ANAIS ELETRÔNICOS ENILL
Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura | 10 a 12 de novembro de 2011
Itabaiana/SE: Departamento de Letras, Vol.02, ISSN: 2237-9908
NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO E SUAS IMPLICAÇÕES CULTURAIS,
POLÍTICAS E HISTÓRICAS
Tatiana Cíntia da Silva1 (UFS)
I - INTRODUÇÃO
No passar das décadas e séculos mudam-se parcial e gradativamente as práticas
docentes e a relação professor-aluno, mas as discussões a cerca da dicotomia entre a fala
e a escrita permanecem. Tal paradoxo entre o falar e o escrever proporcionam de
tempos em tempos a “necessidade” de reformas ortográficas.
Mas será esta a única causa do surgimento das “reformas da língua escrita”?
Será mesmo que simplificar as regras de acentuação, abolir outras, tirar o hífen de certas
palavras irá resolver o problema idiomático de um povo em relação à escrita? Mudar as
normas de uma ortografia já estudada e analisada, mesmo que precariamente, não
pioraria e distanciaria ainda mais o indivíduo da norma culta? Pior, como ficam os
professores e estudantes às portas de um vestibular? Será mesmo que mudar algumas
normas ortográficas aproximará os países lusófonos? São inquietações como essas aqui
acentuadas que corporificam o presente artigo.
II - UM BREVE HISTÓRICO SOBRE O ACORDO ORTOGRÁFICO
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa trata-se de um trabalho
desenvolvido entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia de Ciências de
Lisboa; porém, tal projeto iniciado em meados da década de 1980 só vem a ser assinado
em 12 de Outubro de 1990 e, desde então, vem sendo discutido e analisado por todos os
países lusófonos. Sobre o processo pelo qual passou o acordo, afirma Maurício Silva:
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Especialista em Letras: Português e Linguística; graduada em Letras com habilitação em Português/Inglês e
Literatura; tendo já cursado as seguintes disciplinas de Mestrado pelo núcleo de Letras da UFS: Literatura, História e
Memória / História dos Cânones Escolares / Discurso Literário e Discurso Psicanalítico. Atualmente professora
substituta da Universidade Federal de Sergipe.
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Pode-se dizer que, cronologicamente falando, o novo acordo teria se
iniciado em 1986, quando se realizou, no Rio de Janeiro, o primeiro
encontro da CPLP, ocasião em que a Academia Brasileira de letras,
representada pelo acadêmico e filólogo Antônio Houaiss, apresentou
um Memorando sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa,
embora sua aprovação só se desse efetivamente em 1990, data de sua
assinatura oficial, em Lisboa. Com previsão para entrar em vigor em
1994, o novo acordo, contudo, não recebeu as ratificações necessárias
para que suas regras passassem a valer. (2008, p. 23)
Tal acordo assinado em 1990 e que inicialmente entraria em vigor em 1994,
como fora observado, não saiu do papel porque os oito “países-irmãos” falantes da
língua portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal,
São Tomé e príncipe e Timor Leste) teriam que assinar o documento e cumprir certas
exigências legais internas.
No entanto, no ano de 2008, foi decidido que não mais
seria necessária a ratificação dos oito países membros da Comunidade de Países de
Língua Portuguesa (CPLP), bastaria apenas a adesão de três destes países.
As propostas de modificação ortográfica para o Brasil é de aproximadamente
0,45%, enquanto a mudança de vocabulário de Portugal chegará a 1,6%. Lembremo-nos
ainda, que as mudanças são na escrita e não na pronúncia, vocabulário ou sintaxe.
O representante brasileiro no Encontro para a Unificação da Língua
Portuguesa, Antônio Houaiss, era estudioso da língua que ressaltava as dificuldades
tanto de cunho linguístico quanto político. O filólogo contemporâneo, falecido em 1999,
tomava como um de seus artifícios na defesa à padronização na escrita entre os países
de mesma língua o fato de o português ser a única língua em que há dois cânones
oficiais, uma ortografia brasileira e outra europeia, o que dificultaria para ele, a redação
de tratados internacionais e publicação de “obras universais”.
