UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A SUCESSÃO LEGÍTIMA DOS COMPANHEIROS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO BÁRBARA NAHARA PEREIRA Itajaí (SC), setembro de 2006. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A SUCESSÃO LEGÍTIMA DOS COMPANHEIROS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO BÁRBARA NAHARA PEREIRA Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Professora Msc. DENISE SCHMITT SIQUEIRA GARCIA Itajaí (SC), setembro de 2006 AGRADECIMENTO A Deus, por ter sido um amigo fiel em todas as horas. À Professora e Mestre Denise Schmitt Siqueira Garcia , minha orientadora, pelo auxílio prestado de forma exemplar na confecção deste trabalho. Aos meus pais José e Tânia pela confiança demonstrada. A toda minha família pelo carinho e a todos que contribuiram direta ou indiretamente para a conclusão desta etapa . A minha amiga Aruani Kindermann Lapolli, pelo apoio e amizade de sempre. Este trabalho dedico: Aos meus pais José e Tânia, por me apoiarem e estarem sempre presentes em minha vida. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí(SC), setembro de 2006. Bárbara Nahara Pereira Graduando PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Bárbara Nahara Pereira, sob o título A Sucessão legítima dos Companheiros no ordenamento jurídico brasileiro, foi submetida em 03 de outubro de 2006 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Esp. Maria Inês França Ardigó, Mesc. Jefferson Custódio Próspero e Mesc. Denise Schmitt Siqueira Garcia, e aprovada com a nota 10 (dez). Itajaí, 03 de outubro de 2006. Mesc. Denise Schmitt Siqueira Garcia Orientador e Presidente da Banca Mesc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais. Sucessão1 Consiste no fato de uma pessoa inserir-se na titularidade de uma relação jurídica que lhe advém de outra pessoa. Herança 2 É o conjunto de direitos e deveres patrimoniais, ou seja, a universalidade das relações jurídicas de caráter patrimonial, nas quais o falecido era sujeito ativo e passivo. Herdeiro legítimo 3 É a pessoa indicada no dispositivo de lei como sucessor nos casos de sucessão legal, a quem se transmite a totalidade ou quota-parte da herança. Herdeiros Necessários 4 São os sucessores dos quais não se pode retirar direito à herança, senão e face da ação de indignidade ou de cláusula testamentária de deserdação. Sucessão legítima 5 Sucessão legítima ou ab intestato é aquela que decorre de lei cogente que determina quais pessoas têm o direito de suceder, em conformidade com a ordem de vocação hereditária disposta pelo legislador. Ordem de vocação hereditária 6 1 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004, p. 15. WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002, p. 2. 3 GOMES, Orlando. Sucessões, 2000, p. 36. 4 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004, p. 412413. 5 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004, p. 407. 2 A ordem de vocação hereditária é uma relação preferencial, estabelecida pela lei, das pessoas que são chamadas a suceder ao finado. Consiste na distribuição dos herdeiros em classes preferenciais, baseada em relações a família e de sangue. União Estável 7 A união estável é a relação lícita entre o homem e a mulher, visando à formação de família, sendo chamados os partícipes desta relação de companheiros, conforme art. 1723 do Código Civil. Concubinato 8 O concubinato, por sua vez, consiste em relação que não merece a proteção do direito de família, dado seu caráter adulterino, e são denominados concubinos os seus participantes, na forma do art. 1727 do citado diploma legal. Concubinato puro 9 Será puro se apresentar como uma união duradoura, sem casamento civil, entre o homem e a mulher livres e desimpedidos, isto é, não comprometidos por deveres matrimoniais ou por outra ligação concubinária. Assim, vivem em união estável ou concubinato puro: solteiros, viúvos, separados judicialmente ou de fato e divorciados. Concubinato impuro 10 Concubinato impuro ou simplesmente concubinato, são as relações não eventuais em que um dos amantes ou ambos estão comprometidos ou impedidos legalmente de se casar. 6 RODRIGUES, Sílvio. Direito das sucessões, 2003, p. 94. MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de Direito Civil. Direito de Família, 2004, p.30. 8 MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de Família, 2004, p.30. 9 DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família, 2004, p. 345-346. 10 DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família, 2004, p. 345-346. 7 SUMÁRIO RESUMO ............................................................................................ X INTRODUÇÃO ................................................................................... 1 CAPÍTULO 1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO DIREITO SUCESSÓRIO 1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS....................................................4 1.2 CONCEITUAÇÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO...............................................7 1.3 CONTEÚDO E FUNDAMENTO.........................................................................9 1.4 TIPOS DE SUCESSÃO...................................................................................11 1.4.1 SUCESSÃO LEGÍTIMA...............................................................................13 1.4.2 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA................................................................15 1.4.3 SUCESSÃO UNIVERSAL...........................................................................18 1.4.4 SUCESSÃO SINGULAR.............................................................................19 1.5 ESPÉCIES DE HERANÇA.............................................................................20 1.6 ESPÉCIES DE SUCESSORES......................................................................22 CAPÍTULO 2 DO INSTITUTO DA UNIÃO ESTÁVEL 2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DO INSTITUTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.........................................................25 2.2 CONCEITO......................................................................................................29 2.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS NOMENCLATURAS "CONVIVENTES", "COMPANHEIROS" E " CONCUBINOS".............................................................31 2.4 REQUISITOS CARACTERIZADORES DA UNIÃO ESTÁVEL.......................34 CAPÍTULO 3 DA SUCESSÃO LEGÍTIMA NA UNIÃO ESTÁVEL 3.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS..........................................................39 3.2 DIREITO REAL DE HABITAÇÃO...................................................................42 3.3 ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA.........................................................45 3.4 DESCENDENTE CONCORRENDO COM COMPANHEIRO..........................49 3.5 ASCENDENTE CONCORRENDO COM COMPANHEIRO.............................51 3.6 COLATERAIS ATÉ 4º GRAU CONCORRENDO COM COMPANHEIRO......52 3.7 COMPANHEIRO RECEBENDO A TOTALIDADE DA HERANÇA.................54 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................58 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 61 RESUMO Esta monografia tem como objetivo o estudo da Sucessão dos Companheiros, de acordo com o que prevê a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 226, §3°, bem assim as leis que primeiramente regulamentaram os direitos referentes aos companheiros e conviventes, quais sejam, as Leis Ordinárias Federais n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994 e n. 9.278, de 10 de maio de 1996, respectivamente e, ainda, a Lei Ordinária Federal n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). A validade da pesquisa decorre da atualidade do tema, da verificação das mudanças impostas pelo Código Civil vigente. O objetivo investigatório geral foi pesquisar, analisar e descrever, com base na legislação acima referida e na doutrina, os aspectos gerais sobre o direito das sucessões, as considerações necessárias para o melhor entendimento do instituto da união estável. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto o estudo da Sucessão dos Companheiros, de acordo com o que prevê a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 226, §3°, bem assim as leis que primeiramente regulamentaram os direitos referentes aos companheiros e conviventes, quais sejam, as Leis Ordinárias Federais n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994 e n. 9.278, de 10 de maio de 1996, respectivamente e, ainda, a Lei Ordinária Federal n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). O objetivo institucional foi o de produzir a presente Monografia para a obtenção do título de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí. O objetivo da investigação foi a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre o assunto, buscando conhecer as respostas aos problemas formulados, para testar as hipóteses e dirimir dúvidas, especialmente sobre o direito sucessório dos companheiros. Os objetivos específicos foram os seguintes: - pesquisar sobre as considerações gerais acerca do direito sucessório, em seus aspectos gerais, conceituação, conteúdo e fundamento, especificar os tipos de sucessões e quais os sucessores do falecido. - descrever sobre o instituto da união estável na legislação vigente. - relatar especificamente acerca da sucessão legítima na união estável, em seus aspectos gerais, a ordem de vocação hereditária e o direito real de habitação. A validade da pesquisa decorre da atualidade do tema e das mudanças impostas pelo Código Civil vigente, tendo em vista o tratamento diferenciado concedido por este novo ordenamento aos companheiros, o que 2 representa evidente retrocesso, ao comparar-se àquele conferido ao cônjuge sobrevivente. Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, tratando das considerações gerais acerca do Direito Sucessório, sua evolução histórica, conceito, conteúdo e fundamento, além dos tipos de sucessão, herança e herdeiros. No Capítulo 2, estudando o instituto da União Estável, passando-se pelas considerações históricas, conceito e características, bem assim seus requisitos evidenciadores. No Capítulo 3, abordando acerca da sucessão legítima na União Estável, em que, após as pertinentes considerações introdutórias, serão abordados o direito real de habitação, a ordem de vocação hereditária dos companheiros, ou seja, o companheiro concorrendo com os descendentes, ascendente e colaterais até 4º grau, além do companheiro recebendo a totalidade da herança. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais serão apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a Sucessão dos Companheiros. Foram elaborados três problemas e respectivas hipóteses, que serviram de desafio para a realização deste trabalho monográfico, conforme destaca-se abaixo. Primeiro problema: Houve diferença no tratamento dado ao companheiro em relação ao cônjuge sobrevivente, no que se refere aos seus direitos sucessórios? Primeira hipótese: Há diferença, tendo em vista que o artigo 1.79011 do Código Civil, ao cuidar da sucessão do companheiro, deixou-o em 11 Conforme fls. 46. 3 evidente desvantagem se comparado ao cônjuge, conforme se verifica no artigo 1.82912, que trata da ordem de vocação hereditária. Segundo problema: O artigo 1.831 do Código Civil, que concede o direito real de habitação dos cônjuges, é aplicável ao companheiro? Segunda hipótese: Por analogia, tal dispositivo aplica-se ao companheiro, tendo em vista que a Lei n. 9.278/96, em seu artigo 7°, parágrafo único, estende ao companheiro o direito real de habitação e permanece em vigor. Terceiro problema: Há possibilidade de o companheiro sobrevivente receber a totalidade da herança? Terceira hipótese: O artigo 1.790, inciso IV, do Código Civil, prevê este direito ao companheiro. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo.13 Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente14, da Categoria15, do Conceito Operacional16 e da Pesquisa Bibliográfica.17 Após a exposição dos capítulos, passa-se às considerações finais, em que será apresentada breve síntese de cada capítulo e as demonstrações sobre as hipóteses básicas da pesquisa, e se foram ou não confirmadas. 12 Conforme fls.14. Base lógica da dinâmica da Pesquisa Científica que consiste em pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral. (PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 238.) 14 Explicação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa. (PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 241.) 15 Palavra ou expressão estratégica à elaboração e ou à expressão de uma idéia. (PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 229.) 16 Definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas. (PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 229.) 17 Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. (PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 239.) 13 CAPÍTULO 1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO DIREITO SUCESSÓRIO O presente capítulo pretende fazer um estudo sobre os aspectos gerais do direito sucessório, dividindo-se em seis partes, nas quais serão abordados os seguintes temas: considerações históricas, conceito de direito sucessório, além de seu conteúdo e fundamento, tipos de sucessão e, finalmente, as espécies de herança e de herdeiros. 1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS Para que se possa compreender o Direito Sucessório, necessário se faz retroceder às origens históricas da sucessão, analisando, inicialmente, as crenças sobre a natureza do homem, sua alma e o mistério da morte. Para tanto, recorre-se à obra de Fustel de Coulanges, “A Cidade Antiga”, norteadora deste primeiro capítulo. Coulanges18 afirma que, ainda no final da história grega e romana, estavam presentes pensamentos e hábitos oriundos de épocas muito remotas, os quais já refletiam a crença em uma segunda existência, após a morte. Porém não se acreditava que a alma ou espírito imortal iria para o céu ou animaria outro corpo, mas sim, que viveria na terra, junto dos homens. Segundo referido autor19, acreditou-se que, por muito tempo, nessa segunda existência a alma permaneceria vinculada ao corpo, sendo ambos encerrados no mesmo túmulo, o que é demonstrado pelos ritos fúnebres, os quais demonstram claramente que quando se enterrava um corpo, acreditava-se haver 18 19 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga, São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 13-14. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga, 2005. p. 14. 5 ali algo com vida. Daí a idéia do sepultamento, objetivando o repouso e a felicidade do morto. Coulanges20 acrescenta, ainda, que se passou pelas crenças de se levar alimentos aos túmulos e de se manter uma brasa permanentemente acesa em casa, num altar, considerando-se os mortos entes sagrados, a ponto de surgirem regras que, tanto a Índia quanto na Grécia, só permitiam a presença de familiares nos funerais, havendo um verdadeiro culto aos antepassados, ou uma religião doméstica. Assim, prossegue Coulanges21: O direito de propriedade, estabelecido para o cumprimento de um culto hereditário, não poderia extinguir-se ao cabo da vida curta do indivíduo. O homem morre, o culto permanece; o fogo nunca deve se apagar nem o túmulo ficar abandonado. Persistindo a religião doméstica, com ela permanece também o direito de propriedade. Coulanges22 acrescenta que, tanto nas crenças quanto nas leis dos antigos, estavam intimamente ligados o culto e a propriedade da família. Assim, não se podia adquirir a propriedade sem o culto, nem o culto separadamente da propriedade. E, conforme referido autor, nesse contexto surgiram todas as regras de direito sucessório entre os antigos: A primeira é que sendo a religião doméstica, como já foi visto, hereditária, de varão para varão, a propriedade também o era. Assim, sendo o filho o natural e necessário continuador, herda também os bens. Nisso está o surgimento do princípio da hereditariedade; não era pois o resultado de simples convenção entre homens, apenas; deriva de suas crenças e religião, do que há de mais poderoso sobre as almas. O que faz com que o filho herde não é a vontade do pai. O pai não tem necessidade de fazer testamento, o filho herda de pleno direito, ipso jure heres exsistit necessarius (...) O filho não tem de aceitar e nem recusar a herança. A continuação da propriedade, como a do culto, é para ele uma obrigação e um direito. Queira ou não, cabe-lhe a sucessão qualquer que possa ser, mesmo com encargos e dívidas. O benefício de inventário e o benefício de desistência não são admitidos no direito grego, para os filhos; e só bem mais tarde foram introduzidos no direito romano. 