ALIMENTAÇÃO DE ONTEM, DE
HOJE E DE AMANHÃ
NOVOS CONCEITOS
JOSÉ ANTONIO VILLEGAS GARCIA
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José Antonio Villegas García
ALIMENTAÇÃO DE ONTEM, DE HOJE E DE
AMANHÃ
NOVOS CONCEITOS
JOSÉ ANTONIO VILLEGAS GARCIA
Tradução:
Carlos Mosquera
Dalton L. Schiessel
Julio C. Bassan
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
“No es por la benevolência del carniceiro,
del cervecero y del panadero
que podemos contar con nuestra cena,
sino por su propio interés.”
Adam Smith
Dedicado a quien quiero
(El amor nunca se paga sino con puro amor).
José Antonio Villegas García
LA ALIMENTACIÓN DE AYER, DE HOY Y DE MAÑANA.
NUEVOS CONCEPTOS
© José Antonio Villegas Garcia
Título original: La Alimentación de ayer, de hoy y de mañana. Nuevos Conceptos.
Múrcia/España
Tradução: Carlos Mosquera, Julio C. Bassan e Dalton L. Schiessel
Revisão Técnica: Dalton Luiz Schiessel
Revisão Final: Jorge Eduardo F. Mosquera
Conselho Editorial: Elis Regina Pazini - José A. Villegas Garcia - Carlos Mosquera Dalton L. Schiessel
Editor - Chefe: Jorge Eduardo F. Mosquera
Editores - Assistentes: Marcos Tadeu Grzelczak e Julio C. Bassan
Editor de Arte versão Brasileira: Dalton Luiz Schiessel
Projeto Gráfico: Mariana L. Arruda
Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)
Autor: GARCIA, J.A. V.
Tradução: MOSQUERA, C.; BASSAN, J.; SCHIESSEL, DL
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã. Novos conceitos.
1a edição brasileira – Curitiba/PR. Editora Galícia, 2014
Bibliografia
ISBN: 978-84-690-7189-2
[email protected]
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO BRASILEIRA
Conheci o Dr. Villegas em um curso de medicina do esporte realizado na
Espanha. Já se vão alguns anos. Depois desse primeiro contato, fiz-lhe um convite
para que viesse ao Brasil proferir uma palestra em um dos eventos internacionais que
eu organizava na época – anos 90. Ele não só aceitou como veio outras vezes para
eventos da área, e, assim, pude conhecer sua mulher e filhos. Devido a essa
proximidade, ele me convidou para eu me inscrever no curso de doutorado da
Universidade Católica San António de Múrcia, Espanha, em que ele lecionava. Fiquei
muito honrado e, assim, estive algum tempo mais próximo da Espanha, assumindo na
prática a minha dupla nacionalidade.
Não sei exatamente externar o que foi para mim estudar na Espanha. Desde
muito pequeno, como filho de espanhol, sempre me foi ensinado que estudar na
Europa era a coisa mais importante para qualquer estudante. Eram os sonhos da
época. Junto com isso, muitas lembranças dos ensinamentos e histórias de meu pai
foram ressurgindo nos meus dias ensolarados de Múrcia, na medida em que passavam
as horas e os dias na Espanha.
Com isso, conheci muitas pessoas especiais além da família de Villegas
(depois de tanto tempo, permito-me a intimidade). Principalmente meus dois
orientadores espanhóis, Juan José González Iturri, ou simplesmente Iturri, e Ana
Belen M. Gonzalvez, ou Ana. Por isso, hoje me arrisco a escrever esta introdução,
com a permissão do meu parceiro de doutorado e colaborador na tradução, Dr. Julio
Bassan e Dr. Dalton L. Schiessel, pois não foi fácil traduzir um tema de tanta
complexidade, mesmo sendo um livro para atender qualquer pessoa.
Traduzir é imaginar o que o autor estava querendo dizer com isso ou aquilo, é
infiltrar coerência e lógica em palavras e frases que, sem aquelas, deixariam o texto
final sem muito sentido. Mas o risco valeu a pena. Depois de alguns meses,
conseguimos deixar o recado em português e, assim, de fácil acesso.
O mais difícil, pelo menos para mim, é adotar, como sugere o autor da obra,
uma ingestão em benefício da saúde, ou seja, muito bem balanceada. Explico o
porquê do difícil. Nunca fui glutão e não faço uso da comida para compensar algo;
uso-a para suprir o gasto energético, literalmente. Só que, como a grande maioria dos
brasileiros, alimento-me fora de casa e, assim, é impossível o controle de qualidade,
apenas da quantidade. Sobram-me o café da manhã e os lanches para controlar.
Depois da tradução deste livro, comecei a prestar atenção no que poderia
adaptar a fim de me aproximar dos nossos antepassados do período Paleolítico (de 2,5
milhões a.C. a l0 mil a. C.). Nada impossível, “pero” mudanças de costume são
necessárias. Alimentar-se bem pressupõe planejamento e rotinas. Por isso, é
fundamental um esforço inicial para que possamos prevenir doenças, manter o peso e
ganhar muita energia com os alimentos. Como diz o autor, os nossos ancestrais, além
de se alimentarem de uma forma mais natural e “menos gordurosa”, também se
exercitavam muito. Mais ou menos 8.000 anos é o tempo ao longo do qual estamos
construindo a estrada da imobilidade e, com ela, aumentam as chances do
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José Antonio Villegas García
acometimento de várias doenças devido a essa combinação explosiva: alimentos
contaminados x sedentarismo.
Depois da leitura deste livro, imagino que muitos leitores vão procurar mudar
os seus hábitos alimentares. Porque o autor consegue comprovar as suas teorias e as
revisões que fez para escrever este livro. Torço, como mais um “consumidor
primitivo”, que todos os leitores consigam assimilar a teoria do Dr. Villegas e mudem
seus hábitos alimentares. E, também, claro, saboreiem a leitura.
