos a alcançar o fim desejado, uma vez que o legislador é passível de erro
no desenvolvimento de seu prognóstico, assim, a adequação deve ser aferida no
46
LIMA, Arnaldo Siqueira de. O direito à imagem: proteção jurídica e limites de violação. Brasília:
Universa, 2003. p. 46.
47
CARNAÚBA, Maria Cecília Pontes. Prova ilícita.1. ed. São Paulo: Saraiva 2000. p. 99.
48
momento em que o legislador tomou a sua decisão, a fim de que se verificar e evitar
naquela situação se os meio são os mais adequados.
No que diz o sub-princípio da adequação, não é apreciado os meios tidos
como aptos a alcançar o fim desejado, excluindo qualquer consideração no tocante
ao grau de eficácia. A adequação dos meios aos fins impõe uma exigência de que
qualquer medida restritiva tem que ser idônea à consecução da finalidade
perseguidada, evitando que o legislador crie situações insanas, desarrazoadas, que
não possam de forma alguma serem aplicadas no convívio harmônico entre as
sociedades. O juiz poderá intervir fazendo uma dedução impedindo que uma
restrição imposta pelo legislador a liberdade do cidadão seja aplicada de forma
incoerente.
Nesse prisma, entende Barros;
O exame da idoneidade da medida restritiva deve ser feito sob o enfoque
negativo: apenas quando inequivocamente se apresentar como inidônea
para alcançar seu objetivo é que a lei deve ser anulada. Sob esse prima, é
lícito que o legislador se equivoque acerca do desenvolvimento de seu
prognóstico. E é exatamente à conta da possibilidade de erro de prognose
legislativa que se sustenta deva, a adequação, ser a fim de que se possa
estimar se, naquela ocasião, os meios adotados eram apropriados aos
48
objetivos pretendidos.
O segundo sub-princípio é o da necessidade ou exigibilidade, em que a
medida restritiva é indispensável e que não pode ser substituída por outra
igualmente eficaz, mas menos gravosa, dessa forma, obter-se-á o meio mais idôneo
e a menor restrição possível. A exigibilidade é uma característica de uma relação,
onde visualiza se o meio utilizado é para consecução do fim proposto é o
aconselhável. Um exame preliminar, para se certificar de que o legislador está
autorizado a impor restrições a determinado ou determinados direitos fundamentais,
revela-se indispensável. Na verificação de que uma medida é inexigível ou
desnecessária, e que está confronta o princípio da proporcionalidade, é importante
que de demonstre outra medida menos restritiva. A necessidade é aferição se a
medida adotada pelo legislador é a que produz menos prejuízos, seja para a parte
ou terceiros. O juiz há de indicar qual o meio mais idôneo e porque objetivamente
48
BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da proporcionalidade e o controle das leis restritivas de
direitos fundamentais. 2 ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p.75.
49
produziria menos conseqüências gravosas, entre os vários meios adequados ao fim
pretendido.
O terceiro é o da proporcionalidade em sentido estrito, utilizado para
complementar os sub-princípios da adequação e necessidade, uma vez que não são
suficientes para determinar a justiça da medida restritiva adotada em uma
determinada situação, precisamente, porque dela pode resultar uma sobrecarga ao
atingido que não se compadece com a idéia de justa medida, sendo de suma
importância para indicar se o meio utilizado encontra-se em razoável proporção com
o fim perseguido. A idéia de equilíbrio entre valores e bens é extremada.
Suzana de Toledo Barros, conclui que;
A proporcionalidade strictu sensu encontra seu verdadeiro sentido quando
conectada aos outros princípios da adequação e necessidade e, por isso
mesmo, representa sempre a terceira dimensão do princípio da
proporcionalidade. Quando estão em causa situações nas quais não se
pode concluir qual seria a meio menos restritivo, porque a constelação do
caso é bastante ampla e com várias repercussões na ordem constitucional,
somente a ponderação entre os valores em jogo pode resultar na escolha
da medida. 49
3.3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA ORDEM CONSTITUCIONAL
BRASILEIRA
O princípio da proporcionalidade não está contido na Constituição Federal de
1988, no entanto, a de se entender que não é preciso que um princípio esteja
expresso na Constituição para que tenha a sua aplicabilidade.
Nesse sentido, entende Carnaúba ao citar Larenz: “A existência do princípio
da proporcionalidade não depende de estar contido em uma formulação textual na
Constituição.
Desde
que
seja
possível
dessumí-lo
de
outros
princípios
constitucionais, estará caracterizado, e sua aplicação dependerá apenas dos
tribunais”.
50
Carnaúba ainda entende que o princípio da proporcionalidade foi referendado
na Constituição de 1988, onde aduz;
49
50
BARROS, 2000, p.81.
CARNAÚBA, 2000, p. 99.
50
No caso específico da Carta Magna brasileira de 1988, ora em vigor,
contamos com o disposto no § 2.° do art. 5.°, firmando o princípio da
proporcionalidade, pois “os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por
ela adotados”. Esse dispositivo visa, justamente, evitar que haja injustiças
decorrentes da aplicação intransigente de qualquer norma prevista no artigo
em que se insere. Assegura que as normas nele insertas são a regra geral e
têm aplicabilidade obrigatória, tal como estão postas, desde que não
excluam outros direitos igualmente tutelados pela Constituição. 51
Também é importante salientar que os princípios constitucionais não são
interpretados de forma absoluta no ordenamento jurídico brasileiro, admitindo a
aplicação de outros perante um caso concreto.