20 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. 2005. p. 21-27. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga, 2005. p. 78. 22 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga, 2005. p. 78/79. 21 6 Diz-se que a idéia de hereditariedade está vinculada ao homem, que à medida que a família acrescenta suas gerações, tem-se a hora marcada de dar continuidade ao culto e de tomar a seu cuidado a propriedade. Até porque os bens e o culto de casa família são inseparáveis, e o cuidado dos sacrifícios é direcionado a quem couber a herança. A regra estabelecia que o culto se transmitisse de varão para varão e, via de regra, que a herança seguisse o mesmo caminho. A filha não era considerada apta a dar continuidade À religião paterna, pois se casasse adjudicaria do culto do pai para adotar o do seu esposo: não tinha, pois, nenhum direito a herança. Se acontecesse de algum pai deixar os bens à filha,a propriedade ficaria dissociada do culto, e isso não era admissível. A filha não poderia nem cumprir o dever básico de herdeiro, ou seja, o de continuar os sacrifícios fúnebres, pois casando ofereceria os sacrifícios só aos antepassados do seu marido. A religião proíbelhe, pois, herdar de seu pai.23 Rodrigues24 esclarece essa idéia: Essa a razão porque a sucessão, a esse tempo e durante séculos, transmite-se apenas pela linha masculina, ou seja, aos agnados, pois como o filho é o sacerdote da religião doméstica, é ele, e não sua irmã, quem recebe o patrimônio da família. Aí, portanto, a explicação da regra segundo a qual a herança se transmite ao primogênito varão. Conforme ensina Wald25, finalmente: A sucessão mortis causa teve, em certa época histórica, um sentido extrapatrimonial, importando para a família romana, uma continuação da religião doméstica, em que pater famílias instituía, na pessoa do herdeiro, o novo titular da soberania familiar. Hoje, o caráter da sucessão é eminente e exclusivamente econômico, caracterizando-se pela assunção dos direitos e deveres do de cujus pelos herdeiros e pelo recebimento dos legados pelos legatários. Esclarecida a origem do direito sucessório que, conforme se verificou, teve início com o culto aos mortos pela família do de cujus, pode-se prosseguir com o estudo do conceito de direito sucessório. 23 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga, 2005. p. 80. RODRIGUES, Sílvio. Direito das sucessões. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 4. 25 WALD, Arnoldo. Direito das sucessões. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.2. 24 7 1.2 CONCEITUAÇÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO O direito das sucessões trata das normas referentes à transmissão dos bens pertencentes às pessoas falecidas e está regulado no Código Civil, em seu último livro, além de encontrar amparo na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no artigo 5°, que disciplina os direitos e garantias individuais.26 Direito das sucessões é, nas palavras de Gomes27, “a parte especial do Direito Civil que regula a destinação do patrimônio de uma pessoa depois de sua morte” ou, conforme Venosa28, “conjunto de direitos e obrigações que se transmitem, em razão da morte, a uma pessoa, ou a um conjunto de pessoas que sobrevivem ao falecido”. Monteiro29 assevera: No direito das sucessões, entretanto, emprega-se o vocábulo num sentido mais restrito, para designar tão-somente a transferência da herança, ou do legado, por morte de alguém, ao herdeiro ou legatário, seja por força de lei, ou em virtude de testamento (hereditas nihil aliud est quam successio in universum jus, quod defunctus habuit). Segundo Wald30, o conceito de sucessões abrange, além dos casos de transferência de direito subjetivo ou de dever jurídico mortis causa, os atos inter vivos. E acrescenta: O direito sucessório ou hereditário, pois, tem restrito o seu campo de ação à transmissão de direitos ou deveres - oriunda do falecimento do seu titular - que se transferem a terceiros, em virtude da declaração de vontade do de cujus ou de disposição de lei. 26 WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 1. GOMES, Orlando. Sucessões. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 1. 28 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Direito das Sucessões. 4 ed. v. VII. São Paulo: Atlas, 2002. p. 1. 29 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito das sucessões. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 1. 30 WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 1. 27 8 No entendimento de Diniz31, consiste, assim, no complexo de disposições jurídicas que regulam a transmissão de bens ou valores e dívidas do falecido, ou seja, a transmissão do ativo e do passivo do de cujus ao herdeiro, conforme artigo 1.786 do Código Civil. Afirma, ainda, a mesma autora32: Com a morte do autor da herança o sucessor passa a ter a posição jurídica do finado, sem que haja qualquer alteração na relação de direito, que permanece a mesma, apesar da mudança do sujeito. Deveras, ressalvado o sujeito, mantêm-se todos os outros elementos dessa relação: o título, o conteúdo e o objeto. Dessa forma, o herdeiro insere-se na titularidade de uma relação jurídica que lhe advém do de cujus. Diniz33 ensina que, juridicamente, o termo “sucessão” consiste no “fato de uma pessoa inserir-se na titularidade de uma relação jurídica que lhe advém de outra pessoa”. Nas palavras de Lisboa35, sucessão, em sentido amplo, é a substituição da pessoa física ou da pessoa jurídica por outra, que assume todos os direitos e obrigações do substituído ou sucedido, pelos modos aquisitivos existentes. Já em sentido restrito, designa, no entendimento de Diniz36, a transferência, total ou parcial, de herança, por morte de alguém, a um ou mais herdeiros. “É a sucessão mortis causa que, no conceito subjetivo, é o direito por força da qual alguém recolhe os bens da herança, e, no conceito objetivo, indica a universalidade dos bens do de cujus, que ficaram com seus direitos e encargos”. Wald37 esclarece que “a sucessão é o modo de transmissão, enquanto a herança é o conjunto de bens, direitos e obrigações, que 31 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.3. 32 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004. p. 3. 33 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004. p. 15. 35 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 367. 36 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004. p. 16. 37 WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 7. 9 se transmitem aos herdeiros e legatários. Assim, a herança transmite-se em virtude de sucessão mortis causa; a sucessão mortis causa é o modo de transmitir a herança”. Vale ressaltar, ainda nas palavras de Wald38: Mas por sucessão também se entende, em sentido subjetivo, e, assim, cogitamos do direito de herdeiro à sucessão do de cujus. Por outro lado, certas leis identificam a sucessão com herança, definindo-a como o conjunto de bens, direitos e obrigações que constituem o patrimônio do falecido (...). Assim, verificada a morte, abre-se a sucessão e chamam-se os herdeiros ou legatários para que recebam os bens que lhes cabem, seja em virtude de disposição de última vontade do de cujus (testamento) ou de norma legal, ou em razão de ambos.39 Acentua, ainda, o mesmo autor40: Para poderem suceder, os beneficiários terão que estar vivos na ocasião do falecimento do de cujus, pois a sucessão transmite-se de pessoa morta a pessoa viva, jamais a indivíduo pré-morto. Poderão os beneficiários aceitar ou renunciar à herança, já que o direito moderno não obriga ninguém a ser herdeiro contra sua vontade. É necessário que o herdeiro ou legatário seja capaz para receber o bem ou a quota de bens que lhe é destinada, por estabelecer a nossa lei o caso de incapacidade, que ocorrem, entre outras hipóteses, quando o beneficiário tornou-se indigno ou foi deserdado. Percebe-se, portanto, que a sucessão se inicia no momento da morte do de cujus, transmitindo-se a herança, enfim, os bens, direitos e obrigações do sucedido aos seus herdeiros e legatários. 1.3 CONTEÚDO E FUNDAMENTO Conforme Gomes41 o conteúdo do direito da sucessão é limitado. Uma vez que assuma o herdeiro a posição jurídico-econômica do 38 WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 7. WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 8. 40 WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 8. 39 10 falecido, não lhe são transmitidos todos os direitos de que este era ou podia ser titular. Referido autor42 assevera, ainda, que “transmissíveis são, de regra, ativa e passivamente, as relações jurídicas patrimoniais. Excetuam-se o usufruto, o uso, a habitação, a renda vitalícia, o mandado, a empreitada de lavor, a relação de emprego e a obrigação de prestar alimentos”. Gomes43 acentua: O direito das sucessões designa os sucessores e regula a transmissão dos bens e das dívidas do autor da herança. Nesta última parte, limita-se às relações patrimoniais. Dentre as que extinguiam com a morte do devedor, conserva-se atualmente a obrigação de alimentos por efeito de separação matrimonial. Um dos raros direitos não-patrimoniais que podem ser exercidos pelo herdeiro, por transmissão, é o direito moral do autor. O fundamento do direito sucessório, devido à sua importante função social, é a propriedade, conjugada ou não com o direito de família e, conforme destaca Diniz:44 A possibilidade de transferir bens causa mortis é um dos corolários do direito de propriedade, uma vez que, caso contrário, a propriedade ficaria despida de um de seus caracteres, ou seja, a perpetuidade. Kipp chega até afirmar que essa integração da sucessão mortis causa à propriedade é tão necessária que, se assim não fosse, esta última se desfiguraria, convertendo-se em mero usufruto vitalício. Compartilham desse entendimento Cahali e Hironaka:46 Prestigiando-se a propriedade privada, inclusive em harmonia com o interesse social, como atualmente ocorre na grande maioria dos países, o direito sucessório encontra fundamento no próprio direito de propriedade. É o corolário do direito de propriedade. E prosseguem os mesmos autores:47 41 GOMES, Orlando. Sucessões, 2000. p. 10. GOMES, Orlando. Sucessões, 2000. p. 10. 43 GOMES, Orlando. Sucessões, 2000. p. 10. 44 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004. p. 6. 46 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes.Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões. 2 ed. v. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 27 47 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 27. 42 11 A transmissão causa mortis é a decorrência lógica da propriedade, tal como caracterizada, dentre outros aspectos, pela perpetuidade e estabilidade da relação jurídica formada; ou sob outro ângulo, é o complemento do direito de propriedade, prolongando-se além da morte do seu titular. Vale frisar o entendimento de Monteiro:48 Ademais, o direito das sucessões baseia-se ainda na importante função social que desempenha, conservando unidades econômicas a serviço do bem comum. Ocorreria, sem dúvida, improdutivo dispêndio de energias se essas unidades devessem desaparecer pela morte das pessoas que as criaram e as mantiveram, impondo-se-lhes a restauração por outros homens. A sociedade tem por isso o maior interesse na subsistência da herança, porque, com a sucessão, sobrevivem tais unidades, sem solução de continuidade, em benefício geral. Verifica-se que o fundamento do direito sucessório é a propriedade, justamente para que se preserve uma de suas características principais, ou seja, a perpetuidade. 1.4 TIPOS DE SUCESSÃO O direito sucessório tem como cerne a morte natural, pois somente com ela dá-se início à abertura da sucessão, já que, sem o óbito do de cujus não se configura a sucessão hereditária, tendo em conta que não há herança de pessoa viva (viventus nulla est hereditas).49 Diniz50, a respeito do momento da abertura da sucessão: No momento do falecimento do de cujus abre-se a sucessão, transmitindo-se, sem solução de continuidade, a propriedade e a posse de bens do defunto aos seus herdeiros sucessíveis, legítimos ou testamentários, que estejam vivos naquele momento, independentemente de qualquer ato. Essa transmissão é automática, ou seja, opera-se de pleno direito. A morte é o fato jurídico que transforma em direito aquilo que era, para o 48 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 8. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004. p. 23. 50 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004. p. 23. 49 12 herdeiro, mera expectativa; porém não há direito adquirido à herança a não ser após o óbito do de cujus.51 No que pertine aos tipos de sucessão, pode-se dizer que, quanto à fonte, divide-se em sucessão legítima, sucessão testamentária, sucessão singular e sucessão universal. No entendimento de Cahali e Hironaka52 “a sucessão causa mortis pode ser classificada, também segundo a forma de destinação dos bens da herança, ou quanto aos seus efeitos, como identificados por alguns autores, em sucessão a título universal e a título singular”. Referidos autores53 acrescentam que quem sucede a título universal é herdeiro (pois sucede no todo ou em porção indefinida e abstrata da herança) e quem sucede a título singular é legatário (porque sua parte da herança é definida e determinada). Assim, finalizam: A seu turno, é possível concluir que herança é o patrimônio do defunto, compreendendo a universalidade de seu patrimônio, salvo as exceções (...) enquanto legado é o bem ou o conjunto de bens certos e determinados, integrantes da herança, deixado pelo testador a alguém. Constata-se que há dois tipos de sucessão, quais sejam, a universal, na qual os sucessores são herdeiros, e a título singular, isto é, testamentária, em que sucedem os legatários. 1.4.1 SUCESSÃO LEGÍTIMA A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade, conforme prevê o artigo 1.786 do Código Civil. Quando decorre de manifestação de última vontade, expressa em testamento, chama-se, como já 51 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 2004. p. 23. CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 53. 53 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 54. 52 13 mencionado, sucessão testamentária; quando se dá em virtude da lei, denominase sucessão legítima. 