ANAIS ELETRÔNICOS III ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura. 29 a 31 de agosto de 2012, Itabaiana/SE: Vol.03, ISSN: 2237-9908 1 O USO DA LINGUAGEM EM SALA DE AULA: O DISCURSO DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA Geralda de Oliveira Santos Lima (UFS) Samuel de Souza Matos (UFS) Thiago Gonçalves Cardoso (UFS) Caio César Costa Santos (UFS) 1. INTRODUÇÃO O uso da linguagem tem repercussão tanto na escola quanto fora dela. Os indivíduos humanos que a utilizam recebem o nome de sujeitos sociais, por estarem envolvidos com outros sujeitos diariamente, compartilhando conhecimentos, experiências, diferentes modos de ver o mundo e se comunicando a fim de atingirem determinados objetivos. Destarte, a maneira como ocorre esse envolvimento e/ou entrosamento entre eles, podemos chamar de interação, porque a simultaneidade de (re)construção desses sujeitos no uso de sua língua(gem) nela existe de fato. Dessa perspectiva, decorrem inúmeras maneiras de colocar a língua(gem) em funcionamento, as quais constituem aqui o que podemos chamar de situações comunicativas. Nessas situações, a língua passa por variados processos de estruturação, no que se refere ao conteúdo temático, estilo e construção composicional que, subsequentemente, dão origem aos gêneros do discurso (BAKHTIN, 1997). Como são inúmeras as situações comunicativas das quais os sujeitos participam, a cada uma delas, minimamente, pertence um gênero discursivo (ou textual). Dessa forma, o ensino de Língua Portuguesa deve abarcar uma diversidade de textos que circulam nas práticas sociodiscursivas e interacionais, levando-se em consideração os saberes/conhecimentos prévios, a história e o processo sociocultural por que passam os sujeitos quando do uso da linguagem. Assim, ao discurso do professor dessa disciplina, em sala de aula, recai a necessidade de ele dispor de estratégias linguístico-discursivas, buscando dialogar com seus alunos durante as atividades textuais de leitura e escritura, as quais irão repercutir, positivamente, no desenvolvimento das competências linguística, cognitiva e social. ANAIS ELETRÔNICOS III ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura. 29 a 31 de agosto de 2012, Itabaiana/SE: Vol.03, ISSN: 2237-9908 2 Durante a realização dos projetos de pesquisa “A contribuição dos estudos do texto no processo ensino-aprendizagem” e “Texto e ensino: um domínio multidisciplinar”, vinculados respectivamente ao Programa de Inclusão à Iniciação Científica - PIIC/COPES/UFS (2011-2012) e ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq (2011-2012), realizamos algumas visitas e atividades em uma sala de aula do 4º ano da Escola Estadual Armindo Guaraná, localizada em São Cristóvão/SE e em uma outra sala de aula do 5º ano da Escola Estadual Professor Manuel Franco Freire, localizada em Aracaju/SE, com o intuito de verificar e analisar como ocorre a prática de linguagem nessas salas de aula a partir do discurso dos professores investigados e suas decorrentes implicações. Além de apontarmos algumas possibilidades de como os professores podem tornar mais produtivas as suas aulas de Língua Portuguesa, se fizerem uso de conceitos contemplados pela Linguística de Texto sob uma abordagem sociocognitiva e interacional. Para alcançar nossos objetivos, partimos, portanto, de conceitos fundamentados nos estudos de Bakhtin (1988, 1997), Orlandi (1996), Piletti (1997), Koch e Elias (2008), Gomes-Santos e Almeida (2011), Cavalcante et al (2010) dentre outros. Na primeira seção deste trabalho, encontra-se uma breve reflexão teórica e, na segunda seção, os relatos de nossas visitas realizadas às referidas escolas. 