UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO
A SUCESSÃO LEGÍTIMA DOS COMPANHEIROS NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
BÁRBARA NAHARA PEREIRA
Itajaí (SC), setembro de 2006.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO
A SUCESSÃO LEGÍTIMA DOS COMPANHEIROS NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
BÁRBARA NAHARA PEREIRA
Monografia submetida à Universidade
do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito.
Orientadora: Professora Msc. DENISE SCHMITT SIQUEIRA GARCIA
Itajaí (SC), setembro de 2006
AGRADECIMENTO
A Deus, por ter sido um amigo fiel em
todas as horas.
À Professora e Mestre Denise Schmitt
Siqueira Garcia , minha orientadora,
pelo auxílio prestado de forma exemplar
na confecção deste trabalho.
Aos meus pais José e Tânia pela
confiança demonstrada.
A toda minha família pelo carinho e a
todos que contribuiram direta ou
indiretamente para a conclusão desta
etapa .
A minha amiga Aruani Kindermann
Lapolli, pelo apoio e amizade de
sempre.
Este trabalho dedico:
Aos meus pais José e Tânia, por me
apoiarem e estarem sempre presentes
em minha vida.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí(SC), setembro de 2006.
Bárbara Nahara Pereira
Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Bárbara Nahara Pereira, sob o
título A Sucessão legítima dos Companheiros no ordenamento jurídico brasileiro,
foi submetida em 03 de outubro de 2006 à banca examinadora composta pelos
seguintes professores: Esp. Maria Inês França Ardigó, Mesc. Jefferson Custódio
Próspero e Mesc. Denise Schmitt Siqueira Garcia, e aprovada com a nota 10
(dez).
Itajaí, 03 de outubro de 2006.
Mesc. Denise Schmitt Siqueira Garcia
Orientador e Presidente da Banca
Mesc. Antônio Augusto Lapa
Coordenação da Monografia
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Sucessão1
Consiste no fato de uma pessoa inserir-se na titularidade de uma relação jurídica
que lhe advém de outra pessoa.
Herança 2
É o conjunto de direitos e deveres patrimoniais, ou seja, a universalidade das
relações jurídicas de caráter patrimonial, nas quais o falecido era sujeito ativo e
passivo.
Herdeiro legítimo 3
É a pessoa indicada no dispositivo de lei como sucessor nos casos de sucessão
legal, a quem se transmite a totalidade ou quota-parte da herança.
Herdeiros Necessários 4
São os sucessores dos quais não se pode retirar direito à herança, senão e face
da ação de indignidade ou de cláusula testamentária de deserdação.
Sucessão legítima 5
Sucessão legítima ou ab intestato é aquela que decorre de lei cogente que
determina quais pessoas têm o direito de suceder, em conformidade com a ordem
de vocação hereditária disposta pelo legislador.
Ordem de vocação hereditária 6
1
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004, p. 15.
WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002, p. 2.
3
GOMES, Orlando. Sucessões, 2000, p. 36.
4
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004, p. 412413.
5
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004, p. 407.
2
A ordem de vocação hereditária é uma relação preferencial, estabelecida pela lei,
das pessoas que são chamadas a suceder ao finado. Consiste na distribuição dos
herdeiros em classes preferenciais, baseada em relações a família e de sangue.
União Estável 7
A união estável é a relação lícita entre o homem e a mulher, visando à formação
de família, sendo chamados os partícipes desta relação de companheiros,
conforme art. 1723 do Código Civil.
Concubinato 8
O concubinato, por sua vez, consiste em relação que não merece a proteção do
direito de família, dado seu caráter adulterino, e são denominados concubinos os
seus participantes, na forma do art. 1727 do citado diploma legal.
Concubinato puro 9
Será puro se apresentar como uma união duradoura, sem casamento civil, entre o
homem e a mulher livres e desimpedidos, isto é, não comprometidos por deveres
matrimoniais ou por outra ligação concubinária. Assim, vivem em união estável ou
concubinato puro: solteiros, viúvos, separados judicialmente ou de fato e
divorciados.
Concubinato impuro 10
Concubinato impuro ou simplesmente concubinato, são as relações não eventuais
em que um dos amantes ou ambos estão comprometidos ou impedidos
legalmente de se casar.
6
RODRIGUES, Sílvio. Direito das sucessões, 2003, p. 94.
MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de Direito Civil. Direito de Família, 2004, p.30.
8
MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de Família, 2004, p.30.
9
DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família, 2004, p. 345-346.
10
DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família, 2004, p. 345-346.
7
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................ X
INTRODUÇÃO ................................................................................... 1
CAPÍTULO 1
CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO DIREITO SUCESSÓRIO
1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS....................................................4
1.2 CONCEITUAÇÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO...............................................7
1.3 CONTEÚDO E FUNDAMENTO.........................................................................9
1.4 TIPOS DE SUCESSÃO...................................................................................11
1.4.1 SUCESSÃO LEGÍTIMA...............................................................................13
1.4.2 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA................................................................15
1.4.3 SUCESSÃO UNIVERSAL...........................................................................18
1.4.4 SUCESSÃO SINGULAR.............................................................................19
1.5 ESPÉCIES DE HERANÇA.............................................................................20
1.6 ESPÉCIES DE SUCESSORES......................................................................22
CAPÍTULO 2
DO INSTITUTO DA UNIÃO ESTÁVEL
2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DO INSTITUTO NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.........................................................25
2.2 CONCEITO......................................................................................................29
2.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS NOMENCLATURAS "CONVIVENTES",
"COMPANHEIROS" E " CONCUBINOS".............................................................31
2.4 REQUISITOS CARACTERIZADORES DA UNIÃO ESTÁVEL.......................34
CAPÍTULO 3
DA SUCESSÃO LEGÍTIMA NA UNIÃO ESTÁVEL
3.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS..........................................................39
3.2 DIREITO REAL DE HABITAÇÃO...................................................................42
3.3 ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA.........................................................45
3.4 DESCENDENTE CONCORRENDO COM COMPANHEIRO..........................49
3.5 ASCENDENTE CONCORRENDO COM COMPANHEIRO.............................51
3.6 COLATERAIS ATÉ 4º GRAU CONCORRENDO COM COMPANHEIRO......52
3.7 COMPANHEIRO RECEBENDO A TOTALIDADE DA HERANÇA.................54
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................58
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 61
RESUMO
Esta monografia tem como objetivo o estudo da Sucessão
dos Companheiros, de acordo com o que prevê a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 226, §3°, bem assim as leis que
primeiramente regulamentaram os direitos referentes aos companheiros e
conviventes, quais sejam, as Leis Ordinárias Federais n. 8.971, de 29 de
dezembro de 1994 e n. 9.278, de 10 de maio de 1996, respectivamente e, ainda,
a Lei Ordinária Federal n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). A
validade da pesquisa decorre da atualidade do tema, da verificação das
mudanças impostas pelo Código Civil vigente. O objetivo investigatório geral foi
pesquisar, analisar e descrever, com base na legislação acima referida e na
doutrina, os aspectos gerais sobre o direito das sucessões, as considerações
necessárias para o melhor entendimento do instituto da união estável.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto o estudo da
Sucessão dos Companheiros, de acordo com o que prevê a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 226, §3°, bem assim as
leis que primeiramente regulamentaram os direitos referentes aos companheiros e
conviventes, quais sejam, as Leis Ordinárias Federais n. 8.971, de 29 de
dezembro de 1994 e n. 9.278, de 10 de maio de 1996, respectivamente e, ainda,
a Lei Ordinária Federal n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
O objetivo institucional foi o de produzir a presente
Monografia para a obtenção do título de Bacharel em Direito, pela Universidade
do Vale do Itajaí.
O objetivo da investigação foi a necessidade de aprofundar
o conhecimento sobre o assunto, buscando conhecer as respostas aos problemas
formulados, para testar as hipóteses e dirimir dúvidas, especialmente sobre o
direito sucessório dos companheiros.
Os objetivos específicos foram os seguintes:
- pesquisar sobre as considerações gerais acerca do direito
sucessório, em seus aspectos gerais,
conceituação, conteúdo e fundamento,
especificar os tipos de sucessões e quais os sucessores do falecido.
- descrever sobre o instituto da união estável na legislação
vigente.
- relatar especificamente acerca da sucessão legítima na
união estável, em seus aspectos gerais, a ordem de vocação hereditária e o
direito real de habitação.
A validade da pesquisa decorre da atualidade do tema e das
mudanças impostas pelo Código Civil vigente, tendo em vista o tratamento
diferenciado concedido por este novo ordenamento aos companheiros, o que
2
representa evidente retrocesso, ao comparar-se àquele conferido ao cônjuge
sobrevivente.
Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, tratando das
considerações gerais acerca do Direito Sucessório, sua evolução histórica,
conceito, conteúdo e fundamento, além dos tipos de sucessão, herança e
herdeiros.
No Capítulo 2, estudando o instituto da União Estável,
passando-se pelas considerações históricas, conceito e características, bem
assim seus requisitos evidenciadores.
No Capítulo 3, abordando acerca da sucessão legítima na
União Estável, em que, após as pertinentes considerações introdutórias, serão
abordados o direito real de habitação, a ordem de vocação hereditária dos
companheiros, ou seja, o companheiro concorrendo com os descendentes,
ascendente e colaterais até 4º grau, além do companheiro recebendo a totalidade
da herança.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais serão apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre a Sucessão dos Companheiros.
Foram elaborados três problemas e respectivas hipóteses,
que serviram de desafio para a realização deste trabalho monográfico, conforme
destaca-se abaixo.
Primeiro problema: Houve diferença no tratamento dado ao
companheiro em relação ao cônjuge sobrevivente, no que se refere aos seus
direitos sucessórios?
Primeira hipótese: Há diferença, tendo em vista que o artigo
1.79011 do Código Civil, ao cuidar da sucessão do companheiro, deixou-o em
11
Conforme fls. 46.
3
evidente desvantagem se comparado ao cônjuge, conforme se verifica no artigo
1.82912, que trata da ordem de vocação hereditária.
Segundo problema: O artigo 1.831 do Código Civil, que
concede o direito real de habitação dos cônjuges, é aplicável ao companheiro?
Segunda hipótese: Por analogia, tal dispositivo aplica-se ao
companheiro, tendo em vista que a Lei n. 9.278/96, em seu artigo 7°, parágrafo
único, estende ao companheiro o direito real de habitação e permanece em vigor.
Terceiro problema: Há possibilidade de o companheiro
sobrevivente receber a totalidade da herança?
Terceira hipótese: O artigo 1.790, inciso IV, do Código Civil,
prevê este direito ao companheiro.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação foi utilizado o Método Indutivo.13
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas do Referente14, da Categoria15, do Conceito Operacional16 e da
Pesquisa Bibliográfica.17
Após a exposição dos capítulos, passa-se às considerações
finais, em que será apresentada breve síntese de cada capítulo e as
demonstrações sobre as hipóteses básicas da pesquisa, e se foram ou não
confirmadas.
12
Conforme fls.14.
Base lógica da dinâmica da Pesquisa Científica que consiste em pesquisar e identificar as
partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral.
(PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 238.)
14
Explicação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance temático e de
abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa. (PASOLD, Luiz
César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 241.)
15
Palavra ou expressão estratégica à elaboração e ou à expressão de uma idéia. (PASOLD, Luiz
César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 229.)
16
Definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal
definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas. (PASOLD, Luiz César. Prática da
pesquisa jurídica, 2005. p. 229.)
17
Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. (PASOLD,
Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 239.)
13
CAPÍTULO 1
CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO DIREITO SUCESSÓRIO
O presente capítulo pretende fazer um estudo sobre os
aspectos gerais do direito sucessório, dividindo-se em seis partes, nas quais
serão abordados os seguintes temas: considerações históricas, conceito de direito
sucessório, além de seu conteúdo e fundamento, tipos de sucessão e, finalmente,
as espécies de herança e de herdeiros.
1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS
Para que se possa compreender o Direito Sucessório,
necessário se faz retroceder às origens históricas da sucessão, analisando,
inicialmente, as crenças sobre a natureza do homem, sua alma e o mistério da
morte. Para tanto, recorre-se à obra de Fustel de Coulanges, “A Cidade Antiga”,
norteadora deste primeiro capítulo.
Coulanges18 afirma que, ainda no final da história grega e
romana, estavam presentes pensamentos e hábitos oriundos de épocas muito
remotas, os quais já refletiam a crença em uma segunda existência, após a morte.
Porém não se acreditava que a alma ou espírito imortal iria para o céu ou
animaria outro corpo, mas sim, que viveria na terra, junto dos homens.
Segundo referido autor19, acreditou-se que, por muito tempo,
nessa segunda existência a alma permaneceria vinculada ao corpo, sendo ambos
encerrados no mesmo túmulo, o que é demonstrado pelos ritos fúnebres, os quais
demonstram claramente que quando se enterrava um corpo, acreditava-se haver
18
19
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga, São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 13-14.
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga, 2005. p. 14.
5
ali algo com vida. Daí a idéia do sepultamento, objetivando o repouso e a
felicidade do morto.
Coulanges20 acrescenta, ainda, que se passou pelas
crenças de se levar alimentos aos túmulos e de se manter uma brasa
permanentemente acesa em casa, num altar, considerando-se os mortos entes
sagrados, a ponto de surgirem regras que, tanto a Índia quanto na Grécia, só
permitiam a presença de familiares nos funerais, havendo um verdadeiro culto
aos antepassados, ou uma religião doméstica.
Assim, prossegue Coulanges21:
O direito de propriedade, estabelecido para o cumprimento de um
culto hereditário, não poderia extinguir-se ao cabo da vida curta
do indivíduo. O homem morre, o culto permanece; o fogo nunca
deve se apagar nem o túmulo ficar abandonado. Persistindo a
religião doméstica, com ela permanece também o direito de
propriedade.
Coulanges22 acrescenta que, tanto nas crenças quanto nas
leis dos antigos, estavam intimamente ligados o culto e a propriedade da família.
Assim, não se podia adquirir a propriedade sem o culto, nem o culto
separadamente da propriedade. E, conforme referido autor, nesse contexto
surgiram todas as regras de direito sucessório entre os antigos:
A primeira é que sendo a religião doméstica, como já foi visto,
hereditária, de varão para varão, a propriedade também o era.