54 A esse respeito ensinam Cahali e Hironaka55: O legislador traz a ordem de vocação hereditária, através da qual designa aqueles que serão chamados para suceder, uns na falta dos outros, ou em concorrência, vale dizer, a lei indica os herdeiros da pessoa falecida. Por este meio, a transmissão se dá sem a manifestação de última vontade do de cujus, indicando o direito positivo as pessoas que, pelo grau de parentesco ou pelo casamento e união estável, serão consideradas titulares da herança, afirmando alguns autores que este meio de transmissão representa o testamento tácito ou presumido da pessoa. Sucessão legítima ou ab intestato é aquela que decorre de lei cogente que determina quais pessoas têm o direito de suceder, em conformidade com a ordem de vocação hereditária disposta pelo legislador.56 Consoante ensina Diniz57, com a morte de alguém, deve ser verificado, inicialmente, se o de cujus deixou testamento indicando como será partilhado seu patrimônio, e acrescenta: Em caso negativo, ou melhor, se faleceu sem que tenha feito qualquer declaração solene de última vontade; se apenas dispôs parte dos bens em testamento válido; se seu testamento caducou ou foi considerado ineficaz ou nulo, ou ainda se havia herdeiros necessários, obrigando a redução da disposição testamentária para respeitar a quota reservatória, a lei promoverá a distribuição, convocando certas pessoas para receber a herança, conforme ordem nela estabelecida, que se denomina ordem de vocação hereditária. Diniz58 conclui que nessas hipóteses ter-se-á sucessão legítima, ou seja, aquela por determinação legal. E complementa: A sucessão legal absorverá a totalidade da herança se o auctor successionis falecer ab intestato, ou se nulo ou caduco for o testamento por ele feito, e restringir-se-á à parte não compreendida no testamento, se o testador não dispuser da 54 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões. 26 ed.v. 6. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 16 55 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.54. 56 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 407. 57 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 99. 58 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 99. 14 totalidade da herança e se houver herdeiros necessários, que impõem o respeito à quota que lhes cabe. Lisboa59 afirma que a sucessão legítima é direito fundamental consagrado constitucionalmente, em prol de todos aqueles que podem ser incluídos como herdeiros, até mesmo os filhos não havidos no casamento. Segundo Rodrigues60 a ordem de vocação hereditária é uma relação preferencial, estabelecida pela lei, das pessoas que são chamadas a suceder ao finado. Consiste na distribuição dos herdeiros em classes preferenciais, baseada em relações a família e de sangue. É o que se depreende do artigo 1.829 do Código Civil: Art. 1.829 A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime de comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime de comunhão parcial, o autor da herança houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. Portanto, a base dessa sucessão é o parentesco, segundo as linhas e os graus próximos ou remotos, respeitando-se a afeição conjugal.61 Diniz62 esclarece que, na sucessão legítima, os herdeiros são convocados segundo tal ordem legal e, assim, uma classe de herdeiros só será chamada quando faltarem herdeiros da classe precedente. Afirma, ainda: Logo, se houver herdeiro sucessível de uma classe considerada preferencial por razões especiais, ele será chamado à sucessão do autor da herança, deixando de fora os herdeiros de outra classe. A lei, ao fixar esta ordem, inspirou-se na vontade presumida do finado de deixar seus bens aos descendentes ou, na falta destes, aos ascendentes, sem olvidar, em ambos os 59 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p.407. RODRIGUES, Sílvio. Direito das sucessões, 2003. p. 94. 61 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 100. 62 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 100. 60 15 casos, a concorrência com o cônjuge sobrevivo; não havendo nenhum dos dois, ao consorte sobrevivente, e, na existência de todas essas pessoas, aos colaterais, pois na ordem natural das afeições familiares é sabido que o amor primeiro desce, depois sobe em seguida dilata-se. Deveras, se o de cujus quisesse dar seus bens a uma determinada pessoa, teria feito testamento; se não o fez é porque se conformou que seus bens se incorporassem ao patrimônio das pessoas arroladas na ordem de vocação hereditária; daí se válida aquela presunção. Compartilha desse mesmo entendimento Lisboa63: Não havendo descendentes, os ascendentes deverão ser chamados à sucessão juntamente com o cônjuge nas condições citadas anteriormente, por preferirem aos parentes colaterais e, não havendo convivente a suceder (pois o convivente não é herdeiro vocacionado na ordem legal e, portanto, não se trata de herdeiro necessário sob o ponto de vista formal), no caso de herança jacente considerada vaga ou vacante, aos demais entes elencados pela lei (Município, Distrito Federal e União). Diniz64 assinala: A vocação hereditária restringe-se ao rol apresentado pelo Código Civil, no art. 1829, não se estendendo em beneficio de outras pessoas, tais como: afins, concubino, pessoas incapacitadas para o trabalho ou indigentes que estivessem sob a total mantença do falecido, pessoas jurídicas, saldo as de direito público interno e etc. A sucessão legítima, portanto, é aquela decorrente de lei, absorvendo integralmente a herança quando o de cujus não deixar testamento, ou quando este for nulo. Tal espécie de sucessão estabelece a ordem de vocação hereditária, enfim, quem são os sucessores a serem convocados para partilhar da herança. 1.4.2 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA A sucessão testamentária, segundo Cahali e Hironaka65, deriva de um ato de última vontade, representado por um testamento promovido 63 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 411. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 104. 65 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 51. 64 16 pelo autor da herança, na forma estabelecida em lei, sendo a pessoa, e não a lei, que define seus sucessores. Para Lisboa66, “sucessão testamentária é aquela que decorre do ato revogável de última vontade do de cujus, por meio do qual ele dispõe sobre o destino do seu patrimônio, a partir de sua morte”. Ou, nas palavras de Gomes67, “testamentária é a sucessão cuja devolução se regula, no todo ou em parte, conforme a vontade de defunto expressa num ato jurídico, que se denomina testamento”. Diniz68 destaca que “a sucessão testamentária é aquela que a transmissão hereditária se opera por ato de última vontade, revestida da solenidade requerida por lei, prevalecendo as disposições normativas naquilo que for ius cogens, bem como no que for omisso o testamento”. Nesse sentido, Lisboa70 acrescenta que “testamento é o negócio jurídico unilateral e personalíssimo por meio do qual se opera a transmissão dos bens, com a morte do testador, em prol de seus sucessores livremente indicados”. Referido autor71 destaca que a sucessão testamentária afasta a incidência ampla da sucessão legítima, diante do caráter residual desta última, aplicando-se sempre sobre, pelo menos metade dos bens deixados pelo autor de herança. Lisboa72, ainda, acrescenta que a sucessão legítima, porém, prevalece sobre todos os bens e em qualquer hipótese, quando não há testamento. Mas caso exista referido negócio jurídico, a vontade do testador é que deverá ser observada, nos limites definidos em lei. 66 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004, p. 455. GOMES, Orlando. Sucessões, 2000. p. 84. 68 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 163. 70 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 455. 71 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 456. 72 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 456. 67 17 O testador, em princípio, e desde que não tenha deixado qualquer herdeiro necessário à época de sua morte, poderá dispor de todo seu patrimônio, conforme explica Lisboa73, que afirma, ainda: Assim, se o de cujus deixou descendentes, ascendentes ou cônjuge sobrevivente, o seu poder de livre disposição será delimitado pela legítima ao máximo de 50% (cinqüenta por cento) dos bens de sua titularidade, a menos que todos os herdeiros necessários tenham sido excluídos da sucessão por algum motivo previsto na legislação (premoriência, comoriência, deserdação). Em todo e qualquer testamento tem que se fazer presentes as condições de validade jurídica, tais quais, a capacidade testamentária ativa e passiva, não haver deserdação e observância de todas as formalidades legais. A capacidade testamentária ativa é a capacidade para testar. Assim, são incapazes para fazer testamento: os menores de 16 anos, os que não estiverem em seu perfeito juízo, conforme artigo 1.860 do Código Civil, os surdo-mudos que não puderem exprimir sua vontade (CC, artigo 1.873) e as pessoas jurídicas (CC, artigo 1.857).74 Diniz75, afirma que ao contrário, “a capacidade para adquirir por testamento rege-se pela regra geral de que são capazes para tanto todas as pessoas, físicas ou jurídicas, existentes ao tempo da morte do testador, não havidas como incapazes” (CC, artigos. 1.798 e 1.799). Ademais, segundo a mesma autora76, são absolutamente incapazes para adquirir por testamento os não concebidos até a morte do testador, exceto se a disposição testamentária se refere à prole eventual de pessoa designada pelo testador, existente no momento da abertura da sucessão (artigo 1.799, I); e as pessoas jurídicas de direito público externo (LICC, artigo 11, § 2º). 73 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 456. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 183. 75 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 183. 76 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 183. 74 18 Diniz77 acrescenta, ainda, que: São relativamente incapazes para receber por testamento as pessoas arroladas no artigo 1.801 do CC. Anulam-se todas as disposições testamentárias em favor dos incapazes dos artigos 1.798 e 1.801, ainda quando simulem a forma de contrato oneroso ou os beneficiem por interposta pessoa (CC, artigo 1.802, § único) . A sucessão testamentária, diferentemente da legítima, dá maior liberdade ao autor da herança, afastando a ampla incidência da sucessão legal, permitindo que este escolha livremente seus sucessores, observados os limites impostos pela reserva de legítima, caso existam herdeiros necessários. 1.4.3 SUCESSÃO UNIVERSAL Diniz78 classifica a sucessão quanto a sua fonte, ou seja, sucessão legítima e sucessão testamentária, bem assim, quanto aos seus efeitos, hipótese em que a sucessão poderá ser universal ou singular. Referida autora79 destaca, ainda: A título universal, quando houver transferência da totalidade ou de parte indeterminada da herança, tanto no seu ativo como no passivo, para o herdeiro do de cujus (...). O herdeiro é, portanto, chamado a suceder no todo ou numa quota-parte do patrimônio do de cujus, sub-rogando-se abstratamente, na posição do falecido, como titular da totalidade ou de parte ideal daquele patrimônio no que concerne ao ativo, e assumindo a responsabilidade relativamente ao passivo. No mesmo entendimento Rodrigues 80 afirma: Diz-se que a sucessão se processa a título universal quando o herdeiro é chamado a suceder na totalidade dos bens do de cujus, ou em uma parte alíquota deles, ou seja, o sucessor se sub-roga na posição do finado, como titular da totalidade ou da quota parte da universitas iuris, que é o seu patrimônio, de modo que, da mesma maneira que se investe na titularidade de seu ativo, assume a responsabilidade por seu passivo. 77 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 183. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 20. 79 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 20-21. 80 RODRIGUES, Silvio. Direito civil - direito das sucessões, 2003. p.17. 78 19 Wald81, a respeito do tema, acentua: É a título universal quando se transfere ao sucessor a totalidade do patrimônio do de cujus ou uma fração determinada dele, abrangendo tanto o seu ativo como o seu passivo. Neste caso, o sucessor é denominado de herdeiro. Essa sucessão só é concebível nos casos de morte, pois a ninguém é lícito transferir todos os seus bens em vida. Por fim, pode-se dizer que a sucessão legítima será sempre a título universal, transferindo-se aos herdeiros a totalidade ou uma quota parte do patrimônio de cujus, ao contrário a sucessão testamentária, pode ser universal, se o testador instituir herdeiro que lhe sucede no todo ou na quota ideal de seus bens, ou singular, se o testador deixar a uma pessoa uma coisa discriminalizada, um bem determinado. 82 1.4.4 SUCESSÃO SINGULAR A sucessão se processa a título singular quando o testador se dispõe a transferir ao beneficiário um bem certo e determinado. A sucessão singular, segundo Cahali e Hironaka83 “implica a transferência de bens determinados a pessoas determinadas. Dá-se apenas na sucessão testamentária, onde a disposição de última vontade contempla um ou vários beneficiários, com bem certo e determinado”. Ensinam, ainda84: O bem deixado denomina-se legado, e o beneficiário, legatário, substituindo o falecido apenas na coisa legada. Este não deixa de ser sucessor, mas tecnicamente não é considerado herdeiro em sentido estrito, pois recebe a título singular, e não universal como aquele tendo inúmeras conseqüências esta distinção (...). 81 WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 2. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 21. 83 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 53. 84 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 53. 82 20 Nas palavras de Diniz85 “a sucessão se dá título singular, quando o testador transfere ao beneficiário apenas objetos certos e determinados, por exemplo, uma jóia”. sucessão: Acrescenta referida autora86 que, nessa espécie de É o legatário que sucede ao de cujus em bens ou direitos determinados ou individualizados, ou em fração do patrimônio devidamente individuada, sub-rogando-se, de modo concreto, na titularidade jurídica de determinada relação de direito, sem representar o falecido, pois não responde pelas dívidas e encargos de herança, já que sucede apenas in rem aliquam singularem. Vale ressaltar, nas palavras de Wald87 que, “diferentemente da sucessão a título universal, a sucessão a título singular pode ocorrer em virtude de ato inter vivos ou de falecimento. Seu beneficiário, neste caso, é chamado de legatário”. 1.5 ESPÉCIES DE HERANÇA O objeto da sucessão causa mortis é a herança, uma vez que, com a abertura da sucessão, transmite-se o patrimônio, tanto o ativo como o passivo, até o limite da herança aos seus sucessores, os quais se sub-rogam nas relações jurídicas do falecido. Tem-se um privilégio legal concedido aos sucessores de serem admitidos à herança do de cujus, sem obrigá-los a responder pelos encargos além do acervo hereditário.88 Lisboa89 acrescenta: A herança é a universalidade ou totalidade dos direitos ou obrigações abstratamente considerados que integram o patrimônio deixado pelo falecido, em face da sua morte, suscetíveis de transmissão aos seus respectivos herdeiros. 85 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p.21. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p.21. 87 WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 2-3. 88 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 38. 89 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004, p. 368. 