2. O DISCURSO E/OU A LINGUAGEM DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA NA SALA DE AULA Neste tópico, discutiremos a relação de interação entre professor e aluno nas aulas de Língua Portuguesa. Os estudos de Piletti (1997) preconizam que a relação entre professor e aluno necessita ser concebida de forma dinâmica, isto é, o professor precisa interagir com seus alunos durante as atividades em sala de aula, estimulando-os, orientando-os e estabelecendo com eles diálogos constantes. Porque o processo ensinoaprendizagem de língua requer o uso da linguagem como requer qualquer situação comunicativa das interações sociais das quais o professor e os alunos participem ANAIS ELETRÔNICOS III ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura. 29 a 31 de agosto de 2012, Itabaiana/SE: Vol.03, ISSN: 2237-9908 3 diariamente, em que troquem conhecimentos, experiências, opiniões e crenças, consolidando o papel de cidadãos competentes e alcançando seus objetivos. Conforme nos afirma Piletti (1997), o professor não deixa de aprender, visto que os seus conhecimentos, aliados aos conhecimentos que os alunos trazem consigo para a sala de aula, mediados pelo uso da linguagem, num processo dinâmico-interativo, resultam em um texto, pois a própria aula é um texto. Decorrente desse processo, a prática de ler e escrever passa a ter alguma significação para os alunos, já que eles podem ser levados a compreender que a própria língua que utilizam na escola, como fora dela, é a mesma que utilizam para aprender a utilizar a língua de forma eficaz. Os estudos de Orlandi (1996) se nos apresentam como complementares relevantes dessa perspectiva. O discurso autoritário, tão marcante no ensino tradicional, requer que o professor sempre esteja acima do aluno, numa relação de hierarquia que, como hoje sabemos, é conceito insuficiente para a aprendizagem escolar. Esse discurso sempre provocou na pedagogia escolar um apagamento do aluno, visto que este, segundo Piletti (1997), sempre teve o papel de obedecer, escutar, permanecer obediente, ficar calado na aula, anotar, memorizar, sendo submisso ao professor – “dono” do conhecimento – reproduzindo conhecimentos. Todavia, as demandas sociais atualmente apontam em outra direção. É necessária uma atualização da abordagem de ensino-aprendizagem focada no discurso autoritário do professor. Não mais suprem às necessidades pessoais e sociais, atividades como: a memorização, a decodificação e a reprodução de conhecimentos introduzidos pelo professor. É preciso, portanto, que o professor veja que o aluno é “capaz de pensar, refletir, discutir, ter opiniões, participar, decidir o que quer e o que não quer” (PILETTI, 1997, p. 79). Sob esse pensamento, cabe ao professor de Língua Portuguesa um discurso democrático, aberto a interações e a reelaborações de suas “verdades”, dando espaço aos alunos de usarem a sua linguagem de forma competente nas discussões a respeito dos mais diversos temas vivenciados socialmente e que se encontram e precisam ser materializados em textos diversos nas atividades de leitura e escritura. É preciso que o aluno reflita, critique, analise e/ou conteste determinadas ideias e/ou opiniões/conhecimentos apresentados pelos colegas ou pelo professor, cumprindo, assim, ANAIS ELETRÔNICOS III ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura. 29 a 31 de agosto de 2012, Itabaiana/SE: Vol.03, ISSN: 2237-9908 4 seu papel de sujeito social na atividade textual, um ator social, que se constrói no texto e por este é construído (KOCH; ELIAS, 2008). Em consonância com Orlandi (1996), o material didático, tão valorizado na escola e nas aulas de língua, passa a ser de instrumento a objeto de apagamento por razão do discurso autoritário. Podemos também verificar que, além disso, a existência do material didático possibilita o apagamento do diálogo e da interação professor/aluno em sala de aula, pois é tido como autossuficiente, o que, para nós, é o contrário, visto que preconiza somente o conhecimento linguístico, o metalinguístico. O discurso autoritário do professor visa a metalinguagem, isto é, a reprodução de conhecimentos mediante a transmissão de regras gramaticais que excluem o sujeito de instâncias socioculturais, históricas entre outras. Os PCN, quanto a isso, posicionam-se, dizendo que a gramática passa/passou a ser ensinada de forma descontextualizada, tornou-se emblemática de um conteúdo estritamente escolar, do tipo que só serve para ir bem na prova e passar de ano – uma prática pedagógica que vai da metalíngua para a língua por meio de exemplificação, exercícios de reconhecimento e memorização de nomenclatura (BRASIL, 1997, p. 39). Por essa razão, aqui, apregoamos que uma concepção sociocognitiva e interacional da linguagem (CAVALCANTE et al, 2010) seja concebida no ensino de Língua Portuguesa, no qual o professor passa a assumir a função de mediador do conhecimento ao refletir e compartilhar novos conhecimentos