Nesse sentido segue o posicionamento de Canotilho;
A constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições
(antinomias, antagonismos) entre suas normas. Como “ponto de
orientação”, “guias de discussão” e “fator hermenêutico de decisão”, o
princípio da unidade obriga o interprete a considerar a constituição em sua
globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre
as normas constitucionais a concretizar. 52
A estrutura normativa da Constituição permite a aplicação do princípio da
proporcionalidade, uma vez que a observância desse princípio não depende que ele
esteja expresso na Constituição, pertencendo à natureza e essência de um Estado
de Direito.
3.4 A PROPORCIONALIDADE E A IGUALDADE
O legislador possui uma grande liberdade para interpretar os fatos
acontecidos na sociedade, visualizando os problemas sociais, as necessidades de
regulamentação da mesma para que possa viver em harmonia conforme o momento
em que a humanidade se transforma perante a globalização, interferindo direta ou
indiretamente na vida de todos.
O poder que é concedido ao legislador de valorar as situações da vida,
mediante análise dos problemas encontrados no dia a dia, podendo estabelecer
51
CARNAÚBA, 2000, p. 100.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimba:
Almedina, 1999, p. 1.148.
52
51
vantagens e ônus ao individuo deve ser visto com cautela, uma vez que as leis
criadas pelo legislativo podem não alcançar toda sociedade, restringindo e
inviabilizando a vida de muitas pessoas, e conseqüentemente não observando o
direito constitucional de igualdade tratando de forma desigual o individuo.
San Tiago Dantas apud Barros assim ensina;
Quanto mais progridem e se organizam as coletividades, maior é o grau de
diferenciação a que seu sistema legislativo. A lei raramente colhe no mesmo
comando todos os indivíduos, quase sempre atende a diferenças de sexo,
de profissão, de atividade, de situação econômica, de posição jurídica, de
direito anterior; raramente regula do mesmo modo a situação de todos os
bens, quase sempre os distingue conforme a natureza, a utilidade, a
raridade, a intensidade da valia que ofereceu a todos; raramente qualifica
de um modo único as múltiplas ocorrências de um mesmo fato, quase
sempre os distingue conforme as circunstâncias em que se produzem, ou
conforme a repercussão que têm no interesse geral.
Todas essas situações, inspiradas no agrupamento natural e racional dos
indivíduos e dos fatos, são essenciais ao processo legislativo, e não ferem o
princípio da igualdade. Servem, porém, para indicar a necessidade de uma
construção teórico, que permita distinguir as leis arbitrárias das leis
conforme o direito, e eleve até esta alta triagem a tarefa do órgão máximo
53
do Poder Judiciário.
O Texto Constitucional não dispõe sobre todas as situações de que se faz
necessária a intervenção do legislador, a Constituição assim como os homens que a
editaram são passiveis de vícios, tendo que ser atualizada passando por um
processo de evolução frente às novas necessidade e exigências da sociedade.
O legislador, ao criar uma lei de condutas humanas, destina-se a uma
finalidade e essa finalidade tem que ser de caráter público, pois as de caráter
pessoal, na maioria das vezes, são eivadas de vícios e violam o princípio da
igualdade. A criação da lei é vinculada a uma finalidade e o desvio dessa finalidade
faz com que surja a necessidade de se aplicar o princípio da proporcionalidade, de
forma a extinguir uma desigualdade existente.
As valorações do legislado são, portanto, passíveis de reavaliação, o que não
enseja que o judiciário possa substituí-la por outra lei, mas exercer um controle
sobre o processo.
53
BARROS, 2000, p.183.
52
3.4.1 A relação entre igualdade e proporcionalidade
Existe uma linha tênue entre o Princípio da Igualdade e Proporcionalidade,
sendo imprescindível à diferenciação entre ambos. Enquanto o primeiro procura
atuar separando e individualizando, o segundo procura atuar harmonizando,
ponderando e conciliando.
O princípio da proporcionalidade na sua essência constitui um parâmetro por
excelência, não se fundando em distinções de tratamento, que corriqueiramente são
necessários em face de algum resultado perseguido. Evita-se com esse fundamento
que se faça o uso excessivo do princípio da proporcionalidade quando for
constatada uma restrição. A restrição pode ocasionar a perda de direitos, no entanto
quando procura apenas delimitar a uma sobrecarga, para que se possa obter um
fim, não lesionando o direito de igualdade, é válida.
A linha entre ambos os princípios é estreita, logo se chegou a cogitar a sua
unificação, que de fato ocorre quando se procura identificar diferenças de
tratamentos a pessoas que antes eram tratadas como iguais.
3.4.2 Igualdade formal e igualdade material
O legislador não pode diferenciar formalmente as pessoas, sejam elas
brancas ou negras, ricas ou pobres, contudo a lei não exige que todos tenham o
mesmo tratamento. Para fazer essa diferenciação de tratamento utiliza-se a fórmula
clássica: os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais, desigualmente.
Fórmula esta que possibilita ao legislador editar uma lei que se aplique somente a
indivíduos que possuam determinadas características.
Nesse sentido, explica Barros;
Necessário, portanto, interpretar a fórmula “os iguais devem ser tratados
igualmente e os desiguais desigualmente” não-formalmente, mas
substancialmente. E aí há de ser considerado que a desigualdade é sempre
valorativa e relativa, isto é, refere-se a um juízo de valor sobre certas
características. A igualdade material conduz, pois, necessariamente, à
questão da valoração correta, razoável ou justa. O núcleo do problema da
igualdade passa a ser o de fundamentar racionalmente os juízos de valor
53
tomados em consideração na formulação de uma norma sob o aspecto da
igualdade.