86 21 Wald90 complementa que a herança é o conjunto de direitos e deveres patrimoniais, ou seja, a universalidade das relações jurídicas de caráter patrimonial, nas quais o falecido era sujeito ativo e passivo. E acrescenta: A herança pode apresentar um caráter positivo ou negativo. Isto é, na compensação do seu ativo e passivo, podemos chegar à conclusão que o primeiro supera o segundo, havendo superávit, ou que, ao contrário, é por ele ultrapassado, ocorrendo déficit. Tem-se, no primeiro caso, a herança positiva, e no segundo, a herança negativa, caracterizada pela existência de dívidas superiores aos haveres. Cahali e Hironaka91 esclarecem: Ao tratar de direito das sucessões, direcionam-se as normas legais principalmente à destinação do patrimônio deixado pela pessoa falecida, indicando seus herdeiros (sucessão legítima), às regras pertinentes à nomeação de sucessores, por disposição de última vontade, com as respectivas formalidades e restrições (sucessão testamentária) e à forma com que se dará essa transmissão. Asseveram referidos autores:92 Substitui-se o sujeito (o sucessor assume os direitos e obrigações do falecido), mantendo-se íntegra a relação jurídica mesmo após o desaparecimento do seu primitivo titular, não se aplicando, nestas condições, o preceito mors omnia solvit. Assim pode-se dizer que há três espécies de herança, quais sejam, a herança testamentária, baseada na vontade do testador; a herança legítima, com base nos dispositivos legais, onde estão estabelecidas quais pessoas têm o direito de suceder, conforme a ordem de vocação hereditária e a herança necessária, que é aquela destinada aos herdeiros necessários (ascendentes, descendentes e o cônjuge), ou seja, se houver herdeiros necessários não se pode testar 50% do patrimônio do de cujus. 1.6 ESPÉCIES DE SUCESSORES 90 WALD, Arnoldo. Direito das sucessões, 2002. p. 2. CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 30. 92 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 31. 91 22 Com relação aos sucessores, pode-se dizer que se subdividem em herdeiros e legatários, podendo ainda os herdeiros ser testamentários e legítimos, e este último necessário e facultativo.93 Herdeiro legítimo é a pessoa indicada no dispositivo de lei como sucessor nos casos de sucessão legal, a quem se transmite a totalidade ou quota-parte da herança.94 Cahali e Hironaka95 acrescentam: Herdeiros legítimos são aqueles sucessores eleitos pela legislação, através da ordem de vocação hereditária (art. 1819), ou por regra especial, como ocorre na sucessão entre companheiros decorrente da união estável (CC, art. 1790). Aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e o cônjuge) pode-se dizer que são reservados cinqüenta por cento, ou seja, não se pode testar livremente se houver herdeiros necessários, conforme prevêem os artigos 1.845 e 1.846 do Código Civil. Gomes96, nesse sentido, destaca: Herdeiro necessário é o parente com direito a uma quota-parte da herança, da qual não pode ser privado. A parte reservada aos herdeiros legitimados chama-se legítima. Constitui-se, entre nós, da metade dos bens do falecido. Acresce97, ainda, que a existência de herdeiros necessários impede a disposição, por ato de última vontade, dos bens constitutivos da legítima ou reserva. Nesse mesmo sentido Cahali e Hironaka98 acrescentam: 93 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 56. 94 GOMES, Orlando. Sucessões, 2000. p. 36. 95 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 56. 96 GOMES, Orlando. Sucessões, 2000. p. 37. 97 GOMES, Orlando. Sucessões, 2000. p. 37. 98 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 57. 23 Herdeiros necessários, assim, é o parente com direito a uma parcela mínima de 50% do acervo, da qual não pode ser privado por disposição de última vontade, representando a sua existência uma limitação à liberdade de testar. Segundo Lisboa99, “herdeiros necessários são os sucessores dos quais não se pode retirar direito à herança, senão e face da ação de indignidade ou de cláusula testamentária de deserdação”. Acrescenta referido autor: 100 Aos herdeiros não necessários não se outorga o direito à metade disponível porque eles não são herdeiros reservatórios, ou seja, apenas os herdeiros necessários têm o direito de reserva da legítima, que se faz mediante titulo universal. Se o herdeiro necessário, porém, renunciar à herança, perderá a reserva e, por conseqüência, todo o direito à legítima. Já os herdeiros testamentários são aqueles beneficiados por ato de disposição de última vontade e conforme explicam Cahali e Hironaka:101 Que além de herdeiros testamentários podem ser considerados herdeiros legítimos, ou seja, quando se quer favorecer mais um sucessor em relação aos demais sucessores de uma mesma classe de preferência concorrentes entre si. Os legatários são herdeiros instituídos por testamento para receber determinado bem, certo e individualizado, e a título singular. Cahali e Hironaka102 nos ensinam que: (...) podem igualmente coincidir com a pessoa dos próprios herdeiros legítimo ou testamentário, mas, pelas disposições de última vontade, em relação ao legado, em face da sucessão, terá também esta qualidade própria e específica. 99 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 412413. 100 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 413. 101 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 56-57. 102 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 57. 24 E por fim, os herdeiros legítimos que não estiverem colacionados na categoria dos herdeiros necessários são os chamados herdeiros facultativos.103 Concluem-se, assim, as considerações gerais acerca do direito sucessório, passando-se agora ao estudo do instituto da união estável. 103 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 58. 25 CAPÍTULO 2 DO INSTITUTO DA UNIÃO ESTÁVEL Feitas as considerações necessárias acerca do direito sucessório, cumpre estudar a partir deste momento o instituto da união estável. Para atingir tal finalidade, dividiu-se o presente capítulo em quatro partes, começando pelas considerações históricas e conceito, passando pelas características pertinentes aos conviventes, companheiros e concubinos, concluindo com a exposição dos requisitos configuradores da união estável. 2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DO INSTITUTO DA UNIÃO ESTÁVEL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Ao matrimônio contrapõe-se o companheirismo, o qual consiste numa união livre e estável de pessoas de sexos diversos, que não estão entre si ligadas pelo casamento civil. 104 No passado, o concubinato se fez presente ante a ordem jurídica, ora admitido por ela em determinadas circunstâncias, ora marginalizado, mas, sempre, como fato socialmente relevante.105 Venosa106 acentua: Durante muito tempo o legislador viu o casamento a única forma de constituição da família, negando efeitos jurídicos à união livre, mais ou menos estável, traduzindo essa posição em nosso Código Civil do século passado. Essa posição dogmática, em um país no qual o largo percentual da população é historicamente formado de uniões 104 DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família. 19 ed. v. 5 Editora Saraiva: São Paulo, 2004. p. 335. 105 BORGHI, Hélio. Casamento e união estável. 2º Ed. Editora Juarez de Oliveira: São Paulo, 2003. p. 3. 106 VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito de família. 5º Ed. Atlas: São Paulo, 2005. p. 54. 26 sem casamento, persistiu por tantas décadas em razão de inescondível posição e influencia da Igreja Católica. Coube por isso, a partir da metade do século XX, tecer posições em favor dos direitos dos concubinos, preparando terreno para a jurisprudência e para a alteração legislativa. Com isso, por longo período, os tribunais passaram a reconhecer direitos aos concubinos na esfera obrigacional. Assim, dentre diversos períodos do Direito Romano já existia o concubinato, pois havia proibição de casamento entre determinadas pessoas, como as que pertenciam a classes sociais desiguais.107 Posteriormente, o concubinato foi totalmente combatido pelo Direito Canônico, pois a Igreja, principalmente na Idade Média, era contra tal status. No entanto, diante das impossibilidades de extinguir foi aos pouco concedendo efeitos e procurando assegurar a monogamia e a estabilidade dos relacionamentos, sem, portanto, ratificar tais uniões.108 Borghi109 ensina: O concubinato, pelos contornos atuais, agora como união estável, não poderia deixar de despertar o interesse da ordem jurídica, seja pela proteção aos filhos havidos na constância da união, a terceiros e aos próprios companheiros em suas mútuas relações. No direito brasileiro começaram a ser reconhecidos os direitos da companheira a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, com o propósito de estabelecer proteção efetiva às uniões estáveis. Diniz110 assevera: A Constituição Federal, ao conservar a família, fundada no casamento, reconhece como entidade familiar a união estável, notória e prolongada de um homem com um a mulher, vivendo ou não sob o mesmo teto, sem vínculo matrimonial, desde que tenha condições de ser convertida em casamento, por não haver impedimento legal para a sua convolação. A proteção jurídico107 BORGHI, Hélio. Casamento e união estável, 2003. p. 01. BORGHI, Hélio. Casamento e união estável, 2003. p.04. 109 BORGHI, Hélio. Casamento e união estável, 2003. p. 03. 110 DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família, 2004. p. 335-336. 108 27 constitucional recai sobre uniões matrimonizadas e relações convivenciais more uxório, que possam ser convertidas em casamento. Referida autora111 acrescenta que, com isso, a união estável perde a o status de sociedade de fato e ganha o de entidade familiar. Assim, não pode ser confundida com a união livre pois, nesta, duas pessoas de sexos diferentes, além de não optarem pelo casamento, não têm nenhuma intenção de constituir família. Monteiro112 ensina que: Inegável, todavia, a generalização do fato social, que terminou por ser reconhecido juridicamente; a união estável ganhou respaldo constitucional, estabelecendo o art. 226, § 3º, da Lei Maior que merece proteção do Estado. Quanto à inexistência de definição dos deveres oriundos da união estável na legislação anterior, o Código Civil de 2002 procurou atribuir-lhes efeitos que contêm deveres e não só direitos, como o dever de lealdade, que engloba a fidelidade entre os companheiros (art. 1724), além de estabelecer vínculo de afinidade entre um dos partícipes dessa relação e os parentes do outros (art. 1595), e impedimentos na sua constituição, quase iguais aos do casamento (art. 1723, § 1º). A Constituição Federal em seu artigo 226, § 3º dispõe, in verbis: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento. Pereira113 acentua: A idéia tradicional de família, para o Direito brasileiro, é de que se constitui de pais e filhos unidos a partir de um casamento regulado pelo Estado. Mas a partir de 1998, a Constituição Federal (art. 226) ampliou esse conceito, reconhecendo como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, bem, como a união estável entre o homem e a mulher. Isso significa 111 DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família, 2004. p. 335-336. MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de família. 2 vol. 37º Ed. Saraiva: São Paulo, 2004. p. 37. 113 PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código civil. 6º Ed. Del Rey: Belo Horizonte, 2001. p. 06. 112 28 uma grande evolução na ordem jurídica brasileira em relação ao conceito de família. Segundo Monteiro114, promulgada a Lei n° 8.971, de 29 de dezembro de 1994, foram estabelecidos em seus artigos os requisitos da união estável, tais como o estado civil de solteiro, separado judicialmente, divorciado e viúvo e o prazo de cinco anos de duração da união ou a existência de prole. Essa lei foi a primeira a reconhecer o direito a alimentos (art. 1º) e os direitos sucessórios aos companheiros (art. 2º). Acrescenta referido autor115 que a Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, reconheceu, como entidade familiar: A convivência duradoura pública e contínua de um homem e uma mulher, com a finalidade de constituição de família, estabelecendo direitos e deveres de cunho pessoal e patrimonial aos conviventes, a presunção de que os bens adquiridos, a título oneroso, na constância da união estável, são fruto do trabalho e da colaboração comum dos companheiros, passando a pertencer, em partes iguais, a ambos, salvo estipulação em contratual em contrário, e o direito real de habitação do convivente sobre imóvel destinado à residência da família, em caso de morte do companheiro. Nesse sentido, adverte Pereira116 que, coerente com a caracterização de união estável regulada pela Lei 9.278/96, o Código Civil de 2002 exige, no seu artigo 1.723, que a união seja pública, contínua, duradoura, objetivando a constituição de família, sem fixar um prazo mínimo para se constituir entidades familiares. O Código Civil em vigor estabelece, em seu artigo 1.724, acerca dos deveres dos companheiros, ou seja, lealdade, respeito, assistência, guarda, sustento e educação aos filhos e dispõe, em seu artigo 1.725, sobre o regime de bens a ser aplicado nestas uniões, qual seja, o regime da comunhão parcial de bens. 114 MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de família, 2004. p. 39-40. MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de família, 2004. p. 40. 116 PEREIRA, Caio Mario Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família. vol. V. 16 ed. Forense, Rio de Janeiro, 2006. p. 545. 115 29 2.2 CONCEITO Diniz118 conceitua a união estável como uma união duradoura de pessoas livres e de sexos diferentes, que não estejam ligadas entre si por casamento civil. Já Rodrigues119 entende tal instituto como a união do homem e da mulher, fora do matrimônio, de caráter estável, mais ou menos prolongada objetivando a satisfação sexual, assistência mútua e dos filhos comuns, implicando numa presunção de fidelidade da mulher ao homem. Pereira 120 ensina, em resumo, que “união estável é a relação afetivo-amorosa entre um homem e uma mulher, não adulterina e não incestuosa, como estabilidade e durabilidade, vivendo sob o mesmo teto ou não, constituindo família sem vínculo do casamento civil”. O concubinato consiste na união de um homem com uma mulher, sem ligações pelos vínculos matrimoniais, durante tempo duradouro, sob o mesmo teto, ou diferente, com aparência de casados more uxório.121 Segundo Pedrotti:122 Concubinato é o mesmo que hemigamia, que é o matrimônio livre (matrimonium vocatur), ou casamento de fato. Observa-se que genericamente a expressão diz respeito a um homem e a uma mulher que vivam juntos sem ser casados, mas como se assim fossem. Ressalta-se que more uxório significa conforme o costume de mulher casada, ou consoante determina o casamento. Ainda referido autor123 dispõe que a união estável entre o homem e a mulher está reconhecida como entidade familiar pela Constituição da 118 DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família, 2004. p. 374. RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito de família, 2002. p. 287. 120 PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código civil. 6º Ed. Del Rey: Belo Horizonte, 2001. p. 29. 121 PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável. 5 ed. Universitária de Direito: São Paulo: 2002. p. 8. 122 PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável, 2002. p. 8. 123 PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável, 2002. p. 9. 119 30 República Federativa do Brasil de 1988. Assim, os motivos inspiradores que ensejaram o Código de 1916 não mais encontram evidência na realidade da família brasileira. Importante ressaltar, no entendimento de Pedrotti124, que o concubinato constitui uma situação fática que pode gerar conseqüências jurídicas, e acrescenta: Logo, é um fato jurídico diante de uma realidade social com valoração dos homens a todo instante e com aceitação nas legislações modernas, pois, considera-se fato jurídico qualquer acontecimento ao qual o corpo jurídico positivo concede conseqüências jurídicas. O que se evidencia tanto na doutrina como na jurisprudência, é que o concubinato como situação geradora de direitos e obrigações, deve revestir-se de condição moral. Monteiro125 assevera que a união estável é a relação lícita entre o homem e a mulher, visando à formação de família, sendo chamados os partícipes desta relação de companheiros, conforme artigo 1.723 do Código Civil. O concubinato, por sua vez, consiste em relação que não merece a proteção do direito de família, dado seu caráter adulterino, e são denominados concubinos os seus participantes, na forma do artigo 1.727 do citado diploma legal. Prelecionam os mencionados dispositivos: Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida como o objetivo de constituição de família. Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato. Venosa 126nesse sentido explica: Contemplada a terminologia união estável e companheiro na legislação mais recente, a nova legislação colocou os termos concubinato e concubinos na posição de uniões de segunda classe, ou aquelas para as quais há impedimentos para o casamento. Isso fica muito claro no vigente Código Civil em seu artigo 1.727. Trata-se do outrora denominado concubinato impuro. Concubinato apresenta o sentido etimológico de comunhão de leito cum (com) cubare (dormir). 124 PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável, 2002. p. 11. MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de família, 2004. p.30. 126 VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito de família, 2005. p. 54. 125 31 Cavalcanti 127 esclarece que: Mesmo considerando o casamento a forma única e exclusiva de constituição de família, a união extramatrimonial sempre esteve presente na realidade social, embora não possamos negar que seu significado sofreu relevante modificação desde os tempos mais antigos (...). Referida autora 128 afirma que, em síntese, considera-se união estável o relacionamento entre um homem e uma mulher que intencionam formar uma entidade familiar sem as formalidades atribuídas ao casamento. Venosa129 destaca, ainda, que o concubinato ou a união são fatos sociais e fatos jurídicos, sendo essa a sua natureza. O casamento, por outro lado, é um fato social e um negócio jurídico. Considerando-se que fato jurídico é qualquer acontecimento que gera conseqüências jurídicas, a união estável é um fato do homem que, gerando efeitos jurídicos, torna-se um fato jurídico. Verifica-se, portanto, o reconhecimento da união estável como entidade familiar, o qual sua proteção é devida pelo Estado, mas sem equiparação formal ao casamento ou união legítima, uma vez que o dispositivo constitucional faz distinção entre casamento e união estável.130 2.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS NOMENCLATURAS CONVIVENTES, COMPANHEIROS E CONCUBINOS A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, buscando garantir proteção à união estável, atentou para os conceitos jurídicos modernos.131 127 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e efeitos pessoais. 1 ed. Manole: São Paulo, 2004. p. 67. 128 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e efeitos pessoais, 2004. p. 67. 129 VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito de família, 2005. p. 58. 130 PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável, 2002. p. 199. 131 ROSA, Patrícia Fontanela. União estável. a eficácia temporal das leis regulamentadoras. 1º Ed. Diploma Legal: Florianópolis, 1999. p. 37-38. 32 Referida legislação estabelece novas concepções para o direito concubinário, principalmente, a partir das uniões estáveis, como um fato social marcante em nosso país.132 Nesse sentido Rosa133, esclarece: O termo concubinato, sinônimo de convivência, foi alterado para união estável quando finalmente, reconheceu-se a existência da família de fato, formada à margem do matrimonio, que não tinha proteção do poder político e fora ignorada pela legislação. Pereira134 complementa que a Lei 8.971/94 preferiu usar a palavra “companheiros” no lugar de “concubinos” para designar os sujeitos de uma relação concubinária ou, nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de uma união estável. Referido autor135 menciona, ainda, que sem nenhuma explicação lógica, talvez por capricho do legislador, a Lei 9.278/96 substituiu a expressão “companheiro” por “convivente”. O Código Civil de 2002, com redação aprovada pelo Congresso Nacional em agosto de 2001, preferiu utilizar a expressão “companheiros” na parte que trata especificamente sobre união estável, mas também usou a expressão “convivente” ao tratar dos alimentos no artigo 1.694. Prossegue o mesmo autor136: Entretanto, a determinação e a nomeação dos sujeitos de uma relação concubinária serão aquelas que o costume consagrar, como já vinha acontecendo com a expressão companheiros, adotada em vários textos normativos, desde 1975, com a alteração da Lei. 6.015/73. 132 PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código civil, 2001. p. 34. 133 ROSA, Patrícia Fontanela. União estável. A eficácia temporal das leis regulamentadoras, 1999. p. 37. 134 PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código civil, 2001. p. 67. 135 PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código civil, 2001. p. 69. 136 PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código civil, 2001. p. 69. 33 A expressão união estável, tal como foi inserida no texto constitucional, veio a substituir a expressão concubinato. Pode-se dizer que, união estável é o concubinato não-adulterino.137 Pereira138 assinala: O concubinato adulterino, em razão do princípio jurídico da monogamia, não recebe a proteção do Estado como uma forma de família. Os direitos decorrentes do concubinato adulterino não estão no campo do Direito de Família, mas na teoria das sociedades de fato, no direito obrigacional, que encontra respaldo e fundamentação teórica para justificá-lo. Pedrotti139 entende: O concubinato e/ou a sociedade de fato e/ou união estável não cria, em verdade um estado civil e nem modifica a condição jurídica que a pessoa tem. Tratando-se de alguém que viva more uxório será considerado concubino, companheiro, unido estavelmente, por se encontrar configurada essa situação jurídica. Nota-se na doutrina que a união estável ou concubinato pode ser puro ou impuro. Assim, Diniz140 destaca: Será puro se apresentar como uma união duradoura, sem casamento civil, entre o homem e a mulher livres e desimpedidos, isto é, não comprometidos por deveres matrimoniais ou por outra ligação concubinária. Assim, vivem em união estável ou concubinato puro: solteiros, viúvos, separados judicialmente ou de fato e divorciados. (...). Concubinato impuro ou simplesmente concubinato, são as relações não eventuais em que um dos amantes ou ambos estão comprometidos ou impedidos legalmente de se casar. Referida autora141 complementa, dizendo: No concubinato há o panorama de clandestinidade que lhe retira o caráter de entidade familiar, visto que não poder ser convertido em casamento. Apresenta-se como: adulterino, se se fundar no estado de cônjuge de um ou de ambos os concubinos e incestuoso, se houver parentesco próximo entre os amantes. 137 PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código civil, 2001. p. 02-03. 138 PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código civil, 2001. p. 03. 139 PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável, 2002. p. 191. 140 DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família, 2004. p. 345-346. 141 DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família, 2004. p. 346-347. 34 Compartilha desse entendimento Pereira142: “concubinato é um gênero que comporta duas espécies: o concubinato adulterino, a que se tem denominado simplesmente de concubinato, e o não-adulterino, que se pode denominar união estável”. A Súmula 380 consolidou a respeito da divisão de haveres no concubinato, utilizando-se de tal nomenclatura: “comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos é cabível a sua dissolução judicial com partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. 143 Por fim, vale ressaltar a importância do estudo das nomenclaturas “conviventes”, “companheiros” e “concubinos”, uma vez que, em cada momento histórico usou-se uma denominação diferente. 2.4 REQUISITOS CARACTERIZADORES DA UNIÃO ESTÁVEL Tratando-se de situação elevada à categoria de ordem jurídico-constitucional, a união estável terá de estar condicionada a alguns elementos caracterizadores para que seja reconhecida como instituidora de família.145 Nesse sentido observa Cavalcanti 146: A união estável possui características diversas do casamento e a principal diferença entre os dois institutos é que o casamento é consolidado por um ato jurídico solene, sendo regulamentado por normas rígidas de ordem pública, que definem sua validade e eficácia. Referida autora147 esclarece, ainda: 142 PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código civil, 2001. p. 29. 143 ROSA, Patrícia Fontanela. União estável. A eficácia temporal das leis regulamentadoras, 1999. p. 34. 145 BORGHI, Hélio. Casamento e união estável, 2003. p. 5. 146 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e efeitos pessoais, 2004. p. 113. 147 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e efeitos pessoais, 2004. p. 113. 35 De outro lado, a união estável, diferentemente do casamento civil, se encontra prevista no ordenamento jurídico com certa “liberdade” na sua constituição. Trata-se de fato jurídico não solene, de formação sucessiva e complexa. Ou seja, somente após a configuração de certos elementos é que finalmente poderá ser reconhecida como entidade familiar pelo sistema jurídico. Isto quer dizer que a união estável precisa se adequar a certos elementos para que seja finalmente reconhecida como fato jurídico. Cavalcanti148complementa: Que a união estável se diferencia do casamento quanto à sua constituição, seus efeitos e quanto ao momento de incidência desses efeitos. Contudo, reconhecida como um fato jurídico, deve ser sempre protegida pelo Estado, como forma legítima de família. Como elementos que integram ou que caracterizam a união estável pode-se dizer, a durabilidade da relação, a diversidade de sexos, exclusividade, inexistência de impedimentos matrimoniais, convivência more uxório, a construção patrimonial em comum, affectio maritalis, a coabitação, fidelidade, notoriedade, a comunhão de vida, enfim, tudo aquilo que faça a relação parecer um casamento. É a posse de estado de casado.149 Nesse sentido, o artigo 1.724 do Código Civil dispõe, in verbis, “As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”. Monteiro150 destaca os pressupostos para que se reconheça a entidade familiar apta a produzir efeitos pessoais e patrimoniais, tais quais, a união estável, com constituição de família, entre um homem e uma mulher; convivência sob o mesmo teto prolongada, pública e contínua; capacidade civil dos companheiros; a inexistência de impedimento matrimonial, salvo no caso de casamento, se houver separação de fato. A diversidade de sexos trata-se de requisito essencial para a consolidação, existência e validade de uma união estável caracterizada como 148 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e efeitos pessoais, 2001. p. 114. 149 PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código civil, 2001. p. 29. 150 MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de família, 2004. p.36. 36 entidade familiar para o sistema jurídico atual. Esse elemento está disposto no artigo 226, § 3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988151, o qual determina: Art. 226, § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento. Cavalcanti 152 assinala que: A exclusividade está relacionada com o princípio da monogamia, uma vez que se trata de um princípio de direito de família aplicável a qualquer forma de entidade familiar prevista em nosso sistema jurídico, com o direito e o dever de respeito e consideração. Outro elemento, a durabilidade, ou seja, a continuidade do relacionamento, é um dos requisitos que diferenciam a união estável do casamento, posto que, no casamento, a sua configuração se dá pela própria celebração, sem ser necessária a comprovação da durabilidade e estabilidade da relação. Por outro lado, este aspecto é extremamente relevante na união estável.153 No que pertine à notoriedade, assevera Borghi:154 Considerada também como elemento essencial para a caracterização das relações concubinárias, a notoriedade significa em linhas gerais, o conhecimento de terceiros das afeições recíprocas entre os concubinos. A notoriedade é elemento complementar à noção de fidelidade, pois torna pública a situação de quase-casados que é representada. Diniz155 acrescenta: A convivência more uxória deve ser notória, os companheiros deverão tratar-se, socialmente, como marido e mulher, aplicandose a teoria da aparência, revelando a intentio de constituir família, 151 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e efeitos pessoais, 2004. p. 117. 152 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e efeitos pessoais, 2004. p. 118. 153 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e efeitos pessoais, 2004. p. 120. 154 BORGHI, Hélio. Casamento e união estável, 2003. p. 7. 155 DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. direito de família, 2004. p. 341. 37 traduzida por uma comunhão de vida e interesses, mesmo que não haja prole comum. Referida autora156 destaca, ainda: A união estável por ter a aparência de casamento, ante a circunstância de que o próprio casamento pode haver uma separação material dos consortes por motivo de doença, de viagem ou de profissão, a união estável pode existir mesmo que os companheiros não residam no mesmo teto, desde que haja notório que sua vida se equipara à vida de casados civilmente. Isto se dá a coabitação. Nesse mesmo sentido dispõe a Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato”. Segundo Cavalcanti157, “referida súmula não afastou a coabitação, mas demonstrou que, em situações excepcionais, poderia ser desconsiderada a convivência more uxória sob o mesmo teto, para que se caracterizasse o concubinato”. Monteiro158 acrescenta: As relações de caráter meramente afetivo não configuram união estável. Simples relações sexuais, ainda que repetidas por largo espaço de tempo, não constituem união estável. A união estável, que é manifestação aparente de casamento, caracteriza-se pela comunhão de vidas, no sentido material e imaterial, isto é, pela constituição de família. Pode acontecer, entretanto, que não convivam sob o mesmo teto, desde que tenham justa cauda para tanto, como necessidades profissionais, pessoais ou familiares que impeçam a unicidade domiciliar. A permanência estável da relação, também é requisito da união estável, uma vez que, embora a lei não estabeleça um prazo determinado de duração para a sua configuração, é necessário que a convivência seja contínua e duradoura, conforme está disposto no artigo 1.723, caput do Código Civil.159 156 DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. direito de família, 2004. p. 343. CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. requisitos e efeitos pessoais, 2004. p. 135. 158 MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. direito de família, 2004. p.31. 159 MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de família, 2004. p. 33. 