Até breve.
Carlos Mosquera
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
PREFÁCIO DA EDIÇÃO EM PORTUGUÊS
Dentre as várias controvérsias deste século a alimentação e a saúde estão
ocupando as primeiras posições. Nunca se falou tanto sobre isso. O cidadão, aquele
que trabalha o tempo todo em outro campo de ciência, é bombardeado de “pode
comer e não pode comer” o tempo todo. E as controvérsias são tantas que alguns
temas chegam a virar grandes pegadinhas científicas, o chocolate e o ovo são um bom
exemplo. Estes foram descartados ao final da lista de consumo por suas tão difamadas
propriedades de doença e, nos últimos anos, foram eleitos alimentos com
características funcionais e até de restabelecimento da saúde. Se os pesquisadores
aprontam dessas, imaginem os pais que chegam em casa cansados no final do dia e
tem que providenciar o jantar?
Precisamos de informação de qualidade e de fácil compreensão e o texto que
segue é capaz de preencher diversas lacunas bem atuais sobre o que comer.
O indivíduo deve ser alertado que ao levar um alimento à boca está sujeito a tantas
influências que poderia ficar tonto ou mesmo desistir de se alimentar.
Emoções, situação financeira mundial, condições climáticas, pesquisas científicas,
tendências de mercado, enfim, tudo ao seu redor pode interferir no que você come.
Por exemplo, em um evento importante como uma festa de casamento, após a noiva, o
banquete é muito esperado e a grande maioria quer comer e beber de tudo e muito.
Uma verdadeira orgia alimentar. Naquele momento queremos ter prazer a qualquer
custo. Os homens pulam as saladas e vão direto para as carnes e as mulheres anseiam
com o Buffet de doces. É assim no geral. Comida dá prazer, mexe com as emoções e
nos deixa com a sensação de plenitude e felicidade. Estes sentimentos estão
enraizados e passam gerações, ter alimento é estar seguro e feliz.
Se prestássemos atenção realmente ao que comemos, estaríamos em uma
situação melhor. Mas, como ratos em laboratório que tomam o choque para comer
diariamente, fomos colocando o prazer para qualquer coisa que de fato causasse
saciedade cada vez mais depressa. E o corpo se adaptou a isso, comida rápida e, de
preferência, de baixo custo.
A indústria, sempre alerta, rapidamente se adaptou a esses novos desejos e
despejou no mercado os mais diversos tipos de alimentos de rápido preparo, de baixo
custo e de péssima qualidade. Demoramos a acordar e nossas pesquisas muitas vezes
tendenciosas não ajudaram em nada. E agora? Como convencer a deixar a batata frita
e o bacon e voltarem a comer alface e brócolis? Situação difícil essa em que nos
metemos.
Como nutricionista já há mais de 20 anos, vejo a dificuldade dessa mudança,
de pessoas que chegam a chorar por deixar de consumir determinados alimentos e
como isso é um nó difícil de desfazer. Não é só elaborar um cardápio, essa é a parte
mais fácil. Temos que convencer que a cozinha deveria voltar a ser a parte central da
casa, mas quem quer? Alimentos saudáveis demandam mais tempo de preparo e a
mulher não quer voltar a fazer tudo isso sozinha. Então o "delivery" é a solução, pizza
José Antonio Villegas García
e sanduíches são as principais escolhas e de mais baixo custo. Estou para ver alguém
pedir uma salada para ser entregue em casa.
Isso não é um papo feminista, mas a saída da mulher para o mercado de
trabalho contribuiu para essa alteração nos padrões alimentares. Então, quem vai
cozinhar? Na maioria das casas ainda é a mulher que assume esse papel. Mas essa é
só uma das muitas variáveis que influenciam no que escolhemos comer.
Há uns quatro anos, em um programa de televisão de grande audiência que é
exibido nas sextas-feiras à noite, foi noticiado que o melão estava sendo considerado
em uma “recente” pesquisa como uma fruta que tinha a propriedade de prevenir o
câncer. Eu morava em uma cidade de pouco mais de 100 mil habitantes e, no sábado
seguinte ao programa, não ficou um só melão nas prateleiras dos mercados e
quitandas. Em uma cidade grande podemos não sentir o impacto da imprensa na vida
cotidiana, mas é muito forte essa variável na escolha do que comemos. Claro que isso
não durou muito, mas por muitos dias nunca se vendeu tanto melão. Na época eu dava
aula para o curso de graduação em nutrição e pudemos acompanhar o andamento
deste processo. O mais engraçado é que o melão não é uma fruta de grande aceitação,
mas se a propaganda continuasse com certeza o consumo aumentado iria continuar.
Então, quem irá investir em propaganda de massa para as abandonadas frutas e
verduras? O pequeno produtor que alimenta essa rede com certeza não vai, não tem
dinheiro para isso. Então ficamos à mercê do capital e suas grandes indústrias de
alimentos.
No excelente documentário Muito Além do Peso, de 2012 e dirigido pela
Estela
Renner
e
amplamente
distribuído
pela
internet
(http://www.muitoalemdopeso.com.br/) podemos ter uma idéia das influencias que
contribuem para a formação do hábito alimentar. O que mais surpreende é o
refrigerante chegar de carrinho de mão nas profundezas do estado do Amazonas, onde
a justiça e saúde pública nem cogitaram estar. Como a criança vai resistir a um barco
de doces e biscoitos que navega pelos rios para vender por pouco um sabor divertido e
adocicado e cheios de figurinhas coloridas? Não foi surpresa verificar que não sabem
os nomes de frutas e legumes se não os comem.
Então todos gritam: e os pais, e a escola? Também faço todos os dias essas
perguntas e obtenho as mais diversas justificativas.