De acordo com o Ministério de Educação (MEC) e sua Comissão de Língua
Portuguesa (Colip), a reforma entrara em vigor no Brasil já em 1º de 2009; porém,
respeitando o período de transição e adaptação para a comunidade em geral e
especificamente para os professores e editoras. Assim, vestibulares e concursos deverão
obrigatoriamente aceitar as duas grafias até o dia 31 de dezembro de 2011 e, as editoras
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por sua vez, deverão enquadrar seus livros didáticos segundo as novas normas
linguísticas até 2012, embora algumas já estejam organizando e imprimindo seus livros
nessa perspectiva e outras construindo manuais explicativos.
Porém, devemos desde já, pontuarmos que a tentativa de unificação assim
como as novas mudanças projetadas não é um assunto novo. Houve em nossa história
ao menos três pontos marcantes sobre possíveis mudanças, que é o que ratifica Maurício
Silva:
[...] um primeiro momento, em que a ortografia assentava-se na
pronúncia, isto é, uma ortografia fonética (século XIII – XVI); um
segundo momento, caracterizado por uma grafia erudita, de natureza
pseudo-etimológica (século XVI – XIX); e um terceiro momento, em
que se privilegiou uma ortografia simplificada, com a eliminação dos
fenômenos puramente fonéticos e do erudito etimológico (século XX)
(2008 p. 15-16)
O que se observa é que de uma forma ou outra, o objetivo fora sempre
normatizar a língua, não aproximar fala e escrita como queriam os poetas modernistas
de primeira geração. A necessidade de normatização surge da preocupação dos
gramáticos em colocar “ordem” no idioma simples e rude do povo, já que o português
da gramática “do professor e do aluno e do mulato sabido nunca fora o mesmo do bom
negro e do bom branco da Nação Brasileira.” 2 Esse diálogo com o poema de Oswald só
nos leva a pensar que o português da gramática, ou melhor, a norma culta, nunca será o
mesmo português utilizado pela nossa nação em seu cotidiano. O que de certa forma é
um prenúncio de inadequação em que se encaixa o pretenso acordo entre os países
falantes da mesma língua, já que nem em um único país falamos a mesma “língua”,
posto sabermos que não há um padrão ideal de fala, e sim, uma comunidade linguística
ideal como diria Chomsky.
Dada as informações históricas a cerca dos pilares do acordo, tem-se como
necessidade pensar também e principalmente nos pontos positivos e/ou negativos desse
2
Intertexto com o poema Pronominais do poeta modernista Oswald de Andrade.
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acordo, assim como se dará a recepção, observando os impactos para a comunidade; por
isso, tomaremos como ponto de partida para nossa pesquisa, posições de escritores e
professores como: Celso Luft, Maurício Silva, Pasquale Cipro Neto e outros.
III
–
O
NOVO
ACORDO
ORTOGRÁFICO
E
AS
QUESTÕES
SOCIOLINGUÍSTICAS CULTURAIS E POLÍTICAS
A língua, fazendo parte de nossa estrutura social, é a expressão que, através da
fala, distinguimos uma cultura de outra, posto ser graças à comunicação que
conhecemos a evolução das comunidades mesmo com o passar das gerações. Sendo
assim, a língua não é apenas um instrumento usado cotidianamente para que haja
comunicação entre os seres humanos. É através da linguagem que conheceremos a
ideologia de um grupo social, que perceberemos as divergências regionais, profissionais
e inclusive pessoais.
Logo, constata-se que há diferenças em um mesmo país. Um nordestino que
vai ao Rio de Janeiro, rapidamente é reconhecido como não fazendo parte do grupo
carioca, o que nos faz pensar ser uma utopia a unificação da língua portuguesa entre
países desta mesma língua. Pior, a unificação sendo ela apenas no plano da escrita, pode
apenas cristalizar ainda mais as divergências entre escrita e fala, ponto que o próprio
Houaiss, principal negociador do Acordo Ortográfico já pontuara, dizendo que “a
padronização gráfica das palavras reflete uma imagem de unidade e de uniformidade em
si mesma artificial, visto que tal unidade nunca se realizou, não se realiza e jamais se
realizará na fala corrente” (2008, p.13).
Como podemos perceber, embora a escrita seja a representação gráfica da fala,
a linguagem da lavadeira, do comerciante e/ou do adolescente não faz parte do
português do dicionário, assim como por mais que aproximemos essas “duas línguas”,
elas nunca serão de fato uma só, por causa de todo um contexto sociocultural que faz
parte da língua como um “organismo vivo”. Logo, não existe uma língua universal,
assim como não há apenas uma cultura única para as diversas nações.