Assim, sendo o filho o natural e necessário continuador, herda
também os bens. Nisso está o surgimento do princípio da
hereditariedade; não era pois o resultado de simples convenção
entre homens, apenas; deriva de suas crenças e religião, do que
há de mais poderoso sobre as almas. O que faz com que o filho
herde não é a vontade do pai. O pai não tem necessidade de
fazer testamento, o filho herda de pleno direito, ipso jure heres
exsistit necessarius (...) O filho não tem de aceitar e nem recusar
a herança. A continuação da propriedade, como a do culto, é
para ele uma obrigação e um direito. Queira ou não, cabe-lhe a
sucessão qualquer que possa ser, mesmo com encargos e
dívidas. O benefício de inventário e o benefício de desistência
não são admitidos no direito grego, para os filhos; e só bem mais
tarde foram introduzidos no direito romano.
20
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. 2005. p. 21-27.
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga, 2005. p. 78.
22
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga, 2005. p. 78/79.
21
6
Diz-se que a idéia de hereditariedade está vinculada ao
homem, que à medida que a família acrescenta suas gerações, tem-se a hora
marcada de dar continuidade ao culto e de tomar a seu cuidado a propriedade.
Até porque os bens e o culto de casa família são inseparáveis, e o cuidado dos
sacrifícios é direcionado a quem couber a herança.
A regra estabelecia que o culto se transmitisse de varão para
varão e, via de regra, que a herança seguisse o mesmo caminho.
A filha não era considerada apta a dar continuidade À religião
paterna, pois se casasse adjudicaria do culto do pai para adotar o
do seu esposo: não tinha, pois, nenhum direito a herança. Se
acontecesse de algum pai deixar os bens à filha,a propriedade
ficaria dissociada do culto, e isso não era admissível. A filha não
poderia nem cumprir o dever básico de herdeiro, ou seja, o de
continuar os sacrifícios fúnebres, pois casando ofereceria os
sacrifícios só aos antepassados do seu marido. A religião proíbelhe, pois, herdar de seu pai.23
Rodrigues24 esclarece essa idéia:
Essa a razão porque a sucessão, a esse tempo e durante
séculos, transmite-se apenas pela linha masculina, ou seja, aos
agnados, pois como o filho é o sacerdote da religião doméstica, é
ele, e não sua irmã, quem recebe o patrimônio da família. Aí,
portanto, a explicação da regra segundo a qual a herança se
transmite ao primogênito varão.
Conforme ensina Wald25, finalmente:
A sucessão mortis causa teve, em certa época histórica, um
sentido extrapatrimonial, importando para a família romana, uma
continuação da religião doméstica, em que pater famílias instituía,
na pessoa do herdeiro, o novo titular da soberania familiar. Hoje,
o caráter da sucessão é eminente e exclusivamente econômico,
caracterizando-se pela assunção dos direitos e deveres do de
cujus pelos herdeiros e pelo recebimento dos legados pelos
legatários.
Esclarecida a origem do direito sucessório que, conforme se
verificou, teve início com o culto aos mortos pela família do de cujus, pode-se
prosseguir com o estudo do conceito de direito sucessório.
23
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga, 2005. p. 80.
RODRIGUES, Sílvio. Direito das sucessões. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 4.
25
WALD, Arnoldo. Direito das sucessões. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.2.
24
7
1.2 CONCEITUAÇÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO
O direito das sucessões trata das normas referentes à
transmissão dos bens pertencentes às pessoas falecidas e está regulado no
Código Civil, em seu último livro, além de encontrar amparo na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, no artigo 5°, que disciplina os direitos e
garantias individuais.26
Direito das sucessões é, nas palavras de Gomes27, “a parte
especial do Direito Civil que regula a destinação do patrimônio de uma pessoa
depois de sua morte” ou, conforme Venosa28, “conjunto de direitos e obrigações
que se transmitem, em razão da morte, a uma pessoa, ou a um conjunto de
pessoas que sobrevivem ao falecido”.
Monteiro29 assevera:
No direito das sucessões, entretanto, emprega-se o vocábulo
num sentido mais restrito, para designar tão-somente a
transferência da herança, ou do legado, por morte de alguém, ao
herdeiro ou legatário, seja por força de lei, ou em virtude de
testamento (hereditas nihil aliud est quam successio in universum
jus, quod defunctus habuit).
Segundo Wald30, o conceito de sucessões abrange, além
dos casos de transferência de direito subjetivo ou de dever jurídico mortis causa,
os atos inter vivos. E acrescenta:
O direito sucessório ou hereditário, pois, tem restrito o seu campo
de ação à transmissão de direitos ou deveres - oriunda do
falecimento do seu titular - que se transferem a terceiros, em
virtude da declaração de vontade do de cujus ou de disposição
de lei.
26
WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 1.
GOMES, Orlando. Sucessões. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 1.
28
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Direito das Sucessões. 4 ed. v. VII. São Paulo: Atlas,
2002. p. 1.
29
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito das sucessões. 35. ed. São
Paulo: Saraiva, 2003. p. 1.
30
WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 1.
27
8
No entendimento de Diniz31, consiste, assim, no complexo
de disposições jurídicas que regulam a transmissão de bens ou valores e dívidas
do falecido, ou seja, a transmissão do ativo e do passivo do de cujus ao herdeiro,
conforme artigo 1.786 do Código Civil.
Afirma, ainda, a mesma autora32:
Com a morte do autor da herança o sucessor passa a ter a
posição jurídica do finado, sem que haja qualquer alteração na
relação de direito, que permanece a mesma, apesar da mudança
do sujeito. Deveras, ressalvado o sujeito, mantêm-se todos os
outros elementos dessa relação: o título, o conteúdo e o objeto.
Dessa forma, o herdeiro insere-se na titularidade de uma relação
jurídica que lhe advém do de cujus.
Diniz33 ensina que, juridicamente, o termo “sucessão”
consiste no “fato de uma pessoa inserir-se na titularidade de uma relação jurídica
que lhe advém de outra pessoa”.
Nas palavras de Lisboa35, sucessão, em sentido amplo, é a
substituição da pessoa física ou da pessoa jurídica por outra, que assume todos
os direitos e obrigações do substituído ou sucedido, pelos modos aquisitivos
existentes.
Já em sentido restrito, designa, no entendimento de Diniz36,
a transferência, total ou parcial, de herança, por morte de alguém, a um ou mais
herdeiros. “É a sucessão mortis causa que, no conceito subjetivo, é o direito por
força da qual alguém recolhe os bens da herança, e, no conceito objetivo, indica a
universalidade dos bens do de cujus, que ficaram com seus direitos e encargos”.
Wald37
esclarece
que
“a
sucessão
é
o
modo
de
transmissão, enquanto a herança é o conjunto de bens, direitos e obrigações, que
31
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 19. ed. São
Paulo: Saraiva, 2004. p.3.
32
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004. p. 3.
33
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004. p. 15.
35
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004. p. 367.
36
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004. p. 16.
37
WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 7.
9
se transmitem aos herdeiros e legatários. Assim, a herança transmite-se em
virtude de sucessão mortis causa; a sucessão mortis causa é o modo de
transmitir a herança”.
Vale ressaltar, ainda nas palavras de Wald38:
Mas por sucessão também se entende, em sentido subjetivo, e,
assim, cogitamos do direito de herdeiro à sucessão do de cujus.
Por outro lado, certas leis identificam a sucessão com herança,
definindo-a como o conjunto de bens, direitos e obrigações que
constituem o patrimônio do falecido (...).
Assim, verificada a morte, abre-se a sucessão e chamam-se
os herdeiros ou legatários para que recebam os bens que lhes cabem, seja em
virtude de disposição de última vontade do de cujus (testamento) ou de norma
legal, ou em razão de ambos.39
Acentua, ainda, o mesmo autor40:
Para poderem suceder, os beneficiários terão que estar vivos na
ocasião do falecimento do de cujus, pois a sucessão transmite-se
de pessoa morta a pessoa viva, jamais a indivíduo pré-morto.
Poderão os beneficiários aceitar ou renunciar à herança, já que o
direito moderno não obriga ninguém a ser herdeiro contra sua
vontade. É necessário que o herdeiro ou legatário seja capaz
para receber o bem ou a quota de bens que lhe é destinada, por
estabelecer a nossa lei o caso de incapacidade, que ocorrem,
entre outras hipóteses, quando o beneficiário tornou-se indigno
ou foi deserdado.
Percebe-se, portanto, que a sucessão se inicia no momento
da morte do de cujus, transmitindo-se a herança, enfim, os bens, direitos e
obrigações do sucedido aos seus herdeiros e legatários.
1.3 CONTEÚDO E FUNDAMENTO
Conforme Gomes41 o conteúdo do direito da sucessão é
limitado. Uma vez que assuma o herdeiro a posição jurídico-econômica do
38
WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 7.
WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 8.
40
WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 8.
39
10
falecido, não lhe são transmitidos todos os direitos de que este era ou podia ser
titular.
Referido autor42 assevera, ainda, que “transmissíveis são, de
regra, ativa e passivamente, as relações jurídicas patrimoniais. Excetuam-se o
usufruto, o uso, a habitação, a renda vitalícia, o mandado, a empreitada de lavor,
a relação de emprego e a obrigação de prestar alimentos”.
Gomes43 acentua:
O direito das sucessões designa os sucessores e regula a
transmissão dos bens e das dívidas do autor da herança. Nesta
última parte, limita-se às relações patrimoniais. Dentre as que
extinguiam com a morte do devedor, conserva-se atualmente a
obrigação de alimentos por efeito de separação matrimonial. Um
dos raros direitos não-patrimoniais que podem ser exercidos pelo
herdeiro, por transmissão, é o direito moral do autor.
O fundamento do direito sucessório, devido à sua importante
função social, é a propriedade, conjugada ou não com o direito de família e,
conforme destaca Diniz:44
A possibilidade de transferir bens causa mortis é um dos
corolários do direito de propriedade, uma vez que, caso contrário,
a propriedade ficaria despida de um de seus caracteres, ou seja,
a perpetuidade. Kipp chega até afirmar que essa integração da
sucessão mortis causa à propriedade é tão necessária que, se
assim não fosse, esta última se desfiguraria, convertendo-se em
mero usufruto vitalício.
Compartilham desse entendimento Cahali e Hironaka:46
Prestigiando-se a propriedade privada, inclusive em harmonia
com o interesse social, como atualmente ocorre na grande
maioria dos países, o direito sucessório encontra fundamento no
próprio direito de propriedade. É o corolário do direito de
propriedade.
E prosseguem os mesmos autores:47
41
GOMES, Orlando. Sucessões, 2000. p. 10.
GOMES, Orlando. Sucessões, 2000. p. 10.
43
GOMES, Orlando. Sucessões, 2000. p. 10.
44
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004. p. 6.
46
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes.Curso avançado de
direito civil. Direito das sucessões. 2 ed. v. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 27
47
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 27.
42
11
A transmissão causa mortis é a decorrência lógica da
propriedade, tal como caracterizada, dentre outros aspectos, pela
perpetuidade e estabilidade da relação jurídica formada; ou sob
outro ângulo, é o complemento do direito de propriedade,
prolongando-se além da morte do seu titular.
Vale frisar o entendimento de Monteiro:48
Ademais, o direito das sucessões baseia-se ainda na importante
função social que desempenha, conservando unidades
econômicas a serviço do bem comum. Ocorreria, sem dúvida,
improdutivo dispêndio de energias se essas unidades devessem
desaparecer pela morte das pessoas que as criaram e as
mantiveram, impondo-se-lhes a restauração por outros homens.
A sociedade tem por isso o maior interesse na subsistência da
herança, porque, com a sucessão, sobrevivem tais unidades,
sem solução de continuidade, em benefício geral.
Verifica-se que o fundamento do direito sucessório é a
propriedade, justamente para que se preserve uma de suas características
principais, ou seja, a perpetuidade.
1.4 TIPOS DE SUCESSÃO
O direito sucessório tem como cerne a morte natural, pois
somente com ela dá-se início à abertura da sucessão, já que, sem o óbito do de
cujus não se configura a sucessão hereditária, tendo em conta que não há
herança de pessoa viva (viventus nulla est hereditas).49
Diniz50, a respeito do momento da abertura da sucessão:
No momento do falecimento do de cujus abre-se a sucessão,
transmitindo-se, sem solução de continuidade, a propriedade e a
posse de bens do defunto aos seus herdeiros sucessíveis,
legítimos ou testamentários, que estejam vivos naquele
momento, independentemente de qualquer ato.
Essa transmissão é automática, ou seja, opera-se de pleno
direito. A morte é o fato jurídico que transforma em direito aquilo que era, para o
48
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 8.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004. p. 23.
50
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004. p. 23.
49
12
herdeiro, mera expectativa; porém não há direito adquirido à herança a não ser
após o óbito do de cujus.51
No que pertine aos tipos de sucessão, pode-se dizer que,
quanto à fonte, divide-se em sucessão legítima, sucessão testamentária,
sucessão singular e sucessão universal.
No entendimento de Cahali e Hironaka52 “a sucessão causa
mortis pode ser classificada, também segundo a forma de destinação dos bens da
herança, ou quanto aos seus efeitos, como identificados por alguns autores, em
sucessão a título universal e a título singular”.
Referidos autores53 acrescentam que quem sucede a título
universal é herdeiro (pois sucede no todo ou em porção indefinida e abstrata da
herança) e quem sucede a título singular é legatário (porque sua parte da herança
é definida e determinada). Assim, finalizam:
A seu turno, é possível concluir que herança é o patrimônio do
defunto, compreendendo a universalidade de seu patrimônio,
salvo as exceções (...) enquanto legado é o bem ou o conjunto de
bens certos e determinados, integrantes da herança, deixado
pelo testador a alguém.
Constata-se que há dois tipos de sucessão, quais sejam, a
universal, na qual os sucessores são herdeiros, e a título singular, isto é,
testamentária, em que sucedem os legatários.
1.4.1 SUCESSÃO LEGÍTIMA
A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última
vontade, conforme prevê o artigo 1.786 do Código Civil. Quando decorre de
manifestação de última vontade, expressa em testamento, chama-se, como já
51
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004. p. 23.
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 53.
53
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 54.
52
13
mencionado, sucessão testamentária; quando se dá em virtude da lei, denominase sucessão legítima. 54
A esse respeito ensinam Cahali e Hironaka55:
O legislador traz a ordem de vocação hereditária, através da qual
designa aqueles que serão chamados para suceder, uns na falta
dos outros, ou em concorrência, vale dizer, a lei indica os
herdeiros da pessoa falecida. Por este meio, a transmissão se dá
sem a manifestação de última vontade do de cujus, indicando o
direito positivo as pessoas que, pelo grau de parentesco ou pelo
casamento e união estável, serão consideradas titulares da
herança, afirmando alguns autores que este meio de transmissão
representa o testamento tácito ou presumido da pessoa.