O fato é que estamos ficamos cada vez mais doentes porque não prestamos
atenção ao que comemos. E a pressa institucionalizada na vida “pós-contemporânea”
resultou em ficarmos doentes também cada vez mais jovens.
Só uma educação nutricional contínua poderá minimizar isso, concordo com o
Dr. Villegas, mas tem que começar cedo e na escola. Convencer um adulto hoje a
trocar o bacon pelo presunto de peru é praticamente impossível. A não ser que alguma
doença esteja ameaçando a sua vida e lhe causando desconforto imediato, senão ele
vai adiando as mudanças. Esse é o grande problema que temos no tratamento da
hipertensão arterial, do diabetes e obesidade. Inicialmente não causam dor então o
indivíduo não adere ao tratamento supondo que está tudo bem. E as atitudes podem
chegar tarde demais.
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Tudo isso está saindo muito caro para os sistemas de saúde, sejam públicos ou
privados e finalmente estamos vendo campanhas de prevenção. È um processo lento,
vamos acreditar.
A dieta paleolítica tenta resgatar um indivíduo que tinha mais tempo, por mais
que ficasse muito tempo envolto no seu próprio sustento não ficava preso no trânsito e
nem atrás do computador. Ele caminhava e caminhava. Estavam em bando,
conversavam, nadavam, andavam de pé no chão e mais próximos da natureza. Hoje
estamos em grandes cidades e nem paramos para pensar que o planeta tem que ser
sustentável. Somos o rato na gaiola e comemos o que o mercado oferece.
Como orienta o autor, tente olhar para os alimentos à sua frente e veja se
consegue imaginar a sua origem de produção. Quanto mais processado ele for, com
certeza menos nutrientes terá e menos saudável por consequência. Leia os rótulos,
veja se reconhece como comida o que está escrito nos ingredientes e decida por pelo
menos 80% da sua alimentação ser de alimentos mais naturais, aqueles do açougue e
da feira mesmo, pertinho da sua casa. Os grandes supermercados são péssimos
ambientes para uma dieta saudável. Ou, vá mais perto dos nossos ancestrais ainda,
tenha uma horta em casa, na varanda do prédio, plante alguma coisa e veja o grande
milagre na natureza que é produzir alimento com apenas terra, sol e água.
Elis Regina Pazini
José Antonio Villegas García
ÍNDICE
SOCIALIZAR A PROTEÍNA ................................................................................. 11
PRÓLOGO .......................................................................................................... 11
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 17
2. A FOME ............................................................................................................. 19
3. O QUE COMÍAMOS HÁ MILHÕES DE ANOS CONDICIONA O QUE
DEVEMOS COMER AGORA ................................................................................ 21
4. A VERDADE É QUE COMER MAIS CARNE NOS FEZ MAIS INTELIGENTES
................................................................................................................................ 23
5. A ALIMENTAÇÃO ATUAL .............................................................................. 28
6. MUDANÇAS NA ALIMENTAÇÃO OCORRIDAS AO LONGO DO TEMPO.. 34
7. A NUTRIGENÔMICA É NOSSA ESPERANÇA ............................................... 41
8. PODERÍAMOS SEGUIR UMA DIETA PRÓXIMA DA DIETA PALEOLÍTICA?
................................................................................................................................ 46
MACRONUTRIENTES ...................................................................................... 46
Carboidratos (Glicídios) e Fibras ..................................................................... 46
Proteínas .......................................................................................................... 59
Gorduras ou Lipídios ....................................................................................... 62
Vitaminas e Minerais ....................................................................................... 70
Antioxidante .................................................................................................... 73
9. A ÁGUA, A FONTE DA VIDA .......................................................................... 85
10. ALIMENTOS COM BAIXA CALORIA (LIGHT) ............................................ 89
11. ALIMENTOS FUNCIONAIS ........................................................................... 92
12 . ALIMENTOS TRANSGÊNICOS................................................................... 114
13. FALEMOS DE TEMAS COTIDIANOS, POR EXEMPLO, QUANTAS
REFEIÇÕES DEVEMOS FAZER AO DIA? VALE A PENA JEJUAR? .............. 119
14. E OS ESPORTISTAS, O QUE DEVEM COMER? ......................................... 123
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
15. PODEM OS ENFERMOS CONSIDERAR A ALIMENTAÇÃO COMO UMA
AJUDA A SEU RETORNO À SAÚDE? ............................................................... 128
16. RECOMENDAÇOES NA LUTA CONTRA O SOBREPESO E A OBESIDADE
.............................................................................................................................. 132
17. FINALIZAREMOS OLHANDO PARA TRÁS “SEM IRA” ........................... 140
18. DE UM MODO VERDADEIRO ..................................................................... 144
BIBLIOGRAFIA................................................................................................... 148
José Antonio Villegas García
SOCIALIZAR A PROTEÍNA
PRÓLOGO
Em plena correria do trabalho de campo do ano de 2006, depois das
campanhas de Atapuerca, em Burgos, e das prospecções no norte da Argélia,
buscando a população mais antiga do Norte da África, cheguei a „I Abric Romani1,
em Capellades (Barcelona), onde a minha colaboradora assistente me entregou vários
correios eletrônicos previamente selecionados para eu responder. Entre eles, chamoume a atenção a do Dr. José A. Villegas, que, de forma muito amável, pedia-me a
introdução para o seu livro “Saber o que comíamos para saber o que devemos
comer”. Li com bastante atenção algumas páginas que recebi. 1
Solicitei todo o material e, uma vez nas minhas mãos, li tudo avidamente.
Decidi então escrever a introdução antes que as escavações da “Cova de Santa Ana”,
em Calerizo de Cáceres (Extremadura, Espanha) fossem iniciadas. O tempo passa
voando: já estamos na segunda semana de setembro e nos últimos dias devo começar
outra expedição, motivo pelo qual escrevo estas linhas de uma só vez, como prefiro,
depois de refletir sobre o quero dizer.
