Preferências de aprendizagem: enriquecendo o
aprender na escola
Lia Cristina Barata Cavellucci
José Armando Valente
INTRODUÇÃO
Não é novidade que os alunos não são iguais, não aprendem da mesma maneira
e não fazem as coisas segundo um mesmo padrão. No entanto, a escola insiste
em tratar uma sala de aula como sendo uniforme, assumindo que todos assimilam
a informação do mesmo modo. O quanto realmente os alunos diferem em termos
da capacidade de aprender ou em termos de assimilação de informações só fica
evidente no cômputo das tarefas realizadas, em termos de notas nas provas ou
nas tarefas. Porém, essas diferenças são muito mais complexas e com
implicações mais profundas do que as diferenças nas notas no final do semestre.
Um estudo realizado em uma classe de alunos de 11 anos de idade mostrou que
cada um dos alunos possuía um estilo cognitivo totalmente diferente dos demais
colegas. Nesse estudo foi usada a escala de Riding e Cheema (1991), permitindo
classificar os alunos em termos de dois continuum: no eixo horizontal, holisticoanálitico, e no vertical, imagético-verbal. Um dos alunos se encontrava no extremo
holístico da dimensão holistico-análitico e no extremo imagético da dimensão
imagético-verbal,
portanto
claramente
holista-imagético.
Outro
aluno
era
fortemente analítico-verbal (Vincent, 2003).
O primeiro fato revelador foi o professor descobrir que em sua classe existia esta
disparidade de estilos de aprendizagem. A segunda foi constatar o quão
importante foi adequar a tarefa ao estilo do aluno. O aluno claramente holista-
1
imagético tinha muita dificuldade para se expressar oralmente e nunca escreveu
mais do que algumas palavras.
Porém quando usou programas de computadores com capacidade gráfica e de
animação
ele
pode
manipular
palavras
de
forma
visual,
facilitando
e
incrementando a sua fluência da escrita (Vincent, 2003).
Além da adequação das tarefas, o conhecimento sobre os estilos de
aprendizagem pode ser útil para ajudar o aluno a tornar-se um aprendiz mais
eficiente, na constituição de grupos de trabalho, na interação professor-aluno ou
mesmo na interação entre alunos. Estes conhecimentos são amplamente
difundidos e usados pelas empresas. Tem sido comum
empresas utilizarem testes, como por exemplo, o MBTI Myers–Briggs Type
Indicator (Myers & Briggs, 2002), um instrumento indicador do “tipo psicológico”,
baseado na tipologia dos arquétipos de Carl Jung, no momento da contratação de
novos colaboradores e também para montagem de equipes cujos componentes
tenham diferentes características. O argumento para isto é que se em uma
empresa todos são “pensadores”, certamente não haverá muita produção, se
todos são “produtores”, a empresa corre sérios riscos já que não existe quem
pense no seu futuro. Embora esta questão de estilos seja relativamente bem
conhecida na literatura e usada pelo mercado de trabalho, ela é pouco difundida
entre os educadores. Na escola, como foi dito, ainda se assume que todos são
iguais. Assim, o objetivo deste artigo é discutir os conceitos relativos à questão de
preferências de aprendizagem utilizadas pelas pessoas e discutir como a escola
pode enriquecer ainda mais os novos ambientes de aprendizagem, contribuindo
para a melhoria da qualidade da educação.
ESTILOS E PREFERÊNCIAS DE APRENDIZAGEM
2
Richard M. Felder (2002) chama de estilos de aprendizagem uma preferência
característica e dominante na forma como as pessoas recebem e processam
informações, considerando os estilos como habilidades passíveis de serem
desenvolvidas. Afirma que alguns aprendizes tendem a focalizar mais fatos, dados
e algoritmos enquanto outros se sentem mais confortáveis com teorias e modelos
matemáticos. Alguns também podem responder preferencialmente a informações
visuais, como figuras, diagramas e esquemas, enquanto outros conseguem mais a
partir de informações verbais – explanações orais ou escritas. Uns preferem
aprender ativa e interativamente, outros já tem uma abordagem mais introspectiva
e individual. Ele define quatro dimensões de estilos de aprendizagem: Ativo –
Reflexivo, Racional – Intuitivo, Visual – Verbal e Seqüencial – Global.