Sucessão legítima ou ab intestato é aquela que decorre de
lei cogente que determina quais pessoas têm o direito de suceder, em
conformidade com a ordem de vocação hereditária disposta pelo legislador.56
Consoante ensina Diniz57, com a morte de alguém, deve ser
verificado, inicialmente, se o de cujus deixou testamento indicando como será
partilhado seu patrimônio, e acrescenta:
Em caso negativo, ou melhor, se faleceu sem que tenha feito
qualquer declaração solene de última vontade; se apenas dispôs
parte dos bens em testamento válido; se seu testamento caducou
ou foi considerado ineficaz ou nulo, ou ainda se havia herdeiros
necessários, obrigando a redução da disposição testamentária
para respeitar a quota reservatória, a lei promoverá a distribuição,
convocando certas pessoas para receber a herança, conforme
ordem nela estabelecida, que se denomina ordem de vocação
hereditária.
Diniz58 conclui que nessas hipóteses ter-se-á sucessão
legítima, ou seja, aquela por determinação legal. E complementa:
A sucessão legal absorverá a totalidade da herança se o auctor
successionis falecer ab intestato, ou se nulo ou caduco for o
testamento por ele feito, e restringir-se-á à parte não
compreendida no testamento, se o testador não dispuser da
54
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões. 26 ed.v. 6. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 16
55
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.54.
56
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 407.
57
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 99.
58
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 99.
14
totalidade da herança e se houver herdeiros necessários, que
impõem o respeito à quota que lhes cabe.
Lisboa59
afirma
que
a
sucessão
legítima
é
direito
fundamental consagrado constitucionalmente, em prol de todos aqueles que podem
ser incluídos como herdeiros, até mesmo os filhos não havidos no casamento.
Segundo Rodrigues60 a ordem de vocação hereditária é
uma relação preferencial, estabelecida pela lei, das pessoas que são chamadas a
suceder ao finado. Consiste na distribuição dos herdeiros em classes preferenciais,
baseada em relações a família e de sangue.
É o que se depreende do artigo 1.829 do Código Civil:
Art. 1.829 A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge
sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime de
comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art.
1.640, parágrafo único); ou se, no regime de comunhão parcial, o
autor da herança houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Portanto, a base dessa sucessão é o parentesco, segundo
as linhas e os graus próximos ou remotos, respeitando-se a afeição conjugal.61
Diniz62 esclarece que, na sucessão legítima, os herdeiros
são convocados segundo tal ordem legal e, assim, uma classe de herdeiros só
será chamada quando faltarem herdeiros da classe precedente. Afirma, ainda:
Logo, se houver herdeiro sucessível de uma classe considerada
preferencial por razões especiais, ele será chamado à sucessão
do autor da herança, deixando de fora os herdeiros de outra
classe. A lei, ao fixar esta ordem, inspirou-se na vontade
presumida do finado de deixar seus bens aos descendentes ou,
na falta destes, aos ascendentes, sem olvidar, em ambos os
59
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p.407.
RODRIGUES, Sílvio. Direito das sucessões, 2003. p. 94.
61
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 100.
62
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 100.
60
15
casos, a concorrência com o cônjuge sobrevivo; não havendo
nenhum dos dois, ao consorte sobrevivente, e, na existência de
todas essas pessoas, aos colaterais, pois na ordem natural das
afeições familiares é sabido que o amor primeiro desce, depois
sobe em seguida dilata-se. Deveras, se o de cujus quisesse dar
seus bens a uma determinada pessoa, teria feito testamento; se
não o fez é porque se conformou que seus bens se
incorporassem ao patrimônio das pessoas arroladas na ordem de
vocação hereditária; daí se válida aquela presunção.
Compartilha desse mesmo entendimento Lisboa63:
Não havendo descendentes, os ascendentes deverão ser
chamados à sucessão juntamente com o cônjuge nas condições
citadas anteriormente, por preferirem aos parentes colaterais e,
não havendo convivente a suceder (pois o convivente não é
herdeiro vocacionado na ordem legal e, portanto, não se trata de
herdeiro necessário sob o ponto de vista formal), no caso de
herança jacente considerada vaga ou vacante, aos demais entes
elencados pela lei (Município, Distrito Federal e União).
Diniz64 assinala:
A vocação hereditária restringe-se ao rol apresentado pelo
Código Civil, no art. 1829, não se estendendo em beneficio de
outras pessoas, tais como: afins, concubino, pessoas
incapacitadas para o trabalho ou indigentes que estivessem sob a
total mantença do falecido, pessoas jurídicas, saldo as de direito
público interno e etc.
A sucessão legítima, portanto, é aquela decorrente de lei,
absorvendo integralmente a herança quando o de cujus não deixar testamento, ou
quando este for nulo. Tal espécie de sucessão estabelece a ordem de vocação
hereditária, enfim, quem são os sucessores a serem convocados para partilhar da
herança.
1.4.2 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
A sucessão testamentária, segundo Cahali e Hironaka65,
deriva de um ato de última vontade, representado por um testamento promovido
63
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 411.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 104.
65
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 51.
64
16
pelo autor da herança, na forma estabelecida em lei, sendo a pessoa, e não a lei,
que define seus sucessores.
Para Lisboa66, “sucessão testamentária é aquela que
decorre do ato revogável de última vontade do de cujus, por meio do qual ele
dispõe sobre o destino do seu patrimônio, a partir de sua morte”.
Ou, nas palavras de Gomes67, “testamentária é a sucessão
cuja devolução se regula, no todo ou em parte, conforme a vontade de defunto
expressa num ato jurídico, que se denomina testamento”.
Diniz68 destaca que “a sucessão testamentária é aquela que
a transmissão hereditária se opera por ato de última vontade, revestida da
solenidade requerida por lei, prevalecendo as disposições normativas naquilo que
for ius cogens, bem como no que for omisso o testamento”.
Nesse sentido, Lisboa70 acrescenta que “testamento é o
negócio jurídico unilateral e personalíssimo por meio do qual se opera a
transmissão dos bens, com a morte do testador, em prol de seus sucessores
livremente indicados”.
Referido autor71 destaca que a sucessão testamentária
afasta a incidência ampla da sucessão legítima, diante do caráter residual desta
última, aplicando-se sempre sobre, pelo menos metade dos bens deixados pelo
autor de herança.
Lisboa72, ainda, acrescenta que a sucessão legítima, porém,
prevalece sobre todos os bens e em qualquer hipótese, quando não há
testamento. Mas caso exista referido negócio jurídico, a vontade do testador é
que deverá ser observada, nos limites definidos em lei.
66
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004, p. 455.
GOMES, Orlando. Sucessões, 2000. p. 84.
68
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 163.
70
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 455.
71
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 456.
72
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 456.
67
17
O testador, em princípio, e desde que não tenha deixado
qualquer herdeiro necessário à época de sua morte, poderá dispor de todo seu
patrimônio, conforme explica Lisboa73, que afirma, ainda:
Assim, se o de cujus deixou descendentes, ascendentes ou
cônjuge sobrevivente, o seu poder de livre disposição será
delimitado pela legítima ao máximo de 50% (cinqüenta por cento)
dos bens de sua titularidade, a menos que todos os herdeiros
necessários tenham sido excluídos da sucessão por algum
motivo previsto na legislação (premoriência, comoriência,
deserdação).
Em todo e qualquer testamento tem que se fazer presentes
as condições de validade jurídica, tais quais, a capacidade testamentária ativa e
passiva, não haver deserdação e observância de todas as formalidades legais.
A capacidade testamentária ativa é a capacidade para
testar. Assim, são incapazes para fazer testamento: os menores de 16 anos, os
que não estiverem em seu perfeito juízo, conforme artigo 1.860 do Código Civil,
os surdo-mudos que não puderem exprimir sua vontade (CC, artigo 1.873) e as
pessoas jurídicas (CC, artigo 1.857).74
Diniz75, afirma que ao contrário, “a capacidade para adquirir
por testamento rege-se pela regra geral de que são capazes para tanto todas as
pessoas, físicas ou jurídicas, existentes ao tempo da morte do testador, não
havidas como incapazes” (CC, artigos. 1.798 e 1.799).
Ademais, segundo a mesma autora76, são absolutamente
incapazes para adquirir por testamento os não concebidos até a morte do
testador, exceto se a disposição testamentária se refere à prole eventual de
pessoa designada pelo testador, existente no momento da abertura da sucessão
(artigo 1.799, I); e as pessoas jurídicas de direito público externo (LICC, artigo 11,
§ 2º).
73
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 456.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 183.
75
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 183.
76
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 183.
74
18
Diniz77 acrescenta, ainda, que:
São relativamente incapazes para receber por testamento as
pessoas arroladas no artigo 1.801 do CC. Anulam-se todas as
disposições testamentárias em favor dos incapazes dos artigos
1.798 e 1.801, ainda quando simulem a forma de contrato
oneroso ou os beneficiem por interposta pessoa (CC, artigo
1.802, § único) .
A sucessão testamentária, diferentemente da legítima, dá
maior liberdade ao autor da herança, afastando a ampla incidência da sucessão
legal, permitindo que este escolha livremente seus sucessores, observados os
limites impostos pela reserva de legítima, caso existam herdeiros necessários.
1.4.3 SUCESSÃO UNIVERSAL
Diniz78 classifica a sucessão quanto a sua fonte, ou seja,
sucessão legítima e sucessão testamentária, bem assim, quanto aos seus efeitos,
hipótese em que a sucessão poderá ser universal ou singular.
Referida autora79 destaca, ainda:
A título universal, quando houver transferência da totalidade ou
de parte indeterminada da herança, tanto no seu ativo como no
passivo, para o herdeiro do de cujus (...). O herdeiro é, portanto,
chamado a suceder no todo ou numa quota-parte do patrimônio
do de cujus, sub-rogando-se abstratamente, na posição do
falecido, como titular da totalidade ou de parte ideal daquele
patrimônio no que concerne ao ativo, e assumindo a
responsabilidade relativamente ao passivo.
No mesmo entendimento Rodrigues 80 afirma:
Diz-se que a sucessão se processa a título universal quando o
herdeiro é chamado a suceder na totalidade dos bens do de
cujus, ou em uma parte alíquota deles, ou seja, o sucessor se
sub-roga na posição do finado, como titular da totalidade ou da
quota parte da universitas iuris, que é o seu patrimônio, de modo
que, da mesma maneira que se investe na titularidade de seu
ativo, assume a responsabilidade por seu passivo.
77
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 183.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 20.
79
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 20-21.
80
RODRIGUES, Silvio. Direito civil - direito das sucessões, 2003. p.17.
78
19
Wald81, a respeito do tema, acentua:
É a título universal quando se transfere ao sucessor a totalidade
do patrimônio do de cujus ou uma fração determinada dele,
abrangendo tanto o seu ativo como o seu passivo. Neste caso, o
sucessor é denominado de herdeiro. Essa sucessão só é
concebível nos casos de morte, pois a ninguém é lícito transferir
todos os seus bens em vida.
Por fim, pode-se dizer que a sucessão legítima será sempre
a título universal, transferindo-se aos herdeiros a totalidade ou uma quota parte
do patrimônio de cujus, ao contrário a sucessão testamentária, pode ser universal,
se o testador instituir herdeiro que lhe sucede no todo ou na quota ideal de seus
bens, ou singular, se o testador deixar a uma pessoa uma coisa discriminalizada,
um bem determinado. 82
1.4.4 SUCESSÃO SINGULAR
A sucessão se processa a título singular quando o testador
se dispõe a transferir ao beneficiário um bem certo e determinado.
A sucessão singular, segundo Cahali e Hironaka83 “implica
a transferência de bens determinados a pessoas determinadas. Dá-se apenas na
sucessão testamentária, onde a disposição de última vontade contempla um ou
vários beneficiários, com bem certo e determinado”.
Ensinam, ainda84:
O bem deixado denomina-se legado, e o beneficiário, legatário,
substituindo o falecido apenas na coisa legada. Este não deixa de
ser sucessor, mas tecnicamente não é considerado herdeiro em
sentido estrito, pois recebe a título singular, e não universal como
aquele tendo inúmeras conseqüências esta distinção (...).
81
WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 2.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 21.
83
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 53.
84
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 53.
82
20
Nas palavras de Diniz85 “a sucessão se dá título singular,
quando o testador transfere ao beneficiário apenas objetos certos e determinados,
por exemplo, uma jóia”.
sucessão:
Acrescenta referida autora86 que, nessa espécie de
É o legatário que sucede ao de cujus em bens ou direitos
determinados ou individualizados, ou em fração do patrimônio
devidamente individuada, sub-rogando-se, de modo concreto, na
titularidade jurídica de determinada relação de direito, sem
representar o falecido, pois não responde pelas dívidas e
encargos de herança, já que sucede apenas in rem aliquam
singularem.
Vale ressaltar, nas palavras de Wald87 que, “diferentemente
da sucessão a título universal, a sucessão a título singular pode ocorrer em
virtude de ato inter vivos ou de falecimento. Seu beneficiário, neste caso, é
chamado de legatário”.
1.5 ESPÉCIES DE HERANÇA
O objeto da sucessão causa mortis é a herança, uma vez
que, com a abertura da sucessão, transmite-se o patrimônio, tanto o ativo como o
passivo, até o limite da herança aos seus sucessores, os quais se sub-rogam nas
relações jurídicas do falecido. Tem-se um privilégio legal concedido aos
sucessores de serem admitidos à herança do de cujus, sem obrigá-los a
responder pelos encargos além do acervo hereditário.88
Lisboa89 acrescenta:
A herança é a universalidade ou totalidade dos direitos ou
obrigações abstratamente considerados que integram o
patrimônio deixado pelo falecido, em face da sua morte,
suscetíveis de transmissão aos seus respectivos herdeiros.
85
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p.21.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p.21.
87
WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 2-3.
88
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 38.
89
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004, p. 368.
86
21
Wald90 complementa que a herança é o conjunto de direitos
e deveres patrimoniais, ou seja, a universalidade das relações jurídicas de caráter
patrimonial, nas quais o falecido era sujeito ativo e passivo. E acrescenta:
A herança pode apresentar um caráter positivo ou negativo. Isto
é, na compensação do seu ativo e passivo, podemos chegar à
conclusão que o primeiro supera o segundo, havendo superávit,
ou que, ao contrário, é por ele ultrapassado, ocorrendo déficit.
Tem-se, no primeiro caso, a herança positiva, e no segundo, a
herança negativa, caracterizada pela existência de dívidas
superiores aos haveres.
