Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 957.757 - SC (2007/0127539-7) RELATORA RECORRENTE ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO : : : : : : : MINISTRA NANCY ANDRIGHI MARIA DO CARMO MARTINS ANGELO JOÃO JANNIS JUNIOR E OUTRO(S) CAIXA SEGURADORA S/A VALTER FISCHBORN E OUTRO(S) CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF SÉRGIO LUIZ VERONESE JUNIOR E OUTRO(S) EMENTA Sistema Financeiro de Habitação. Recurso Especial. Ação de indenização securitária. Embargos de declaração. Ausência de indicação de omissão, contradição ou obscuridade. Súmula 284/STF. Seguro habitacional. Contrato de gaveta. Morte do promitente comprador. Impossibilidade de quitação do contrato. I. É imprescindível a indicação de obscuridade, omissão ou contradição para se reconhecer violação ao art. 535 do CPC. Súmula 284/STF. I I . Hipótese em que o imóvel financiado, segundo as normas do SFH, foi transferido por meio de contrato de promessa de compra e venda, popularmente denominado de “contrato de gaveta”. I I I . Nessa situação, apenas a morte do mutuário original obriga o agente financeiro e a seguradora, que não anuíram com a transferência do financiamento, a cumprir a cláusula contratual que prevê a quitação do contrato. Recurso especial não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 15 de dezembro de 2009(data do julgamento) MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora Documento: 937074 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 02/02/2010 Página 1 de 9 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 957.757 - SC (2007/0127539-7) RECORRENTE ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO : : : : : : MARIA DO CARMO MARTINS ANGELO JOÃO JANNIS JUNIOR E OUTRO(S) CAIXA SEGURADORA S/A VALTER FISCHBORN E OUTRO(S) CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF SÉRGIO LUIZ VERONESE JUNIOR E OUTRO(S) RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Recurso especial interposto por MARIA DO CARMO MARTINS ANGELO, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TRF da 4ª região. Ação: de indenização securitária, proposta pela recorrente, em face da CAIXA SEGURADORA S/A. Na inicial, a recorrente aduziu que firmou contrato de compromisso de compra e venda de imóvel financiado, segundo as normas do SFH, sem a anuência da instituição financeira mutuante e da seguradora. Sustentou que, com o falecimento do seu cônjuge – promitente comprador, o imóvel deve ser quitado. Requereu a condenação da CAIXA SEGURADORA S/A ao pagamento do saldo devedor do contrato de financiamento. Às fls. 94, o Juiz de primeiro grau de jurisdição deferiu o pedido formulado pela recorrente, para inclusão da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF como litisconsorte passivo da ação. Sentença: julgou parcialmente procedente o pedido, para reconhecer a validade da transferência do imóvel à recorrente, e declarar a quitação do contrato de financiamento firmado com a instituição financeira mutuante. Documento: 937074 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 02/02/2010 Página 2 de 9 Superior Tribunal de Justiça Acórdão: deu provimento à apelação interposta pela CAIXA SEGURADORA S/A - recorrida, para afastar a cobertura do sinistro, porque apenas com a morte do promitente vendedor há incidência da cláusula que prevê a quitação do imóvel financiado. Confira-se a ementa: " SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. CONTRATO DE GAVETA. LEGITIMIDADE DO CESSIONÁRIO PARA DISCUTIR O CONTRATO. SEGURO HABITACIONAL. INDENIZAÇÃO POR MORTE DO CESSIONÁRIO. INVIABILIDADE. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. Sendo a relação que ora se discute a que diz respeito ao contrato firmado entre o mutuário e a Caixa Econômica Federal, não há falar na aplicação do prazo prescricional previsto no art. 206, §1º, II, b, do Código Civil. Aplica-se, na hipótese, o prazo prescricional dos contratos em geral, o qual é de 10 anos, conforme previsto no artigo 205 do Código Civil. 