Uma postura menos cognitivista procura não só caracterizar o estilo da pessoa,
mas o conteúdo e o contexto que estão sendo trabalhados (Moreno, Sastre, Bovet
& Leal, 2000). Estas autoras argumentam que cada indivíduo constrói modelos da
realidade que servem para orientar e conhecer o mundo ao seu redor. Elas
mostram que “cada indivíduo seleciona e organiza uma série de dados, a partir
dos quais constrói o que denominamos de modelo organizador. As diferenças que
apresentam as interpretações que diversos indivíduos dão a um mesmo fenômeno
vão informar-nos sobre as características diferenciais de seus respectivos
modelos” (Moreno, Sastre, Bovet & Leal, 2000, p. 78).
O modelo organizador é construído a partir de percepções, ações e inferências,
bem como do conhecimento prévio que o sujeito tem da situação, e resultam em
um sistema de relações que podem ser ou não de caráter operatório, com
coerência interna que produz no sujeito a idéia de representação do mundo real.
Neste sentido, para a elaboração dos modelos organizadores, podem não ser
considerados da situação ou fenômeno todos os elementos possíveis, mas
somente aqueles a que o sujeito, por diferentes motivos, atribui significado.
Algumas vezes são incorporados dados não existentes na realidade, frutos de
3
inferências, nem sempre adequadas, feitas a partir da falta de algum dado
considerado
necessário pelo sujeito. Estes dados passam a fazer parte do modelo em condição
de igualdade com aqueles tirados da realidade, da mesma forma que dados
importantes
da
realidade
podem
perfeitamente
ser
negligenciados,
comprometendo o modelo.
Afirmam também que, mesmo essa seleção não sendo necessariamente a melhor
para a compreensão da situação, os modelos organizadores são sistemas
dinâmicos de representação da realidade e evoluem com o desenvolvimento
cognitivo do sujeito, sendo constantemente revisados para atender suas novas
exigências.
A representação da realidade como processo individual, em constante modificação
e construção, pode ser mais especificamente aplicada às abordagens individuais
de aprendizagem, que ao nosso ver também têm este caráter dinâmico dos
modelos organizadores de Moreno, Sastre, Bovet e Leal (2000). Ela nos parece
mais interessante do que a visão cognitivista que entende esta abordagem
individual como sendo um aspecto relativamente fixo da pessoa e definido logo
nos primeiros anos de sua vida; uma marca definitiva.
Juntando as idéias de estilo de aprendizagem e de modelos organizadores
podemos pensar que as pessoas possuem um conjunto de preferências que
determinam uma abordagem individual para aprender, o qual denominamos
preferências de aprendizagem. Porém, não necessariamente as preferências
manifestas são as mesmas em todas as situações, independentemente do
conteúdo e da experiência do aprendiz. Tampouco o acompanham ao longo de
toda a sua vida, como uma marca definitiva, conforme afirmam Riding e Rayner
(1998). Essas preferências de aprendizagem podem ir mudando, na medida em
4
que adquirimos habilidades e desenvolvemos estratégias para lidar com diferentes
situações de aprendizagem na escola e na vida.
Para lidar com as diversas formas nas quais as informações são apresentadas e
as situações de aprendizagem são organizadas, desenvolvemos estratégias de
aprendizagem. Elas têm a função de contornar dificuldades, amenizando possíveis
incompatibilidades entre as situações de aprendizagem e as preferências
individuais, visando a potencialização da aprendizagem. Isto quer dizer que,
quanto mais estratégias o aprendiz tiver desenvolvido, maior será sua chance de
lidar com as diferentes formas de apresentação das informações e organização
das situações de aprendizagem vivenciadas por ele.