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A língua não se prende a normas, por mais que tentemos uma união entre fala e
escrita não temos como fazer um todo homogêneo, pois não há homogeneidade entre as
sociedades e as diversidades sociais e culturais recaem sobre os nossos idiomas. É por
esse ponto que defendendo o acordo, Houaiss deixa claro que a “Unificação ortográfica
nada tem a ver com a uniformização da língua. As línguas são como são em virtude do
uso que seus falantes fazem dela, e não de acordos de grupos ou decretos de governo.”
(2008, p. 13). Além do mais, nenhum sistema ortográfico é criado do nada. Para se
estabelecer novas estruturas numa língua, esta passa por uma série de fases em que são
resolvidas muitas divergências que afetam muito mais que apenas na maneira de
representar a pronúncia, fatores extralinguísticos, prévios à própria ortografia.
Embora escrita e fala apresentem forte ligação, possuem instâncias próprias, se
por um lado andam juntas, já que a primeira representa a segunda, cada uma se propõe a
finalidades diversas o que acaba as distanciando parcialmente, isso sem falar das
constates mutações pelas quais a língua passa no decorrer dos tempos.
É por isso que uma mesma teoria inicial pode justificar ou negar a efetivação
do Acordo Ortográfico. O fato de a língua não ser estática ou como diz Maurício Silva
(2008), o fato de ela ser viva e pulsante fazem-nos pensar que não podemos aproximar
escrita de fala, já que têm funções e objetivos distintos. Enquanto aquela nos traz de
volta o conhecimento de culturas e costumes de um grupo, esta se volta para a
efetivação da interação do emissor com o receptor já que a fala possui uma função
social.
Expressões aparecem enquanto outras desaparecem, o que nos leva a crer que
não há estudiosos ou teóricos que possam apreender a dinâmica da língua com regras
estáticas, o que de determinado modo poderia ser uma teoria para reafirmar a
necessidade de mudanças em nossa ortografia na atualidade, visto as transformações
ocorridas com o tempo. Por outro lado, esse mesmo ponto de observar a língua como
um elemento com vida própria, mostra-nos que não há como padronizar os falares
regionais brasileiros, quanto mais de nações diferentes, é por isso que “o novo Acordo
Ortográfico busca um consenso, quando for possível, é duas redações oficiais, quando
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isso não for possível. Ele não mexe, nem poderia fazê-lo, na nossa forma de falar, mas
busca facilitar, padronizar a escrita.” (SILVA, 2008, p. 10).
Desta maneira, mais uma vez se ratifica as diferenças entre escrita e fala, pois a
escrita tem um valor histórico-cultural, se ela ficar à mercê das confluências da fala, não
mais poderíamos; por exemplo, estudar sobre os costumes e hábitos de nossos
antepassados, já que haveria uma enorme discrepância entre os registros escritos de uma
época à outra. O que expomos aqui, não é uma visão tradicionalista e academicista de
que deva existir um português clássico e outro usado pelo povo, em que só faz da língua
um instrumento de poder e silenciamento de sentidos; pelo contrário, o que nos
propomos a estabelecer, assim como Celso Luft é que:
A escrita, longe de ser um sucedâneo da fala, é a imagem visual das
falas, força de unificação e perenidade – voam as falas, os escritos
ficam. Indumentária comum das produções impressas do saber e da
arte guardadas em bibliotecas, condomínios de nações e comunidades
culturais, instrumento de coesão e estabilidade – a escrita deve mudar
o menos possível. (2007, p. 185)
O que não podemos é achar que o sistema gráfico e puro reflexo do fônico,
pois desta maneira, simplificaríamos uma série de questões etimológicas e culturais. A
ideia de aproximar a forma escrita da forma que pronunciamos traz consigo outra
questão não menos complexa – Vamos aproximar a escrita da fala de quem? Não temos
na fala um padrão, por questões óbvias, posto haver variedades linguísticas enormes e
que jamais seriam padronizadas, e, chega inclusive a ser algo muito artificial o
pensamento de igualar as línguas.
Embora fala e escrita se completem, cada uma tem seu próprio estatuto,
função e/ou finalidade. A fala está para o agora, assim como a escrita está para o eterno.
Ou melhor, a fala está para o momentâneo, para as necessidades da comunicação rápida,
da informação e do entendimento; a escrita não, seu objetivo e algo de maior proporção,
rompe os tempos e as fragmentações dialetais que carregam a fala.
