CASO CLÍNICO
Tetralogia de Fallot
Glaucia Franco de Souza
Coordenação: Antonela Nascimento
Escola Superior de Ciências da Saúde/SES/DF
www.paulomargotto.com.br
Brasília, 21 de agosto de 2013
HISTÓRIA CLÍNICA
Identificação:
MHRP, sexo feminino, 2 meses e 16 dias,
parda, nascida em 08/05/13 no HMIB.
 Informante: mãe

QUEIXA PRINCIPAL

Crises cianogênicas desde o nascimento
HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL

Criança nasceu de parto cesáreo, em boas
condições de vida, apresentando desconforto
respiratório leve a moderada, associada a crises
cianogênicas,
necessitando
de
oxigênio
complementar, sendo colocada no HOOD e
encaminhada para UCIN.
DADOS MATERNOS

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Idade: 35 anos
Tipagem sanguínea: B+
Pré-natal (n° consultas): 7x / Iniciado no: 1º trimestre
G3P2C0A0
DUM: 20/08/12 DPP: 27/05/13
IG (DUM): 37 semanas + 2 dias
Tempo de bolsa rota: no ato
Intercorrências na gestação: HAC, Hipotireoidismo,
Oligodrâmnio
Medicações em uso: atenolol, Puran T4
Vacinas: (x) dT; ( ) Influenza; (x) HepB
Sulfato ferroso (x) sim; ( ) não
Ácido fólico (x) sim; ( ) não
SOROLOGIAS
HIV: neg 1°T () 2°T () 3°T ()
 VDRL: neg 1°T(x); 2°T( ); 3°T(x)
 Hep B: 1°T( ); 2°T ( ); 3°T( )
 Toxo: 1°T( x); 2°T( ); 3°T( x)
 Outras: Rubéola e CMV IgG + e IgM - 1º
trimestre
 VDRL e HIV (teste rápido): Não reagente

DADOS DO PARTO
Tipo de Parto: cesáreo
 Gestação única
 Indicação: Tetralogia de Fallot + oligodramnio +
higroma cístico (ecocárdio e ecografia pré-natal)
 Data: 08/05/13
 Hora: 17.32

DADOS DO PARTO
RN vivo, líquido claro, apresentação cefálica.
 Recebido em campos estéreis, chorou forte logo ao
nascer, colocado em berço aquecido, secado,
posicionado com leve extensão do pescoço, aspirado
boca e narinas, retirado campos úmidos.
 Clampeado cordão e apresentado à mãe. Colocado em
oxigênio sob máscara

EXAME FÍSICO DO RN

BEG, ativo, reativo, corado, hidratado, acianótico, anictérico, eupneico. Giba em
região cervical posterior, micrognatia, hipertelorismo, baixa implantação da
orelha, clavículas, palato e coluna vertebral íntegros.

ACV: RCR 2T, BNF sem sopros.

AR: MV fisiológico simétrico, sem RA.

ABD: semigloboso, depressível, sem massas ou visceromegalias, RHA positivos.

Coto umbilical: 2 artérias e 1 veia

Ortolani negativo

Pulsos femurais presentes

Genitalia externa sem alterações aparentes

Ânus perfurado, sem alterações aparentes

Ausência de diurese e mecônio

Moro completo.

FA plana e normotensa.

Peso: 3025 g.

Estatura: 48 cm.

Perímetro Cefálico: 34.5 cm.

Apgar 8 e 8

IG Capurro: 39 semanas
CONDUTA CLÍNICA
Solicitado na vaga de UCIN
 Prescrito HOOD + dieta por SOG + HV 60ml/kg

EVOLUÇÃO





A paciente permaneceu na UCIN por 75 dias e na Ala
A por 14 dias.
Durante a internação apresentou crises cianogênicas,
com desconforto respiratório leve a moderado, sendo
mantida em Hood a 50% mantendo Spo2 maior do que
70%
Foi solicitado parecer da genética e ecocardiograma.
Apresentou quadro de icterícia Zn II/III. TSRN O+.
Solicitado bilirrubinas:
(10/05/13): BT: 7,10 / BD: 5,6 / BI: 0,6 / Ca; 9,0 / TGO
91 / TGP 25 Cl: 85 / Cr: 0,6 / K: 6,6 / Na: 118 / Ur: 6,0
Ht: 44,1% / HG: 16,0 Leucócitos: 10500/ Plaquetas:
260.000
EVOLUÇÃO