Cahali e Hironaka91 esclarecem:
Ao tratar de direito das sucessões, direcionam-se as normas
legais principalmente à destinação do patrimônio deixado pela
pessoa falecida, indicando seus herdeiros (sucessão legítima), às
regras pertinentes à nomeação de sucessores, por disposição de
última vontade, com as respectivas formalidades e restrições
(sucessão testamentária) e à forma com que se dará essa
transmissão.
Asseveram referidos autores:92
Substitui-se o sujeito (o sucessor assume os direitos e obrigações
do falecido), mantendo-se íntegra a relação jurídica mesmo após
o desaparecimento do seu primitivo titular, não se aplicando,
nestas condições, o preceito mors omnia solvit.
Assim pode-se dizer que há três espécies de herança, quais
sejam, a herança testamentária, baseada na vontade do testador; a herança
legítima, com base nos dispositivos legais, onde estão estabelecidas quais
pessoas têm o direito de suceder, conforme a ordem de vocação hereditária e a
herança necessária, que é aquela destinada aos herdeiros necessários
(ascendentes, descendentes e o cônjuge), ou seja, se houver herdeiros
necessários não se pode testar 50% do patrimônio do de cujus.
1.6 ESPÉCIES DE SUCESSORES
90
WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 2.
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 30.
92
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 31.
91
22
Com relação aos sucessores, pode-se dizer que se
subdividem em herdeiros e legatários, podendo ainda os herdeiros ser
testamentários e legítimos, e este último necessário e facultativo.93
Herdeiro legítimo é a pessoa indicada no dispositivo de lei
como sucessor nos casos de sucessão legal, a quem se transmite a totalidade ou
quota-parte da herança.94
Cahali e Hironaka95 acrescentam:
Herdeiros legítimos são aqueles sucessores eleitos pela
legislação, através da ordem de vocação hereditária (art. 1819),
ou por regra especial, como ocorre na sucessão entre
companheiros decorrente da união estável (CC, art. 1790).
Aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e o
cônjuge) pode-se dizer que são reservados cinqüenta por cento, ou seja, não se
pode testar livremente se houver herdeiros necessários, conforme prevêem os
artigos 1.845 e 1.846 do Código Civil.
Gomes96, nesse sentido, destaca:
Herdeiro necessário é o parente com direito a uma quota-parte da
herança, da qual não pode ser privado. A parte reservada aos
herdeiros legitimados chama-se legítima. Constitui-se, entre nós,
da metade dos bens do falecido.
Acresce97, ainda, que a existência de herdeiros necessários
impede a disposição, por ato de última vontade, dos bens constitutivos da legítima
ou reserva.
Nesse mesmo sentido Cahali e Hironaka98 acrescentam:
93
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 56.
94
GOMES, Orlando. Sucessões, 2000. p. 36.
95
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 56.
96
GOMES, Orlando. Sucessões, 2000. p. 37.
97
GOMES, Orlando. Sucessões, 2000. p. 37.
98
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 57.
23
Herdeiros necessários, assim, é o parente com direito a uma
parcela mínima de 50% do acervo, da qual não pode ser privado
por disposição de última vontade, representando a sua existência
uma limitação à liberdade de testar.
Segundo
Lisboa99,
“herdeiros
necessários
são
os
sucessores dos quais não se pode retirar direito à herança, senão e face da ação
de indignidade ou de cláusula testamentária de deserdação”.
Acrescenta referido autor: 100
Aos herdeiros não necessários não se outorga o direito à metade
disponível porque eles não são herdeiros reservatórios, ou seja,
apenas os herdeiros necessários têm o direito de reserva da
legítima, que se faz mediante titulo universal. Se o herdeiro
necessário, porém, renunciar à herança, perderá a reserva e, por
conseqüência, todo o direito à legítima.
Já os herdeiros testamentários são aqueles beneficiados
por ato de disposição de última vontade e conforme explicam Cahali e
Hironaka:101
Que além de herdeiros testamentários podem ser considerados
herdeiros legítimos, ou seja, quando se quer favorecer mais um
sucessor em relação aos demais sucessores de uma mesma
classe de preferência concorrentes entre si.
Os legatários são herdeiros instituídos por testamento para
receber determinado bem, certo e individualizado, e a título singular.
Cahali e Hironaka102 nos ensinam que:
(...) podem igualmente coincidir com a pessoa dos próprios
herdeiros legítimo ou testamentário, mas, pelas disposições de
última vontade, em relação ao legado, em face da sucessão, terá
também esta qualidade própria e específica.
99
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 412413.
100
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 413.
101
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 56-57.
102
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 57.
24
E por fim, os herdeiros legítimos que não estiverem
colacionados na categoria dos herdeiros necessários são os chamados herdeiros
facultativos.103
Concluem-se, assim, as considerações gerais acerca do
direito sucessório, passando-se agora ao estudo do instituto da união estável.
103
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 58.
25
CAPÍTULO 2
DO INSTITUTO DA UNIÃO ESTÁVEL
Feitas as considerações necessárias acerca do direito
sucessório, cumpre estudar a partir deste momento o instituto da união estável.
Para atingir tal finalidade, dividiu-se o presente capítulo em quatro partes,
começando
pelas
considerações
históricas
e
conceito,
passando
pelas
características pertinentes aos conviventes, companheiros e concubinos,
concluindo com a exposição dos requisitos configuradores da união estável.
2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DO INSTITUTO DA UNIÃO
ESTÁVEL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Ao matrimônio contrapõe-se o companheirismo, o qual consiste
numa união livre e estável de pessoas de sexos diversos, que não estão entre si
ligadas pelo casamento civil. 104
No passado, o concubinato se fez presente ante a ordem
jurídica, ora admitido por ela em determinadas circunstâncias, ora marginalizado,
mas, sempre, como fato socialmente relevante.105
Venosa106 acentua:
Durante muito tempo o legislador viu o casamento a única forma de
constituição da família, negando efeitos jurídicos à união livre, mais
ou menos estável, traduzindo essa posição em nosso Código Civil do
século passado. Essa posição dogmática, em um país no qual o
largo percentual da população é historicamente formado de uniões
104
DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família. 19 ed. v. 5 Editora Saraiva: São
Paulo, 2004. p. 335.
105
BORGHI, Hélio. Casamento e união estável. 2º Ed. Editora Juarez de Oliveira: São Paulo,
2003. p. 3.
106
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito de família. 5º Ed. Atlas: São Paulo, 2005. p. 54.
26
sem casamento, persistiu por tantas décadas em razão de
inescondível posição e influencia da Igreja Católica. Coube por isso,
a partir da metade do século XX, tecer posições em favor dos direitos
dos concubinos, preparando terreno para a jurisprudência e para a
alteração legislativa. Com isso, por longo período, os tribunais
passaram
a
reconhecer
direitos
aos
concubinos
na
esfera
obrigacional.
Assim, dentre diversos períodos do Direito Romano já existia o
concubinato, pois havia proibição de casamento entre determinadas pessoas,
como as que pertenciam a classes sociais desiguais.107
Posteriormente, o concubinato foi totalmente combatido pelo
Direito Canônico, pois a Igreja, principalmente na Idade Média, era contra tal
status. No entanto, diante das impossibilidades de extinguir foi aos pouco
concedendo efeitos e procurando assegurar a monogamia e a estabilidade dos
relacionamentos, sem, portanto, ratificar tais uniões.108
Borghi109 ensina:
O concubinato, pelos contornos atuais, agora como união estável,
não poderia deixar de despertar o interesse da ordem jurídica, seja
pela proteção aos filhos havidos na constância da união, a terceiros e
aos próprios companheiros em suas mútuas relações.
No direito brasileiro começaram a ser reconhecidos os direitos
da companheira a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, com o propósito de estabelecer proteção efetiva às uniões estáveis.
Diniz110 assevera:
A Constituição Federal, ao conservar a família, fundada no
casamento, reconhece como entidade familiar a união estável,
notória e prolongada de um homem com um a mulher, vivendo ou
não sob o mesmo teto, sem vínculo matrimonial, desde que tenha
condições de ser convertida em casamento, por não haver
impedimento legal para a sua convolação. A proteção jurídico107
BORGHI, Hélio. Casamento e união estável, 2003. p. 01.
BORGHI, Hélio. Casamento e união estável, 2003. p.04.
109
BORGHI, Hélio. Casamento e união estável, 2003. p. 03.
110
DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família, 2004. p. 335-336.
108
27
constitucional recai sobre uniões matrimonizadas e relações
convivenciais more uxório, que possam ser convertidas em
casamento.
Referida autora111 acrescenta que, com isso, a união estável
perde a o status de sociedade de fato e ganha o de entidade familiar. Assim, não
pode ser confundida com a união livre pois, nesta, duas pessoas de sexos
diferentes, além de não optarem pelo casamento, não têm nenhuma intenção de
constituir família.
Monteiro112 ensina que:
Inegável, todavia, a generalização do fato social, que terminou por
ser reconhecido juridicamente; a união estável ganhou respaldo
constitucional, estabelecendo o art. 226, § 3º, da Lei Maior que
merece proteção do Estado. Quanto à inexistência de definição dos
deveres oriundos da união estável na legislação anterior, o Código
Civil de 2002 procurou atribuir-lhes efeitos que contêm deveres e não
só direitos, como o dever de lealdade, que engloba a fidelidade entre
os companheiros (art. 1724), além de estabelecer vínculo de
afinidade entre um dos partícipes dessa relação e os parentes do
outros (art. 1595), e impedimentos na sua constituição, quase iguais
aos do casamento (art. 1723, § 1º).
A Constituição Federal em seu artigo 226, § 3º dispõe, in
verbis:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a
lei facilitar a sua conversão em casamento.
Pereira113 acentua:
A idéia tradicional de família, para o Direito brasileiro, é de que se
constitui de pais e filhos unidos a partir de um casamento regulado
pelo Estado. Mas a partir de 1998, a Constituição Federal (art. 226)
ampliou esse conceito, reconhecendo como entidade familiar a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes,
bem, como a união estável entre o homem e a mulher. Isso significa
111
DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família, 2004. p. 335-336.
MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de família. 2 vol. 37º Ed.
Saraiva: São Paulo, 2004. p. 37.
113
PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código
civil. 6º Ed. Del Rey: Belo Horizonte, 2001. p. 06.
112
28
uma grande evolução na ordem jurídica brasileira em relação ao
conceito de família.
Segundo Monteiro114, promulgada a Lei n° 8.971, de 29 de
dezembro de 1994, foram estabelecidos em seus artigos os requisitos da união
estável, tais como o estado civil de solteiro, separado judicialmente, divorciado e
viúvo e o prazo de cinco anos de duração da união ou a existência de prole. Essa
lei foi a primeira a reconhecer o direito a alimentos (art. 1º) e os direitos
sucessórios aos companheiros (art. 2º).
Acrescenta referido autor115 que a Lei 9.278, de 10 de maio de
1996, reconheceu, como entidade familiar:
A convivência duradoura pública e contínua de um homem e uma
mulher, com a finalidade de constituição de família, estabelecendo
direitos e deveres de cunho pessoal e patrimonial aos conviventes, a
presunção de que os bens adquiridos, a título oneroso, na constância
da união estável, são fruto do trabalho e da colaboração comum dos
companheiros, passando a pertencer, em partes iguais, a ambos,
salvo estipulação em contratual em contrário, e o direito real de
habitação do convivente sobre imóvel destinado à residência da
família, em caso de morte do companheiro.
Nesse sentido, adverte Pereira116 que, coerente com a
caracterização de união estável regulada pela Lei 9.278/96, o Código Civil de
2002 exige, no seu artigo 1.723, que a união seja pública, contínua, duradoura,
objetivando a constituição de família, sem fixar um prazo mínimo para se
constituir entidades familiares.
O Código Civil em vigor estabelece, em seu artigo 1.724,
acerca dos deveres dos companheiros, ou seja, lealdade, respeito, assistência,
guarda, sustento e educação aos filhos e dispõe, em seu artigo 1.725, sobre o
regime de bens a ser aplicado nestas uniões, qual seja, o regime da comunhão
parcial de bens.
114
MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de família, 2004. p. 39-40.
MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de família, 2004. p. 40.
116
PEREIRA, Caio Mario Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família. vol. V. 16 ed.
Forense, Rio de Janeiro, 2006. p. 545.
115
29
2.2 CONCEITO
Diniz118 conceitua a união estável como uma união duradoura
de pessoas livres e de sexos diferentes, que não estejam ligadas entre si por
casamento civil.
Já Rodrigues119 entende tal instituto como a união do homem e
da mulher, fora do matrimônio, de caráter estável, mais ou menos prolongada
objetivando a satisfação sexual, assistência mútua e dos filhos comuns,
implicando numa presunção de fidelidade da mulher ao homem.
Pereira
120
ensina, em resumo, que “união estável é a relação
afetivo-amorosa entre um homem e uma mulher, não adulterina e não incestuosa,
como estabilidade e durabilidade, vivendo sob o mesmo teto ou não, constituindo
família sem vínculo do casamento civil”.
O concubinato consiste na união de um homem com uma
mulher, sem ligações pelos vínculos matrimoniais, durante tempo duradouro, sob
o mesmo teto, ou diferente, com aparência de casados more uxório.121
Segundo Pedrotti:122
Concubinato é o mesmo que hemigamia, que é o matrimônio livre
(matrimonium vocatur), ou casamento de fato. Observa-se que
genericamente a expressão diz respeito a um homem e a uma
mulher que vivam juntos sem ser casados, mas como se assim
fossem. Ressalta-se que more uxório significa conforme o costume
de mulher casada, ou consoante determina o casamento.
Ainda referido autor123 dispõe que a união estável entre o
homem e a mulher está reconhecida como entidade familiar pela Constituição da
118
DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família, 2004. p. 374.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito de família, 2002. p. 287.
120
PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código
civil. 6º Ed. Del Rey: Belo Horizonte, 2001. p. 29.
121
PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável. 5 ed. Universitária de Direito: São
Paulo: 2002. p. 8.
122
PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável, 2002. p. 8.
123
PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável, 2002. p. 9.
119
30
República Federativa do Brasil de 1988. Assim, os motivos inspiradores que
ensejaram o Código de 1916 não mais encontram evidência na realidade da
família brasileira.
Importante ressaltar, no entendimento de Pedrotti124, que o
concubinato constitui uma situação fática que pode gerar conseqüências jurídicas,
e acrescenta:
Logo, é um fato jurídico diante de uma realidade social com
valoração dos homens a todo instante e com aceitação nas
legislações modernas, pois, considera-se fato jurídico qualquer
acontecimento ao qual o corpo jurídico positivo concede
conseqüências jurídicas. O que se evidencia tanto na doutrina como
na jurisprudência, é que o concubinato como situação geradora de
direitos e obrigações, deve revestir-se de condição moral.