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Os pressupostos evidenciados nos fazem voltar às dicotomias saussurianas
entre langue e parole assim como a sincronia e diacronia. Uma vez que a redução de
acentos, a retirada do trema, as novas formas de uso para o hífen e outras mudanças
decorrem de uma pseudo aproximação entre escrita e fala, o que nos levaria mais uma
vez às questões já estudadas e distinguidas pelos linguistas entre fonologia e
morfologia.
Outrossim, pensemos em quantos povos deixamos de conhecer por serem
ágrafos ou por não termos como distinguir e analisar seus signos? Com tal “união”
seriamos cada vez mais forçados aos estudos das línguas e civilizações através de um
foco unicamente descritivo e não mais histórico, pois, a discrepância entre as línguas
cada vez mais crescerão, o que contradiz os objetivos do acordo ortográfico que, por sua
vez, tem como proposta voltar-se para a melhoria das nações.
IV - AS MUDANÇAS ORTOGRÁFICAS E AS POLÊMICAS PROEMINENTES
Sejam quais forem as mudanças, sempre ocasionam furor e dúvidas nas
comunidades, sendo mudanças na língua, recaem sobre os pontos de análise muito mais
que as mudanças ortográficas, posto influir em vários outros campos; afinal, a
linguagem
é eminentemente social e somos seres da linguagem como podemos
observar no interacionismo de Vygotsky. Embora as mudanças ortográficas sejam
poucas, estas propostas geram uma série de confusões e indagações entre os escritores,
professores, linguistas, editores etc.
Muitas são as versões para justificar ou negar o referido acordo, exaltam-se
teorias contra e a favor das mudanças que se delineiam. O acordo influenciará não só
nas relações exteriores entre os países de língua portuguesa como acarretará certos
transtornos internos no mundo dos leitores. Celso Luft exalta várias problemáticas
decorrentes das mudanças na escrita, dentre elas:
A maior desvantagem de uma reforma ortográfica radical, de ajuste
fonético-fonológico, recairia sobre o mundo do livro e das bibliotecas.
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Do dia para a noite estaria cavado um abismo cultural. As pessoas
alfabetizadas e escolarizadas pelo sistema reformado teriam
forçadamente de aprender também o sistema anterior para terem pleno
acesso à cultura, a informações de toda ordem guardadas na escrita
abolida. (2007, p. 192)
Podemos observar esse “abismo cultural” dito pelo teórico, partindo do
pressuposto de que quem “nasce” à luz da nova ortografia não terá como fazer um
estudo histórico-cultural pelo fato de a língua ter passado por mudanças.
Os
historiadores e linguistas, que necessitam de um panorama das evoluções culturais para
só então pensar no contemporâneo, é que mais sofreriam em seus estudos, pois estes se
voltam não apenas para o contemporâneo como para os pilares dos modelos antigos de
língua e formação social, inclusive para manterem o paralelo do hoje com o ontem.
As mudanças ortográficas confundirão muito mais que as expressões dialéticas
presentes no cânone literário no passar dos períodos. O fato é que, a escrita guarda em si
resquícios da sociedade que a utilizou. Hoje, por exemplo, não mais usamos a expressão
tipicamente do século XIX e presente nas obras machadianas como se caracteriza em
Dom Casmurro quando o narrador-personagem diz: “Vou ter com Capitu” em vez de
dizer que irá encontrar-se com Capitu, mas essa diferença mostra apenas divergências
contextuais da época do Segundo Reinado em relação aos dias atuais, o que não
perturba em nada a leitura de um leitor atento que pelo contexto percebe facilmente o
que quer dizer o escritor.
Por outro lado, se começarmos a fazer dos livros um reflexo do que falamos, a
discrepância de um século a outro seria ainda maior, traria uma série de confusões e
possíveis leituras e interpretações errôneas. E mais,
para as bibliotecas, que são a memória da Humanidade, as residências
do saber e da arte, o ideal seria uma escrita perene. Uma língua – uma
escrita. Por cima das mutações da fala, a perenidade da escrita,
espelho da unidade lingüística subjacente. (2007, p. 192)
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Deixar a escrita à mercê da fala é algo muito perturbador para os profissionais
da escrita, sejam escritores ou professores, as mudanças acabam desorientando a todos,
o que justifica as divergências ideológicas a cerca do assunto.