(...) O legislador tem uma margem de ação maior do que a do juiz e a
questão a solver frente a um controle de constitucionalidade em que esteja
em causa o princípio da igualdade é a de saber-se se o tratamento desigual
ou igual é ou não arbitrário. 54
O princípio da proporcionalidade é aplicado quando no tratamento desigual ou
igual, uma arbitrariedade.
3.4.3 A proporcionalidade no controle da lei em face do princípio da igualdade
A problemática da diferenciação de tratamento está inserida no âmbito da
fundamentação para instituição de uma lei. O legislador tem que se atentar às
aflições que sofrem as sociedades, tendo como finalidade solucionar as mesmas. Se
o legislador pudesse editar leis por sua simples vontade, sem parâmetros para
distinção de privilégios ou ônus, este infligiria o princípio da igualdade. É nesse
âmbito que se faz necessário a utilização da proporcionalidade pelo órgão julgador
no controle da lei em face ao princípio da igualdade, adequando a lei às
necessidades de cada individuo.
O legislador ao criar uma lei pode não se atentar aos princípios
constitucionais, gerando uma regra de desigualdade, momento então, que a
igualdade tem que ser colocada em primeiro plano, impedindo a promoção
equivocada de leis que são na verdade mal inspiradas, arbitrárias.
A proporcionalidade em sentido estrito tem a função de reger uma relação
meio-fim, ponderando entre os valores constitucionais protegidos, consagrando a
concordância entre os valores envolvidos, portanto as normas legais não devem ser
examinadas isoladamente.
Nessa linha enfatiza Barros;
Não é suficiente, e nisso se insiste, o exame isolado da norma legal, no que
pertine à correlação lógica entre o particularismo da situação eleita como
relevante para justificar o tratamento legal diverso e os efeitos dele
decorrentes. Como enfatizado, a proporcionalidade extrapola os estreitos
limites da racionalidade, como atributo de pertinência lógica, para se tornar
54
BARROS, 2000, p. 204.
54
uma exigência de equilíbrio de valores considerados. Por isso, qualquer
juízo de razoabilidade acerca de discrímem tomado pelo legislador deve ser
iluminado pelos padrões valorativos da ordem constitucional. 55
3.5 CRÍTICA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
O princípio da proporcionalidade possui uma ampla gama de doutrinadores
que defendem a sua aplicação no direito brasileiro, a fim de propiciar uma aplicação
justa aos casos concretos em que divergem princípios fundamentais, enfatizando
assim a imprescindibilidade para a criação e aplicação das leis. Contudo, existem
outras posições doutrinárias que não admitem a aplicação do princípio, pois este
geraria uma enorme insegurança jurídica frente à subjetividade conferida ao juiz na
aplicação das leis e formação de sua convicção. Outros criticam, pois não se saberia
quais interesses e valores poderiam ser postos em confronto, quando o juiz estaria
intervindo no papel de legislador infringindo o princípio da separação dos poderes.
3.5.1 A Crítica de Ernst Forsthoff
A crítica ao princípio da proporcionalidade está inserida no âmbito da
discricionalidade e subjetividade que possibilitaria ao Poder Judiciário tomar frente
aos processos em que haja direitos fundamentais conflitantes, ficando o judiciário,
muitas vezes, na função de legislador.
Eenst Forsthoff apud Suzana de Toledo Barros, ensina que;
A discricionaridade, como libertação na escolha de comportamentos para a
obtenção de um fim legal, não pode ser transplantada para o direito
constitucional, pela óbvia razão de que ao legislador incumbe a própria
escolha do Tatsbestand. O legislador, portanto, possui um espaço de
liberdade que não se resume à simples eleição de um resultado jurídico
ante as possibilidades ofertadas pela Constituição. Seu poder é bem maior
e envolve a própria conformação dos direitos, abrangendo, por isso, a
própria determinação de fins. A proporcionalidade, então, deixaria de ser
55
BARROS, 2000, p.199.
55
baliza à atividade legislativa, porque não mais estaria em jogo a ponderação
de meios em vista de um fim. 56
Contudo, o legislador não está eximido do controle judicial, tendo uma
vinculação jurídico-material com as normas constitucionais, fato esse que contrapõe
o pensamento de Forsthoff.
Nessa linha de pensamento está Canotilho apud Barros;
Sustenta-se que essa vinculação do legislador tanto se dá em relação às
determinantes heterônomas, isto é, em relação aos princípios e fins
específicos dados pela Constituição na regulação de determinada matéria,
como em face das chamadas determinantes autônomas. Do que se trata,
nesta última hipótese, é de uma limitação dada ab intra pela lei a si própria.
Embora, em inúmeras situações, seja o legislador livre em vista de limites
externos, não estando vinculado a fins constitucionais estipulados para
determinada regulação, não deixa de vincular-se a limites internos de
razoabilidade, isto é, de justa ponderação na relação meio-fim. 57
A problemática de Forsthoff está ligada somente à execução e conseqüências
do princípio da proporcionalidade, no entanto deveria estar ligada a admissão deste
que já possui ampla vinculação à constituição.