com seus alunos, numa interação em que permeiam não só os aspectos linguísticos, mas também cognitivos, históricos, socioculturais e interacionais concentrados em experiências, vivências adquiridas diariamente, opiniões, crenças, tudo o que vai contribuir para o desenvolvimento das competências linguística, cognitiva e social, já que o texto é visto como o próprio lugar de interação. A interação pela linguagem deve ocorrer nas aulas de língua porque encontra justificativa no modo como ocorrem as relações sociais fora da escola, como nas atividades de leitura e escrita. Já é de nosso conhecimento que o contato com o texto, quer quando se lê, quer quando se escreve, permite uma interação de conhecimentos, não uma imposição de sentidos que se procura estabelecer. Assim, postula-se que “o sentido ANAIS ELETRÔNICOS III ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura. 29 a 31 de agosto de 2012, Itabaiana/SE: Vol.03, ISSN: 2237-9908 5 não está no texto, mas se constrói a partir dele” (KOCH, 2011, p.30), haja vista que qualquer sujeito social já traz consigo uma parcela de conhecimentos prévios para a interação no texto. Esse processo, por conseguinte, precisa ser refletido, discutido, em sala de aula, em que o professor, o aluno e o próprio uso que realizam com a linguagem constituem uma interação, quando dialogam, consolidando a teoria-analítica da interação autor/texto/leitor. Na seção a seguir, falaremos um pouco das nossas pesquisas as quais já nos referimos. 3. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NAS ESCOLAS PESQUISADAS Ao iniciarmos a pesquisa, no 4º ano da Escola Estadual Armindo Guaraná, localizada em São Cristóvão/SE, procuramos conversar com a professora sobre como ela concebia a relação professor/aluno em sala de aula no ensino de língua, prática que visa a interação no trabalho com os textos e a qual permite dar espaço às vivências cotidianas e aos conhecimentos prévios dos alunos. A docente nos afirmou que há uma enorme carência nos alunos no que diz respeito à compreensão e à produção de sentidos, em virtude do pouco contato na escola com textos que têm a ver com as vivências deles. Por meio do discurso do docente, observamos que havia pouco entrosamento ou interação aluno/professor. Desse modo, a interação pela linguagem ficava sempre prejudicada nas atividades com textos. Além disso, podemos verificar, durante nossos encontros, que a professora não tinha muito conhecimento sobre a importância do ensino da Língua Portuguesa por meio da utilização de textos diversos. Essas questões foram relevantes para mostrar como a docente fazia uso da linguagem em sala de aula. Ela e os alunos só trabalhavam com o conteúdo explicitado no livro didático; focando no ditado de frases descontextualizadas, formação de sílabas e palavras, decodificando-as, apenas, de forma não contextualizadas. Quanto às práticas da leitura e produção textual (quando acontecia) com gêneros discursivos como folhetos e roteiros turísticos, não possibilitavam a interação sociodiscursiva, visto que eram afastadas das vivências dos alunos, além de o professor não reconhecer a importância da forma dialógica de mediação pedagógica em ANAIS ELETRÔNICOS III ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura. 29 a 31 de agosto de 2012, Itabaiana/SE: Vol.03, ISSN: 2237-9908 6 situações de discussão e construção de textos em sala de aula. Em uma das visitas que realizamos a essa turma, tivemos o propósito de trabalhar com textos contextualizados que promovessem uma interação eficaz entre alunos, professor e pesquisadores, levando-se em consideração o contexto sociocultural, o conhecimento prévio e as experiências vivenciadas pelos alunos, a fim de promover uma adequada produção textual posteriormente. Dos textos trabalhados, destacamos um conto, cujo título era “História dos negros no Brasil”, e uma narrativa autobiográfica, intitulada “Relato de vida” de uma aluna do 8º ano do Ensino Fundamental com a intensão de focar possibilidades de trabalhar com a linguagem na sala de aula, tentando mostrar que esses textos possuíam relações quanto ao contexto sócio-histórico do Brasil no que se refere à chegada e às primeiras vivências dos negros escravos. Essa atividade ocorreu com a leitura em voz alta feita por nós, dando ênfase a algumas