Fora até mesmo dos objetivos do acordo, há quem pense que as mudanças são
positivas pelo simples fato de diminuir a quantia de erros ortográficos e “facilitar” a
vida dos professores que passam eternamente exaltando regras gramaticais não
apreendidas pelos alunos, deste modo, também seria mais fácil à alfabetização, visto o
povo ter um curto acesso à leitura e ser uma população que “escreve mal”, o que
acarreta em aulas estritamente normativas em que nós, professores, passamos o tempo
todo tentando mostrar regras da norma culta e a dita como correta, sem mostrarmos as
divergências regionais e/ou qualquer outro tipo de variações. Partido desse ponto
justificar-se-ia inclusive uma reforma com proposições bem maiores, no entanto, as
deficiências ortográficas não residem apenas na desproporção entre fala e escrita, mas
na falta de familiaridade com a leitura e prática da escrita.
O que nos permite abrir um espaço neste texto para falar também das
dificuldades dos alunos em escrever e consequentemente, deparamo-nos com os
resultados negativos das produções nas redações de vestibular. Ano após anos os
resultados só pioram, o que mais uma vez ratifica o ponto de que a dificuldade não é
apenas no fato de o aluno não decorar regras de acentuação, há dificuldades tanto de
coerência como de coesão textual, o que implica uma problemática ainda maior que
escrever faltando letra ou esquecer de um acento grave. A verdade é que nossos
adolescentes passam pouco tempo diante de um bom livro e não fazem sequer uma
leitura superficial. Toda essa análise acaba nos levando a outra observação, que é a
maneira como o ensino é ministrado. Essencialmente, nossas aulas são apenas
normativas, o estudo da língua é feito como se ela fosse estática ou não fosse nossa de
fato, o sujeito (aluno) é aniquilado e a ele é legado apenas a fixação de regras já prontas
e que normalmente não se efetivam em seu cotidiano.
A língua pode, como sabemos, servir de meio de opressão e dividir a
sociedade entre dominantes e dominados, ou entre cultos e incultos. Uma grande parte
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dos brasileiros ainda não teve acesso ao mundo das letras ou é mal-alfabetizado, no
entanto, o povo tem problemas maiores como a má condição sociocultural e econômica,
e, as questões de ortografia ficam em planos bem inferiores ou plano nenhum.
Se nosso maior problema não é a escrita, mas o sistema de ensino em si e
questões anteriores ao ensino, a quem essas mudanças na ortografia iriam interessar?
Sobre isso, Celso Luft deixa evidente em sua crítica ao afirmar:
Assim, nem cultos nem incultos clamam por reformas ortográficas.
Quem clama é, aparentemente, uma minoria de diletantes ou
professores incompetentes que, não sabem encaminhar corretamente o
estudo cultural da língua, sonham com simplificações mais ao nível da
sua incompetência que da natural capacidade linguística dos alunos.
Não somos, em primeiro plano, deficientes ortográficos, mas
deficientes culturais Nossa necessidade mais premente não é reformar
letras, e sim reformar a nossa política de educação e cultura, ajustá-la
às carências vitais e humanas do povo brasileiro. (2007, p. 197)
Embora não seja o nosso propósito analisar as deficiências da política
educacional e/ou as carências de nossa nação, é evidente que as questões que envolvem
a ortografia elevam às mudanças que se evidenciam é um mero sintoma de problemas
maiores e que fogem aos muros das escolas e ao controle dos estudiosos da língua, pois
é uma deficiência de âmbito sociocultural e não meramente linguístico.
Mas voltemos à efetivação do acordo, deve-se destacar que não encontramos
apenas pontos ruins, o principal objetivo do acordo é na realidade, facilitar o
intercâmbio entre os povos, é tanto que já em 2007 numa entrevista à revista Língua
Portuguesa o assessor do ministro Fernando Hadad, Carlos Aberto Xavier, afirma que a
unificação, o nosso português terá prestígios nos foros e assembleias internacionais. No
mesmo ano, em uma entrevista à revista Veja , a escritora Lya Luft ratifica, dizendo
que:
a unificação já devia ter ocorrido antes.É uma medida civiliza. A
diferença na escrita dos países que falam português atrapalham o
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intercâmbio econômico e editorial. Como toda reforma, essa proposta
tem suas falhas Mas acho ótimo, por exemplo, o fim do trema. Sou a
favor de tudo que vai no sentido da simplificação. (Veja, 2007, p. 96)
No entanto, percebemos mais uma vez que mesmo a escritora sendo a favor do
acordo, esta faz ressalvas quanto às mudanças, assim como o gramático e também
membro da Academia Brasileira de Letras, Evanildo Brechara, que em entrevista à
mesma revista salienta o ponto positivo desse processo, tendo em vista o cunho político
da unificação já que visa uma maior difusão da língua portuguesa através dos textos,
mas menciona ainda que a reforma não foi de todo satisfatória e que as regras da
ortografia ainda não são acessíveis a todas as camadas da sociedade.