Estou escavando desde o mês de maio e estou cansado. Por sorte, a
alimentação da última escavação foi muito boa. O corpo e a mente agradecem porque,
por sorte, temos uma cozinheira magnífica. Além disso, também temos bons vinhos:
brancos para os momentos de esforço e tinto para as comidas, ambos de Penedés
(Espanha), já que trabalhamos ao lado desse município. No nosso trabalho, essa
saborosa bebida não pode faltar; todavia, não devemos abusar e não beber em grandes
quantidades.
O trabalho intelectual se mescla com o físico. A equipe extraiu cerca de
500.000 quilos de sedimento de aproximadamente oito metros de profundidade, um
trabalho imprescindível para escavar e “encontrar” um Homo neanderthalensis de
cerca de 56.000 anos, o mais antigo até agora do “Abric Romani”.
Rosa, a cozinheira, conhece a nossa atividade e conhece também os
carboidratos. A ingestão aumenta ou diminui segundo o esforço do momento, ou seja,
uma dieta precisa. Ainda não tive tempo de engordar. No inverno isso acontece mais
1
NT: achado arqueológico do período paleolítico em processo de escavação desde 1983, na província
de Barcelona
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
facilmente, quando as tarefas de laboratório e de escritório me obrigam a permanecer
muitas horas analisando os registros ou trabalhando no computador.
Nossa dieta de trabalho é paleolítica. Pesquisamos em níveis pré-históricos,
pré-Holoceno, durante quatro ou cinco meses ao ano. Somos nômades na temporada
de verão e alguns de nós continuamos sendo durante o resto do ano, consequência do
trabalho de pesquisador. Entretanto, os nômades de agora também engordam, ou
sofrem de sobrepeso. As coisas já não são como antes. Nada disso ocorria aos
hominídeos que estamos estudando. Do Homo antecessor ao Homo sapiens mais
moderno do Paleolítico, nenhum deles engordava como nós.
Nossos antepassados, que viviam nas árvores há mais de quatro milhões de anos,
comiam muitas folhas, frutos e poucas proteínas de origem animal. Mas o cérebro era
pequeno, cerca de 300 cm3, seis vezes menor do que teria a nossa espécie, o Homo
sapiens. A atividade alimentar representava uma continuidade estrutural que envolvia
mais de sete horas diárias com o objetivo de manter o equilíbrio termodinâmico.
Tinham pouco tempo para a sociabilização. Com a comida rica em proteínas animais
as coisas mudaram, sobrou muito pouco tempo para a ingestão de outros alimentos,
assegurando assim a atividade energética do corpo.
Para a nossa espécie, o princípio básico foi consumir carne limpa, procedente
da caça, em grandes quantidades. Era necessário alimentar um cérebro em rápido
crescimento e sustentar uma importante atividade física motivada pelo nomadismo e
pela estratégia de caça. Mas agora o nosso projeto está em andamento, com a baixa
atividade que tem o Homo sapiens em geral e o excessivo consumo de gordura. Nesse
momento foi fundamental a fabricação de ferramentas de pedra, comer mais proteína
animal e dispor de tempo livre. Foram os três fatores básicos para a sociabilização
tecnológica.
Entretanto, não foi apenas a sociabilização do fogo que produziu outro salto na
consciência da nossa espécie. O fogo, elemento socializador, também permite mudar
os hábitos alimentares. A transformação dos alimentos, graças ao calor e sua
conservação, permitiu-nos entrar em outros paradigmas, muitos dos quais ainda não
abandonamos. Comer ao lado do fogo, a socialização por meio de comida
transformada, a “nouvelle cuisine”, sem esquecer da luz artificial, transformaram a
humanidade e, assim, entramos na idade moderna da alimentação.
Os hominídeos do Paleolítico não tiveram a oportunidade nem a possibilidade,
ao contrário de nós, de discutir com um nutricionista. Tampouco iam ao médico para
José Antonio Villegas García
emagrecer. E nem seguiam nenhuma dieta milagrosa, mas, apesar disso, mantinham
seu físico em condições ótimas. O que hoje denominamos “dieta paleolítica”, por
analogia ao que comiam os nossos antepassados das diferentes espécies, parece-me
muito engraçado. Os caçadores coletores comiam o que podiam na sua volta,
dependendo do clima e da vegetação e, como é lógico, do espaço em que se
encontravam. Portanto, era uma dieta que se baseava em comer o que existia no seu
entorno, com grandes desequilíbrios devido às estações do ano. Um panorama
radicalmente distinto do atual, em que dispomos de dinheiro e, assim, podemos ir ao
supermercado e consumir o que mais nos agrada por mais exótico que seja. Já não
existem os problemas das estações do ano nem as suas especificidades. Nós humanos,
com alguns recursos, devoramos qualquer tipo de alimento, todo aquele que pareça
saboroso, sem ter em conta nem de onde nem quando apareceu. Além disso,
aprendemos a lidar com as técnicas de conservação. Assim, permitiu-se uma larga
vida aos produtos, uma duração quase indefinida com ou sem data de vencimento.
Os generalistas do passado o eram com a espécie, mas não com a população.
Possuíam desde dietas baseadas unicamente em proteínas, tal como ocorria com o
Homo neanderthalensis e o Homo sapiens, que viviam nas zonas centrais dos
continentes em um pergelissolo (tipo de solo encontrado na região do Ártico)
constante, até as dietas amplamente variadas dos hominídeos que habitam as zonas
mediterrâneas onde a maior parte do tempo não sofriam com o gelo. Não se conhecia
a obesidade para os nômades, devido ao baixo consumo de gorduras saturadas, tanto
para as espécies que nos precederam quanto para nossa espécie. Era o período antes
do Holoceno, aproximadamente uns 10.000 anos, tal como expõe muito bem o Dr.
Villegas.