expressões nominais encontradas na superfície dos textos, as quais funcionaram como porta de entrada para uma breve discussão: “os africanos”, “índios e homens brancos”, “(n)a lavoura de café” “os negros”, “escravos dos homens brancos” “nenhum dinheiro”, “senzala”, “a feijoada”, “chicotadas”, “muita discriminação”, “humilhação”, “exploração”, “sofrimento”, “Lei Áurea”, entre tantas outras. Com isso, procuramos fazer algumas relações entre os dois textos, verificando e comparando o que mudou desde a época da escravidão até a época atual. Demos espaço para que os alunos expusessem fatos vivenciados por eles quanto ao preconceito racial, levando-os ao diálogo sobre o conteúdo dos textos em discussão. Mesmo assim, verificamos que alguns alunos, a priori, não conseguiram fazer a leitura interpretativa, porque haviam mostrado desatenção no momento da apresentação dos textos base. Em seguida, solicitamos que eles produzissem textos escritos explicitando a compreensão/interpretação que obtiveram a partir das leituras e discussões realizadas sobre os textos lidos. A seguir, apresentamos dois textos escritos por alunos do 4º ano após a atividade de leitura: (1) Eles comiam feijão e leite para ficar brancos. ANAIS ELETRÔNICOS III ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura. 29 a 31 de agosto de 2012, Itabaiana/SE: Vol.03, ISSN: 2237-9908 7 (2) Eu entendi que nós não devemos ter preconseito por cor, religião ou raça por esenplo eu sou negra mais puriço eu não vou fazer de tudo pra ficar branca por esenplo o rei do pop Michael Jaquison tirou a pele dele para ficar bramco e ficou branco sim mais qual sera o mutivo diso porque tenha enveja ou não gostava da sua cor eu nunca iria fazer isso min orgulho da minha cor essa é a minha Historia puriço não tenha vergonha de sua cor pois nos negros somos vensedor fim. Em (1), vemos que o autor conseguiu construir relação entre os dois textos trabalhados em sala de aula, pois imprimiu as marcas lexicais do conto (feijão) e da autobiografia (leite). No entanto, em consonância com Santos e Neves (1999), construiu um sentido que fugiu das pistas textuais/discursivas dadas pelos autores dos textos estudados. Além disso, verificamos que só o conhecimento linguístico empregado nesse texto – a grafia correta, as concordâncias – não é o suficiente, pois o autor escreveu um texto eficaz do ponto de vista linguístico, mas do ponto de vista dos conhecimentos de mundo, cognitivo, social e interacional, produziu um texto inadequado, uma vez que não mostrou habilidades de compreensão de sentido, a partir das quais, fizesse o texto progredir. Embora a pluralidade de sentidos seja aqui priorizada, precisamos saber que o leitor não pode construir qualquer interpretação de um texto, visto que a finidade de interpretações (MARCUSCHI, 2008) determinada para cada texto e também a interação não residem somente naquele que lê ou ouve, mas também na relação autor/texto/leitor. Quanto à sua extensão, podemos dizer que esse texto mostra a pouca frequência de atividades de leitura e escrita mediadas pelos diálogos em sala de aula, já que a professora dá prioridade ao conhecimento linguístico, que, como já sabemos, exclui os conhecimentos sociais, culturais, históricos, cognitivos e interacionais tão necessários para a formação do sujeito social/falante de língua competente. O autor de (2), como vemos, ativou suas competências crítica e reflexiva, os conhecimentos que possui sobre as leis de defesa dos negros, o respeito à religião e procurou expor o orgulho da cor que possui. Além disso, reforçou as suas opiniões e ANAIS ELETRÔNICOS III ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura. 29 a 31 de agosto de 2012, Itabaiana/SE: Vol.03, ISSN: 2237-9908 8 crenças ao mencionar em seu texto um dos seus conhecimentos de mundo: a retirada da melanina do cantor pop Michael Jackson. Essa produção escrita (2), como se pode ver, é o resultado da intertextualidade decorrente do estudo do conto e do texto autobiográfico. Fazendo a comparação entre os dois textos produzidos pelos alunos, percebemos que o aluno constrói seu texto, levando também em consideração conhecimentos prévios, os quais permitem a formação do leitor e do escritor competente, capazes de participar plenamente de uma sociedade letrada. Após essas atividades