Monteiro125 assevera que a união estável é a relação lícita
entre o homem e a mulher, visando à formação de família, sendo chamados os
partícipes desta relação de companheiros, conforme artigo 1.723 do Código Civil.
O concubinato, por sua vez, consiste em relação que não merece a proteção do
direito de família, dado seu caráter adulterino, e são denominados concubinos os
seus participantes, na forma do artigo 1.727 do citado diploma legal.
Prelecionam os mencionados dispositivos:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável
entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida como o objetivo de constituição
de família.
Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher,
impedidos de casar, constituem concubinato.
Venosa 126nesse sentido explica:
Contemplada a terminologia união estável e companheiro na
legislação mais recente, a nova legislação colocou os termos
concubinato e concubinos na posição de uniões de segunda classe,
ou aquelas para as quais há impedimentos para o casamento. Isso
fica muito claro no vigente Código Civil em seu artigo 1.727. Trata-se
do outrora denominado concubinato impuro. Concubinato apresenta
o sentido etimológico de comunhão de leito cum (com) cubare
(dormir).
124
PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável, 2002. p. 11.
MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de família, 2004. p.30.
126
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito de família, 2005. p. 54.
125
31
Cavalcanti 127 esclarece que:
Mesmo considerando o casamento a forma única e exclusiva de
constituição de família, a união extramatrimonial sempre esteve
presente na realidade social, embora não possamos negar que seu
significado sofreu relevante modificação desde os tempos mais
antigos (...).
Referida autora
128
afirma que, em síntese, considera-se união
estável o relacionamento entre um homem e uma mulher que intencionam formar
uma entidade familiar sem as formalidades atribuídas ao casamento.
Venosa129 destaca, ainda, que o concubinato ou a união são
fatos sociais e fatos jurídicos, sendo essa a sua natureza. O casamento, por outro
lado, é um fato social e um negócio jurídico. Considerando-se que fato jurídico é
qualquer acontecimento que gera conseqüências jurídicas, a união estável é um
fato do homem que, gerando efeitos jurídicos, torna-se um fato jurídico.
Verifica-se, portanto, o reconhecimento da união estável como
entidade familiar, o qual sua proteção é devida pelo Estado, mas sem
equiparação formal ao casamento ou união legítima, uma vez que o dispositivo
constitucional faz distinção entre casamento e união estável.130
2.3
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS NOMENCLATURAS CONVIVENTES,
COMPANHEIROS E CONCUBINOS
A promulgação da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, buscando garantir proteção à união estável, atentou para os
conceitos jurídicos modernos.131
127
CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e
efeitos pessoais. 1 ed. Manole: São Paulo, 2004. p. 67.
128
CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e
efeitos pessoais, 2004. p. 67.
129
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito de família, 2005. p. 58.
130
PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável, 2002. p. 199.
131
ROSA, Patrícia Fontanela. União estável. a eficácia temporal das leis regulamentadoras. 1º
Ed. Diploma Legal: Florianópolis, 1999. p. 37-38.
32
Referida legislação estabelece novas concepções para o
direito concubinário, principalmente, a partir das uniões estáveis, como um fato
social marcante em nosso país.132
Nesse sentido Rosa133, esclarece:
O termo concubinato, sinônimo de convivência, foi alterado para
união estável quando finalmente, reconheceu-se a existência da
família de fato, formada à margem do matrimonio, que não tinha
proteção do poder político e fora ignorada pela legislação.
Pereira134 complementa que a Lei 8.971/94 preferiu usar a
palavra “companheiros” no lugar de “concubinos” para designar os sujeitos de
uma relação concubinária ou, nos termos da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, de uma união estável.
Referido
autor135
menciona,
ainda,
que
sem
nenhuma
explicação lógica, talvez por capricho do legislador, a Lei 9.278/96 substituiu a
expressão “companheiro” por “convivente”. O Código Civil de 2002, com redação
aprovada pelo Congresso Nacional em agosto de 2001, preferiu utilizar a
expressão “companheiros” na parte que trata especificamente sobre união
estável, mas também usou a expressão “convivente” ao tratar dos alimentos no
artigo 1.694.
Prossegue o mesmo autor136:
Entretanto, a determinação e a nomeação dos sujeitos de uma
relação concubinária serão aquelas que o costume consagrar, como
já vinha acontecendo com a expressão companheiros, adotada em
vários textos normativos, desde 1975, com a alteração da Lei.
6.015/73.
132
PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código
civil, 2001. p. 34.
133
ROSA, Patrícia Fontanela. União estável. A eficácia temporal das leis regulamentadoras,
1999. p. 37.
134
PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código
civil, 2001. p. 67.
135
PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código
civil, 2001. p. 69.
136
PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código
civil, 2001. p. 69.
33
A expressão união estável, tal como foi inserida no texto
constitucional, veio a substituir a expressão concubinato. Pode-se dizer que,
união estável é o concubinato não-adulterino.137
Pereira138 assinala:
O concubinato adulterino, em razão do princípio jurídico da
monogamia, não recebe a proteção do Estado como uma forma de
família. Os direitos decorrentes do concubinato adulterino não estão
no campo do Direito de Família, mas na teoria das sociedades de
fato, no direito obrigacional, que encontra respaldo e fundamentação
teórica para justificá-lo.
Pedrotti139 entende:
O concubinato e/ou a sociedade de fato e/ou união estável não cria,
em verdade um estado civil e nem modifica a condição jurídica que a
pessoa tem. Tratando-se de alguém que viva more uxório será
considerado concubino, companheiro, unido estavelmente, por se
encontrar configurada essa situação jurídica.
Nota-se na doutrina que a união estável ou concubinato pode
ser puro ou impuro.
Assim, Diniz140 destaca:
Será puro se apresentar como uma união duradoura, sem casamento
civil, entre o homem e a mulher livres e desimpedidos, isto é, não
comprometidos por deveres matrimoniais ou por outra ligação
concubinária. Assim, vivem em união estável ou concubinato puro:
solteiros, viúvos, separados judicialmente ou de fato e divorciados.
(...). Concubinato impuro ou simplesmente concubinato, são as
relações não eventuais em que um dos amantes ou ambos estão
comprometidos ou impedidos legalmente de se casar.
Referida autora141 complementa, dizendo:
No concubinato há o panorama de clandestinidade que lhe retira o
caráter de entidade familiar, visto que não poder ser convertido em
casamento. Apresenta-se como: adulterino, se se fundar no estado
de cônjuge de um ou de ambos os concubinos e incestuoso, se
houver parentesco próximo entre os amantes.
137
PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código
civil, 2001. p. 02-03.
138
PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código
civil, 2001. p. 03.
139
PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável, 2002. p. 191.
140
DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família, 2004. p. 345-346.
141
DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família, 2004. p. 346-347.
34
Compartilha desse entendimento Pereira142: “concubinato é um
gênero que comporta duas espécies: o concubinato adulterino, a que se tem
denominado simplesmente de concubinato, e o não-adulterino, que se pode
denominar união estável”.
A Súmula 380 consolidou a respeito da divisão de haveres no
concubinato, utilizando-se de tal nomenclatura: “comprovada a existência da
sociedade de fato entre os concubinos é cabível a sua dissolução judicial com
partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. 143
Por fim,
vale
ressaltar
a
importância
do
estudo
das
nomenclaturas “conviventes”, “companheiros” e “concubinos”, uma vez que, em
cada momento histórico usou-se uma denominação diferente.
2.4
REQUISITOS CARACTERIZADORES DA UNIÃO ESTÁVEL
Tratando-se de situação elevada à categoria de ordem
jurídico-constitucional, a união estável terá de estar condicionada a alguns
elementos caracterizadores para que seja reconhecida como instituidora de
família.145
Nesse sentido observa Cavalcanti 146:
A união estável possui características diversas do casamento e a
principal diferença entre os dois institutos é que o casamento é
consolidado por um ato jurídico solene, sendo regulamentado por
normas rígidas de ordem pública, que definem sua validade e
eficácia.
Referida autora147 esclarece, ainda:
142
PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código
civil, 2001. p. 29.
143
ROSA, Patrícia Fontanela. União estável. A eficácia temporal das leis regulamentadoras,
1999. p. 34.
145
BORGHI, Hélio. Casamento e união estável, 2003. p. 5.
146
CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e
efeitos pessoais, 2004. p. 113.
147
CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e
efeitos pessoais, 2004. p. 113.
35
De outro lado, a união estável, diferentemente do casamento civil,
se encontra prevista no ordenamento jurídico com certa
“liberdade” na sua constituição. Trata-se de fato jurídico não
solene, de formação sucessiva e complexa. Ou seja, somente
após a configuração de certos elementos é que finalmente
poderá ser reconhecida como entidade familiar pelo sistema
jurídico. Isto quer dizer que a união estável precisa se adequar a
certos elementos para que seja finalmente reconhecida como fato
jurídico.
Cavalcanti148complementa:
Que a união estável se diferencia do casamento quanto à sua
constituição, seus efeitos e quanto ao momento de incidência
desses efeitos. Contudo, reconhecida como um fato jurídico, deve
ser sempre protegida pelo Estado, como forma legítima de
família.
Como elementos que integram ou que caracterizam a união
estável pode-se dizer, a durabilidade da relação, a diversidade de sexos,
exclusividade, inexistência de impedimentos matrimoniais, convivência more
uxório, a construção patrimonial em comum, affectio maritalis, a coabitação,
fidelidade, notoriedade, a comunhão de vida, enfim, tudo aquilo que faça a
relação parecer um casamento. É a posse de estado de casado.149
Nesse sentido, o artigo 1.724 do Código Civil dispõe, in
verbis, “As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de
lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”.
Monteiro150 destaca os pressupostos para que se reconheça
a entidade familiar apta a produzir efeitos pessoais e patrimoniais, tais quais, a
união estável, com constituição de família, entre um homem e uma mulher;
convivência sob o mesmo teto prolongada, pública e contínua; capacidade civil
dos companheiros; a inexistência de impedimento matrimonial, salvo no caso de
casamento, se houver separação de fato.
A diversidade de sexos trata-se de requisito essencial para a
consolidação, existência e validade de uma união estável caracterizada como
148
CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e
efeitos pessoais, 2001. p. 114.
149
PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código
civil, 2001. p. 29.
150
MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de família, 2004. p.36.
36
entidade familiar para o sistema jurídico atual. Esse elemento está disposto no
artigo 226, § 3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988151, o
qual determina:
Art. 226, § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre homem e mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento.
Cavalcanti 152 assinala que:
A exclusividade está relacionada com o princípio da monogamia,
uma vez que se trata de um princípio de direito de família
aplicável a qualquer forma de entidade familiar prevista em nosso
sistema jurídico, com o direito e o dever de respeito e
consideração.
Outro elemento, a durabilidade, ou seja, a continuidade do
relacionamento, é um dos requisitos que diferenciam a união estável do
casamento, posto que, no casamento, a sua configuração se dá pela própria
celebração, sem ser necessária a comprovação da durabilidade e estabilidade da
relação. Por outro lado, este aspecto é extremamente relevante na união
estável.153
No que pertine à notoriedade, assevera Borghi:154
Considerada também como elemento essencial para a
caracterização das relações concubinárias, a notoriedade
significa em linhas gerais, o conhecimento de terceiros das
afeições recíprocas entre os concubinos. A notoriedade é
elemento complementar à noção de fidelidade, pois torna pública
a situação de quase-casados que é representada.
Diniz155 acrescenta:
A convivência more uxória deve ser notória, os companheiros
deverão tratar-se, socialmente, como marido e mulher, aplicandose a teoria da aparência, revelando a intentio de constituir família,
151
CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e
efeitos pessoais, 2004. p. 117.
152
CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e
efeitos pessoais, 2004. p. 118.
153
CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e
efeitos pessoais, 2004. p. 120.
154
BORGHI, Hélio. Casamento e união estável, 2003. p. 7.
155
DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. direito de família, 2004. p. 341.
37
traduzida por uma comunhão de vida e interesses, mesmo que
não haja prole comum.
Referida autora156 destaca, ainda:
A união estável por ter a aparência de casamento, ante a
circunstância de que o próprio casamento pode haver uma
separação material dos consortes por motivo de doença, de
viagem ou de profissão, a união estável pode existir mesmo que
os companheiros não residam no mesmo teto, desde que haja
notório que sua vida se equipara à vida de casados civilmente.
Isto se dá a coabitação.
Nesse mesmo sentido dispõe a Súmula 382 do Supremo
Tribunal Federal: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é
indispensável à caracterização do concubinato”.
Segundo Cavalcanti157, “referida súmula não afastou a
coabitação, mas demonstrou que, em situações excepcionais, poderia ser
desconsiderada a convivência more uxória sob o mesmo teto, para que se
caracterizasse o concubinato”.
Monteiro158 acrescenta:
As relações de caráter meramente afetivo não configuram união
estável. Simples relações sexuais, ainda que repetidas por largo
espaço de tempo, não constituem união estável. A união estável,
que é manifestação aparente de casamento, caracteriza-se pela
comunhão de vidas, no sentido material e imaterial, isto é, pela
constituição de família. Pode acontecer, entretanto, que não
convivam sob o mesmo teto, desde que tenham justa cauda para
tanto, como necessidades profissionais, pessoais ou familiares
que impeçam a unicidade domiciliar.
A permanência estável da relação, também é requisito da
união estável, uma vez que, embora a lei não estabeleça um prazo determinado
de duração para a sua configuração, é necessário que a convivência seja
contínua e duradoura, conforme está disposto no artigo 1.723, caput do Código
Civil.159
156
DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. direito de família, 2004. p. 343.
CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. requisitos e
efeitos pessoais, 2004. p. 135.
158
MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. direito de família, 2004. p.31.
159
MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de família, 2004. p. 33.
157
38
Venosa160, a respeito do tema, acentua:
O objetivo de constituição de família é corolário de todos os
elementos legais antecedentes. Não é necessário que o casal de
fato tenha prole comum, o que se constituiria elemento mais
profundo para caracterizar a entidade familiar. Contudo, ainda
que sem filhos comuns, a união tutelada é aquela intuitu familiae,
que se traduz em uma comunhão de vida e interesses.