Ao nos convertermos em sedentários, há 8.000 anos, o controle do alimento
mudou definitivamente nossa dieta e aumentaram os carboidratos de maneira cada vez
mais alarmante. Entretanto, o trabalho físico no campo servia-nos para metabolizar
eficazmente os novos alimentos. Também aumentaram na dieta humana os alimentos
com muita gordura, já que os animais livres e pastores desapareceram paulatinamente
para dar lugar aos “animais prisioneiros” de nossa espécie. Com a chegada da
revolução técnico-científica, no séc. XX, às coisas voltaram a mudar de forma
alarmante.
Hoje em dia, mesmo sabendo que algumas pessoas são relativamente nômades
e que se exercitam muito pouco, a obesidade é uma patologia comum que afeta os
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
mais velhos, adultos, jovens e crianças. O impacto da revolução técnico-científica
rompe com os processos de adaptação próprios da seleção natural que vingou durante
toda a evolução do nosso gênero. Durante o processo, selecionou-se por populações o
tipo de comida segundo a situação geográfica e climática a que se adaptava uma
comunidade humana.
Frequentemente, evolução também significa revolução. Certamente o Homo
sapiens não poderia adaptar-se tão facilmente a uma mudança de dieta e, se regredisse
a uma dieta própria do Paleolítico, seria incapaz de suportá-la. Para ilustrar, vejamos
o exemplo que nos oferecem alguns contextos de caçadores coletores atuais. Alguns
de suas espécies podem comer de uma vez só cerca de seis quilos de carne, coisa que
parece impossível para qualquer membro da nossa espécie.
O que é impensável em nossa espécie é a quantidade de proteína consumida
por uns 30% da população do planeta, compensando a deficiência alimentar dos
outros 70%. É um absurdo falarmos de superalimentação quando a maioria dos nossos
congêneres sofrem de déficits estruturais. Uma gravíssima contradição. A alimentação
equilibrada será “básica” depois da socialização da revolução técnico-científica.
Como disse muito bem José Antonio Villegas: “...A solução está na tecnologia. A
indústria deveria proporcionar um desenvolvimento tecnológico para os alimentos
saudáveis, mas assim, como se sabe, não seria o mais lucrativo. Para isso, só há um
caminho: criar uma corrente de consumo.” O que é o mesmo que, não fazendo a
seleção natural, debate-se então o fazer a seleção cultural, o que significa uma
revolução em nossa espécie, uma transformação de nossos hábitos.
Somos primatas de costumes ancestrais que estamos mudando rapidamente
nossos hábitos pelo fato de produzirmos muitos alimentos: em outros, a mudança é
mais lenta e se produzem problemas sérios para a sobrevivência. Recordemos apenas
as “fomes” do século XX e, em nossos dias, as que produzem as mudanças climáticas
e as guerras. Em qualquer parte em que existe excesso também existe o negócio, uma
forma de acumular calorias em forma de dinheiro. Primatas com pouca consciência,
devemos alertar para os perigos se não mudarmos de hábitos. Na minha opinião,
somente com o aumento da consciência crítica da espécie é que seremos capazes de
combater a patologia que provoca a má nutrição e que pode levar-nos a uma situação
em que a enfermidade seja algo cotidiano em nossas populações.
Temos conhecimento e tecnologia de humanos, mas nos comportamos como
primatas pouco evoluídos. A substituição da ordem natural pela organização humana
José Antonio Villegas García
representa um aumento da complexidade na nossa socialização. A nutrição é algo
fundamental. Alguns comportamentos humanos socialmente avançados deveriam
conduzir-nos em primeiro lugar a ser solidários com quem passa fome. Depois,
melhorar a nossa capacidade de entender que comer corretamente não é unicamente
ingerir o que gostamos, e sim, o que alimenta e é bom para nosso organismo. Em
outras palavras, nos faz falta o sentido comum.
Não recomendo a aposta romântica na comida paleolítica. A comida do dia a
dia atual, tal e como se entende a comida rápida e cheio de gorduras, tampouco é
recomendada, como disse muito bem o autor desse livro. E sim, é a comida que se
adapta a falta de exercícios e que é a melhor para o exercício intelectual. A comida
que revolucionará nossa forma de comportamento e que gere uma nova sociedade da
revolução técnico-científica terá de ser manipulada – no sentido positivo – para que
nos sintamos bem. Fazer exercícios de forma “artificial” não faz mal. E a comida
também será assim.
A genética e a proteômica têm muito a dizer sobre essa questão. A evolução é
irreversível e provocará uma revolução na alimentação e no comportamento se a
socialização for feita com critérios e crítica. Comer mal para ficar gordo ou para ficar
fraco, além do fator marcante para a espécie, que é o a da abundância, sobretudo nas
partes do mundo onde tal abundância é onipresente.
De todas as maneiras, o mais importante é que haja comida para todos; depois,
que todos nós possamos comer bem. A patologia mais importante da nossa espécie é a
falta de solidariedade. Os obesos do Ocidente, em maior ou menor grau imersos nas
“fraquezas diárias”, muitas vezes não querem ver os pobres e mal alimentados que
são alguns povos de outros continentes. Mesmo assim, sofremos de algumas doenças,
como a bulimia. Contribuímos culturalmente ao êxito, e, todavia, desvirtuamos os
processos naturais sem substituirmos por processos humanos lógicos.
Provavelmente o Homo antecessor da Gran Dolina (cava da serra de
Atapuerca, na região de Burgos, norte da Espanha) não havia dado crédito à visão de
uns hominídeos obesos, como somos na proporção de 30%. Pois bem, em Atapuerca
encontraram neanderthalensis, heidelbergensis e sapiens, e descobriram que os ossos
destes apresentavam sinais de canibalismo. Pois bem, se realmente isso aconteceu, só
encontraram gorduras saturadas, que é a mais perigosa.