157 38 Venosa160, a respeito do tema, acentua: O objetivo de constituição de família é corolário de todos os elementos legais antecedentes. Não é necessário que o casal de fato tenha prole comum, o que se constituiria elemento mais profundo para caracterizar a entidade familiar. Contudo, ainda que sem filhos comuns, a união tutelada é aquela intuitu familiae, que se traduz em uma comunhão de vida e interesses. Pereira161 ensina que, em síntese, os elementos caracterizadores da união estável são os que delineiam o conceito de família, e acrescenta: Não é a falta de um desses elementos aqui apresentados que descaracteriza ou desvirtua a noção de união estável. O importante, ao analisar cada caso, é saber se ali, na somatória dos elementos, está presente um núcleo familiar, ou, na linguagem do artigo 226 da Constituição da República, uma entidade familiar. Se aí estiver presente uma família, terá a proteção do Estado e da ordem jurídica. Por fim, pode-se concluir que a afeição familiar não significa a continuidade ou durabilidade de relacionamentos afetivos, e sim a vontade de estar ligado a alguém com laços familiares, ou seja, é o objetivo de constituir família. É exatamente essa união que deve ser considerada como entidade familiar da forma como prevista na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e na legislação ordinária vigente,162 Verificados os requisitos caracterizadores do instituto da união estável, faz-se necessário, para alcançar o objetivo deste trabalho, estudar especificamente a sucessão legítima na união estável, o que se passa a fazer no próximo capítulo. 160 VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. direito de família, 2005. p. 61. PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código civil, 2001. p. 34. 162 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e efeitos pessoais, 2004. p. 139-140. 161 39 CAPÍTULO 3 DA SUCESSÃO LEGÍTIMA NA UNIÃO ESTÁVEL O objetivo maior deste capítulo consiste em verificar os direitos sucessórios decorrentes da União Estável, em virtude do falecimento de um dos companheiros, tendo em conta ser referido instituto caracterizado pelo preenchimento dos seus requisitos de constituição. Para tanto, dividiu-se o presente capítulo em sete partes, abordando-se os seguintes temas, após as devidas considerações introdutórias: direito real de habitação, ordem de vocação hereditária dos companheiros, descendentes concorrendo com o companheiro, ascendente concorrendo com companheiro, colaterais até 4º grau concorrendo com companheiro e, finalmente, companheiro recebendo a totalidade da herança. 3.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS O concubinato, na legislação anterior, especificamente no Código de 1916, tratava de restringir os direitos da concubina, ao privá-la de doações ou mesmo deixas testamentárias quando casado o seu parceiro. A legislação direcionava-se a impor sanções à convivência concubinária, tratando exclusivamente dos seus efeitos negativos, sempre em nome da valoração do casamento.163 No entanto, com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, através da institucionalização da relação concubinária, à união estável deu-se a categoria de entidade familiar, outorgando- 163 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p. 222. 40 lhe especial proteção do Estado (CF, art. 226, § 3º). Nesse sentido, muito se debateu se teria ou não havido equiparação da união estável ao casamento. 164 Nesse sentido, Rodrigues165 assevera: A evolução da família constituída fora do casamento foi um dos aspectos marcantes do direito brasileiro, na segunda metade do século XX. A posição inicial do Código Civil de 1916 era de franca hostilidade com relação às famílias extramatrimoniais, que, entretanto, pouco a pouco, mas de forma inevitável, vierem ganhando amparo e reconhecimento, até a Constituição de 1988, em que se proclama como tantas vezes foi dito, que a união estável entre o homem e a mulher está sob a proteção do Estado, devendo a lei facilitar-lhe a conversão em casamento. Cahali166 afirma que, especificamente sobre o direito sucessório, a posição predominante se orientou no sentido de que não houve equiparação da união estável ao casamento, enfim, não se conferiu ao companheiro, pelo só texto constitucional, a vocação hereditária diante do falecimento do outro, como se casado fosse. Esta posição se confirma pelo tratamento sucessório diferenciado entre cônjuges e conviventes no Código Civil de 2002. A polêmica teve importância por pouco tempo, diante da Lei n. 8.971/94 que, em seu artigo 2º, instituiu expressamente o direito sucessório decorrente da união estável, desde que presentes, entre outros requisitos, a permanência em união estável no decurso de cinco anos de convivência e filhos em comum.167 Após, uma nova polêmica surgiu, com o advento da Lei 9.278/96, que trouxe à união estável nova definição, em seu artigo 1º: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituir família”. 164 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.223. 165 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 116. 166 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.224. 167 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.224. 41 Ou seja, pode-se caracterizar a união estável independentemente do estado civil dos companheiros e do transcurso temporal da convivência.168 Cahali entende que a inferioridade a que foi reduzido o direito sucessório decorrente da união estável mais reluz ao ser comparado a previsão com o novo status do cônjuge na condição de herdeiros. Houve um reprovável retrocesso, privando os partícipes da união estável de várias conquistas alcançadas com muito esforço pela sociedade.169 Ressalta, ainda, tal autor170: Impropriamente, foi incluído o direito sucessório do companheiro em disposições gerais do Livro destinado ao Direito das Sucessões, em vez de se fazer a previsão na ordem de vocação hereditária. Mas sem dúvida a regra destina-se à convocação do companheiro sobrevivente, interferindo diretamente naquela ordem, de tal sorte que a sucessão legítima se faz pela conjunção destas previsões. Nesse sentido, Lisboa171 acentua que há um indesejado tratamento diferenciado ao convivente na sucessão, se comparado àquele dispensado ao cônjuge sobrevivente. E acrescente: Ambos têm direito a meação, por se tratar de matéria relativa ao direito de família. Contudo, ao preceituar normas sobre o direito sucessório, o legislador viabiliza a sucessão em favor do convivente em qualquer situação, bastando que a aquisição de bens tenha sido feita a título oneroso, durante a vigência da união estável. (...) Tem-se a impressão, destarte, que a nova lei civil regulou a matéria de forma açodada e discriminatória, desprestigiando o casamento e desfavorecendo os interesses do cônjuge sobrevivente. Esclarece, ainda, Magalhães172, ao falar dos avanços do atual Código Civil no capítulo referente à união estável: 168 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.225. 169 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.228. 170 CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.228. 171 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 427. 172 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito das sucessões no novo código civil brasileiro. Editora Juarez de Oliveira: São Paulo, 2003. p. 29. 42 Podem os companheiros, por contrato escrito, adotar qualquer dos regimes de bens que ele prevê. No silêncio dos companheiros, a regra sucessória aplicável é semelhante à do regime da comunhão parcial de bens. Semelhante porque o art. 1.725, do Código Civil, faz a ressalva no que couber, e o regime sucessório, previsto no art. 1.790, inclui apenas os bens adquiridos na constância da união estável a título oneroso, excluindo aqueles adquiridos por fato eventual ou fortuito (...). Diante das considerações introdutórias acerca do direito sucessório na união estável na atual legislação, faz-se necessário um estudo mais aprofundado em relação aos direitos dos companheiros e referida ordem de vocação hereditária disposta no art. 1.790 do Código Civil. 3.2 DIREITO REAL DE HABITAÇÃO Aplica-se a analogia ao instituto da união estável no artigo 1.831 do Código Civil, uma vez que, o direito real de habitação relativo ao imóvel destinado à residência da família, quando este for o único daquela natureza a inventariar, não foi contemplado por tal legislação.173 O direito de habitação, espécie de direito real sobre coisa alheia (artigo 746 do Código Civil; artigo 1.414 do Novo Código Civil), foi estendido ao companheiro sobrevivente nos termos do artigo 7º, § único da Lei n. 9.278/96. Esse direito persistirá enquanto o beneficiário viver ou não constituir nova união ou casamento incidindo sobre o imóvel de residência da família.174 Dispõe o artigo 1.831 do Código Civil: Art. 1.831 Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo de participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar. Para maior entendimento ressalta-se a Súmula STJ 117: “O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido 173 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito das sucessões no novo código civil brasileiro, 2003. p. 30. 174 OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento. 6º Ed. Método: São Paulo, 2003. p. 209. 43 revogada a previsão da Lei 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6, caput da CF/88”. Venosa175, nesse sentido ensina: O novo Código Civil não se refere ao direito real de habitação do convivente. É de se perguntar se estaria revogado o dispositivo ou se persistem vigentes os dispositivos das leis anteriores sobre a união estável não contemplados pelo novo Código. Se for entendido que as lacunosas disposições do Código de 2002 sobre a união estável revogaram as leis anteriores, a união estável será colocada, no novo sistema, em posição de inferioridade. Haverá uma restrição de direitos conquistados no passado, inclusive este de habitação. Parece ter sido esta intenção do legislador, mas parece que não será essa a orientação jurisprudencial futura. O entendimento de tal autor é válido porque a Lei n. 9.278/96, em seu artigo 7º, acrescentou o direito real de habitação, in verbis: Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá o direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união estável ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família. Venosa176 assinala: Nas pecularidades dessas duas leis, enfatizemos outra vez os direitos sucessórios descritos no art. 2º da Lei 8.971/94 somente serão atribuídos ao companheiro ou companheira de pessoa de outro sexo, solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva. Não se atribui a convivente casado. Prossegue referido autor:177 Por outro lado, o dispositivo relativo ao direito real de habitação, descrito de forma ilhada na Lei. 9.278/96, não faz referência à situação do sobrevivente na união estável. Desse modo, é perfeitamente aceitável concluir que o direito real de habitação pode também ser deferido ao companheiro sobrevivente ainda que o falecido tenha morrido no estado de casado, mas separado de fato. A lei não restringiu não podendo a interpretação restringir. 175 VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões. 2º ed. Atlas: São Paulo: 2002. p. 115. 176 VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 115-116. 177 VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 115-116. 44 Rodrigues178 assinala “que o direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, que a legislação anterior conferia ao companheiro sobrevivente, não foi mencionada no Código Civil, com relação à união estável, o que significa outro recuo”. A nova legislação conserva apenas o direito de habitação no imóvel que servia de residência ao casal, mas somente em favor do cônjuge sobrevivente. Não estende tal direito, de elevado cunho social, ao companheiro sobrevivente, neste sentido incompreensivelmente desigualado o companheiro, a quem não se contempla o mesmo benefício de utilização da moradia que servia o casal.179 Esclarece, ainda, Pereira180, que é compreensível a omissão do legislador de 2002 quanto ao direito ao usufruto e à habitação, referindo-se o artigo 1.845 ao companheiro como “herdeiro necessário”. Referido autor181, destaca, ainda: No que concerne, no entanto, ao direito real de habitação, não tendo o Código de 2002 referido expressamente ao tema no que concerne aos companheiros, não se deve negar este direito ao companheiro sobrevivo, o que foi garantido expressamente ao cônjuge sobrevivente no art. 1.831, “qualquer que fosse o regime de bens”. E completa Pereira182 “que eventual reforma deverá garantir, também a união estável, este direito vinculado, sempre, ao único imóvel destinado à residência da família”. Rodrigues183, nesse sentido, acentua que: Em suma, o Código Civil regulou o direito sucessório dos companheiros com enorme redução, com dureza imensa, de forma tão encolhida, tímida e estrita, que se apresenta em completo divórcio com as aspirações sociais, as expectativas da 178 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119. OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 208-210. 180 PEREIRA, Caio Mário Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família. vol. V. 14 ed. Forense: Rio de Janeiro, 2004. p. 549. 181 PEREIRA, Caio Mário Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família, 2004. p. 549. 182 PEREIRA, Caio Mário Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família, 2004. p. 549. 183 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119. 179 45 comunidade jurídica e com o desenvolvimento de nosso direito sobre a questão. Oliveira184 entende que: Nada mais se contempla em favor do companheiro além desse discutível e limitado direito de herança. Decai o direito de usufruto não mais previsto no novo ordenamento civil, o que se justifica diante da participação do companheiro (assim como o cônjuge) na herança atribuída aos descendentes e ascendentes. Também desaparece, e aqui sem justificativa, o direito real de habitação em favor do companheiro, muito embora seja previsto para o cônjuge sobrevivente (art. 1.831, CC), que ainda passa a qualificar-se como herdeiro necessário (art. 1845, CC). Diante da exposição das notas introdutórias e desta questão problemática do direito real de habitação, é de suma importância estudar o artigo 1.790 do Código Civil, que destaca a ordem de vocação hereditária dos companheiros disposta na parte geral do direito das sucessões da legislação pertinente, o qual se passa a pesquisar. 3.3 ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA DOS COMPANHEIROS No que se refere à ordem de vocação hereditária dos companheiros, verifica-se exclusivamente a posição do companheiro em relação à titularidade sobre a herança, na condição de destinatário dos bens do falecido, ou seja, aos conviventes sobreviventes o artigo 1.790 dispõe a ordem de vocação hereditária a ser aplicada a cada caso. Diante da redação de forma inequívoca de tal dispositivo de lei (artigo 1.790, caput, do CC), não se pode chegar à outra conclusão senão a de que o direito sucessório dos companheiros se limita aos bens adquiridos onerosamente na vigência desta união estável.185 Diniz186 assinala: 184 OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 213 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 117. 186 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p.143. 185 46 Todavia, é preciso ressaltar que, pelo artigo 1.790, I a IV do Código Civil, tratando-se de concubinato puro, ou melhor, de união estável, o companheiro supértise não é herdeiro necessário, nem tem direito à legítima, mas participa da sucessão do de cujus, na qualidade de sucessor regular, sendo herdeiros sui generis, ou seja, sucessor regular (visto que não figura na ordem de vocação hereditária), somente quanto “ meação” do falecido relativa aos bens adquiridos na vigência do estado convivencial. Segundo Oliveira187, o artigo 1.790 dispõe que o companheiro sobrevivente participará da sucessão do outro, tão-somente quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, o que significa dizer que não terá qualquer participação na herança relativa a outros bens, adquiridos antes ou havidos graciosamente (herança ou doação) pelo autor da herança. Assevera referido autor188 que sobre os bens comuns, ou seja, admitidos na vigência da união estável e a título oneroso, o companheiro já tem direito à meação, pelo regime legal da comunhão parcial de bens, salvo contrato escrito, na forma do artigo 1.725 do CC. Referido autor189 destaca, ainda: Terá direito à herança em concorrência com os demais herdeiros sucessíveis, recebendo um quinhão nas condições seguintes: I. Se concorrer com filhos comuns, receberá uma cota equivalente à de cada filho; II. Se concorrer com descendentes só do autor da herança, receberá metade do que couber cada um; III. Se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV. Se não houver parentes sucessíveis, receberá a totalidade da herança. De acordo com a Lei. 8.974/94 em seu artigo 2º, I, ao definir que os companheiros participariam da sucessão do outro, essa participação seria 187 OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 210-211. OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 211. 