PREFERÊNCIAS DE APRENDIZAGEM NA ESCOLA
Na escola e, principalmente, na sala de aula devemos levar em consideração que
estão em jogo as preferências tanto do professor quanto dos alunos. Quando o
professor prepara uma aula, decide pela forma como as informações serão
apresentadas e como um determinado tema será organizado e encaminhado. E
isso o professor faz baseado nas suas próprias preferências, que certamente não
serão as mesmas de todos os seus alunos. Para tanto, é importante que o
professor conheça seus próprios processos e preferências de aprendizagem, para
poder criar uma melhor adequação entre o que irá propor em aula e a abordagem
de cada aluno.
Não queremos, entretanto, afirmar que seja necessário o professor ou o sistema
educacional testar as preferências de cada aluno. Ao contrário, queremos evitar os
rótulos advindos de tais testes e propor situações nas quais professor e aluno,
atentos a estas concepções discutidas neste artigo, possam observar as
preferências de aprendizagem
5
expressas nas ações, na forma como lidam com as informações, comunicam-se,
organizam-se em grupos ou realizam atividades.
Porém, como o professor pode conhecer as preferências de seus alunos? Trata-se
de uma espiral crescente de conhecimento (Valente, 2002), onde o professor
conhecendo-se pode ajudar o aluno a conhecer sua preferência que, por sua vez
vai contribuir para que o professor fique mais consciente das suas próprias
preferências de aprendizagem e dos alunos. Esta espiral pode iniciar com o
professor conhecendo suas próprias preferências de aprendizagem e a forma
como elas se explicitam nas suas aulas, diversificando a forma como apresenta
(verbal escrita ou falada, imagens estáticas ou dinâmicas, mapas, esquemas etc.)
e organiza (analítica ou sinteticamente) as informações e as propostas de
atividades (individuais ou em grupos), observando em quais situações cada aluno
se envolve mais, se sente mais à vontade. Ele pode também trocar idéias com os
alunos sobre as suas preferências e isto significa conhecer como cada aluno
registra e recupera informações, como ele se comunica verbalmente e por escrito
(utiliza textos, tópicos, imagens ou esquemas? É preferencialmente sintético ou
analítico? É prolixo ou direto?), como se posiciona em atividades em grupo, como
se organiza em um trabalho individual.
Com isto, o professor vai conhecendo seu aluno e ajudando-o a tornar-se
consciente das suas preferências de aprendizagem. A idéia é que o próprio aluno,
ao longo da sua vida na escola (e fora dela) possa ir certificando-se de como
aprende e desenvolvendo habilidades e estratégias que o tornem um aprendiz
mais eficiente nos diferentes ambientes de aprendizagem que encontrar. À medida
que ele vai se conhecendo ele pode ir adequando suas preferências de
aprendizagem às atividades que realiza e vice-versa.
A abordagem com base nos modelos organizadores de Moreno, Sastre, Bovet e
Leal (2000) introduzem a possibilidade de entender a aprendizagem como uma
junção de fatores cognitivos, sociais, emocionais, frutos da experiência de vida de
6
cada indivíduo. Esta visão está em consonância com as teorias da complexidade
de Morin (1997) e da autopoiese de Maturana e Varela (1995; 1997), que
acreditam não ser a cognição a única estrutura responsável pela construção de
conhecimento. Como afirma Moraes, “a cognição – o processo de conhecer – é
muito mais amplo do que a concepção do pensar, raciocinar e medir, pois envolve
a percepção, a emoção, e a ação, tudo que constitui o processo de vida.” (Moraes,
2002, p 4).