Aqui termino. Recomendo ler com atenção este livro, sem antes advertir que
devemos mudar a nossa forma de conhecer, de pensar e de atuar. Quem sabe depois
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
sejamos capazes de comer melhor e de maneira mais solidária. Nossa principal
patologia é não saber quem somos e até onde vamos.
Eudald Carbonell
José Antonio Villegas García
1. INTRODUÇÃO
Hombre refranero, medido y certero
Estamos cheios de perguntas quanto à alimentação. Em inúmeras ocasiões
meus pacientes começam o relato de sua forma de se alimentar, fazendo perguntas:
doutor, é verdade que devemos comer a fruta antes do restante dos alimentos? É certo
que não se deve beber água durante as refeições? É recomendável comer uma vez por
mês a dieta do Pomelo?1 E rápido?
Há inúmeros livros sobre o tema e entre as conversas de amigos e conhecidos
sempre existe alguém que sentencia sobre algum hábito alimentício que supostamente
é melhor que os demais. Todos conhecemos algum vegetariano e, de vez em quando,
iniciamos uma dieta especial - a dieta do Dr. Atkins (baseada em alimentos ricos em
proteínas), a dieta macrobiótica2 ou zen (que em casos extremos chega a preconizar
alimentar-se exclusivamente de cereais), etc., etc. Até os que sofrem de alguma
patologia grave, sem resultados satisfatórios para o tratamento médico científico,
consultam com os especialistas em nutrição para que lhes informem a possível cura
com a nutrição ortomolecular, baseada em tratar enfermidades com suplementos de
vitaminas e minerais.
Pensamos que nossa tecnologia resolveu os grandes problemas da alimentação
e cremos radicalmente que o futuro será a base de comidas tecnológicas, com foco no
que chamam agora de “alimentos funcionais”, ou seja, comidas tecnológicas
modificadas em sua preparação de modo a seguir, em sua formulação, critérios mais
saudáveis, com o uso desses tipos de alimentos. E não estamos falando de alimentos
transgênicos e da evolução que podem proporcionar às nossas vidas.
Existem dietas baseadas na filosofia (vegetarianismo, dieta zen, dieta
ayurvédica2), em premissas pseudocientíficas (dieta mediterrânea, dieta da zona, dieta
por grupos sanguíneos), em critérios médicos (dietoterapia para distintas
enfermidades), em situações de catástrofes (dieta de sobrevivência), em prática
desportivas intensas (dietas pré, durante e pós-competitivas), etc. Contudo, algo não
funciona quando há mais alimentos do que nunca, mais informação do que houve em
toda a nossa história e, apesar de tudo, as principais doenças que acometem o ser
¹ NT: Dieta em que, ao longo de um ou dois dias, o único alimento é o pomelo, espécie de laranja
muito popular no Uruguai e na Argentina.
2
NT: Dietas baseadas na restrição calórica com objetivo de perder peso rapidamente, de 2 a 3kg por
semana. É rica em água e alimentos específicos. Ex.: dieta da sopa, do abacaxi, etc..
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
humano em nossa atualidade (enfermidades cardiovasculares, diabetes tipo II, etc.)
estão relacionadas à dieta. Temos que mudar o direção da história e enfrentarmos as
nossas teorias. Se estas falharem, algo falha miseravelmente.
Este livro foi escrito de uma forma independente (sem subvenções e sem
ninguém para pressionar, direta ou indiretamente, para dizer ou omitir algo), além de
manter o rigor intelectual. Portanto, e fiel a esse rigor, tenho que advertir ao leitor que
o conceito básico em que se fundamenta (a teoria dietética evolutiva) não deixa de ser
isso, uma hipótese sem a base experimental suficiente para sustentar a tese. Não
obstante, também é certo que se baseia em dados fortemente assentados no campo da
paleantropologia e em conceitos metabólicos e de tecnologia de alimentos que estão,
assim mesmo, claramente definidos e documentados. Não quis assumir a linguagem
científica e submeter o leitor não especializado ao tormento de citações e citações algo imprescindível, por outro lado. Todo o livro é, portanto, fruto da introspecção de
um pesquisador cujo currículo está livre de suspeitas.
A experiência desde os anos universitários, quando li minha tese sobre a
alimentação de ciclistas de competição, passando pelas centenas de estudos e
investigações nesse campo, unindo a milhares de entrevistas dietéticas realizadas com
esportistas e uma experiência enormemente satisfatória como professor da disciplina
de “ajudas ergogênicas” (substâncias que melhoram o rendimento desportivo sem ser
dopantes), tudo isso me serviu para sentar-me com tranquilidade, revisar documentos
e artigos e emitir minha opinião pessoal.
O livro argumenta o nosso passado e dá uma “olhada” no futuro, em que já se
discute a dieta nutrigenômica 3 . Cada definição, cada nutriente, cada possibilidade
alimentar tem seu olhar ao passado na definição “Solução Paleolítica”, na atualidade
como “Solução Aproveitando a Atual Tecnologia.” Dessa forma, o leitor pode
contrastar a capacidade (ou não) de adaptar a nossa alimentação à sociedade atual, ao
que os nossos genes nos condicionam. Agora, mais do que nunca, há que dizer que
“Somos o que comemos.”
3
NT: A Nutrigenômica é uma parte da ciência da nutrição que busca o entendimento da alimentação
(nutrientes bioativos) que afetam ou modificam o equilíbrio entre a saúde e a doença, por meio da
alteração da expressão e/ou da estrutura genética do indivíduo.
José Antonio Villegas García
2. A FOME
El comer mato a muchos, el hambre a casi ninguno
A primeira consideração a fazer quando falamos de alimentação é que falamos
de sobrevivência, ou seja, tocamos num ponto chave na nossa condição de seres
vivos. Nossos provérbios estão cheios de referências à fome, algo que a humanidade
associa desde a nossa origem. Algo assim: “Deixar de comer por haver comido não é
tempo perdido.”