Foi realizado ecocardiograma que mostrou tetralogia
de Fallot com estenose pulmonar infudibular,
cavalgamento de aorta 50%, CIA, CIV, arco aórtico a
D. Ausência de coarctação e canal arterial fechado
sem indicação de ProstinR no momento.
Somente após 1 dia de vida que foi observado sopro
sistólico +/6+ em BEE.
Evoluiu com piora do padrão respiratório, secretivo,
necessitando de aspiração das VAS e fisioterapia
respiratória
AR: MV rude, roncos difusos, discreta TSC. FR:
45ipm. Sat: 92%
Passado cateter venoso central
EVOLUÇÃO
Durante a internação foi diagnosticada com
laringomalácea, PNM afebril do lactente e crises
cianogênicas.
 Usou Azitromicina por 5 dias.
 Foi solicitado avaliação do INCOR quanto à
necessidade de realização de cirurgia cardíaca.
 Ficou
1 semana sem uso de oxigênio
complementar, recebendo alta após marcação de
consulta com Cardiologia do INCOR.

DISCUSSÃO
CARDIOPATIA CONGÊNITA
São responsáveis por 3 a 5% das mortes no
período neonatal
 É a anomalia congênita mais comum
 Nos
últimos anos, queda do índice de
morbimortalidade

ANATOMIA CARDÍACA FETAL
CARDIOPATIA CONGÊNITA CIANÓTICA

Cianose:


Cor azulada na pele ou mucosas quando a
concentração de hemoglobina reduzida atinge valores
acima de 5g/100ml
Avaliação clínica:








Periférica ou central?
Monitorizar saturação de O²
Teste da hiperóxia
Observar o padrão respiratório
Avaliar os pulsos dos membros superiores e inferiores
Observar a presença de sopros cardíacos
Rx de tórax para avaliar coração e vasos da base
Se suspeita de cardiopatia: ECG e Ecocardiograma
CARDIOPATIA CONGÊNITA CIANÓTICA

Por circulação pulmonar e sistêmica independentes –
cianose severa, paO² entre 20 e 50mmHg


Transposição dos grandes vasos da base sem comunicação
intraventricular
Por fluxo sanguíneo pulmonar inadequado – cianose
severa
Atresia da valva tricúspide
 Atresia da valva pulmonar sem CIV
 Tetralogia de Fallot com estenose pulmonar crítica
 Anomalia de Ebstein


Por mistura de sangue venoso com arterial – cianose
moderada, paO² entre 50 e 80mmHg

Drenagem anômala total das veias pulmonares
TETRALOGIA DE FALLOT
Responsável por 10% dos casos de cardiopatia
congênita
 É a mais comum cardiopatia congênita cianótica
na infância
 Descrita em 1888 por Fallot
 O defeito principal é um desvio anterior do septo
infundibular, complicando com alterações clínicas
relacionada a:

Comunicação interventricular
 Estenose pulmonar infundibular
 Dextroposição da aorta
 Hipertrofia do ventrículo direito

TETRALOGIA DE FALLOT
TETRALOGIA DE FALLOT
FISIOPATOLOGIA







Obstrução da via de saída do VD -> redução do fluxo
sanguíneo pulmonar -> se grave, suprimento por PCA e
por múltiplas artérias colaterais aortopulmonares.
As estenoses infundibulares ocorrem em 45% dos casos,
as valvares em 10% e infundibulo-valvar em 30%.
Atresia pulmonar é a forma mais severa anomalia
(15%).
CIV usualmente está logo abaixo da valva aórtico, é não
restritiva e grande.
Em 20% dos casos, o arco aórtico está a direita
O retorno venoso sistêmico ao átrio direito e ventrículo
direito é normal.
Contração de VD -> desvio através da CIV para dentro
da aorta -> dessaturação arterial e cianose
Fallot rosada ocorre quando a estenose pulmonar é leve
a moderada e onde predomina o shunt E-D e não o D- E,
funcionando como uma CIV.
QUADRO CLÍNICO


Variável, dependendo do grau de obstrução da via de
saída do VD
Cianose discreta até importante hipoxemia.