3.5.2 A ameaça ao princípio da separação de poderes
É a interferência do Poder Judiciário no Poder Legislativo, em que pese, o
primeiro está executando função única e exclusiva do Poder Legislativo, infringindo o
princípio da separação de poderes. Ocorre que a justiça constitucional das
liberdades, firmada por Mauro Cappelletti, a partir da Segunda Guerra Mundial,
trouxe a importância de uma nova reinterpretação dos direitos fundamentais, com o
fim de banir os atos autoritários e abusivos da então ditadura, garantindo uma maior
liberdade ao direito judiciário e, por conseguinte uma maior liberdade dos juízes.
A justiça constitucional desempenha o papel de garantir a efetividade dos
direitos fundamentais. Quando o legislador, no exercício de suas funções, cria ou
restringe um direito individual violando o princípio da igualdade, o Tribunal ou juiz
possuem a possibilidade de completar a lei para incluir o beneficiário, superando a
56
57
BARROS, 2000, p.204.
Ibid., p.207.
56
incompatibilidade da chamada “exclusão de benefício incompatível com o princípio
da igualdade”.
Tem-se então que o Poder Judiciário pode adimplir com as omissões do
Poder Legislativo, evitando que o direito à igualdade seja cerceado pela fala de
percepção do Legislativo.
Suzana de Toledo Barros coaduna com esse entendimento da seguinte
forma;
Ainda que se tenha em conta a idéia de impossibilidade de o juiz vir a
corrigir ou substituir uma lei defeituosa, em homenagem ao princípio da
separação do poderes, parece, contudo, que a noção atual do Estado de
Direito traz ínsita a exigência de mecanismos de controle do ato legislativo,
tendo em vista o princípio da constitucionalidade. Não está em causa,
então, a invasão de esfera do Poder Legislativo pelo Judiciário, mas a
simples constatação de que o dogma da liberdade absoluta do legislador na
fixação dos fins legais já está superado. 58
Nesse mesmo sentido entende Canotilho apud Barros;
[...] Por um lado, a liberdade de conformação política do legislador e o
âmbito de previsão não são incompatíveis com uma vinculação jurídicoconstitucional, a apurar através de princípios constitucionais constitutivos
(ex. princípio democrático) e de direitos fundamentais; por outro lado, se as
previsões ou programas são atos políticos, também isso não significa que
esses atos não possam ser medidos pela Constituição. O problema não
reside aqui em, através do controle constitucional se fazer política, mas em
apreciar a constitucionalidade política. 59
Criticam se o juiz teria a capacidade e condições para desenvolver
investigações que determinariam a melhor norma a ser aplicada e se esta
necessitaria de complemento, visto que o Poder Judiciário não dispõe de pessoas e
nem de capital para estrutura e coleta de dados importantes na criação de medidas
legais. A realidade é que o Judiciário não dispõe de todo o pessoal e capital para
criação de medidas que qualifiquem no seu total as prognoses legislativas, no
entanto, em casos especificamente jurídicos, o Judiciário detém de total capacidade
para e perfeita idoneidade para exará-los. O Judiciário na aplicação do princípio da
proporcionalidade tende a constituir uma ampla democracia e não infringir o princípio
da separação do poderes.
58
59
BARROS, 2000, p.207.
BARROS, loc. cit.
57
3.5.3 A proporcionalidade e a segurança jurídica
A crítica ao princípio da proporcionalidade frente à segurança jurídica está no
relato de experiências frustradas de que no passado as garantias processuais eram
postas ao relativismo de tamanha grandeza, que se tornavam intoleráveis, fracas, a
ponto do Estado não saber qual norma se deveria aplicar para obter um melhor
resultado, e se esse resultado não estaria eivado de outros interesses.
Outra questão é a discricionalidade que o juiz passa a ter quando se aplica o
princípio da proporcionalidade, não tendo as partes uma certeza quanto a aplicação
das regras de direito.
Outro questionamento seria quanto à possibilidade de flexibilização do
sistema de autorização para restrições e a conseqüente nivelação dos valores
constitucionais devido à aplicação do princípio da proporcionalidade.
Suzana de Toleto Barros é contrária a esses questionamentos e faz a
seguinte defesa;
[...] O princípio da proporcionalidade tem de ser entendido no quadro dos
direitos fundamentais. Ele há de ser considerado ao lado de outros
princípios também extraídos da natureza desses direitos, como o da
proteção do núcleo essencial e o da concordância prática. O parâmetro da
proporcionalidade é especialmente útil para flagrar uma indevida
intervenção do Estado em posições jurídicas protegidas e não pode ser
manejado em sentido oposto, isto é, para justificar iniqüidades.
Mesmo se admitindo à possibilidade de, inobservadas as cautelas devidas
na aplicação do princípio, vir a ser criada alguma injustiça, mais injusta é a
aplicação automática e indiscriminada da lei. Assim, é de ser privilegiada
uma solução concreta quando a lei é posta em confronto quanto à sua
idoneidade para solver um problema, de maneira que deve ser
compreendido que um “eventual escorregão entre o direito e a política
60
constitui risco inafastável da profissão do constitucionalista.
Conclui-se que o princípio da proporcionalidade é de suma importância para
aplicação da norma justa ao caso concreto, evitando que crimes sejam mantidos
impunes pela simples aplicação automática da lei, uma vez que os criminosos tem
se equipado com os melhores equipamentos e armamentos existentes no mercado
para evitar que sejam encontrados quaisquer vestígios que possam de alguma
forma ser utilizados para a formação de um processo, ficando quase sempre imunes
a qualquer ação feita pelo poder judiciário.
