Caso Clínico: Cardiopatia congênita cianótica Suellen Santos Mendes Coordenação: Sueli R. Falcão Internato em Pediatria HRAS/SES/DF Escola Superior de Ciências da Saúde ESCS www.paulomargotto.com.br Brasília, 16 de agosto de 2011 História Clínica Identificação: RN de NBS, sexo feminino, 16 dias de vida, natural de Brasília- DF, família reside no núcleo Bandeirante. DN: 29/03/11 História Clínica Queixa Principal “Cianose com 05 horas de vida” História da Doença atual RN apresentou cianose central e palidez cutânea com 05 horas de vida, sendo encaminhada do ALCON para a UTI neonatal mantendo saturação de 85 – 88% no HOOD. História Clínica - - Antecedentes Fisiológicos Parto cesáreo (indicação: cesárea prévia + doença hipertensiva específica da gravidez com uso de metildopa durante a gestação) Não fez uso de outras medicações na gravidez IG: 40 + 1 História Clínica - - Antecedentes Fisiológicos Peso: 3505g Estatura: 45,5 cm PC: 33cm APGAR: 8 – 9 Classificação: T/AIG História Clínica - - - Antecedentes Fisiológicos Mãe: G3C2A1. O aborto referido foi em 2001 no 1º trimestre de gestação com necessidade de curetagem Fez pré-natal 07 consultas Sorologias na gravidez: VDRL e HIV negativos // Toxo: imunizado Nega infecções durante a gestação História Clínica - - Antecedentes Patológicos Permanece internado desde o nascimento Sem outros diagnósticos ou manifestações alérgicas Segue em investigação com a genética devido alterações morfológicas (vide exame físico) História Clínica - - - - Antecedentes Familiares Mãe (28 anos): Hipertensão apenas durante a gravidez, sem comorbidades, não tabagista, etilista (ingeriu bebida alcoólica durante a gestação numa freqüência de 2x/mês aproximadamente 700ml em cada episódio), manicurie,1º grau incompleto Pai (35 anos): hígido, tabagista, etilista, trabalha com construção de estrada, 2° grau completo Irmã (2 anos e 9 meses): nasceu com hérnia umbilical Obs: Pais não são consangüíneos Obs 2: Mãe informa que os familiares por parte de pais da criança apresentam cardiopatias, as quais não sabe descrever melhor. História Clínica - - Hábitos de vida e condições sócio-econômicas Casa de alvenaria, com 05 cômodos, água de poço. Possui 01 cachorro no domicílio História Clínica - - - Exame físico da intercorrência (5h de vida) Palidez cutânea, cianose central, hidratado, praticamente eupnéica, anictérico, reativa FA: plana AR: MV +, simétrico ACV: RCR 2T B2 única. Sopro sistólico (3+/6+) holosistólico em borda esternal E 3º espaço intercostal E, pulsos +, FC: 110 bpm ABD: globoso, depressível, sem VMG, RHA + Perfusão: regular a boa Hérnia supra-umbilical (não parece apenas diástase de reto) Dedos supranumerosos em MMII e MSD Saturação:75% ar ambiente e 85% com O2 5L/min Discussão 1)Quais suas hipóteses diagnósticas para o caso? 2)Qual o provável diagnóstico sindrômico deste RN? 3) Com base na sua hipótese de diagnóstico sindrômico quais exames complementares você solicitaria para esclarecer/confirmar o diagnóstico? 4)Quais os possíveis diagnósticos nosológicos/etiológicos que são compatíveis com o quadro clínico apresentado pelo RN? 5) Com base na história clínica qual seria o medicamento essencial neste caso para a manutenção da vida? Justifique essa resposta com base em aspectos anatômicos e fisiológicos. Hipóteses Diagnósticas - Cardiopatia Congênita Cianótica Tetralogia de Fallot Atresia pulmonar Transposição dos grandes vasos Síndrome Genética a/e Doença da membrana hialina - História Clínica * Evolução: RN evoluiu 24h após o nascimento com cianose generalizada, queda da saturação (chegando a ser avaliado quanto a necessidade de intubação). Sendo assim, foi iniciado medicamento essencial para manutenção da sobrevivência, e a partir disso manteve saturação acima de 95% respirando em ar ambiente. Após 72h de vida RN apresentou, novamente, queda de saturação, variando entre 84-90% (ar ambiente). Como conduta foi decidido manter a medicação e manter RN respirando em ar ambiente. EXAMES COMPLEMENTARES Exames Complementares Hemograma Completo (30/03/11) Hb:17,0g/dl Seg: 