A fome dizimou e fez desaparecer muitos hominídeos, nossos antepassados.
Quem sabe tenha sido o fator que mais influenciou a evolução da nossa espécie. Isso é
muito bem conhecido. Compartilhamos de um mesmo caminho, tanto é verdade que
nosso organismo tem dezenas de sistemas para evitar o desperdício de energia quando
há abundância.
As grandes fomes que assolaram os povos marcaram a história. Entre 1846 e
1851, mais de um milhão de irlandeses morreram de fome. A razão? A dependência
de um alimento, a batata. Devido às características agrícolas de sua produção (a batata
é a quarta planta de maior rendimento no mundo), os camponeses irlandeses
dependiam totalmente dela (dizia-se que na Irlanda um camponês consumia de 5 a 6
kg diários). Em 1846, depois de três semanas de chuvas, as plantações de batatas se
infectaram com um fungo e isso destruiu a cultura. A consequência não foi apenas a
morte de mais de um milhão de pessoas, mas também a maior emigração da história,
levando à América do Norte mais de 1,6 milhão de irlandeses. Depois da fome, um
movimento revolucionário, o fenianismo, que serviu de preâmbulo para a Guerra
Civil que culminou, em 1921, na criação do Estado Livre da Irlanda no sul da ilha.
Recordamos da Índia (mais de 1 milhão de mortes em 1943, em Bengala);
China, com mais de 15 milhões de mortes entre 1958 e 1961; África, com a grande
fome em O Sahel (região subsaariana habitada por nômades), entre 1968 e 1973. E no
momento de escrever este livro, milhões de pessoas morrem de fome na África e se
produz uma emigração massiva que leva milhares de cidadãos de países pobres
africanos às costas espanholas, com risco de perder a vida em travessias marítimas
mais parecidas com as dos séculos passados.
Pois bem, podemos aprender muito com estas situações dramáticas. Quando
um homem adulto africano fica sem alimentos suficientes por um período curto de
19
20
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
tempo (menos de um ano) e logo volta a comer adequadamente depois de uma
colheita, ele não sofre danos corporais. O organismo durante a situação de fome se
adapta, diminui o seu gasto energético, dorme mais, trabalha menos e perde o apetite.
Quando os alimentos existem, recupera a vontade de comer e começa a ter mais
vontade de trabalhar.
O organismo está preparado para passar fome!
O que acontece se o organismo não passa fome? E se come todos os dias mais
do que necessita? Olhando em nosso redor, há milhares de obesos (30% dos
espanhóis são obesos), má qualidade de vida, milhões de euros gastos para seguir
dietas em clínicas de emagrecimento, enfim, são sinais de que algo não vai bem.
Não estamos preparados para comer mais do que necessitamos!
Vamos buscar as razões para esta realidade epidemiológica, ou seja, vamos
investigar por que a população está enferma quando tem mais alimentos à sua
disposição. Para isso temos de lançar os olhos para trás, muito, muito atrás.
Os ciclos de fome e saciedade configuraram a nossa espécie (nossos
genes). Não estamos preparados geneticamente para assumir uma
alimentação que nos aporte mais energia do que gastamos.
José Antonio Villegas García
3. O QUE COMÍAMOS HÁ MILHÕES DE ANOS CONDICIONA
O QUE DEVEMOS COMER AGORA
El que no tiene experiência, que tenga imaginación
Nosso organismo apenas mudou desde o período paleolítico médio, mais de
40.000 anos. Nossa mente é a mesma do Homo sapiens sapiens que saiu de um “nicho
ecológico” (um nicho ecológico em biologia não é um espaço concreto e sim uma
abstração que envolve todos os fatores que são possíveis encontrar tal espécie em tal
habitat concreto), na África Central, há uns 150 mil anos, e povoou a Terra.
Há uma frase muito comentada na comunidade científica depois do êxito do
projeto genoma humano: “O homem socialmente está no século XXI, mas
geneticamente segue no paleolítico.”
Como a alimentação ancestral marcou o nosso organismo?
Há 1 milhão e meio de anos as chuvas diminuíram notavelmente e uma parte
do continente africano tornou-se mais seco. Ao diminuir os bosques, produziu-se
maior competição pelos espaços e muitos dos primeiros hominídeos (primatas
adaptados a posição bípede) se viram forçados a vagar pelas planícies, onde muitos
deles morreram.
Algo foi providencial. O efeito da glaciação não perdurou e, com isso, um
novo ciclo se repetiu e continuaram a abundância e a escassez. Nesse mundo acessível
para os primatas, há milhões de anos se produziu uma evolução tipicamente
arborescente com a aparição de distintos tipos de hominídeos e com uma
característica em comum, a bipedestação (capacidade de caminhar sobre os pés). Deuse então uma série de circunstâncias sobre cuja ordem em importância não há um
consenso, mas foram decisivos para chegar a nossa evolução atual. Ao caminhar
sobre as duas pernas, deixou livres as mãos, que adquiram uma posição única do
polegar que nos permite a ação de pinça e, com isso, a utilização e fabricação de
ferramentas precisas, muito úteis para a caça. Apareceu também a laringe,
permitindo-nos a fonação e a fala, o que nos permitiu uma comunicação precisa e
possibilitou nosso desenvolvimento social. Hominídeos que falavam, manejavam
21
22
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
ferramentas e caçavam em conjunto, comiam mais carne e podiam permitir-se um
luxo: desenvolver o cérebro.
Não sabemos com segurança o que começou primeiro, se foi o fato de comer
carne com maior facilidade, o que transformou nosso tubo digestivo e permitiu
desenvolver um órgão que consumia tanta energia, como nosso cérebro, ou se foi um
maior cérebro que desenvolveu táticas de cooperação e utilização de ferramentas que,
por sua vez, facilitaram a caça e, portanto, comer mais.