Pereira161
ensina
que,
em
síntese,
os
elementos
caracterizadores da união estável são os que delineiam o conceito de família, e
acrescenta:
Não é a falta de um desses elementos aqui apresentados que
descaracteriza ou desvirtua a noção de união estável. O
importante, ao analisar cada caso, é saber se ali, na somatória
dos elementos, está presente um núcleo familiar, ou, na
linguagem do artigo 226 da Constituição da República, uma
entidade familiar. Se aí estiver presente uma família, terá a
proteção do Estado e da ordem jurídica.
Por fim, pode-se concluir que a afeição familiar não significa
a continuidade ou durabilidade de relacionamentos afetivos, e sim a vontade de
estar ligado a alguém com laços familiares, ou seja, é o objetivo de constituir
família. É exatamente essa união que deve ser considerada como entidade
familiar da forma como prevista na Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 e na legislação ordinária vigente,162
Verificados os requisitos caracterizadores do instituto da
união estável, faz-se necessário, para alcançar o objetivo deste trabalho, estudar
especificamente a sucessão legítima na união estável, o que se passa a fazer no
próximo capítulo.
160
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. direito de família, 2005. p. 61.
PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código
civil, 2001. p. 34.
162
CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e
efeitos pessoais, 2004. p. 139-140.
161
39
CAPÍTULO 3
DA SUCESSÃO LEGÍTIMA NA UNIÃO ESTÁVEL
O objetivo maior deste capítulo consiste em verificar os
direitos sucessórios decorrentes da União Estável, em virtude do falecimento de
um dos companheiros, tendo em conta ser referido instituto caracterizado pelo
preenchimento dos seus requisitos de constituição.
Para tanto, dividiu-se o presente capítulo em sete partes,
abordando-se os seguintes temas, após as devidas considerações introdutórias:
direito real de habitação, ordem de vocação hereditária dos companheiros,
descendentes concorrendo com o companheiro, ascendente concorrendo com
companheiro, colaterais até 4º grau concorrendo com companheiro e, finalmente,
companheiro recebendo a totalidade da herança.
3.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
O concubinato, na legislação anterior, especificamente no
Código de 1916, tratava de restringir os direitos da concubina, ao privá-la de
doações ou mesmo deixas testamentárias quando casado o seu parceiro. A
legislação direcionava-se a impor sanções à convivência concubinária, tratando
exclusivamente dos seus efeitos negativos, sempre em nome da valoração do
casamento.163
No entanto, com o advento da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, através da institucionalização da relação
concubinária, à união estável deu-se a categoria de entidade familiar, outorgando-
163
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 222.
40
lhe especial proteção do Estado (CF, art. 226, § 3º). Nesse sentido, muito se
debateu se teria ou não havido equiparação da união estável ao casamento. 164
Nesse sentido, Rodrigues165 assevera:
A evolução da família constituída fora do casamento foi um dos
aspectos marcantes do direito brasileiro, na segunda metade do
século XX. A posição inicial do Código Civil de 1916 era de franca
hostilidade com relação às famílias extramatrimoniais, que,
entretanto, pouco a pouco, mas de forma inevitável, vierem
ganhando amparo e reconhecimento, até a Constituição de 1988,
em que se proclama como tantas vezes foi dito, que a união
estável entre o homem e a mulher está sob a proteção do Estado,
devendo a lei facilitar-lhe a conversão em casamento.
Cahali166 afirma que, especificamente sobre o direito
sucessório, a posição predominante se orientou no sentido de que não houve
equiparação da união estável ao casamento, enfim, não se conferiu ao
companheiro, pelo só texto constitucional, a vocação hereditária diante do
falecimento do outro, como se casado fosse. Esta posição se confirma pelo
tratamento sucessório diferenciado entre cônjuges e conviventes no Código Civil
de 2002.
A polêmica teve importância por pouco tempo, diante da Lei
n. 8.971/94 que, em seu artigo 2º, instituiu expressamente o direito sucessório
decorrente da união estável, desde que presentes, entre outros requisitos, a
permanência em união estável no decurso de cinco anos de convivência e filhos
em comum.167
Após, uma nova polêmica surgiu, com o advento da Lei
9.278/96, que trouxe à união estável nova definição, em seu artigo 1º: “É
reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua,
de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituir família”.
164
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.223.
165
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 116.
166
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.224.
167
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.224.
41
Ou seja, pode-se caracterizar a união estável independentemente do estado civil
dos companheiros e do transcurso temporal da convivência.168
Cahali entende que a inferioridade a que foi reduzido o
direito sucessório decorrente da união estável mais reluz ao ser comparado a
previsão com o novo status do cônjuge na condição de herdeiros. Houve um
reprovável retrocesso, privando os partícipes da união estável de várias
conquistas alcançadas com muito esforço pela sociedade.169
Ressalta, ainda, tal autor170:
Impropriamente, foi incluído o direito sucessório do companheiro
em disposições gerais do Livro destinado ao Direito das
Sucessões, em vez de se fazer a previsão na ordem de vocação
hereditária. Mas sem dúvida a regra destina-se à convocação do
companheiro sobrevivente, interferindo diretamente naquela
ordem, de tal sorte que a sucessão legítima se faz pela
conjunção destas previsões.
Nesse sentido, Lisboa171 acentua que há um indesejado
tratamento diferenciado ao convivente na sucessão, se comparado àquele
dispensado ao cônjuge sobrevivente. E acrescente:
Ambos têm direito a meação, por se tratar de matéria relativa ao
direito de família. Contudo, ao preceituar normas sobre o direito
sucessório, o legislador viabiliza a sucessão em favor do
convivente em qualquer situação, bastando que a aquisição de
bens tenha sido feita a título oneroso, durante a vigência da união
estável. (...) Tem-se a impressão, destarte, que a nova lei civil
regulou a matéria de forma açodada e discriminatória,
desprestigiando o casamento e desfavorecendo os interesses do
cônjuge sobrevivente.
Esclarece, ainda, Magalhães172, ao falar dos avanços do
atual Código Civil no capítulo referente à união estável:
168
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.225.
169
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.228.
170
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado
de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.228.
171
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 427.
172
MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito das sucessões no novo código civil brasileiro. Editora
Juarez de Oliveira: São Paulo, 2003. p. 29.
42
Podem os companheiros, por contrato escrito, adotar qualquer
dos regimes de bens que ele prevê. No silêncio dos
companheiros, a regra sucessória aplicável é semelhante à do
regime da comunhão parcial de bens. Semelhante porque o art.
1.725, do Código Civil, faz a ressalva no que couber, e o regime
sucessório, previsto no art. 1.790, inclui apenas os bens
adquiridos na constância da união estável a título oneroso,
excluindo aqueles adquiridos por fato eventual ou fortuito (...).
Diante das considerações introdutórias acerca do direito
sucessório na união estável na atual legislação, faz-se necessário um estudo
mais aprofundado em relação aos direitos dos companheiros e referida ordem de
vocação hereditária disposta no art. 1.790 do Código Civil.
3.2 DIREITO REAL DE HABITAÇÃO
Aplica-se a analogia ao instituto da união estável no artigo
1.831 do Código Civil, uma vez que, o direito real de habitação relativo ao imóvel
destinado à residência da família, quando este for o único daquela natureza a
inventariar, não foi contemplado por tal legislação.173
O direito de habitação, espécie de direito real sobre coisa
alheia (artigo 746 do Código Civil; artigo 1.414 do Novo Código Civil), foi
estendido ao companheiro sobrevivente nos termos do artigo 7º, § único da Lei n.
9.278/96. Esse direito persistirá enquanto o beneficiário viver ou não constituir
nova união ou casamento incidindo sobre o imóvel de residência da família.174
Dispõe o artigo 1.831 do Código Civil:
Art. 1.831 Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime
de bens, será assegurado, sem prejuízo de participação que lhe
caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao
imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único
daquela natureza a inventariar.
Para maior entendimento ressalta-se a Súmula STJ 117: “O
direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido
173
MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito das sucessões no novo código civil brasileiro, 2003.
p. 30.
174
OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento. 6º Ed. Método: São
Paulo, 2003. p. 209.
43
revogada a previsão da Lei 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do
art. 1.831, informado pelo art. 6, caput da CF/88”.
Venosa175, nesse sentido ensina:
O novo Código Civil não se refere ao direito real de habitação do
convivente. É de se perguntar se estaria revogado o dispositivo
ou se persistem vigentes os dispositivos das leis anteriores sobre
a união estável não contemplados pelo novo Código. Se for
entendido que as lacunosas disposições do Código de 2002
sobre a união estável revogaram as leis anteriores, a união
estável será colocada, no novo sistema, em posição de
inferioridade. Haverá uma restrição de direitos conquistados no
passado, inclusive este de habitação. Parece ter sido esta
intenção do legislador, mas parece que não será essa a
orientação jurisprudencial futura.
O entendimento de tal autor é válido porque a Lei n.
9.278/96, em seu artigo 7º, acrescentou o direito real de habitação, in verbis:
Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o
sobrevivente terá o direito real de habitação, enquanto viver ou
não constituir nova união estável ou casamento, relativamente ao
imóvel destinado à residência da família.
Venosa176 assinala:
Nas pecularidades dessas duas leis, enfatizemos outra vez os
direitos sucessórios descritos no art. 2º da Lei 8.971/94 somente
serão atribuídos ao companheiro ou companheira de pessoa de
outro sexo, solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.
Não se atribui a convivente casado.
Prossegue referido autor:177
Por outro lado, o dispositivo relativo ao direito real de habitação,
descrito de forma ilhada na Lei. 9.278/96, não faz referência à
situação do sobrevivente na união estável. Desse modo, é
perfeitamente aceitável concluir que o direito real de habitação
pode também ser deferido ao companheiro sobrevivente ainda
que o falecido tenha morrido no estado de casado, mas separado
de fato. A lei não restringiu não podendo a interpretação
restringir.
175
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões. 2º ed. Atlas: São Paulo: 2002.
p. 115.
176
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 115-116.
177
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 115-116.
44
Rodrigues178 assinala “que o direito real de habitação sobre
o imóvel destinado à residência da família, que a legislação anterior conferia ao
companheiro sobrevivente, não foi mencionada no Código Civil, com relação à
união estável, o que significa outro recuo”.
A nova legislação conserva apenas o direito de habitação
no imóvel que servia de residência ao casal, mas somente em favor do cônjuge
sobrevivente. Não estende tal direito, de elevado cunho social, ao companheiro
sobrevivente, neste sentido incompreensivelmente desigualado o companheiro, a
quem não se contempla o mesmo benefício de utilização da moradia que servia o
casal.179
Esclarece, ainda, Pereira180, que é compreensível a
omissão do legislador de 2002 quanto ao direito ao usufruto e à habitação,
referindo-se o artigo 1.845 ao companheiro como “herdeiro necessário”.
Referido autor181, destaca, ainda:
No que concerne, no entanto, ao direito real de habitação, não
tendo o Código de 2002 referido expressamente ao tema no que
concerne aos companheiros, não se deve negar este direito ao
companheiro sobrevivo, o que foi garantido expressamente ao
cônjuge sobrevivente no art. 1.831, “qualquer que fosse o regime
de bens”.
E completa Pereira182 “que eventual reforma deverá
garantir, também a união estável, este direito vinculado, sempre, ao único imóvel
destinado à residência da família”.
Rodrigues183, nesse sentido, acentua que:
Em suma, o Código Civil regulou o direito sucessório dos
companheiros com enorme redução, com dureza imensa, de
forma tão encolhida, tímida e estrita, que se apresenta em
completo divórcio com as aspirações sociais, as expectativas da
178
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119.
OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 208-210.
180
PEREIRA, Caio Mário Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família. vol. V. 14 ed.
Forense: Rio de Janeiro, 2004. p. 549.
181
PEREIRA, Caio Mário Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família, 2004. p. 549.
182
PEREIRA, Caio Mário Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família, 2004. p. 549.
183
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119.
179
45
comunidade jurídica e com o desenvolvimento de nosso direito
sobre a questão.
Oliveira184 entende que:
Nada mais se contempla em favor do companheiro além desse
discutível e limitado direito de herança. Decai o direito de usufruto
não mais previsto no novo ordenamento civil, o que se justifica
diante da participação do companheiro (assim como o cônjuge)
na herança atribuída aos descendentes e ascendentes. Também
desaparece, e aqui sem justificativa, o direito real de habitação
em favor do companheiro, muito embora seja previsto para o
cônjuge sobrevivente (art. 1.831, CC), que ainda passa a
qualificar-se como herdeiro necessário (art. 1845, CC).
Diante da exposição das notas introdutórias e desta questão
problemática do direito real de habitação, é de suma importância estudar o artigo
1.790 do Código Civil, que destaca a ordem de vocação hereditária dos
companheiros disposta na parte geral do direito das sucessões da legislação
pertinente, o qual se passa a pesquisar.
3.3 ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA DOS COMPANHEIROS
No que se refere à ordem de vocação hereditária dos
companheiros, verifica-se exclusivamente a posição do companheiro em relação
à titularidade sobre a herança, na condição de destinatário dos bens do falecido,
ou seja, aos conviventes sobreviventes o artigo 1.790 dispõe a ordem de vocação
hereditária a ser aplicada a cada caso.
Diante da redação de forma inequívoca de tal dispositivo de
lei (artigo 1.790, caput, do CC), não se pode chegar à outra conclusão senão a de
que o direito sucessório dos companheiros se limita aos bens adquiridos
onerosamente na vigência desta união estável.185
Diniz186 assinala:
184
OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 213
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 117.
186
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p.143.
185
46
Todavia, é preciso ressaltar que, pelo artigo 1.790, I a IV do
Código Civil, tratando-se de concubinato puro, ou melhor, de
união estável, o companheiro supértise não é herdeiro
necessário, nem tem direito à legítima, mas participa da sucessão
do de cujus, na qualidade de sucessor regular, sendo herdeiros
sui generis, ou seja, sucessor regular (visto que não figura na
ordem de vocação hereditária), somente quanto “ meação” do
falecido relativa aos bens adquiridos na vigência do estado
convivencial.
Segundo
Oliveira187,
o
artigo
1.790
dispõe
que
o
companheiro sobrevivente participará da sucessão do outro, tão-somente quanto
aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, o que significa
dizer que não terá qualquer participação na herança relativa a outros bens,
adquiridos antes ou havidos graciosamente (herança ou doação) pelo autor da
herança.
Assevera referido autor188 que sobre os bens comuns, ou
seja, admitidos na vigência da união estável e a título oneroso, o companheiro já
tem direito à meação, pelo regime legal da comunhão parcial de bens, salvo
contrato escrito, na forma do artigo 1.725 do CC.