em sala de aula, verificamos que textos que não dialogam com as vivências dos alunos não contribuem em nada para o desenvolvimento das suas competências linguística, cognitiva e social. Isso acaba por suscitar desinteresse e dificuldades tanto em leitura quanto em escritura. Quanto ao estudo de frases, formação de sílabas e palavras descontextualizadas, sabe-se e ocorre, de fato, que os alunos nada aprendem sobre os processos de funcionamento da linguagem. Nessas práticas, eles só aprendem as atividades de memorização e decodificação, não contribuindo, assim, para a formação de leitores e escritores competentes. A leitura silenciosa, prática adotada constantemente pela professora nas atividades de leitura e produção textual, é a promotora do desinteresse e indisposição encontrada nesses alunos, visto que pouco ou quase não ocorreram diálogos entre a professora e os alunos. Estes, por essa razão, encontram muitas dificuldades quando são levados a desenvolver tais atividades, porque não estão habituados a isso, como bem nos informou a professora da turma, mas apenas a habilidades de memorização, decodificação e reprodução de regras gramaticais (sobre as quais muito pouco tem domínio). A respeito disso Luft (1994), citado por Bagno (2001, p. 63), afirma que “um ensino gramaticalista abafa justamente os talentos naturais, incute insegurança na linguagem, gera aversão ao estudo do idioma, medo à expressão livre e autêntica de si mesmo”. Em contrapartida, quando trabalhamos com textos relacionados às suas vivências, dando-lhes oportunidades de reflexão, questionamento, discussão, expondo seus pontos de vista, suas opiniões, esses alunos encontraram mais facilidade em compreender e produzir textos, além de ficarem mais atentos às práticas discursivas desenvolvidas, interativamente, na sala de aula. Isso se justifica pelo fato de que quando se incita o aluno ANAIS ELETRÔNICOS III ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura. 29 a 31 de agosto de 2012, Itabaiana/SE: Vol.03, ISSN: 2237-9908 9 a trabalhar com textos contextualizados, sob constantes diálogos e discussões com os colegas e o professor, os seus conhecimentos prévios automaticamente se ativam e reativam, fazendo com que ele busque compreender/interpretar, escrever e aprender por meio do próprio texto. É dessa forma que, via o uso da linguagem, as atividades de leitura e de escrita permitem a interação, desenvolvendo um processo ensino-aprendizagem adequado. A fim de conhecer melhor os alunos do 5º ano da Escola Estadual Professor Manuel Franco Freire, em Aracaju/SE, fazer com que se sentissem a vontade com nossa presença e observar as práticas metodológicas da professora, assistimos a algumas aulas ministradas pela docente, em que pudemos constatar que ela, apesar de não conhecer as teorias que embasavam nosso projeto, enquadrava-se, de certa forma, nele. Em suas aulas, o ensino de língua era sempre realizado a partir do uso de gêneros textuais diversos, que eram interpretados e produzidos para possibilitar aos alunos o domínio de práticas que realmente poderiam lhes interessar no momento de suas mais diversas ações comunicativas de seu cotidiano. Também procurava ouvi-los, estimulandoos a participar das discussões, valorizando e respeitando suas ideias, pontos de vista, crenças, cultura e história, sempre aberta a mudanças, buscando estreitar suas relações (relacionamento afetivo), vivenciando de fato o processo intenso e mútuo/interativo do ensino-aprendizagem (PILETTI, 1997), em que, enquanto o professor ensina, aprende, e enquanto o aluno aprende também ensina. Enfim, guiando-os a um processo de compreensão/interpretação e aprendizagem de língua(gem) mais eficaz. Percebemos também que os textos e explanações utilizados por meio do discurso da professora não fugiam da realidade dos alunos, muito pelo contrário, eram textos que dialogavam com suas realidades, levando-os a compreender melhor os sentidos desses textos, entre outras atividades. Em outras palavras, ela buscava manter uma relação, de forma, mais dinâmica possível, afastando-se de abordagens estáticas (memorização e silêncio). Portanto, nossa percepção de ensino de Língua Portuguesa e/ou nossas práticas de linguagem, na sala de aula, somaram-se as dela para o crescimento e/ou desenvolvimento desses