189 OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 211. 188 47 do usufruto da quarta parte dos bens do de cujus, e houvesse filhos deste ou comuns, enquanto não constituísse nova união. Teria direito ao usufruto da metade dos bens, na mesma situação, se não houvesse filhos, ainda que houvesse ascendentes do companheiro morto (II). Na falta de descendentes e de ascendentes, o convivente teria direito à totalidade da herança (III).190 Enfim, o artigo 1.790 do vigente Código Civil, disciplina a forma pela qual se estabelece o direito hereditário dos companheiros, de forma que os dispositivos da Lei 8.974/94 estão revogados.191 Venosa192 entende que há um retrocesso na amplitude dos direitos hereditários dos companheiros no Código Civil de 2002, uma vez que a lei referida, não havendo herdeiros descendentes e ascendentes do convivente morto, o companheiro sobrevivo recolheria toda a herança. Referido autor193 ainda assinala: No sistema implantado pelo art. 1790 do novo Código, havendo colaterais sucessíveis, o convivente apenas terá direito a um terço da herança, por força do inciso III. O companheiro ou companheira somente terá direito à totalidade da herança se não houver parentes sucessíveis. Isso quer dizer que concorrerá na herança, por exemplo, com o vulgarmente denominado tio-avô ou com o primo irmão de seu companheiro falecido, o que, digamos, não é uma posição que denote um alcance social sociológico e jurídico digno de encômios. Nesse sentido, Oliveira194 ensina: Favorável ao companheiro, sem dúvida, o concurso na herança com descendentes e ascendentes do falecido, tal como se reconhece também ao cônjuge sobrevivente. Mas não se compreende que o companheiro se sujeite a concorrência dos demais parentes sucessíveis, quais sejam os colaterais até 4º grau. Trata-se de evidente retrocesso no critério no sistema protetivo da união estável, pois o regime da Lei 8.974/94 o companheiro recebia toda a herança na falta de descendentes ou ascendentes. 190 VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119. VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119. 192 VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119. 193 VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119-120. 194 OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 211. 191 48 Segundo Oliveira “a questão é controvertida, seja pelo aspecto do indevido rebaixamento da capacidade sucessória do companheiro, seja pela má redação do artigo 1.790 do Novo Código Civil”. Complementa o autor:195 Enquanto o caput do artigo refere direito de herança somente sobre os bens adquiridos onerosamente durante a convivência, o seu inciso IV diz, que na falta de parentes sucessíveis, o companheiro recebe a totalidade da herança. Embora o inciso deva ser interpretado em consonância com o caput do artigo, sempre resta alguma dúvida sobre a extensão do conceito de herança naquela hipótese, de não haver parentes sucessíveis. Nery196 assinala outra problemática acerca do direito sucessório no ordenamento civil: Não está claro na lei como se dá a sucessão dos bens adquiridos a título gratuito pelo falecido na hipótese de ele não ter deixado parentes sucessíveis. O artigo 1.790 do Código Civil, sob cujos limites os incisos que se lhe seguem devem ser interpretados, somente confere direito de sucessão ao companheiro com relação aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nada dispondo sobre os bens adquiridos gratuitamente durante esse mesmo período. Acrescenta, ainda, Nery:197 É de se indagar se, em face da limitação do CC art. 1.790 caput, o legislador ordinário quis excluir o companheiro da sucessão desses bens, fazendo com que a sucessão deles fosse deferida ao poder público. Parece-nos que não, por três motivos: a) o CC art. 1.844 manda que a herança seja devolvida ao ente público, apenas na hipótese de o de cujus não ter deixado cônjuge, companheiro ou parente sucessível; b) quando o companheiro não concorre com parente sucessível, a lei se apressa em mencionar que o companheiro terá direito à totalidade da herança (CC, art. 1.790, inciso IV), fugindo do comando do caput, ainda que sem muita técnica legislativa; c) a abertura de herança jacente dá-se quando não há herdeiro legítimo ( art. 1.8919, CC) e, apesar de não constar do rol do CC art. 1829, a qualidade sucessória do companheiro sucessor legítimo e não de testamentário. 195 OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 211-212. NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade de. Código civil anotado e legislação extravagante. 2º Ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2003. p. 784. 197 NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade de. Código civil anotado e legislação extravagante, 2003. p. 784. 196 49 Verifica-se, portanto, que o direito sucessório do companheiro é discriminatório, em comparação aos direitos dos cônjuges, nada justificando essa diversidade de tratamento legislativo quando todo o sistema jurídico, à luz da Constituição, recomenda proteção jurídica à união estável como forma alternativa de entidade familiar, ao lado do casamento, de acordo com o disposto no artigo 226, § 3º.198 Para entender melhor o disposto no artigo 1.790 do Código Civil, faz-se necessário estudar mais profundamente os seus respectivos incisos, os quais disciplinam especificamente a concorrência do companheiro com os descendentes, com os ascendentes, com os colaterais até 4º grau e por fim o companheiro recebendo a totalidade da herança, o qual se passa a expor. 3.4 DESCENDENTE CONCORRENDO COM COMPANHEIRO A sucessão legítima do companheiro é mais distinta e desvantajosa quando comparada àquela do cônjuge sobrevivente (artigo 1.829 e seus incisos do Código Civil), uma vez que a ordem de vocação hereditária dos companheiros, prevista no artigo 1.790, dispõe que o companheiro, se tiver filhos comuns com o autor da herança tem direito de suceder o morto, legitimamente, para receber uma quota equivalente à que foi atribuída ao filho quanto aos bens que o falecido adquiriu onerosamente na vigência da união (artigo 1.790, I do Código Civil).199 Ou, ainda, se o companheiro sobrevivente não tem filhos comuns com o autor da herança, este terá direito de suceder o morto, legitimamente para receber uma quota equivalente à metade da que foi atribuída ao filho quanto aos bens adquiridos onerosamente (artigo 1.790, II do Código Civil). 200 198 OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 213. NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade de. Código civil anotado e legislação extravagante, 2003. p. 784. 200 NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade de. Código civil anotado e legislação extravagante, 2003. p. 784 199 50 Pereira201, nesse sentido, assevera: O código Civil, no seu artigo 1.790, I, deixou de apreciar a hipótese em que o companheiro seja chamado a suceder, ao mesmo tempo, com descendentes “comuns” e descendentes “não comuns”. Diante da regra constitucional do artigo 227, § 6º, relativa à equiparação dos direitos sucessórios entre filhos, independente da origem, não se pode cogitar de dar tratamento diverso aos filhos do falecido. Pela interpretação do artigo 1.790, concorrendo o companheiro sobrevivente com filhos comuns e com outros somente do autor da herança, o critério de divisão deverá ser aquele do inciso I. Essa situação distinta não cabe na abrangência do inciso II, porque se refere expressamente tal dispositivo à concorrência somente com descendentes do autor da herança.202 Venosa203 ensina que se o convivente concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-à a metade do que couber a cada um deles, atribuindo-se, portanto, peso 1 à porção do convivente e peso 2 à do filho do falecido ou falecida para ser efetuada a divisão da partilha. E complementa referido autor:204 No entanto, se houver filhos comuns com o de cujus e filhos somente deste concorrendo à herança, a solução é dividi-la igualitariamente, incluindo o companheiro ou companheira. Essa conclusão deflui da junção dos dois incisos, pois não há que se admitir outra solução, uma vez que os filhos, não importando a origem, possuem todos os mesmos direitos hereditários. Tratase, porém, de mais um ponto obscuro entre tantos na lei. Diante da controvérsia da legislação vigente, conclui-se que será chamado o sobrevivente do de cujus, na primeira classe de preferência, em concorrência com os descendentes, independente do regime patrimonial, e exclusivamente sobre a parcela da herança identificada aos bens adquiridos na constância da união estável. E afinal, se não houver descendentes, passa-se o 201 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Direito de família, 2004. p. 549550. 202 CAHALI, Francisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões, 2003. p.232. 203 VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 120. 204 VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 120-121. 51 direito sucessório aos ascendentes, o que será matéria de estudo no próximo subtítulo. 3.5 ASCENDENTE CONCORRENDO COM COMPANHEIRO De acordo com a ordem de preferência, não possuindo o de cujus descendentes e sim ascendentes, estes últimos possuem o direito sucessório para concorrer com o convivente sobrevivente. 205 O artigo 1.790, III disciplina a matéria, ou seja, o parente sucessível terá direito a um terço daquilo que foi adquirido onerosamente pelo falecido. Nessa ordem de vocação hereditária serão chamados a suceder, por exemplo, os pais, ou avós do de cujus. Pereira206 ressalta: Ao referir-se o item III ao direito de “concorrer com outros parentes sucessíveis”, terá direito a um terço da herança, indaga-se se também, nesta hipótese, teria o companheiro o seu direito limitado aos “bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável”. Ao considerar que seu direito está restrito às condições do caput, em razão da concorrência com os demais parentes sucessíveis, abrangendo todos os demais herdeiros legítimos (necessários ou não), estes concorrerão com o companheiro, segundo a ordem estabelecida no artigo 1.790 do ordenamento civil, não podendo haver chamamento simultâneo de ascendentes e de colaterais.207 Rodrigues208 ensina que a lei não faz distinção, de forma que na concorrência com esses outros parentes sucessíveis, seja um ascendente do de cujus, seja um primo ou um tio-avô do falecido, o companheiro receberá a mesma quota: um terço da herança. 205 NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade De. Código civil anotado e legislação extravagante, 2003. p. 784. 206 PEREIRA, Caio MARIO Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família, 2004. p. 550. 207 PEREIRA, Caio MARIO Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família, 2004. p. 550. 208 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 118-119. 52 Entende-se, por fim, que o mencionado inciso III refere-se aos parentes sucessíveis, englobando, nesse sentido, os ascendentes e os colaterais até 4º grau, razão pela qual se passa ao próximo subtítulo para que melhor se entenda acerca da próxima classe sucessora. 3.6 COLATERAIS ATÉ 4º GRAU CONCORRENDO COM O COMPANHEIRO O inciso III do artigo 1.790 do Código Civil, conforme já esclarecido, estabelece o direito de sucessão dos colaterais até 4º grau ao direito à herança do de cujus. Diniz 209 ressalta a respeito do tema: O patrimônio dos conviventes rege-se pelo princípio da liberdade, pois se não houver convenção escrita sobre o patrimônio a ser seguida durante a união estável prevalecerá entre eles o regime de comunhão parcial. Morto um deles, o seu patrimônio será inventariado, dele retirando a meação do convivente, alusiva aos bens adquiridos onerosamente durante a convivência, que não se transmite aos herdeiros. Acrescenta, ainda, a autora citada:210 Em relação à outra metade (herança) daqueles bens deverá concorrer com descendentes, ascendentes e colaterais até 4º grau. (...). E se não houver bens comuns amealhados durante a convivência, o companheiro supértise nada receberá a qualquer título, nem como meeiro, nem como herdeiro, visto que não fará jus a qualquer quinhão hereditário, mesmo que o de cujus não tenha descendente ou ascendente, pois a sua herança será deferida aos colaterais até 4º grau. Nesse sentido, Rodrigues211 assevera: Não vejo razão alguma para que o companheiro sobrevivente concorra (...) com os colaterais. Nada justifica colocar-se o companheiro sobrevivente numa posição tão acanhada e bisonha na sucessão da pessoa com quem viveu pública, contínua e duradouramente, constituindo uma família, que merece tanto reconhecimento e apreço, e que é tão digna quanto a família fundada no casamento. 209 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p.144. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p.144. 211 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119. 210 53 Referido autor212 entende que o ideal, como já se fazia a Lei 8.971/94, artigo 2º, III, teria sido colocar o companheiro sobrevivente à frente dos colaterais, na sucessão do de cujus. Oliveira 213 não discrepa desse entendimento: Favorável ao companheiro, sem dúvida, o concurso na herança com descendentes e ascendentes do falecido, tal como se reconhece também ao cônjuge sobrevivente. Mas não se compreende que o companheiro se sujeite à concorrência dos demais parentes sucessíveis, quais sejam os colaterais até o quarto grau. Trata-se de evidente retrocesso no critério no sistema protetivo da união estável, pois o regime da Lei 8.971/94 o companheiro recebia toda a herança na falta de descendentes e ascendentes. Os parentes colaterais em quarto grau são os primosirmãos, entre si, os tios-avós com relação aos sobrinhos netos e estes com referência àqueles. Já os irmãos são colaterais em segundo grau, todos pertencentes à classe que poderá suceder no direito à herança do de cujus concorrendo com o companheiro. 214 Ressalta-se, ainda, que na classe dos colaterais, há o direito de representação dos filhos de irmãos (sobrinhos), ou seja, os mais próximos excluem os mais remotos. 215 Os sobrinhos e os tios estão juntamente em terceiro lugar de parentesco. No entanto, a lei prefere os sobrinhos, excluindo os tios. Aplica-se o disposto no artigo 1.843 do CC, ou seja, na falta de irmãos, herdarão os filhos destes e, não os havendo, os tios. 216 No entanto, não havendo parentes sucessíveis para herdar o patrimônio do de cujus é importante ressaltar a última possibilidade em que o companheiro poderá suceder, ou seja, a qual receberá a totalidade da herança, temática do próximo sub-título. 212 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 119. OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 211. 214 VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 121. 215 VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 121. 216 VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito das sucessões, 2002. p. 122. 