Referido autor189 destaca, ainda:
Terá direito à herança em concorrência com os demais herdeiros
sucessíveis, recebendo um quinhão nas condições seguintes:
I. Se concorrer com filhos comuns, receberá uma cota
equivalente à de cada filho;
II. Se concorrer com descendentes só do autor da herança,
receberá metade do que couber cada um;
III. Se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a
um terço da herança;
IV. Se não houver parentes sucessíveis, receberá a totalidade da
herança.
De acordo com a Lei. 8.974/94 em seu artigo 2º, I, ao definir
que os companheiros participariam da sucessão do outro, essa participação seria
187
OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 210-211.
OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 211.
189
OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 211.
188
47
do usufruto da quarta parte dos bens do de cujus, e houvesse filhos deste ou
comuns, enquanto não constituísse nova união. Teria direito ao usufruto da
metade dos bens, na mesma situação, se não houvesse filhos, ainda que
houvesse ascendentes do companheiro morto (II). Na falta de descendentes e de
ascendentes, o convivente teria direito à totalidade da herança (III).190
Enfim, o artigo 1.790 do vigente Código Civil, disciplina a
forma pela qual se estabelece o direito hereditário dos companheiros, de forma
que os dispositivos da Lei 8.974/94 estão revogados.191
Venosa192 entende que há um retrocesso na amplitude dos
direitos hereditários dos companheiros no Código Civil de 2002, uma vez que a lei
referida, não havendo herdeiros descendentes e ascendentes do convivente
morto, o companheiro sobrevivo recolheria toda a herança.
Referido autor193 ainda assinala:
No sistema implantado pelo art. 1790 do novo Código, havendo
colaterais sucessíveis, o convivente apenas terá direito a um
terço da herança, por força do inciso III. O companheiro ou
companheira somente terá direito à totalidade da herança se não
houver parentes sucessíveis. Isso quer dizer que concorrerá na
herança, por exemplo, com o vulgarmente denominado tio-avô ou
com o primo irmão de seu companheiro falecido, o que, digamos,
não é uma posição que denote um alcance social sociológico e
jurídico digno de encômios.
Nesse sentido, Oliveira194 ensina:
Favorável ao companheiro, sem dúvida, o concurso na herança
com descendentes e ascendentes do falecido, tal como se
reconhece também ao cônjuge sobrevivente. Mas não se
compreende que o companheiro se sujeite a concorrência dos
demais parentes sucessíveis, quais sejam os colaterais até 4º
grau. Trata-se de evidente retrocesso no critério no sistema
protetivo da união estável, pois o regime da Lei 8.974/94 o
companheiro recebia toda a herança na falta de descendentes ou
ascendentes.
190
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119.
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119.
192
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119.
193
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119-120.
194
OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 211.
191
48
Segundo Oliveira “a questão é controvertida, seja pelo
aspecto do indevido rebaixamento da capacidade sucessória do companheiro,
seja pela má redação do artigo 1.790 do Novo Código Civil”.
Complementa o autor:195
Enquanto o caput do artigo refere direito de herança somente
sobre os bens adquiridos onerosamente durante a convivência, o
seu inciso IV diz, que na falta de parentes sucessíveis, o
companheiro recebe a totalidade da herança. Embora o inciso
deva ser interpretado em consonância com o caput do artigo,
sempre resta alguma dúvida sobre a extensão do conceito de
herança naquela hipótese, de não haver parentes sucessíveis.
Nery196 assinala outra problemática acerca do direito
sucessório no ordenamento civil:
Não está claro na lei como se dá a sucessão dos bens adquiridos
a título gratuito pelo falecido na hipótese de ele não ter deixado
parentes sucessíveis. O artigo 1.790 do Código Civil, sob cujos
limites os incisos que se lhe seguem devem ser interpretados,
somente confere direito de sucessão ao companheiro com
relação aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união
estável, nada dispondo sobre os bens adquiridos gratuitamente
durante esse mesmo período.
Acrescenta, ainda, Nery:197
É de se indagar se, em face da limitação do CC art. 1.790 caput,
o legislador ordinário quis excluir o companheiro da sucessão
desses bens, fazendo com que a sucessão deles fosse deferida
ao poder público. Parece-nos que não, por três motivos: a) o CC
art. 1.844 manda que a herança seja devolvida ao ente público,
apenas na hipótese de o de cujus não ter deixado cônjuge,
companheiro ou parente sucessível; b) quando o companheiro
não concorre com parente sucessível, a lei se apressa em
mencionar que o companheiro terá direito à totalidade da herança
(CC, art. 1.790, inciso IV), fugindo do comando do caput, ainda
que sem muita técnica legislativa; c) a abertura de herança
jacente dá-se quando não há herdeiro legítimo ( art. 1.8919, CC)
e, apesar de não constar do rol do CC art. 1829, a qualidade
sucessória do companheiro sucessor legítimo e não de
testamentário.
195
OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 211-212.
NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade de. Código civil anotado e legislação
extravagante. 2º Ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2003. p. 784.
197
NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade de. Código civil anotado e legislação
extravagante, 2003. p. 784.
196
49
Verifica-se,
portanto,
que
o
direito
sucessório
do
companheiro é discriminatório, em comparação aos direitos dos cônjuges, nada
justificando essa diversidade de tratamento legislativo quando todo o sistema
jurídico, à luz da Constituição, recomenda proteção jurídica à união estável como
forma alternativa de entidade familiar, ao lado do casamento, de acordo com o
disposto no artigo 226, § 3º.198
Para entender melhor o disposto no artigo 1.790 do Código
Civil, faz-se necessário estudar mais profundamente os seus respectivos incisos,
os quais disciplinam especificamente a concorrência do companheiro com os
descendentes, com os ascendentes, com os colaterais até 4º grau e por fim o
companheiro recebendo a totalidade da herança, o qual se passa a expor.
3.4 DESCENDENTE CONCORRENDO COM COMPANHEIRO
A sucessão legítima do companheiro é mais distinta e
desvantajosa quando comparada àquela do cônjuge sobrevivente (artigo 1.829 e
seus incisos do Código Civil), uma vez que a ordem de vocação hereditária dos
companheiros, prevista no artigo 1.790, dispõe que o companheiro, se tiver filhos
comuns com o autor da herança tem direito de suceder o morto, legitimamente,
para receber uma quota equivalente à que foi atribuída ao filho quanto aos bens
que o falecido adquiriu onerosamente na vigência da união (artigo 1.790, I do
Código Civil).199
Ou, ainda, se o companheiro sobrevivente não tem filhos
comuns com o autor da herança, este terá direito de suceder o morto,
legitimamente para receber uma quota equivalente à metade da que foi atribuída
ao filho quanto aos bens adquiridos onerosamente (artigo 1.790, II do Código
Civil). 200
198
OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 213.
NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade de. Código civil anotado e legislação
extravagante, 2003. p. 784.
200
NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade de. Código civil anotado e legislação
extravagante, 2003. p. 784
199
50
Pereira201, nesse sentido, assevera:
O código Civil, no seu artigo 1.790, I, deixou de apreciar a
hipótese em que o companheiro seja chamado a suceder, ao
mesmo tempo, com descendentes “comuns” e descendentes
“não comuns”. Diante da regra constitucional do artigo 227, § 6º,
relativa à equiparação dos direitos sucessórios entre filhos,
independente da origem, não se pode cogitar de dar tratamento
diverso aos filhos do falecido.
Pela
interpretação
do
artigo
1.790,
concorrendo
o
companheiro sobrevivente com filhos comuns e com outros somente do autor da
herança, o critério de divisão deverá ser aquele do inciso I. Essa situação distinta
não cabe na abrangência do inciso II, porque se refere expressamente tal
dispositivo à concorrência somente com descendentes do autor da herança.202
Venosa203 ensina que se o convivente concorrer com
descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-à a metade do que couber a cada
um deles, atribuindo-se, portanto, peso 1 à porção do convivente e peso 2 à do
filho do falecido ou falecida para ser efetuada a divisão da partilha.
E complementa referido autor:204
No entanto, se houver filhos comuns com o de cujus e filhos
somente deste concorrendo à herança, a solução é dividi-la
igualitariamente, incluindo o companheiro ou companheira. Essa
conclusão deflui da junção dos dois incisos, pois não há que se
admitir outra solução, uma vez que os filhos, não importando a
origem, possuem todos os mesmos direitos hereditários. Tratase, porém, de mais um ponto obscuro entre tantos na lei.
Diante da controvérsia da legislação vigente, conclui-se que
será chamado o sobrevivente do de cujus, na primeira classe de preferência, em
concorrência com os descendentes, independente do regime patrimonial, e
exclusivamente sobre a parcela da herança identificada aos bens adquiridos na
constância da união estável. E afinal, se não houver descendentes, passa-se o
201
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Direito de família, 2004. p. 549550.
202
CAHALI, Francisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de
direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.232.
203
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 120.
204
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 120-121.
51
direito sucessório aos ascendentes, o que será matéria de estudo no próximo subtítulo.
3.5 ASCENDENTE CONCORRENDO COM COMPANHEIRO
De acordo com a ordem de preferência, não possuindo o de
cujus descendentes e sim ascendentes, estes últimos possuem o direito
sucessório para concorrer com o convivente sobrevivente. 205
O artigo 1.790, III disciplina a matéria, ou seja, o parente
sucessível terá direito a um terço daquilo que foi adquirido onerosamente pelo
falecido. Nessa ordem de vocação hereditária serão chamados a suceder, por
exemplo, os pais, ou avós do de cujus.
Pereira206 ressalta:
Ao referir-se o item III ao direito de “concorrer com outros parentes
sucessíveis”, terá direito a um terço da herança, indaga-se se
também, nesta hipótese, teria o companheiro o seu direito limitado
aos “bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável”.
Ao considerar que seu direito está restrito às condições do
caput, em razão da concorrência com os demais parentes sucessíveis,
abrangendo todos os demais herdeiros legítimos (necessários ou não), estes
concorrerão com o companheiro, segundo a ordem estabelecida no artigo 1.790
do ordenamento civil, não podendo haver chamamento simultâneo de
ascendentes e de colaterais.207
Rodrigues208 ensina que a lei não faz distinção, de forma que
na concorrência com esses outros parentes sucessíveis, seja um ascendente do
de cujus, seja um primo ou um tio-avô do falecido, o companheiro receberá a
mesma quota: um terço da herança.
205
NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade De. Código civil anotado e legislação
extravagante, 2003. p. 784.
206
PEREIRA, Caio MARIO Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família, 2004. p. 550.
207
PEREIRA, Caio MARIO Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família, 2004. p. 550.
208
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 118-119.
52
Entende-se, por fim, que o mencionado inciso III refere-se
aos parentes sucessíveis, englobando, nesse sentido, os ascendentes e os
colaterais até 4º grau, razão pela qual se passa ao próximo subtítulo para que
melhor se entenda acerca da próxima classe sucessora.
3.6 COLATERAIS ATÉ 4º GRAU CONCORRENDO COM O COMPANHEIRO
O inciso III do artigo 1.790 do Código Civil, conforme já
esclarecido, estabelece o direito de sucessão dos colaterais até 4º grau ao direito
à herança do de cujus.
Diniz 209 ressalta a respeito do tema:
O patrimônio dos conviventes rege-se pelo princípio da liberdade,
pois se não houver convenção escrita sobre o patrimônio a ser
seguida durante a união estável prevalecerá entre eles o regime
de comunhão parcial. Morto um deles, o seu patrimônio será
inventariado, dele retirando a meação do convivente, alusiva aos
bens adquiridos onerosamente durante a convivência, que não se
transmite aos herdeiros.
Acrescenta, ainda, a autora citada:210
Em relação à outra metade (herança) daqueles bens deverá
concorrer com descendentes, ascendentes e colaterais até 4º
grau. (...). E se não houver bens comuns amealhados durante a
convivência, o companheiro supértise nada receberá a qualquer
título, nem como meeiro, nem como herdeiro, visto que não fará
jus a qualquer quinhão hereditário, mesmo que o de cujus não
tenha descendente ou ascendente, pois a sua herança será
deferida aos colaterais até 4º grau.
Nesse sentido, Rodrigues211 assevera:
Não vejo razão alguma para que o companheiro sobrevivente
concorra (...) com os colaterais. Nada justifica colocar-se o
companheiro sobrevivente numa posição tão acanhada e bisonha
na sucessão da pessoa com quem viveu pública, contínua e
duradouramente, constituindo uma família, que merece tanto
reconhecimento e apreço, e que é tão digna quanto a família
fundada no casamento.
209
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p.144.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p.144.
211
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119.
210
53
Referido autor212 entende que o ideal, como já se fazia a Lei
8.971/94, artigo 2º, III, teria sido colocar o companheiro sobrevivente à frente dos
colaterais, na sucessão do de cujus.
Oliveira 213 não discrepa desse entendimento:
Favorável ao companheiro, sem dúvida, o concurso na herança
com descendentes e ascendentes do falecido, tal como se
reconhece também ao cônjuge sobrevivente. Mas não se
compreende que o companheiro se sujeite à concorrência dos
demais parentes sucessíveis, quais sejam os colaterais até o
quarto grau. Trata-se de evidente retrocesso no critério no
sistema protetivo da união estável, pois o regime da Lei 8.971/94
o companheiro recebia toda a herança na falta de descendentes
e ascendentes.
Os parentes colaterais em quarto grau são os primosirmãos, entre si, os tios-avós com relação aos sobrinhos netos e estes com
referência àqueles. Já os irmãos são colaterais em segundo grau, todos
pertencentes à classe que poderá suceder no direito à herança do de cujus
concorrendo com o companheiro. 214
Ressalta-se, ainda, que na classe dos colaterais, há o
direito de representação dos filhos de irmãos (sobrinhos), ou seja, os mais
próximos excluem os mais remotos. 215
Os sobrinhos e os tios estão juntamente em terceiro lugar
de parentesco. No entanto, a lei prefere os sobrinhos, excluindo os tios. Aplica-se
o disposto no artigo 1.843 do CC, ou seja, na falta de irmãos, herdarão os filhos
destes e, não os havendo, os tios. 216
No entanto, não havendo parentes sucessíveis para herdar
o patrimônio do de cujus é importante ressaltar a última possibilidade em que o
companheiro poderá suceder, ou seja, a qual receberá a totalidade da herança,
temática do próximo sub-título.
212
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119.
OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 211.
214
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 121.
215
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 121.
216
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 122.