Apesar da unificação proposta pelo acordo impulsionar, à priori, os países
lusófonos a um maior desenvolvimento e facilitar o intercâmbio entre as nações, tanto
administrativamente quanto pedagógica e culturalmente, já que facilitaria o ir e vir de
livros didáticos, publicações científicas e documentos sem a necessidade de adaptações,
há entre os críticos uma posição mais negativa que positiva. O que fica claro nas
palavras do professor Pasquale Cipro Neto quando diz: “... esta é uma reforma meiasola, que não unifica a escrita de fato e mexe mal em pontos como o acento diferencial.
Vamos enterrar o dinheiro em uma mudança que não trará em nada efeitos positivos”
(Veja, 2007, p. 90). E nas palavras do também professor Cláudio Moreno quando afirma
que “essa idéia messiânica, utópica de que a unificação vai transformar o português em
uma língua de relações internacionais é uma tolice.” (Veja, 2007, p. 94)
De fato, não há hoje como ter certeza de como se dará a efetivação desse
acordo. Se será positivo para a relação do Brasil com outros países; se facilitará o
ensino, aproximando a ortografia à realidade dos alunos, ou ainda se quanto às
pesquisas, se essa unificação não trará mais uma forma de análise sobre as línguas
lusófonas. As referentes questões apenas serão abolidas com o desencadear das novas
normas em seu cotidiano nas comunidades. Seja como for, o acordo ortográfico não
mais é um projeto, saiu dos papeis e se espalha, confundindo a cabeça dos vestibulandos
e se efetivará de fato no Brasil em 2012 como consta no acordo.
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V – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Falar do acordo ortográfico é ainda andar por um terreno instável; pois, embora
alguns teóricos já estejam tomando esse processo pelo qual a língua está sofrendo como
corpus de estudo, só saberemos de fato como esse acordo se efetivará com o tempo.
Por enquanto, só podemos partir de perspectivas e análises do ponto de vista de
teorias ainda não confirmadas de todo; porém, sabemos que embora tenhamos em nossa
língua raízes linguísticas lusitanas, o nosso país sofreu uma série de miscigenação, o
que recai sobre nossa maneira de falar, o nosso idioma nunca será de fato igual ao
português de Portugal, uma vez que com as invasões também de outros países, houve
uma fusão de vocabulários, e hoje, o nosso português possui um “português-plural”,
herdamos cultura e vocábulos dos mais diferentes grupos, desde os índios que aqui já
habitavam quando chegaram os portugueses às palavras oriundas dos negros que vieram
às nossas terras como escravos, além de várias outras misturas linguísticas e culturais.
Por tudo já mencionado, não devemos como professores de português
simplesmente levar as novas mudanças para os colégios como máquinas reprodutoras
ou muito menos negligenciarmos e fazer de conta que nada está acontecendo. O acordo
agora é real, não uma simples proposta engavetada. Assim, devemos analisá-lo e expor
todos os passos aos nossos alunos de maneira que estes também possam fazer suas
próprias críticas e observações.
VI – REFERÊNCIAS
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de José Carlos Azevedo. São Paulo: Publifolha, 2008.
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língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2007.
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de Lya Luft. São Paulo: Globo, 2007.
MARTELOTTA, Mário Eduardo. PALOMARES, Rosa. Linguística Cognitiva. In:
MARTELOTTA, Mário Eduardo. Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2008.
NARO, Anthony Julius; SCHERRE, Maria Pereira. Origens do Português Brasileiro.
São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
NEGRÃO, Esmeralda, et al. A competência Linguística. In: FIORIN, José Luiz.
Introdução à Linguística. São Paulo: Contexto, 2003.
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muda. São Paulo: Contexto, 2008.
SIMÕES, Carlos Alberto. Palavras de Honra. In: Discutindo Língua Portuguesa. Ano
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TEIXEIRA, Jerônimo. Riqueza da Língua. In: Veja. São Paulo: Abril. 12 de Set. 2007.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de
gramática. São Paulo: Cortez, 2005.
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