alunos. Logo após as primeiras aulas, começamos efetivamente a atuar, trabalhando ANAIS ELETRÔNICOS III ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura. 29 a 31 de agosto de 2012, Itabaiana/SE: Vol.03, ISSN: 2237-9908 10 com textos, interagindo/dialogando diretamente com os discentes. Para isso, foram propostos e lidos para eles vários textos de diversos gêneros, dentre os quais, escolhemos um para comentar e analisar. Nosso texto base foi uma crônica jornalística que trazia a história de uma criança de oito anos, que após a morte de sua mãe foi abandonada pelo pai e começou a vagar pelas ruas de São Paulo. Esta menina caminhava solitária até que foi encontrada morta por causa do frio e da fome, com uma carta muito comovente em suas mãos. A partir da leitura e discussões sobre o texto, buscamos mostrar-lhes o valor de conhecimentos prévios para o processo da compreensão e interpretação do conteúdo de qualquer texto, gerando condições para o aluno desenvolver sua própria produção textual. Primeiramente, introduzimos o texto base, contextualizando-o a realidade sociocultural e histórica desses alunos. Para isso, necessitamos de autoridade e legitimidade na maneira de ler, já que nossa orientação por meio do uso da linguagem (oral e corporal) lhes transmitiria a visão que queríamos que se alcançasse naquela produção textual. Em seguida, dialogamos sobre a situação contida no referido texto, dando-lhes oportunidade para que levantassem questionamentos, expusessem seus pontos de vista, trouxessem exemplos, entre outros fatores que proporcionaram esclarecimentos que não foram possíveis no momento da leitura. Por fim, propomos uma produção textual escrita, por meio da qual, os alunos iriam expor seus pontos de vista com relação às temáticas trabalhadas, como o abandono de crianças e moradores de rua. A título de exemplificação, mostraremos, a seguir, um dos textos produzidos em uma das atividades desenvolvidas na sala de aula: (3) A solução é o governo não só olhar para si e começar olhar para os outros como a presidenta agora ela só tem olhos para as olimpiadas de Londres ela tem que se preocupar com a sociedade Brasileiras porque ela não pega o dinheiro da copa de 2014 para construir ofanato. Eles não tem que ligar como o Brasil vai ficar bonito e sim para os moradores de rua, eu queria ver se a presidenta estivesse na pele do morador de rua quando atearam fogo nele ou quando espancaram o outro. ANAIS ELETRÔNICOS III ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura. 29 a 31 de agosto de 2012, Itabaiana/SE: Vol.03, ISSN: 2237-9908 11 Para iniciarmos os comentários é necessário evidenciar que um professor que tem seu discurso firmado em metodologias que apenas visam o ensino das regras da gramática normativa não saberia lidar com os resultados acima, pois o que acontece, em diversas salas de aula, é que o professor de língua materna busca intervir no texto/discurso do aluno, apenas para corrigi-lo, impondo-lhe a norma culta padrão; dizendo-lhe que está escrevendo e/ou falando “errado”; muitas vezes ridicularizando-o em público; predicandoo de “incompetente” e o levando a constrangimentos desnecessários. Ao contrário, ele deveria buscar interagir com eles como mediador do conhecimento por meio do uso da linguagem, esclarecendo-lhes dúvidas, fatos obscuros que nasceram a partir do texto lido; procurando levar o aluno a discutir e argumentar sobre o tema proposto, envolvendo-o na atividade de forma dialógica. No exemplo acima, percebemos que, apesar das inadequações linguísticas encontradas, fruto da falta de práticas de leitura e escritura e marcas de oralidade, os textos dos alunos continuam dotados de sentido. A partir das experiências vivenciadas, eles exploram seus pontos de vista (“A Solução é o governo não só olhar para si e começar olhar para os outros [...]”) e argumentam sobre o tema discutido (“[...] ela tem que se preocupar com a sociedade Brasileiras porque ela não pega o dinheiro da copa de 2014 para construir ofanato”). Essa produção, sob a perspectiva em que nos embasamos, justifica que não só o conhecimento linguístico (no que se refere à gramática) é suficiente para que o sujeito produza textos coesos, coerentes e eficazes. Os conhecimentos sociocognitivos, interacionais e de mundo construídos e