60
BARROS, 2000, p. 210.
58
CAPÍTULO 4 – DA ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA
4.1 CONCEITO DE PROVA ILÍCITA
A prova ilícita é conceituada amplamente pelos doutrinadores como uma
prova maculada, eivada de vícios, que impossibilita sua admissão. Arnaldo Siqueira
de Lima considera como prova ilícita “as obtidas com violação da intimidade, da vida
privada, da honra, da imagem, do domicílio, e das comunicações, salvo nos casos
permitidos no inciso XII, do mesmo artigo, das comunicações telefônicas”. 61
O conceito de ilícito advém do latim (illicitus = il + licitus), possuindo dois
sentidos: O primeiro sob significado restrito, ou seja, o que é proibido por lei. O
segundo sob o prisma amplo tem o sentido de ser contrário à moral, aos bons
costumes e aos princípios gerais dos direitos.
Parte da doutrina tem diferenciado as provas ilícitas das prova ilegítimas.
Avolio afirma;
É possível distinguir, perfeitamente, as provas ilícitas e das provas
ilegítimas. A prova ilegítima é aquela cuja colheita estaria ferindo normas de
direito processual. Assim, veremos que alguns dispositivos da lei processual
penal contêm regras de exclusão de determinadas provas, como, por
exemplo, a proibição de depor em relação a fatos que envolvam o sigilo
profissional (art. 207 do CPP brasileiro); ou a recusa de depor por parte de
parentes e afins (art. 206). A sanção para o descumprimento dessas
normas encontra-se na própria lei processual. Então, tudo se resolve dentro
do processo, segundo os esquemas processuais que determinam as formas
e as modalidades de produção da prova, com a sanção correspondente e
cada transgressão, que pode ser uma sanção de nulidade.
Diversamente, por prova ilícita, ou ilicitamente obtida, é de se entender a
prova colhida com infração a normas ou princípios de direito material –
sobretudo de direito constitucional, porque, como vimos, a problemática da
prova ilícita se prende sempre à questão das liberdades públicas, onde
estão assegurados os direitos e garantias atinentes à intimidade, à
62
liberdade, à dignidade humana.
Nesse mesmo sentido ensina Grinover apud Rachel Pinheiro;
A prova é ilegal toda vez que sua obtenção caracterize violação de normas
legais ou princípios gerais do ordenamento, de natureza processual ou
61
62
TAGUARY, Eneida Orbage de Brito; LIMA, Arnaldo Siqueira. 2005. p. 161.
AVOLIO, 2003, p. 44.
59
material. Quando a proibição for colocada em lei processual, a prova será
ilegítima (ou ilegitimamente produzida); quando, pelo contrário, a proibição
for de natureza material, a prova será ilicitamente obtida. 63
Assim, a prova ilícita não pode ser utilizada para o convencimento do
julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração
da verdade, em prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito
devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana.
Seja qual for à classificação adotada pela doutrina, a prova que contrarie o
ordenamento jurídico são inadmissíveis como prevê o artigo 5°, inciso LVI da
Constituição Federal de 1988, e o artigo 157 da lei 11.690 de 2008 que alterou o
Código de Processo Penal da seguinte forma;
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as
provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais.
§ 1° São também inadmissíveis as provas derivas das ilícitas, salvo quando
não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as
derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2° Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os
trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal,
seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova,
§ 3° Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada
inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes
acompanhar o incidente.
Tem-se então por regra geral a inadmissibilidade das provas obtidas por
meios ilícitos, priorizando-se, desse modo, as liberdades públicas, o respeito à
dignidade humana e a seriedade da atividade persecutória do Estado.
Contudo, apesar de inferir que o Texto Constitucional jamais admitiria
qualquer prova cuja obtenção tenha sido ilícita, a que se atentar conforme já
relatado que os princípios constitucionais não são absolutos, pois têm que conviver
com outros princípios também constitucionais, sendo necessário se fazer o confronto
ou peso entre os bens jurídicos constitucionalmente garantidos para que se possa
verificar a possibilidade ou não da admissibilidade de uma prova ilícita.
63
MENDONÇA, 2004, p. 32.
60
4.2 CONVALIDAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS EM NOME DA LEGÍTIMA DEFESA
(PROVA ILÍCITA PRO REO)
A legítima defesa trata-se de uma excludente de antijuricidade em que admite
até o sacrifício do maior direito do homem, a vida. É o ato pelo qual o indivíduo se
autodefende de um acontecimento de um crime, desconstituindo a ilicitude da
colheita de provas, mesmo que o seu ato seja de notório cometimento delituoso.
Nos casos de seqüestros, extorsões, estelionatos, chantagens, crimes
verdadeiramente consumados, a convalidação das provas ilícitas é admitida, para
assegurar a legítima defesa da vítima. Por exemplo, a esposa que filma os
espancamentos diários por ela sofridos, os quais lhe causam lesões corporais, ou a
apresentação de uma correspondência em que alguém revela o local do cativeiro do
seqüestrado em nada maculam o ordenamento jurídico. A ilicitude da prova, e o
modo como ela foi obtida, são dados menores, nessas situações de fácil percepção
da criminalidade em que a vida humana é o bem maior a ser preservado.
O Supremo Tribunal Federal tem entendido nesse sentido, conforme o HC
75.338/RJ, sendo o relator o Ministro Nelson Jobim;
É lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou
com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa
deste último. É inconsciente e fere o senso comum falar-se em violação do
direito à privacidade quando o interlocutor grava diálogo com
seqüestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista.