Um ambiente de aprendizagem, no qual todos (alunos e professor) tenham
consciência de como aprendem, reflitam e conversem sobre suas próprias
preferências de aprendizagem, observem quais fatores podem interferir positiva ou
negativamente, certamente propiciará mais oportunidades de desenvolvimento de
estratégias que auxiliarão a todos os envolvidos tornarem-se aprendizes mais
capazes de lidar com as diferenças individuais e com as variadas situações de
aprendizagem na escola e na vida, como mostrou o estudo realizado por
Cavellucci (2003), realizado com trabalhadores de uma empresa.
QUESTÕES:
1) Procure identificar alguma coisa que você sabe fazer bem. Pode ser algo não
relacionado com a sua atividade de educador, como saber cozinhar, tocar um
instrumento musical, pescar, bordar etc.
2) Identifique como esta habilidade foi aprendida. Se você aprendeu sozinho,
tentando e corrigindo; se foi vendo alguém e depois tentando repetir o que viu; se
alguém o ajudou acompanhando etc.
3) Identifique as formas como você se certifica de que esta habilidade é feita com
uma certa competência. Em outras palavras, como você sabe que é bom e faz as
coisas bem feitas?
7
4) Procure trocar idéias com outros colegas que fizeram o mesmo exercício,
notando a diversidade de interesses, de maneiras de aprender e até de lidar com
as dificuldades que vão surgindo.
5) De que forma suas preferências se manifestam em situações formais de
aprendizagem, como em um curso ou em seu trabalho?
6) No seu trabalho, você pode notar estas diferenças na maneira como as
pessoas fazem as coisas e como lidam com a informação? Dê alguns exemplos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Cavellucci, L. (2003). Estudo de um ambiente de aprendizagem baseado em mídia
digital: uma experiência na empresa. Dissertação de Mestrado em Multimeios,
Campinas: Instituto de Artes da Unicamp.
Felder, R. (2002). Home Page. Disponível em:
www2.ncsu.edu/unity/lockers/users/f/felder/public/RMF.html
Maturana, H. & Varela, F. (1997). De Máquinas a Seres Vivos. Porto Alegre: Artes
Médicas.
Maturana, H. & Varela, F. (1995). A Árvore do Conhecimento. Campinas, SP:
Editora Psy.
Moraes, M.C. (2002). Aprendizagem e Vida. Artigo não publicado.
Moreno, M.; Sastre, G.; Bovet, M. & Leal, A. (2000). Conhecimento e Mudança –
os modelos organizadores na construção do conhecimento. São Paulo: Editora
Moderna e Editora da Unicamp.
8
Morin, E. (1997). O Método – a natureza da Natureza. Portugal: Publicações
Europa-América.
Myers, I. B. & Briggs, K. C. (2002). Myers-Briggs Type Indicator. Disponível no
Brasil em: www.rightbrasil.com.br/mbti.htm. (Distribuidor oficial). Riding, R. &
Cheema, I. (1991). Cognitive Style Analysis. Learning and Training Technology,
Birmingham, UK.
Riding, R. & Rayner, S. (1998). Cognitive Styles and Learning Strategies –
Understanding style differences in learning and behavior. London, UK: David
Fulton Publisher.
Valente, J.A. (2002). A Espiral da aprendizagem e as tecnologias da informação e
comunicação: repensando conceitos. Em Maria Cristina Joly (Ed.) Tecnologia no
Ensino: implicações para a aprendizagem. São Paulo: Casa do Psicólogo Editora,
p. 15-37.
Vincent, J. (2003). Individual differences, technology and the teacher of the future.
Em A. McDougall, J.S. Murnane, C. Stacey e C. Dowling (Ed.) ICT and the teacher
of the Future – Selected Papers from the International Federation for Information
Processing Working Group #.1 and 3.3 Working Conference. Melbourne, Austrália,
Janeiro de 2003.
Este texto faz parte da Biblioteca do curso Gestão Escolar e Tecnologias.
CAVELLUCCI, L e VALENTE, J. Preferências de Aprendizagem: Enriquecendo o
aprender na escola, PUC-SP, 2004.
9
Download

Preferncias de aprendizagem: enriquecendo o aprender na escola