reativados, fortemente presentes nessa produção escrita (3) desse aluno, revelam a existência de escritores competentes, restando somente se adequarem ao conhecimento linguístico, que faz parte do processo. A essas afirmações, acrescentamos o pensamento dos PCN (BRASIL, 1997) de que a codificação e a decodificação são apenas uns dos procedimentos necessários para se ler e escrever. É necessário avançar, ultrapassando esse modelo arcaico de ensino, já que construir um conhecimento efetivo sobre a língua abrange fatores mais complexos do que o domínio de normas gramaticais. Avançar, dar um passo a além, é por em prática, em ANAIS ELETRÔNICOS III ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura. 29 a 31 de agosto de 2012, Itabaiana/SE: Vol.03, ISSN: 2237-9908 12 sala de aula, estratégias linguístico-discursivas do uso da linguagem que motivem a construção, compreensão/interpretação dos sentidos do texto, levando o aluno a utilizá-las em suas práticas cotidianas de forma competente. Queremos deixar claro que não temos como objetivo aqui uma prática de ensino que proponha ensinar unicamente o que os alunos conheçam ou desejam, mas a partir do seu conhecimento de mundo. Isso não significa que se deve descartar a norma culta padrão, pois ela é um fator determinante para a ascensão social do sujeito, “cuja aquisição, pelas camadas populares, é o meio de retirar do controle exclusivo das classes dominantes um de seus principais instrumentos de dominação e de discriminação” (SOARES apud MONTEIRO, 2000, p.149). Nesse sentido, o método de ensino de língua portuguesa carece de um rumo diferente do que vem percorrendo. Por isso, em um primeiro momento, compreendemos que a partir das produções textuais desses alunos, devem ser exercitadas ideias de organização textual/discursiva. Em outro momento, gradativamente, mostrar-lhes outros fatores que cooperam para uma intelecção melhor de suas produções textuais, e que, de acordo com determinadas situações e determinados gêneros textuais, existirá uma linguagem mais rebuscada e outras não, pois o domínio da linguagem varia segundo as exigências de cada situação comunicativa. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do que foi dito acima, queremos destacar que ao papel do professor como mediador do conhecimento se atrela a função de mostrar a seus alunos que utilizar a língua é condição imprescindível para se atuar na sociedade de forma ativa, o que não corresponde a ensinar através de regras de memorização que serão apenas gravadas para avaliação. O professor, nesse processo, exerce papel fundamental, incentivando o hábito de ler, escrever, compreender e confrontar ideias nos processos comunicativos reais, relacionando o conteúdo desenvolvido em sala de aula com as práticas sociais vivenciadas ANAIS ELETRÔNICOS III ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura. 29 a 31 de agosto de 2012, Itabaiana/SE: Vol.03, ISSN: 2237-9908 13 pelos alunos, mostrando que a construção do saber pode ser alcançada por meio das relações interpessoais estabelecidas no ambiente escolar. Conclui-se, portanto, que a relação dinâmica e interacional que ocorre entre professor e/aluno, via o uso da linguagem, contribui expressivamente para que esse aluno se interesse pelo estudo do texto/discurso como um fator que vai favorecer, de forma decisiva, às relações interpessoais, permitindo que esses sujeitos ativos se expressem nas mais variadas situações, ou por que não dizer, em qualquer situação que necessite de suas competências linguística, cognitiva e social, praticando o exercício da cidadania. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2001. BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 277-287. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1997. CAVALCANTE, M. M. et al. Dimensões textuais nas perspectivas sociocognitiva e interacional. In: BENTES, A. 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ANAIS ELETRÔNICOS III ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura. 29 a 31 de agosto de 2012, Itabaiana/SE: Vol.03, ISSN: 2237-9908 14 SANTOS, V. M. X.; NEVES, T. R. P. O processamento da informação na leitura de textos na sala de aula. In: LEFFA, V. J.; PEREIRA, A. E. (Org.). O ensino da leitura e produção textual: alternativas de renovação. Pelotas: Educat, 1999.