65% Htc: 47,5% Bast: 1% Plaq: 209.000 Linf:26% Leucócitos: 16.100 Mono: 6% Baso: 1% Eos: 1% Data: 29.03.11 Data: 02.04.11 Data: 02.04.11 Data: 12.04.11 Exames Complementares Ecocardiograma (02/04/11) - Situs solitus em levocardia - - Conexões atrioventriculares concordantes As grandes artérias originam-se do ventrículo direito e estão transpostas Grande CIV perimembranosa com extensão para a via de entrada, medindo 10mm, com shunt bidirecional e relacionada à pulmonar Valva pulmonar atrésica com anel medindo 7mm CIA em região de fossa oval medindo 7mm e shunt E/D Canal arterial pérvio com fluxo E/D não restritivo Exames Complementares Ecocardiograma (02/04/11) Conclusões: - Dupla via de saída do VD - Grandes artérias transpostas (tipo Taussing-Bing) - CIV (10mm) com shunt bidirecional relacionado à pulmonar - Atresia de valva pulmonar - CIA (7mm) e shunt E/D Cardiopatias Cianóticas Cardiopatias Cianóticas CARDIOPATIAS CIANÓTICAS Hipofluxo Pulmonar Tetralogia de Fallot Atresia Pulmonar Hiperfluxo Pulmonar Transposição dos Grandes Vasos Tetralogia de Fallot Cardiopatia cianótica mais comum da infância Embriogênse:desvio anterior septo infundibular Estreitamento da via de saída de VD Hipodesenvolvimento da região infundibular Estenose valvar pulmonar Tetralogia de Fallot Composta por quatro achados principais: Estenose pulmonar Hipertrofia de VD Dextroposição da aorta CIV perimembranoso Tetralogia de Fallot - - Fisiopatologia Dependem do grau de estenose pulmonar Estenose discreta shunt E/D cianose pode não ocorrer (Fallot rosa ou acianótico) Estenose moderada shunt D/E cianose Tetralogia de Fallot Quadro Clínico Período neonatal (estenose grave) Cianose 1º ano de vida (hipertrofia infundibular) Crianças maiores (exercício físico) Insuficiência cardíaca (CIV) Baqueteamento Digital Crise hipercianótica Tetralogia de Fallot Diagnóstico (Exame Físico) Cianose generalizada / taquipnéia Dedos em baqueta de tambor Hipodesenvolvimento pôndero-estatural Posição genito-peitoral Frêmito sistólico – saída turbulenta do sangue do VD Sopro sistólico borda esternal esquerda 3º e 4º EI B2 única (fechamento da válvula aórtica) Tetralogia de Fallot - - Diagnóstico (Radiografia de tórax) Área cardíaca normal Botão aórtico saliente Arco da pulmonar escavado Ponta cardíaca acima do diafragma (Sinal do Tamanco Holandês) Vasos pulmonares pouco desenvolvidos, hilos poucos expressivos Tetralogia de Fallot - Diagnóstico (Eletrocardiograma) Hipertrofia ventricular D Onda T positiva em V1 Onda R proeminente nas derivações precordiais direitas Tetralogia de Fallot - Diagnóstico (Ecocardiograma) Tamanho CIV Dextroposição da aorta Diâmetro do tronco e ramos pulmonares Aspectos anatômicos do defeito infundibular e valvar Tetralogia de Fallot - Diagnóstico (Cateterismo) Complementa o diagnóstico Define aspectos da hemodinâmica e oximetria Tetralogia de Fallot - Tratamento Clínico (até a cirurgia): Prostaglandina E Cirúrgico: < de 6 meses: correção paliativa com o shunt de Blalock- Taussing Entre 4-6meses: correção definitiva - Atresia Pulmonar com CIV Cardiopatia congênita cianótica com atresia da valva pulmonar e CIV (Fallot extremo). Via de saída de VD está totalmente ocluída Fluxo pulmonar é dependente do canal arterial ou de artérias colaterais que suprem segmentos pulmonares CIV grande (significativa mistura sanguínea) Circulação Sanguínea Circulação sistêmica Ventrículo D AORTA Canal Arterial Artéria pulmonar Pulmão Atresia Pulmonar com CIV - Quadro Clínico Depende do suprimento sanguíneo aos pulmões Hipoxemia Cianose Insuficiência cardíaca (hiperfluxo pulmonar – grandes colaterais) Clique aórtico – dilatação da raiz da aorta B2 única Sopros sistólicos ou contínuos (canal arterial) Atresia Pulmonar com CIV Diagnóstico - Radiografia de Tórax: semelhante à tetralogia de Fallot - Eletrocardiograma: sobrecarga ventricular D - Ecocardiograma Tratamento Clínico (PCA dependentes): Prostaglandina E; correção paliativa (shunt tipo Blalock-Tausing) Atresia Pulmonar sem CIV Cardiopatia congênita cianótica complexa que se caracteriza