Mais evidente na mucosa dos lábios, boca, unhas das mãos
e dos pés
Sopro sistólico ejetivo com intensidade variável,
segunda bulha única ou componente pulmonar
abafado, frêmito sistólico palpável no 3º e 4º EIC ao
longo da BEE.
Dispnéia ocorre com esforço. Adquire posição
agachada para alívio.
Distúrbios do crescimento e desenvolvimento quando
saturação de oxigênio é cronicamente <70%
Saliência do hemitórax anterior esquerdo devido
hipertrofia ventricular direita.
CRISE DE HIPOXEMIA








Ocorre principalmente durante os 2 primeiros anos de vida.
Apresenta hiperpnéia, inquietação, cianose importante,
seguindo-se de respirações arquejantes, podendo ocorrer
síncope.
Os ataques ocorrem pela manhã, logo ao acordar ou depois
de episódios de choro vigoroso.
Se há diminuição do fluxo sanguíneo pela saída de VD pode
ocorrer desaparecimento temporário da hipoxemia e
diminuição de sopro sistólico
Podem durar minutos a horas, raramente é fatal
Breves episódios são seguidos por fraqueza generalizada e
sono
Ataques graves podem progredir para inconsciência,
convulsão ou hemiparesia.
Está associada a redução do fluxo sanguíneo pulmonar
podendo resultar em hipoxemia sistêmica e acidose
metabólica.
CRISE DE HIPOXEMIA


Nos casos não extremos, as crises de hipóxia em geral
iniciam-se por volta de 2 meses e são mais acentuadas
no Fallot rosada
Dependendo da frequência e da gravidade das crises
de hipoxemia, um ou mais procedimentos podem ser
realizados:





Colocar a criança sobre o abdome na posição genupeitoral
Administrar oxigênio
Injeção de morfina SC em dose não excedendo 0,2mg/kg
Se acidose metabólica com PO² arterial < 40mmHg,
realizar correção rápida com bicarbonato de sódio EV
Se persistência da crise, utilizar:


Fenilefrina intravenosa (aumenta a RVS, melhorando a ejeção
do VD, diminui o shunt da direita para esquerda e melhora os
sintomas)
Propanolol 2 a 4 mg/ kg/ dia devido bloqueio beta-adrenérgico
DIAGNÓSTICO

Raio-X de tórax


Eletrocardiograma


Tamanho do coração normal, com ápice levantado e
com arco médio escavado, lembrado um formato de
uma bota
Sinais de sobrecarga de VD, eixo desviado para
direita (cianóticos)
Ecocardiograma

Confirma o diagnóstico, define a anatomia e a
gravidade da obstrução da via de saída do VD
RADIOGRAFIA DE TÓRAX
ELETROCRADIOGRAMA
ECOCARDIOGRAMA
COMPLICAÇÕES

Antes da correção cirúrgica pode ocorrer:
Tromboses cerebrais: usualmente ocorre nas veias
cerebrais ou seios durais e ocasionalmente nas
artérias cerebrais, são comuns na presença de
policitemia extrema e desidratação
 Abscesso cerebral: geralmente em pacientes
maiores de 2 anos de idade. De início insidioso e
consiste em febre de baixo grau ou uma alteração
gradual no comportamento, ou ambas. Pode ocorrer
convulsão, sinais neurológicos localizados e aumento
da PIC.
 Endocardite
bacteriana:
pode
ocorrer
no
infundíbulo do VD ou nas valvas pulmonar, aórtica
ou tricúspide

TRATAMENTO CLÍNICO
A maioria dos casos não necessita de tratamento no
período neonatal, apenas encaminhamento para serviço
especializado
 Quando hipoxemia importante e acidose metabólica :


Prostaglandina E

manter o canal arterial aberto
Monitorizar saturação de oxigênio, glicemia.
 Manter hidratação para evitar hemoconcentração e
possíveis episódios trombóticos.
 Reposição de ferro para tratamento de anemia
ferropriva
 Avaliar necessidade de cirurgia cardíaca

SHUNT PALIATIVO

INDICAÇÕES:





Neonatos com TF4 e atresia pulmonar
Crianças com valva pulmonar hipoplásico que requer
correção transvalvar
Crianças com artéria pulmonar hipoplásica
Crianças de até 3 meses de idade com cianose severa
Crianças de até 3 a 4 meses de idade com crises
hipoxêmicas sem melhora com medicamentos.
SHUNT PALIATIVO
BLALOCK TAUSSIG

Realizada em crianças até 3 meses. Shunt à direita é
realizada em arco aórtico esquerdo e vice-versa.
COMPLICAÇÕES OPERATÓRIAS
Quilotórax sendo necessário toracocentese
 Paralisia diafragmática por lesão do nervo frênico
 Síndrome de Horner temporária, sem
necessidade de tratamento