A que se observar que não são todas as gravações que são permitidas nos
processos civil, criminal ou administrativo, tem-se que provar a consumação do
crime, e nesse sentido o STF tem admitido a convalidação da prova ilícita nos casos
de seqüestro, estelionato, chantagem, casos que não tratam de uma simples
conjectura, e sim de uma certeza do crime existente.
Desta forma Maria Cecília Pontes Carnaúba ensina que também seria
possível à admissibilidade em casos de estado de necessidade nos temos
seguintes;
Parece, então, que a proibição de admissibilidade da prova ilícita no
processo sofre execução nos casos em que esta configura legítima defesa.
Entendimento contrário ensejaria uma enorme inversão de valores no que
61
se refere aos bens e direitos tutelados pelo Estado. Por idênticas razoes,
também, não há ilicitude de provas colhidas em estado de necessidade.
Inclusive, há entendimento jurisprudencial no sentido de que não existe
violação de domicílio em ambos os casos (JTACrimSP, 78:292.). 64
As gravações clandestinas são provas ilícitas, e, se divulgadas, constituem
crime exceto se forem utilizadas para provar a inocência de alguém.
4.3 PROVA ILÍCITA PRO SOCIETATE
A prova ilícita pro societate trata-se de uma possibilidade em que o membro
do Ministério Público teria de utilizar a prova ilícita para punir infratores.
Apesar de consolidado o posicionamento pela inadmissibilidade dessas
provas, muitos doutrinadores defendem a sua utilização, alegando que estariam
inseridas no âmbito dos Direitos e Garantias fundamentais.
Rachel Pinheiro coaduna com esse entendimento;
[...] não há duvidas em afirmar que, em certos casos, estaria autorizado o
membro do Ministério Público, titular do ius puniendi, a postular pela
condenação com base em provas obtidas ilicitamente, podendo o órgão do
Poder Judiciário admiti-las, desde que obedecidos os critérios justificadores
da aplicação do princípio da proporcionalidade.
[...] Nesse sentido, entende-se que quando se visa a proteger a sociedade
como um todo, não se tem em mente, a proteção de um ente abstrato, mas
ao contrário, a cada um dos membros da coletividade individualmente.
Portanto, quando se admite como forma de convencimento uma prova
inicialmente contaminada pelo vício da ilicitude, se busca proteger a todos e
a cada um dos jurisdicionados em particular que poderão vir a sofrer as
conseqüências da atividade humana.
[...] Saliente-se ainda que, quando se permite a admissão das provas ilícitas
pro societate, visa-se resguardar o valor jurídico da Segurança, em seu
aspecto material, sendo, em certo casos, igualmente importante, tal como o
bem jurídico da Liberdade. Toda essa contraposição de valores resolve-se
65
na aplicação reiterada do princípio da proporcionalidade.
Conclui-se que apesar da inadmissibilidade da prova ilícita, é necessário uma
apreciação delicada dos fundamentos que fomentam a utilização da prova, uma vez
que com a proteção automática dos direitos individuais, sem se atentar ao princípio
da proporcionalidade, as grandes quadrilhas se tornam impuníveis, pois em muitas
64
65
CARNAÚBA, 2000, p. 78.
MENDONÇA, 2004, p. 92.
62
vezes é imprescindível a aceitação de uma prova ilícita para promover o
convencimento do juiz da realização de um crime, privilegiando assim, o adoção da
prova ilícita em favor da sociedade quando não se puder por meio de outra forma
punir criminosos.
4.4 TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA
A teoria dos frutos da árvore envenenada surgiu em 1920, caso “Silverthome
Lunder Co. versus United States”, que a Suprema Corte dos Estados Unidos
inadmitiu, pela primeira vez, o uso, no processo, de prova ilícita por derivação. A
referencia expressa à terminologia fruits of the poisonous tree deu-se, apenas em
1939, em “Nardone versus United States”, em que existiam provas obtidas mediante
gravação de conversa telefônica do acusado realizada sem ordem judicial.
As provas ilícitas por derivação são aquelas que embora obtidas de forma
lícita, são extraídas de uma prova conseguida ilicitamente. Um exemplo de prova
ilícita por derivação ocorre quando a polícia por meio de uma escuta ilegal consegue
identificar o local de armazenamento de uma carga roubada e obtém mandado,
neste caso a busca e apreensão da carga roubada esta eivada de vícios, uma vez
que segundo a teoria dos frutos envenenados o vício da planta se transmite a todos
os seus frutos.
A prova ilícita por derivação somente obteve um posicionamento do Supremo
Tribunal Federal na posição de sua inadmissibilidade após calorosos debates. No
primeiro momento, o STF, por maioria de votos (6x5), chegou a admitir a validade de
provas derivadas das provas ilícitas, sob a tese de que o art. 5°, LVI, da CF, não
afirma serem nulos os processos contendo provas obtidas ilicitamente.
A primeira decisão foi proferida no HC 69.912-0/RS, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, em síntese da seguinte forma;
O Ministro relator, acolhendo a doutrina dos frutos da árvore envenenada,
vedou a possibilidade de se trazer ao processo gravações de conversas
telefônicas, no que foi seguido pelos Ministros Celso de Mello, Francisco
Rezek, Ilmar Galvão e Marco Aurélio. Mas a tese da inadmissibilidade das
provas ilícitas por derivação não foi aceita pelos Ministros Sydney Sanches,
63
Moreira Alves, Octavio Glallotti, Néri da Silveira, Paulo Brossard e Carlos
Velloso. 66
Mas esse pensamento veio a ser posteriormente mudado. O Supremo passou
a entender que a prova originária contamina as demais provas dela oriundas.