pela ausência de conexão entre o ventrículo D e o tronco pulmonar (menos comum) Pode estar associado a hipoplasia da valva tricúspide e do VD (síndrome do coração direito hipoplásico) Forame oval patente (única via possível de sangue da veia cava) Canal arterial (fluxo pulmonar) Fístula de coronária VD Circulação Sanguínea Átrio D Forame oval Átrio E Ventrículo E Aorta Canal Arterial Artéria Pulmonar Atresia Pulmonar sem CIV - - - Quadro Clínico Cianose após algumas horas ou dias Hipoxemia severa com acidose metabólica e síndrome do baixo débito (fechamento do canal) B2 única, sopro sistólico ou contínuo do canal arterial // Frêmito ou sopro sistólico regurgitação tricúspide Cardiomegalia (VD) e sinais de insuficiência cardíaca (insuficiência tricúspide + CIA restritiva) – edema periférico e hepatomegalia Atresia Pulmonar sem CIV - - - Diagnóstico Radiografia de tórax: pode ter cardiomegalia ECG: Eixo QRS entre 30 e 90º com sinais de sobrecarga atrial D Ecocardiograma: mede o anel da valva tricúspide // relação entre diâmetro da valva tricúspide e da valva mitral (define o grau de hipoplasia de VD) Cateterismo Atresia Pulmonar sem CIV - - Tratamento Clínico: prostaglandina E e correção da acidose metabólica Cirúrgico: derivação sistêmico-pulmonar tipo Blalock-Taussing Transposição de Grandes Vasos Cardiopatia cianótica caracterizada por uma topografia anormal da aorta, anterior e à direita em relação ao tronco da pulmonar Aorta sai do ventrículo direito Tronco da pulmonar sai do ventrículo esquerdo Circulações em paralelo Forâmen oval patente, canal arterial, CIV (50% dos casos) possibilitam a sobrevivência Transposição de Grandes Vasos - Cianose e taquipnéia nas 1ªs 24h de vida (fechamento do CA + insuficiente mistura pelo forame oval) Cianose e sinais de sintomas de ICC (associado a CIV / Queda da resistência pulmonar shunt VD – VE – hiperfluxo pulmonar) Hipoxemia (estenose pulmonar hipofluxo pulmonar) Exame físico: B2 única Sopro sistólico (hiperfluxo ou estenose do trato de saída de VE) Transposição de Grandes Vasos - - - Diagnóstico Radiografia de tórax: mediastino superior estreito, sombra cardíaca (“ovo deitado”) e aumento da trama vascular ECG: ondas P proeminentes, hipertrofia VD isolada ou hipertrofia biventricular (presença de CIV - hiperfluxo) Ecocardiograma Transposição de Grandes Vasos - Tratamento Clínico: Prostaglandina E1 Cirúrgico: inversão arterial de Jatene (deve ser realizada nas primeiras 2 semanas de vida) Dupla Via de Saída do Ventrículo Direito Aorta e pulmonar originam-se de VD; a via de saída de VE é uma CIV Difícil distinção da Tetralogia de Fallot Hiperfluxo pulmonar (shunt E-D) Tipo Taussig-Bing (associado com CIV subpulmonar) Dupla Via de Saída do Ventrículo Direito - - - Diagnóstico História, exame físico e ECG: semelhantes aos da Tetralogia de Fallot. Ecocardiograma: Ausência da continuidade entre as valvas mitro-aórtica (essencial p/ o diagnóstico). Cateterismo : Valvas aórtica e pulmonar no mesmo plano corporal no sentido horizontal. Posição anterior anormal da aorta (origem exclusiva de VD). Tratamento: correção cirúrgica DUPLA VIA DE SAÍDA DE VD Entendendo o caso-clínico Dupla via de saída de VD com CIV (tipo Taussig-Bing) Entendendo o caso-clínico Dupla via de saída de VD com CIV (tipo Taussig-Bing) Entendendo o caso-clínico ECG típico Bibliografia 1. MARGOTTO, Paulo. Assistência ao Recém- Nascido de Risco. 2ª ed Brasília, 2006. 278p 2. SEGRE, Conceição A.M. Perineonatologia: Fundamentos e Prática. 1ª ed. São Paulo: Sarvier, 2002.642p 3. MACDONALD, M.G. et al. Avery Neonatologia: Fisiopatologia e tratamento do recém-nascido. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A, 2007. 581p 4. AMARAL, Fernando; GRANZOTTI, João Antônio; MANSO, Paulo Henrique; CONTI, Luisa Sajovic. Quando suspeitar de cardiopatia congênita no recémnascido. Medicina, Ribeirão Preto, p.192-197, abr/jun.2002 5. Cardiopatias Congênitas. Acesso em 17.04.11. Disponível em www.paulomargotto.com.br 6. Tetralogia de Fallot. Acesso em 17.04.11. Disponível em www.paulomargotto.com.br