2. Embora reconhecida a validade da transferência do contrato de mútuo hipotecário ao cessionário sem a anuência do agente financeiro, apenas com a morte do mutuário original fica a parte demandada obrigada a dar cumprimento à clausula contratual que prevê a quitação do saldo devedor do financiamento, uma vez que para a contratação do seguro é levado em consideração questões pessoais do segurado, como por exemplo, sua idade e o seu rendimento mensal, o que reflete no valor do prêmio embutido nas prestações do mútuo. " (fls. 191). Embargos de declaração: interpostos pela recorrente, foram rejeitados (fls. 210). Recurso especial: alega a recorrente violação: i) ao art. 535 do CPC, insurgindo-se contra a negativa de prestação jurisdicional; Documento: 937074 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 02/02/2010 Página 3 de 9 Superior Tribunal de Justiça ii) ao art. 1432 do CC/16 e dissídio jurisprudencial, insurgindo-se contra a ausência de cobertura do sinistro. Sustenta que “o contrato de gaveta firmado entre as partes transferiu aos novos proprietários todos os direitos a ele ligados, inclusive aqueles relacionados ao seguro, cujo pagamento está incluído nas parcelas que passaram a ser pagas pelo autor da ação” . (fls. 220) Prévio juízo de admissibilidade: após a apresentação das contrarrazões ao recurso especial, foi este admitido (fls. 255). É o relatório. Documento: 937074 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 02/02/2010 Página 4 de 9 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 957.757 - SC (2007/0127539-7) RELATORA RECORRENTE ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO : : : : : : : MINISTRA NANCY ANDRIGHI MARIA DO CARMO MARTINS ANGELO JOÃO JANNIS JUNIOR E OUTRO(S) CAIXA SEGURADORA S/A VALTER FISCHBORN E OUTRO(S) CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF SÉRGIO LUIZ VERONESE JUNIOR E OUTRO(S) VOTO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cinge-se a controvérsia apresentada em determinar: i) se houve negativa de prestação jurisdicional pelo Tribunal de origem, em virtude da suposta existência de omissão no acórdão recorrido; e ii) se, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel financiado, segundo as normas do SFH, é devido o seguro habitacional com a morte do promitente-comprador. I - Da suposta existência de omissão no acórdão recorrido (violação ao art. 535 do CPC). No que se refere à alegada negativa de prestação jurisdicional pelo Tribunal de origem, a recorrente não logrou demonstrar cabalmente a violação ao art. 535 do CPC, pois fez apenas menção genérica sobre a necessidade de o acórdão recorrido analisar dispositivos legais que entende violados, sem demonstrar a omissão pugnada. Incide, pois, a Súmula 284/STF. II – Do seguro habitacional (violação ao art. 1432 do CC/16 e dissídio jurisprudencial). De acordo com o art. 1432 do CC/16, “considera-se contrato de seguro aquele pelo qual uma das partes se obriga para com a outra, mediante a Documento: 937074 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 02/02/2010 Página 5 de 9 Superior Tribunal de Justiça paga de um prêmio, a indenizá-la do prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato”. No caso específico do seguro de vida, o objeto é o risco da morte involuntária, trazendo ao proponente o conforto de saber que, na sua ausência, os beneficiários por ele indicados terão assegurado o recebimento de uma certa soma que, se não aliviará o sofrimento pela perda de um ente querido, ao menos não os deixará de todo desamparados. Sílvio de Salvo Venosa anota que “o seguro de vida é ramo dos mais importantes, dado seu profundo alcance social e cunho alimentar.” (Direito Civil, 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 365) Atento a esse alcance do seguro, somado à própria função social da propriedade, o legislador, ao editar a Lei nº 4.380/64, instituidora do sistema financeiro da habitação, estabeleceu, em seu art. 14, que “os adquirentes de habitações financiadas pelo Sistema Financeiro da Habitação contratarão seguro de vida de renda temporária, que integrará, obrigatoriamente, o contrato de financiamento, nas condições fixadas pelo Banco Nacional da Habitação.” Esse dispositivo legal desempenha dupla finalidade: afiançar a instituição financeira contra o inadimplemento dos dependentes do mutuário falecido e, sobretudo, garantir a estes a aquisição do imóvel. De fato, considerando que, na maioria das vezes, o mutuário é o principal – quando não o único – responsável pelo pagamento das prestações do financiamento, o seguro de vida se mostra fundamental para, na falta daquele, certificar o cumprimento do contrato e assegurar aos familiares do de cujus a propriedade sobre o imóvel. Na hipótese dos autos, o imóvel financiado, segundo as normas do Documento: 