Novo posicionamento do STF, HC 72.588/PB;
As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente
delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem
ensejar a investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e
o julgamento (CF, art. 5°, LVI), ainda que tenha restado sobejamente
comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima de contumélias do
paciente. 67
A vedação das provas derivadas de provas ilícitas é ponto consolidado tanto
na jurisprudência do STF, quanto no Código de Processo Penal, pela recente lei
11.690 de 2008 que alterou o seu artigo 157, § 1°, declarando inadmissíveis as
provas derivadas das ilícitas.
A segunda parte do artigo 157, § 1°, do CPP com redação dada pela lei
11.690, traz a exceção da admissibilidade da prova ilícita quando não evidenciado o
nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser
obtidas por uma fonte independente das primárias.
Nessa sentido Grinover já havia explicado que;
[...] é preciso atentar para as limitações impostas à teoria da
inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou dos frutos da árvore
envenenada, pelo próprio Supremo norte-americano e pela doutrina
internacional: excepcionam-se da vedação probatória as provas derivas das
ilícitas, quando a conexão entre umas e outra é tênue, de modo a não se
colocarem a primária e as secundárias como causa e efeito; ou, ainda,
quando as provas derivadas da ilícita poderiam de qualquer modo ser
descobertas por outra maneira. Fala-se, no primeiro caso, em independent
source e, no segundo, na inevitable discovery. Isso significa que a prova
ilícita não foi absolutamente determinante para o descobrimento das
derivadas, ou se estas derivam de fonte própria, não ficam contaminadas e
68
podem ser produzidas em juízo.
Portanto, os meios probatórios lícitos, que não tenham qualquer vínculo com
as provas ilícitas, são perfeitamente admissíveis de uso em juízo, motivo pelo qual
66
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Hábeas Corpus n. 69.912-0-RS. Relator: Ministro Sepúlvera
Pertence. Informativo, n. 36, 21 jul 1996.
67
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Hábeas Corpus n. 72588-PB. Relator: Ministro Maurício
Corrêa, informativo, n. 35, 12 jul 1996.
68
GRINOVER, 2001, p. 137.
64
descabe concluir pela nulidade do processo quando o decreto condenatório repousa
em outras provas que surgem independentes, ou seja, não vinculadas às provas
ilícitas.
4.5 PELA ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA
Várias são as justificativas para admissibilidade das provas ilícitas, dentre as
quais temos da verdade real e o livre convencimento do juiz.
Maria Cecília Pontes Carnaúba mostra bem a necessidade da aceitação das
provas ilícitas;
Feita a análise sistêmica do conteúdo das provas colhidas, assim como a
avaliação formal do modo de obtenção destas, deve-se concluir que a
inadmissibilidade de provas ilícitas não pode prevalecer quando os delitos
praticados causam lesão ao erário, assim como o tráfico ilícito de
entorpecentes e substâncias psicotrópicas, se, da inutilização da prova
colhida ilicitamente, resultar a impossibilidade de punição dos culpados.
Esse entendimento decorre da hierarquia lógica de valores
constitucionalmente tutelados, tomado por base o princípio da
proporcionalidade, utilizado pela doutrina alemã, que é aplicável à
Constituição Brasileira tanto em função da citada hierarquia lógica dos
valores constitucionais tutelados quanto pelo disposto no §2º da art. 5º, e,
finalmente, porque, num Estado de Direito como é o Brasil, nenhum direito
69
pode ser considerado absoluto.
Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha constrói uma linha de raciocínio que
aparenta ser a mais coerente para se justificar a admissibilidades das provas ilícitas
em casos que envolvam quadrilhas de seqüestradores, chantagem, dentre outros,
tendo como única fonte a prova ilícita, explicando da seguinte forma;
a) Inexiste constitucionalmente uma colisão entre direitos fundamentais, de
sorte a ser possível falar-se que o exercício de um direito fundamental por
parte de seu titular venha a entrar em colisão com o direito fundamental de
outro titular. Logo, os direitos fundamentais não podem sofre restrições por
outro de natureza também constitucional.
b) Como conseqüência, direitos fundamentais como os de liberdade, de
proteção à vida, de segurança e outros não podem ser restringidos por
outros que estabelecem proteção à intimidade, à correspondência, à
comunicação telefônica, à imagem etc.
c) Se, eventualmente, houver um conflito entre as garantias individuais
constitucionais, será apenas um conflito aparente, pois o sistema jurídico
69
CARNAÚBA, 2000, p. 103.
65
daquela sociedade fará a harmonização, determinando a prevalência do de
maior relevância em comparação com o de relevância menor. 70
Esta linha de raciocínio mostra a forma mais adequada de se fazer a
admissibilidade da prova ilícita, aplicando-se ao caso concreto, pode-se avaliar qual
é a melhor medida a ser tomada, evitando que muitas quadrilhas, melhores
municiadas e preparadas que os policiais, fiquem sem punição realizando os
interesses da sociedade sem infringir os direitos individuais.
70
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 6. ed. rev, atual. e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2004. p. 66.