213
54
3.7 COMPANHEIRO RECEBENDO A TOTALIDADE DA HERANÇA
A questão é muito controvertida quando se fala do
companheiro recebendo a totalidade da herança, seja pelo o rebaixamento da
capacidade sucessória do companheiro, seja pela má redação do artigo 1.790 do
Código Civil em vigor.
Oliveira217 ressalta:
Enquanto a cabeça do artigo refere direito de herança somente
sobre os bens adquiridos durante a convivência, o seu inciso IV
diz que, na falta de parentes sucessíveis, o companheiro recebe
a totalidade da herança.
Esclarece dito autor218 que, enquanto o inciso deva ser
interpretado em conformidade com o caput do artigo, sempre resta alguma dúvida
sobre o alcance do conceito de herança naquela hipótese, de não haver parentes
sucessíveis.
Referido autor219 destaca, ainda:
O direito à totalidade da herança somente é reconhecido em
favor do companheiro sobrevivente se não houver herdeiros
sucessíveis. Mesmo nesta hipótese, contudo, a sucessão do
companheiro restringe-se aos bens adquiridos onerosamente
durante a convivência, por força da disposição do caput do artigo
1.790. Quer isto dizer que, se os bens da herança forem
particulares do de cujus, nada será atribuído ao companheiro
sobrevivente, pois serão herdeiros apenas os parentes
sucessíveis, que vão até os colaterais até 4º grau. Ainda na falta
desses parentes, nada poderá reclamar o companheiro quanto
aos bens particulares do de cujus, que serão arrecadados como
herança jacente, a converter-se em herança vacante, com
adjudicação ao Município da localização dos bens.
Antes do atual Código Civil, o companheiro sobrevivente
teria direito à totalidade da herança se não houvesse herdeiros necessários. No
entanto, diante do retrocesso, ficou muito clara a redução dos direitos sucessórios
217
OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 211-212.
OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 212.
219
OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 203-204.
218
55
do companheiro previstos na lei extravagante que sucedeu a Constituição da
República Federativa do Brasil. 220
Há doutrinadores que entendem que na falta de parente
sucessível, o companheiro sobrevivente teria apenas direito à totalidade da
herança, no que tange aos bens adquiridos na constância da união estável, pois o
restante seria do Poder Público, conforme dispõe o artigo 1.844 do Código
Civil:221
Art. 1.844 Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem
parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado a herança,
esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada
nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situado em
território nacional.
Ou seja, se o de cujus possuía outros bens, adquiridos
antes de iniciar a convivência, ou depois, se a título gratuito, e não podendo esses
bens integrar a totalidade da herança do companheiro sobrevivente, passariam ao
poder do Estado.222
Nesse entendimento Diniz223 acentua:
(...) não havendo parentes sucessíveis ou tendo havido renúncia
destes, o companheiro receberá a totalidade da herança, no que
atina aos bens adquiridos onerosa e gratuitamente antes ou
durante a união estável, recebendo, portanto todos os bens do de
cujus, que não irão ao Município, Distrito Federal ou à União, por
força do disposto no art. 1.844, do CC, que é uma norma especial
(relativa à herança vacante), sobrepondo-se ao artigo 1.790, IV (
norma geral sobre sucessão dos companheiros).
E ressalta, ainda, referida autora224:
Isso seria mais justo, pois seria inadmissível a exclusão do
companheiro sobrevivente, que possuía laços de afetividade com
o de cujus, do direito à totalidade da herança dando prevalência à
entidade pública. Se assim não fosse, instaurar-se-ia no sistema
jurídico uma lacuna axiológica. Aplicando-se o artigo 5º da Lei de
Introdução ao Código Civil, procura-se a solução mais justa,
amparando o companheiro sobrevivente.
220
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 4
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 144-145.
222
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 145.
223
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 145.
224
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 145.
221
56
No rol dos herdeiros apontados na ordem de vocação
hereditária não consta o Poder Público, sendo somente chamado à sucessão do
de cujus na falta de cônjuge ou companheiro sobrevivente e de parente
sucessível até o quarto grau, desde que haja sentença que declare a vacância
dos bens, que só passarão ao seu domínio após cinco anos da abertura da
sucessão, porque nesse lapso de tempo o herdeiro ainda poderá reclamar a
herança.225
Pereira226 assevera:
Dúvida maior se apresenta na hipótese de companheiro herdar a
totalidade da herança, não havendo parentes sucessíveis. Seu
direito nessas condições se apresenta, apenas quando não mais
existirem os colaterais até quarto grau. Não vemos, nesta
hipótese, por que restringir o direito sucessório do companheiro
sobrevivo, aos bens adquiridos onerosamente na vigência da
união estável, quando for herdeiro único. Ressalvada a sua
meação, não é justo que o Poder Público seja beneficiado com
parte do patrimônio que era de uso exclusivo dos companheiros
no convívio familiar. A ratione legis do Código de 2002 conduz a
se interpretar o inciso IV art. 1.790, a dotando-se a solução mais
favorável ao companheiro sobrevivo. Deverá ele receber, também
os demais bens do falecido.
Diante da lacuna que apresenta o Código Civil no que
concerne ao direito sucessório dos companheiros disposto no artigo 1.790,
conclui-se que o companheiro deverá receber a totalidade da herança se não
houver parentes sucessíveis, inclusive dos bens adquiridos a título gratuito e
aqueles que o de cujus já possuía antes da vigência da união, uma vez que não
poderá haver tal retrocesso.
225
226
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 145.
PEREIRA, Caio MARIO Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família, 2004. p. 550.
57
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No
presente
trabalho
monográfico
aprofundou-se
os
conhecimentos acerca dos direitos sucessórios dos companheiros.
Para tanto, iniciou-se a pesquisa investigando as origens
históricas do direito sucessório e, como se viu, o direito de propriedade, desde
épocas remotas, esteve intimamente ligado ao culto aos antepassados, nas
chamadas religiões domésticas.
Verificou-se, ainda no primeiro capítulo, que o direito
sucessório consiste na transmissão dos bens de uma pessoa falecida aos seus
sucessores. Tal direito se fundamenta na função social da propriedade, para que
se preserve sua característica fundamental, ou seja, a perpetuidade. Seu
conteúdo se revela nos bens transmissíveis, em regra, as relações jurídicas
patrimoniais.
A sucessão se inicia com a morte e, quanto à fonte, dividese em legítima e testamentária. Entende-se por legítima a sucessão que se dá em
virtude de lei, atendida a ordem de vocação hereditária, e sempre se dá a título
universal, sendo o sucessor denominado herdeiro. Já a testamentária, consiste
naquela decorrente de disposição de última vontade, e poderá ser a título
universal ou singular, denominando-se o sucessor como legatário.
No que tange aos seus efeitos, poderá ser universal, em que
há transferência da totalidade ou de parte indeterminada da herança ao sucessor,
ou singular, a qual implica na transferência de bens determinados a pessoas
determinadas.
No segundo capítulo analisou-se a evolução histórica do
instituto da união estável, reconhecida pela primeira vez na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, passando a ter proteção do Estado,
deixando de ser apenas uma sociedade de fato, tornando-se entidade familiar.
58
Viu-se que a Lei n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994,
estabeleceu alguns requisitos da união estável, destacando-se que foi a primeira
a reconhecer o direito a alimentos e os direitos sucessórios dos companheiros.
Verificou-se que a Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996
conceituou a união estável como a convivência duradoura, pública e contínua de
um homem e uma mulher, com a finalidade de constituir família, sem fixar um
prazo para caracterizá-la, disposições que restaram mantidas no artigo 1.723 do
vigente Código Civil, diploma legal que pacificou, ainda, a utilização da
nomenclatura “companheiro” àquele que vive em união estável.
Constataram-se
ainda,
neste
capítulo,
os
requisitos
caracterizadores da união estável, conforme prevêem os artigos 1.724 e 1.725 do
Código Civil, quais sejam, os deveres de lealdade, respeito, assistência, guarda,
sustento e educação dos filhos, bem assim, a prevalência do regime da
comunhão parcial de bens, salvo se houver contrato escrito entre os
companheiros escolhendo regime diverso.
Finalmente, no terceiro capítulo, estudou-se especificamente
a sucessão legítima na união estável e, verificadas as diferenças de tratamento
concedidas ao cônjuge e ao companheiro sobreviventes, passou-se à análise da
ordem de vocação hereditária aplicável aos companheiros, conforme determinada
no artigo 1.790 do Código Civil.
Assim, quando o companheiro concorrer com descendente,
se tiver filhos comuns com o autor da herança tem direito de suceder o morto,
legitimamente, para receber uma quota equivalente à que foi atribuída ao filho
quanto aos bens que o falecido adquiriu onerosamente na vigência da união, mas
se não tem filhos comuns com o autor da herança, o companheiro terá direito de
suceder o morto, legitimamente para receber uma quota equivalente à metade da
que foi atribuída ao filho quanto aos bens adquiridos onerosamente (artigo 1.790,
I e II do Código Civil).
Não havendo descendentes, segue-se a ordem de vocação
hereditária, aplicando-se o inciso III do mencionado dispositivo legal, o qual
59
refere-se aos parentes sucessíveis, englobando os ascendentes e os colaterais
até 4º grau. Existindo parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança.
Verificou-se que o companheiro somente terá direito à
totalidade da herança quando não houver nenhum parente sucessível, na forma
do inciso IV do artigo 1.790 do Código Civil.
Analisando-se os três problemas e respectivas hipóteses
que deram ensejo a esta pesquisa, constatou-se conforme segue.
Primeiro problema: Houve diferença no tratamento dado ao
companheiro em relação ao cônjuge sobrevivente, no que se refere aos seus
direitos sucessórios?
Primeira hipótese: Há diferença, tendo em vista que o artigo
1.790 do Código Civil, ao cuidar da sucessão do companheiro, deixou-o em
evidente desvantagem se comparado ao cônjuge, conforme se verifica no artigo
1.829, que trata da ordem de vocação hereditária.
Análise da primeira hipótese: Com base na investigação,
ficou comprovado que a hipótese é verdadeira, uma vez que o cônjuge sucederá
o de cujus sem concorrer com os colaterais, ao contrário do companheiro
sobrevivente, conforme disciplina o artigo 1.790 do Código Civil, que concorrerá
com os parentes sucessíveis até 4º grau.
Segundo problema: O artigo 1.831 do Código Civil, que
concede o direito real de habitação dos cônjuges, é aplicável ao companheiro?
Segunda hipótese: Por analogia, tal dispositivo aplica-se ao
companheiro, tendo em vista que a Lei n. 9.278/96, em seu artigo 7°, parágrafo
único, estende ao companheiro o direito real de habitação e permanece em vigor.
Análise da segunda hipótese: A pesquisa demonstrou ser
totalmente verdadeira a hipótese, visto que a jurisprudência entende que o direito
real de habitação deve ser estendido ao companheiro, já que a Lei n. 9.278/96
60
não foi revogada e prevê este direito em seu artigo 7º, § único ou por
interpretação analógica do artigo 1.831 do Código Civil.
Terceiro problema: Há possibilidade de o companheiro
sobrevivente receber a totalidade da herança?
Terceira hipótese: O artigo 1.790, inciso IV, do Código Civil,
prevê este direito ao companheiro.
Análise da terceira hipótese: A hipótese é verdadeira, pois o
companheiro receberá a totalidade da herança se não houver parentes
sucessíveis, inclusive dos bens adquiridos a título gratuito e aqueles que o de
cujus já possuía antes da vigência da união, conforme dispõe o artigo 1.790,
inciso IV do Código Civil, ressaltando-se, quanto a esta hipótese, a existência de
muitas controvérsias doutrinárias.
Ficou demonstrado que as principais regras jurídicas que
disciplinam o tema deste trabalho monográfico, a Sucessão dos Companheiros,
encontram-se no vigente Código Civil.
Restou evidente a desvantagem do companheiro na atual
ordem de vocação hereditária, conforme disposta no artigo 1.790 do vigente
Código Civil, se comparada com a legislação que anteriormente cuidava da
matéria. Antes da entrada em vigor do atual Diploma Civil, o companheiro do de
cujus não concorria com os parentes sucessíveis até 4° grau, como ocorre hoje, o
que representa um verdadeiro retrocesso.
Além disso, o companheiro encontra-se em desvantagem
em relação ao cônjuge sobrevivente, diante do tratamento diferenciado concedido
a ambos no que se refere ao direito sucessório, havendo ainda lacunas a serem
preenchidas na atual legislação, a fim de que possa haver, aos poucos e sempre,
uma melhor distribuição da justiça e a manutenção da paz social.
61
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 5 ed. São
Paulo: RT, 2003.
BRASIL. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Regula o § 3º do artigo 226 da
Constituição Federal. Regula o direito dos companheiros a alimentos e a
sucessão. 5 ed. São Paulo: RT, 2003.
BRASIL, Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Regula o direito dos
companheiros a alimentos e a sucessão. 5 ed. São Paulo: RT, 2003.
BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o código civil. 5 ed. São
Paulo: RT, 2003.
BORGHI, Hélio. Casamento e união estável. 2 Ed. Editora Juarez de Oliveira:
São Paulo, 2003.
CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes.
Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões. 2 ed. v. 6. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003.
CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável.
Requisitos e efeitos pessoais. Manole: São Paulo, 2004.
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga, São Paulo: Martin Claret, 2005.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões,
19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família. 19. ed. v. 5.
Editora Saraiva: São Paulo, 2004.
GOMES, Orlando. Sucessões. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
62
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões.
São Paulo: RT, 2004.
MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito das sucessões no novo código civil
brasileiro. Editora Juarez de Oliveira: São Paulo, 2003.
MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de família. 37
ed. v. 2. Saraiva: São Paulo, 2004.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito das
sucessões. 35 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade de. Código civil anotado
e legislação extravagante. 2 Ed.São Paulo: RT, 2003.
OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento. 6 Ed.
Método: São Paulo, 2003.
PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável. 5 ed. Universitária de
Direito: São Paulo: 2002.
PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o
novo código civil. 6 Ed. Belo Horizonte:Del Rey, 2001.
PEREIRA, Caio Mario Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família.
vol. V. 16 ed. Forense: Rio de Janeiro, 2006.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões. 26 ed.v. 6. São Paulo:
Saraiva, 2003.
ROSA, Patrícia Fontanela. União estável. a eficácia temporal das leis
regulamentadoras. Florianópolis: Diploma Legal, 1999.
63
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Direito das Sucessões. 4 ed. V. VII. São
Paulo: Atlas, 2002.
VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito de família. 5 Ed. São Paulo: Atlas,
2005.
WALD, Arnoldo. Direito das sucessões. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
Download

a sucessão legítima dos companheiros no ordenamento