937074 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 02/02/2010 Página 6 de 9 Superior Tribunal de Justiça SFH, foi transferido por meio de contrato de promessa de compra e venda, popularmente denominado de “contrato de gaveta”. Após a morte do promitente comprador, a viúva (recorrente) requereu o pagamento do seguro habitacional e a quitação do saldo devedor do contrato de financiamento. Todavia, não houve anuência da seguradora e do agente financeiro para a transferência do financiamento aos promitentes compradores, providência imprescindível, nos termos do art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.004/90. Nesse sentido, o REsp 184337/ES, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, DJ de 30/09/2002; e REsp 472370/PR, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, DJ de 04/08/2003. Com efeito, apenas a morte do mutuário original obriga o agente financeiro e a seguradora, que não anuíram com a transferência do financiamento, a cumprir a cláusula contratual que prevê a quitação do contrato. De fato, não é possível a transferência do seguro habitacional nos denominados contratos de gaveta, pois, nas prestações do mútuo é embutido valor referente ao seguro de vida, o qual são levadas em consideração questões pessoais do segurado, tais como idade e comprometimento da renda mensal. Havendo a substituição do segurado originário, as prestações mensais pagas, a título de seguro de vida, são passíveis de reajuste, de acordo com as características pessoais no novo segurado, de modo que é imprescindível a participação do agente financeiro e a seguradora na transferência do imóvel. Ademais, ao analisar processos análogos, as Turmas que compõe a Segunda Seção/STJ decidiram que, em contrato de promessa de compra e venda, a morte do promitente vendedor quita o saldo devedor do contrato de financiamento. Nesse sentido: REsp 119466/MG, Rel. Min. Ari Pargendler, 3ª Turma, DJ 19/06/2000; e REsp 122032/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4ª Documento: 937074 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 02/02/2010 Página 7 de 9 Superior Tribunal de Justiça Turma, DJ 01/08/2005, este assim ementado: “CIVIL. SFH. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. MORTE DO VENDEDOR. COBERTURA SECURITÁRIA. 1. A morte do vendedor, subseqüentemente ao contrato de promessa de compra e venda, nada obstante verificada antes da transferência junto ao agente financeiro (credor hipotecário) e da formalidade do registro imobiliário, quita o respectivo contrato de financiamento em proveito do adquirente, como forma de impedir eventual enriquecimento sem causa e, também, em decorrência da sub-rogação de fato "nas obrigações de mútuo hipotecário", com o pagamento das prestações e do prêmio do seguro neles embutido. 2. Recurso especial conhecido, mas improvido”. Dessa forma, reconhecer a quitação do contrato de financiamento em razão, também, da morte do promitente comprador, incorreria este em enriquecimento sem causa, em detrimento da onerosidade excessiva do agente financeiro. Destarte, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel financiado, segundo as normas do SFH, não é devido o seguro habitacional com a morte do promitente comprador. Forte em tais razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO. É como voto. Documento: 937074 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 02/02/2010 Página 8 de 9 Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA Número Registro: 2007/0127539-7 REsp 957757 / SC Números Origem: 200272000020830 23000516140 PAUTA: 15/12/2009 JULGADO: 15/12/2009 Relatora Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. JUAREZ ESTEVAM XAVIER TAVARES Secretária Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA AUTUAÇÃO RECORRENTE ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO : : : : : : MARIA DO CARMO MARTINS ANGELO JOÃO JANNIS JUNIOR E OUTRO(S) CAIXA SEGURADORA S/A VALTER FISCHBORN E OUTRO(S) CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF SÉRGIO LUIZ VERONESE JUNIOR E OUTRO(S) ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Sistema Financeiro da Habitação CERTIDÃO Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília, 15 de dezembro de 2009 MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA Secretária Documento: 937074 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 02/02/2010 Página 9 de 9