66
CONCLUSÃO
Ao final deste trabalho, obteve-se que as provas são os meios pelos quais as
partes buscam formar o convencimento do juiz e que em princípio tinha-se a busca
pela verdade real que não sofria limitações e que apresentava por base uma busca
incessante pela verdade, no entanto, esse posicionamento sofreu várias
modificações, onde o constituinte procurou restringir a produção das provas pelo
livre arbítrio das partes. Desta forma, o sistema adotado de avaliação das provas foi
o da livre convicção motivada, conforme o artigo 155 do Código de Processo Penal,
pelo qual o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditória judicial, assim, esse sistema ao mesmo tempo em que mantém a
liberdade de apreciação, vincula o convencimento do juiz ao material probatório
constante dos autos, forçando o magistrado a fundamentar sua decisão
demonstrando o seu raciocínio e as razões de seu convencimento.
Os Princípios Constitucionais são a base para formação e aplicação das leis,
devendo ser sempre observados pelos legisladores para a adaptação do direito
posto às novas situações jurídicas em que a sociedade se encontra a fim de garantir
os direitos e garantias individuais, no entanto, a que se observar que esses direitos e
garantias individuais são relativos, face ao princípio da relatividade ou convivência
das liberdades públicas, segundo o qual os direitos e garantias fundamentais não
são absolutos e encontram seus limites na convivência com os demais direitos e
garantias igualmente consagrados na Carta Magna.
A Constituição Federal Consagrou em seu artigo 5.°, inciso LVI, uma
expressa vedação à admissibilidade da prova ilícita. Com o decorrer do estudo ficou
demonstrado que esse princípio não é absoluto, uma vez que é admitida a prova
quando colhida ilicitamente para beneficiar o réu, sendo que este não pode ficar
prezo por uma simples e injustificada aplicação automática da vedação da prova
ilícita por uma infringência a direitos fundamentais. Entende-se que nesse caso a
aplicação do princípio da proporcionalidade pro réu, em que o direito a ampla defesa
justifica a eliminação da ilicitude.
O Princípio da Proporcionalidade tem a finalidade de se realizar uma
ponderação entre os direitos fundamentais, de tal forma que quando houver conflito
entre normas constitucionais, pode-se por meio da proporcionalidade, obter um
67
resultado mais justo ao caso em concreto, trata-se da então teoria conhecida do
interesse predominante, onde apesar de reconhecida à inconstitucionalidade da
prova, está é admitida para se obter um equilíbrio, aplicando a norma mais
adequada.
A
Carta
Magna
de
1988
silenciou-se
quanto
ao
princípio
da
proporcionalidade, o que não impede a sua aplicação, pois se Constituição não
mencionou o princípio, a mesma admitiu a sua aplicação no § 2.° do artigo 5.°, in
verbis: “o direito e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios pela ela adotados”, dispositiva que evita a
aplicação automática injusta da lei quando estiverem em conflito com outros direitos
fundamentais.
As críticas realizadas ao princípio da proporcionalidade não merecem
prosperar, sejam elas quanto à subjetividade dada ao juiz, seja quanto a separação
dos poderes ou quanto a insegurança jurídica, pois a aplicação do princípio está
sujeita aos critérios objetivos da necessidade (verifica se não existe outra medida
menos gravosa) adequação(se o meio utilizado era idôneo para alcançar o fim
desejado) e proporcionalidade em sentido estrito (consiste numa relação custo
benefício, valorando os danos causados com os resultados obtidos) eliminando
qualquer possibilidade de uma injusta aplicação da proporcionalidade.
A teoria dos frutos da árvore envenenada (fruit of the poisonous tree ou fruit
doctrine) segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos, isto é,
implica nulidade das provas subseqüentes obtidas com o fundamento na original
ilícita, era muito questionada pela doutrina e jurisprudência, até mesmo porque não
havia um posicionamento na lei que justifica-se a sua aplicação, contudo, a nova lei
11.690. de 09 de julho de 2008, inseriu uma modificação no artigo 157, § 1°, do
Código
de
Processo
Penal,
in
verbis:
“São
inadmissíveis,
devendo
ser
desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em
violação a normas constitucionais ou legais. §1.° São também inadmissíveis as
provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade
entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras. Assim, extinguiu as controvérsias quando a
admissibilidade da prova derivada, mesmo assim, a que se atentar que os princípios
constitucionais não são absolutos, pois têm que conviver com outros princípios
também constitucionais, sendo necessário se fazer o confronto ou peso entre os
68
bens jurídicos constitucionalmente garantidos para que se possa verificar a
possibilidade ou não da admissibilidade de uma prova ilícita.
A admissibilidade da prova ilícita pro societate a de ser aceita em casos de
crimes de extrema gravidade com base no princípio da proporcionalidade, com o fim
de amenizar o rigorismo da norma constitucional, proporcionando uma interpretação
razoável, evitando que os princípios constitucionais se tornem verdadeiros escudos
para a criminalidade, criando um equilíbrio entre as normas constitucionais.
Por fim, cabe então a doutrina e a jurisprudência uniformizar um
posicionamento que admita as provas ilícitas em casos extremos, utilizando os
critérios objetivos da adequação, necessidade, e proporcionalidade em sentido
estrito, com a finalidade de assegurar a sociedade uma punição a criminalidade, em
especial ao tráfico de drogas, nos casos em que não se possa por outro meio que
não o considerado licito se constituir provas, assegurando a realização de todos os
fins do Estado de Direito e a construção de uma sociedade mais justa.
69
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