213 54 3.7 COMPANHEIRO RECEBENDO A TOTALIDADE DA HERANÇA A questão é muito controvertida quando se fala do companheiro recebendo a totalidade da herança, seja pelo o rebaixamento da capacidade sucessória do companheiro, seja pela má redação do artigo 1.790 do Código Civil em vigor. Oliveira217 ressalta: Enquanto a cabeça do artigo refere direito de herança somente sobre os bens adquiridos durante a convivência, o seu inciso IV diz que, na falta de parentes sucessíveis, o companheiro recebe a totalidade da herança. Esclarece dito autor218 que, enquanto o inciso deva ser interpretado em conformidade com o caput do artigo, sempre resta alguma dúvida sobre o alcance do conceito de herança naquela hipótese, de não haver parentes sucessíveis. Referido autor219 destaca, ainda: O direito à totalidade da herança somente é reconhecido em favor do companheiro sobrevivente se não houver herdeiros sucessíveis. Mesmo nesta hipótese, contudo, a sucessão do companheiro restringe-se aos bens adquiridos onerosamente durante a convivência, por força da disposição do caput do artigo 1.790. Quer isto dizer que, se os bens da herança forem particulares do de cujus, nada será atribuído ao companheiro sobrevivente, pois serão herdeiros apenas os parentes sucessíveis, que vão até os colaterais até 4º grau. Ainda na falta desses parentes, nada poderá reclamar o companheiro quanto aos bens particulares do de cujus, que serão arrecadados como herança jacente, a converter-se em herança vacante, com adjudicação ao Município da localização dos bens. Antes do atual Código Civil, o companheiro sobrevivente teria direito à totalidade da herança se não houvesse herdeiros necessários. No entanto, diante do retrocesso, ficou muito clara a redução dos direitos sucessórios 217 OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 211-212. OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 212. 219 OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento, 2003. p. 203-204. 218 55 do companheiro previstos na lei extravagante que sucedeu a Constituição da República Federativa do Brasil. 220 Há doutrinadores que entendem que na falta de parente sucessível, o companheiro sobrevivente teria apenas direito à totalidade da herança, no que tange aos bens adquiridos na constância da união estável, pois o restante seria do Poder Público, conforme dispõe o artigo 1.844 do Código Civil:221 Art. 1.844 Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situado em território nacional. Ou seja, se o de cujus possuía outros bens, adquiridos antes de iniciar a convivência, ou depois, se a título gratuito, e não podendo esses bens integrar a totalidade da herança do companheiro sobrevivente, passariam ao poder do Estado.222 Nesse entendimento Diniz223 acentua: (...) não havendo parentes sucessíveis ou tendo havido renúncia destes, o companheiro receberá a totalidade da herança, no que atina aos bens adquiridos onerosa e gratuitamente antes ou durante a união estável, recebendo, portanto todos os bens do de cujus, que não irão ao Município, Distrito Federal ou à União, por força do disposto no art. 1.844, do CC, que é uma norma especial (relativa à herança vacante), sobrepondo-se ao artigo 1.790, IV ( norma geral sobre sucessão dos companheiros). E ressalta, ainda, referida autora224: Isso seria mais justo, pois seria inadmissível a exclusão do companheiro sobrevivente, que possuía laços de afetividade com o de cujus, do direito à totalidade da herança dando prevalência à entidade pública. Se assim não fosse, instaurar-se-ia no sistema jurídico uma lacuna axiológica. Aplicando-se o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, procura-se a solução mais justa, amparando o companheiro sobrevivente. 220 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões, 2004. p. 4 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 144-145. 222 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 145. 223 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 145. 224 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 145. 221 56 No rol dos herdeiros apontados na ordem de vocação hereditária não consta o Poder Público, sendo somente chamado à sucessão do de cujus na falta de cônjuge ou companheiro sobrevivente e de parente sucessível até o quarto grau, desde que haja sentença que declare a vacância dos bens, que só passarão ao seu domínio após cinco anos da abertura da sucessão, porque nesse lapso de tempo o herdeiro ainda poderá reclamar a herança.225 Pereira226 assevera: Dúvida maior se apresenta na hipótese de companheiro herdar a totalidade da herança, não havendo parentes sucessíveis. Seu direito nessas condições se apresenta, apenas quando não mais existirem os colaterais até quarto grau. Não vemos, nesta hipótese, por que restringir o direito sucessório do companheiro sobrevivo, aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, quando for herdeiro único. Ressalvada a sua meação, não é justo que o Poder Público seja beneficiado com parte do patrimônio que era de uso exclusivo dos companheiros no convívio familiar. A ratione legis do Código de 2002 conduz a se interpretar o inciso IV art. 1.790, a dotando-se a solução mais favorável ao companheiro sobrevivo. Deverá ele receber, também os demais bens do falecido. Diante da lacuna que apresenta o Código Civil no que concerne ao direito sucessório dos companheiros disposto no artigo 1.790, conclui-se que o companheiro deverá receber a totalidade da herança se não houver parentes sucessíveis, inclusive dos bens adquiridos a título gratuito e aqueles que o de cujus já possuía antes da vigência da união, uma vez que não poderá haver tal retrocesso. 225 226 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Direito das sucessões, 2004. p. 145. PEREIRA, Caio MARIO Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família, 2004. p. 550. 57 CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente trabalho monográfico aprofundou-se os conhecimentos acerca dos direitos sucessórios dos companheiros. Para tanto, iniciou-se a pesquisa investigando as origens históricas do direito sucessório e, como se viu, o direito de propriedade, desde épocas remotas, esteve intimamente ligado ao culto aos antepassados, nas chamadas religiões domésticas. Verificou-se, ainda no primeiro capítulo, que o direito sucessório consiste na transmissão dos bens de uma pessoa falecida aos seus sucessores. Tal direito se fundamenta na função social da propriedade, para que se preserve sua característica fundamental, ou seja, a perpetuidade. Seu conteúdo se revela nos bens transmissíveis, em regra, as relações jurídicas patrimoniais. A sucessão se inicia com a morte e, quanto à fonte, dividese em legítima e testamentária. Entende-se por legítima a sucessão que se dá em virtude de lei, atendida a ordem de vocação hereditária, e sempre se dá a título universal, sendo o sucessor denominado herdeiro. Já a testamentária, consiste naquela decorrente de disposição de última vontade, e poderá ser a título universal ou singular, denominando-se o sucessor como legatário. No que tange aos seus efeitos, poderá ser universal, em que há transferência da totalidade ou de parte indeterminada da herança ao sucessor, ou singular, a qual implica na transferência de bens determinados a pessoas determinadas. No segundo capítulo analisou-se a evolução histórica do instituto da união estável, reconhecida pela primeira vez na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, passando a ter proteção do Estado, deixando de ser apenas uma sociedade de fato, tornando-se entidade familiar. 58 Viu-se que a Lei n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994, estabeleceu alguns requisitos da união estável, destacando-se que foi a primeira a reconhecer o direito a alimentos e os direitos sucessórios dos companheiros. Verificou-se que a Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996 conceituou a união estável como a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, com a finalidade de constituir família, sem fixar um prazo para caracterizá-la, disposições que restaram mantidas no artigo 1.723 do vigente Código Civil, diploma legal que pacificou, ainda, a utilização da nomenclatura “companheiro” àquele que vive em união estável. Constataram-se ainda, neste capítulo, os requisitos caracterizadores da união estável, conforme prevêem os artigos 1.724 e 1.725 do Código Civil, quais sejam, os deveres de lealdade, respeito, assistência, guarda, sustento e educação dos filhos, bem assim, a prevalência do regime da comunhão parcial de bens, salvo se houver contrato escrito entre os companheiros escolhendo regime diverso. Finalmente, no terceiro capítulo, estudou-se especificamente a sucessão legítima na união estável e, verificadas as diferenças de tratamento concedidas ao cônjuge e ao companheiro sobreviventes, passou-se à análise da ordem de vocação hereditária aplicável aos companheiros, conforme determinada no artigo 1.790 do Código Civil. Assim, quando o companheiro concorrer com descendente, se tiver filhos comuns com o autor da herança tem direito de suceder o morto, legitimamente, para receber uma quota equivalente à que foi atribuída ao filho quanto aos bens que o falecido adquiriu onerosamente na vigência da união, mas se não tem filhos comuns com o autor da herança, o companheiro terá direito de suceder o morto, legitimamente para receber uma quota equivalente à metade da que foi atribuída ao filho quanto aos bens adquiridos onerosamente (artigo 1.790, I e II do Código Civil). Não havendo descendentes, segue-se a ordem de vocação hereditária, aplicando-se o inciso III do mencionado dispositivo legal, o qual 59 refere-se aos parentes sucessíveis, englobando os ascendentes e os colaterais até 4º grau. Existindo parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança. Verificou-se que o companheiro somente terá direito à totalidade da herança quando não houver nenhum parente sucessível, na forma do inciso IV do artigo 1.790 do Código Civil. Analisando-se os três problemas e respectivas hipóteses que deram ensejo a esta pesquisa, constatou-se conforme segue. Primeiro problema: Houve diferença no tratamento dado ao companheiro em relação ao cônjuge sobrevivente, no que se refere aos seus direitos sucessórios? Primeira hipótese: Há diferença, tendo em vista que o artigo 1.790 do Código Civil, ao cuidar da sucessão do companheiro, deixou-o em evidente desvantagem se comparado ao cônjuge, conforme se verifica no artigo 1.829, que trata da ordem de vocação hereditária. Análise da primeira hipótese: Com base na investigação, ficou comprovado que a hipótese é verdadeira, uma vez que o cônjuge sucederá o de cujus sem concorrer com os colaterais, ao contrário do companheiro sobrevivente, conforme disciplina o artigo 1.790 do Código Civil, que concorrerá com os parentes sucessíveis até 4º grau. Segundo problema: O artigo 1.831 do Código Civil, que concede o direito real de habitação dos cônjuges, é aplicável ao companheiro? Segunda hipótese: Por analogia, tal dispositivo aplica-se ao companheiro, tendo em vista que a Lei n. 9.278/96, em seu artigo 7°, parágrafo único, estende ao companheiro o direito real de habitação e permanece em vigor. Análise da segunda hipótese: A pesquisa demonstrou ser totalmente verdadeira a hipótese, visto que a jurisprudência entende que o direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, já que a Lei n. 9.278/96 60 não foi revogada e prevê este direito em seu artigo 7º, § único ou por interpretação analógica do artigo 1.831 do Código Civil. Terceiro problema: Há possibilidade de o companheiro sobrevivente receber a totalidade da herança? Terceira hipótese: O artigo 1.790, inciso IV, do Código Civil, prevê este direito ao companheiro. Análise da terceira hipótese: A hipótese é verdadeira, pois o companheiro receberá a totalidade da herança se não houver parentes sucessíveis, inclusive dos bens adquiridos a título gratuito e aqueles que o de cujus já possuía antes da vigência da união, conforme dispõe o artigo 1.790, inciso IV do Código Civil, ressaltando-se, quanto a esta hipótese, a existência de muitas controvérsias doutrinárias. Ficou demonstrado que as principais regras jurídicas que disciplinam o tema deste trabalho monográfico, a Sucessão dos Companheiros, encontram-se no vigente Código Civil. Restou evidente a desvantagem do companheiro na atual ordem de vocação hereditária, conforme disposta no artigo 1.790 do vigente Código Civil, se comparada com a legislação que anteriormente cuidava da matéria. Antes da entrada em vigor do atual Diploma Civil, o companheiro do de cujus não concorria com os parentes sucessíveis até 4° grau, como ocorre hoje, o que representa um verdadeiro retrocesso. Além disso, o companheiro encontra-se em desvantagem em relação ao cônjuge sobrevivente, diante do tratamento diferenciado concedido a ambos no que se refere ao direito sucessório, havendo ainda lacunas a serem preenchidas na atual legislação, a fim de que possa haver, aos poucos e sempre, uma melhor distribuição da justiça e a manutenção da paz social. 61 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 5 ed. São Paulo: RT, 2003. BRASIL. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Regula o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal. Regula o direito dos companheiros a alimentos e a sucessão. 5 ed. São Paulo: RT, 2003. BRASIL, Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Regula o direito dos companheiros a alimentos e a sucessão. 5 ed. São Paulo: RT, 2003. BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o código civil. 5 ed. São Paulo: RT, 2003. BORGHI, Hélio. Casamento e união estável. 2 Ed. Editora Juarez de Oliveira: São Paulo, 2003. CAHALI, Franscisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. Direito das sucessões. 2 ed. v. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável. Requisitos e efeitos pessoais. Manole: São Paulo, 2004. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga, São Paulo: Martin Claret, 2005. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões, 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família. 19. ed. v. 5. Editora Saraiva: São Paulo, 2004. GOMES, Orlando. Sucessões. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. 62 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e sucessões. São Paulo: RT, 2004. MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito das sucessões no novo código civil brasileiro. Editora Juarez de Oliveira: São Paulo, 2003. MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil. Direito de família. 37 ed. v. 2. Saraiva: São Paulo, 2004. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito das sucessões. 35 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade de. Código civil anotado e legislação extravagante. 2 Ed.São Paulo: RT, 2003. OLIVEIRA, Euclides de. União estável do concubinato ao casamento. 6 Ed. Método: São Paulo, 2003. PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável. 5 ed. Universitária de Direito: São Paulo: 2002. PEREIRA, Rodrigo Cunha da. Concubinato e união estável de acordo com o novo código civil. 6 Ed. Belo Horizonte:Del Rey, 2001. PEREIRA, Caio Mario Silva da. Instituições de direito civil. Direito de família. vol. V. 16 ed. Forense: Rio de Janeiro, 2006. RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões. 26 ed.v. 6. São Paulo: Saraiva, 2003. ROSA, Patrícia Fontanela. União estável. a eficácia temporal das leis regulamentadoras. Florianópolis: Diploma Legal, 1999. 63 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Direito das Sucessões. 4 ed. V. VII. São Paulo: Atlas, 2002. VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil. Direito de família. 5 Ed. São Paulo: Atlas, 2005. WALD, Arnoldo. Direito das sucessões. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.