GORE-TEX SHUNT

Realizada em crianças
menores de 3 meses, à
vezes em crianças mais
velhas. Shunt à esquerda
é realizada em arco
aórtico esquerdo e shunt
à direita é realizada em
arco aórtico direito.
WATERSTON SHUNT

Não mais realizado
devido o risco de
complicações cirúrgicas:
hipertensão pulmonar,
insuficiência cardíaca,
artéria pulmonar
encurtada ou tortuosa
POTTS SHUNT

Não mais realizado
devido risco de
insuficiência cardíaca,
hipertensão pulmonar.
CIRURGIA DE REPARO CONVENCIONAL
1) fechamento da CIV, o que ao mesmo tempo
recoloca o orifício aórtico exclusivamente sobre o
ventrículo esquerdo (correção da dextraposição da
aorta)
 2) abertura da estenose sobre a via de saída do
ventrículo direito, em toda sua extensão.
 3) reconstrução da via de saída do ventrículo
direito por intermédio de um "patch".

CIRURGIA DE REPARO CONVENCIONAL

INDICAÇÕES E TEMPO DE CIRURGIA:

Crianças sintomáticas com anatomia favorável da via de
saída do VD e artéria pulmonar: 3 a 4 meses de idade.

Diminui a hipertrofia e fibrose do VD, desenvolvimento normal da
AP e alvéolos, reduzindo a incidência de morte súbita
Crianças assintomáticas e cianose leve: entre 3 meses e 2
anos de idade, dependendo do grau de hipoplasia da artéria
pulmonar ou valvar
 Crianças com cianose moderada com uso de Shunt
paliativo: entre 1 e 2 anos de idade
 Crianças assintomáticas e sem cianose: 1 a 2 anos de idade.
 Crianças assintomáticas com anomalias das artérias
coronarianas: 3 a 4 anos de idade

CIRURGIA DE REPARO CONVENCIONAL
Mortalidade de 2 a 3% durante os 2 primeiros
anos.
 Pacientes de risco:






menores de 3 meses e maiores de 4 anos de idade
aqueles com hipoplasia severa da valva ou tronco
pulmonar
múltiplas CIVs
artérias colaterais aortopulmonares
síndrome de Down.
CIRURGIA DE REPARO CONVENCIONAL

Complicações:






Hemorragias durante o período pós-operatório,
principalmente pacientes policitêmicos
Regurgitação valvo pulmonar
Insuficiência cardíaca, podendo necessitar de drogas
anti-congestivas
Bloqueio do ramo direito causado por ventriculotomia
direita (90% dos pacientes)
Bloqueio completo do coração (1%)
Arritmia ventricular (raro)
CIRURGIA RASTELLI
Conexão entre o ventrículo direito (VD) e a
artéria pulmonar (AP) feita mediante o implante
de um tubo extracardíaco.
 Indicado em pacientes com hipoplasia severa ou
estenose pulmonar, anomalias das artérias
coronarianas, devendo ser realizado aos 5 anos de
idade.
 A mortalidade é menor que 10%.

CIRURGIA RASTELLI
SEGUIMENTO PÓS-OPERATÓRIO




Acompanhamento ambulatorial semestral ou anual
continuamente, principalmente para pacientes com
Shunt de CIV residual, obstrução residual de estenose
pulmonar, obstrução residual da artéria pulmonar,
arritmias ou distúrbios de condução
Pode haver desenvolvimento tardio de arritmias,
principalmente a taquicardia ventricular. Surgindo
primeiramente: hipertrofia de VD, vertigem, síncopes,
palpitação.
A limitação das atividades diárias pode ser necessária
Para pacientes com disfunção do nó sinusal ou
bloqueio cardíaco completo pode ser necessário o uso
de marcapasso
BIBLIOGRAFIA
NELSON. Tratado de Pediatria - Richard E.
Behrman, Hal B. Jenson, Robert Kliegman. 18ª
Edição. Elsevier. 2009.
 Elysio Moraes Garcia. In. Margotto PR. Assistência
ao
Recém-Nacido
de
Risco,
3ª
ed.
ESCS/Brasília2013
 TOWNSEND JR et al. Sabiston – Textbook of
surgery – The biological basis of modern surgical
practice. 17. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
 Park M. Pediatric Cardiology for Practitioners
.4. ed. St Louis (MO): Mosby; 2002.

Distúrbios cardiológicos
Autor(es): Elysio Moraes Garcia
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Caso Clínico: Tetralogia de Fallot