Atenção, leitor, para o sentido da frase “Mesmo que estejamos no
século XXI, seguimos geneticamente no paleolítico.”
José Antonio Villegas García
4. A VERDADE É QUE COMER MAIS CARNE NOS FEZ MAIS
INTELIGENTES
Olla con jamón y gallina, a los muertos resucita
A carne tem o que se denomina proteínas de alta qualidade. E o que são
proteínas de alta qualidade? São aquelas que são formadas por aminoácidos que não
podemos sintetizar naturalmente e que necessariamente temos que ingerir com os
alimentos. São os chamados aminoácidos essenciais.
Entre esses aminoácidos, houve um muito importante em nossa evolução, a
tirosina. Nosso cérebro sintetiza uma substância que a partir desse aminoácido tem
uma ação primordial na transmissão de impulsos entre os neurônios nas zonas mais
evoluídas, a dopamina. Há evidências de que determinadas condições de
termorregulação, nas áreas de forte calor africano de onde procedemos, unidas à
necessidade de uma intensa atividade física para caçar, somadas, logicamente, à
proteína de alta qualidade da carne de caça, aumentaram a dopamina e deram lugar a
uma expansão nas áreas mais modernas e complexas do cérebro humano.
Então, o cérebro é um órgão muito “consumidor” (consome muita energia).
Precisa de uns 20% de calorias totais ingeridas (10 vezes mais que qualquer outro
órgão). Havia que sacrificar o requerimento de energia de alguma outra parte do
corpo. Nesse caso, o prejudicado foi o aparelho digestivo, que diminui seu
comprimento, ou seja, a expansão cerebral que se produziu em nossa espécie só foi
possível com um encurtamento do tubo digestivo (um tubo digestivo curto é típico
dos carnívoros).
Os animais herbívoros têm tubos digestivos largos, porque grande parte da
energia que consomem se destina à manutenção desse órgão. Para reduzir o gasto
energético do tubo digestivo, nossos antepassados comiam mais carne, um alimento
muito mais fácil de digerir. Nossa inteligência crescente nos permitiu conquistar esse
alimento sem necessidade de modificar nossas unhas e dentes (caninos) para poder
mastigar a carne ou triturar os ossos como o resto dos predadores. Aprendemos a usar
ferramentas como pontas e lascas de pedras e depois aprendemos a “cortar” para que
estas fossem mais eficazes (se temos que cortar e mastigar carnes e não temos boas
presas, necessitaremos de ferramentas que as substituam).
23
24
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
O primeiro conceito claro em nutrição humana é, portanto, que somos
onívoros, ou seja, o vegetarianismo em nossa espécie é contra natura. Para segui-lo,
devemos recorrer a complementos protéicos e de algumas vitaminas (como a B12).
Isso não quer dizer que a decisão livre e soberana de ser vegetariano conduza
necessariamente a graves padecimentos, já que graças aos conhecimentos atuais
sabemos como complementar uma dieta deficitária e obter uma dieta equilibrada.
Significa, simplesmente, que não se pode sustentar que o vegetarianismo seja uma
volta à nossas origens.
O chamado Homo habilis completa dois milhões de anos. Foi o primeiro a
usar ferramentas para caçar; assim, podia cortar rapidamente os animais e transportar
a carne a um lugar seguro. Era imprescindível desenvolver táticas de caça e de
sobrevivência num meio hostil, sabendo que não éramos os animais melhor armados.
Então, surgiram a cooperação, a socialização e o trabalho de grupo.
Ter que viver em grupos e conviver preparando estratégias de caça nos
obrigou a sermos mais complexos. O Homo heidelbergensis (que derivou do homem
de Neandertal), que habitou a Atapuerca 4 há 500.00 anos, utilizava utensílios
complexos de caça e já tinha uma atividade social. Não obstante, a busca da caça
obrigava a um deslocamento constante seguindo as migrações dos herbívoros. As
populações de caçadores se mantinham em grupos reduzidos (o máximo que permitia
dividir os animais caçados) e a expectativa de vida rondava aos 40 anos.
Foi numa zona específica da ponta da África, onde um grupo de hominídeos
desenvolveu capacidades novas. Os machos caçavam enquanto as mulheres recolhiam
mariscos e pescavam nas ondas do mar vermelho. Elas davam esse mesmo alimento
aos filhos quando eles paravam de mamar. Estavam forjando, assim, o
desenvolvimento do cérebro do Homo sapiens sapiens.
O marisco e o pescado são muito ricos em um tipo de ácido graxo insaturado,
o chamado n3 ou ômega3 (fixem-se neste nome, falaremos mais adiante sobre ele).
Nosso cérebro está, portanto, muito adaptado a esse tipo de gordura. A partir desse
fato, produziu-se um maior refinamento nas assimetrias cerebrais e um aumento da
capacidade de “encefalização” (maior proporção do cérebro em relação ao peso do
corpo). É certo que tal salto evolutivo teve muito a ver com a termorregulação tão
4
NT: município da província de Burgos (Espanha), na comunidade autônoma de Castilla e Leon.
25
José Antonio Villegas García
fantasticamente conseguida em nossa espécie, que permitiu ao cérebro eliminar calor
quando o corpo aumenta a temperatura interna (pela ação da caça, por exemplo).
Deixamos à imaginação do leitor dimensionar a relação entre as
características caçadoras e sobretudo pescadoras do sapiens sapiens,
um aumento brusco de sua encefalização e a extinção do resto dos
hominídeos competidores.
Há uns 10.000 anos finalizou-se a última glaciação do Quaternári 5 , a
temperatura da terra subiu uns 5º C em alguns milhares de anos e como consequência
o degelo elevou o nível do mar, inundando as terras baixas, os melhores territórios de
caça do homo sapiens sapiens. Nova situação complicada e nova adaptação, esta vez
com um maior desenvolvimento cerebral. O homem encarou o desafio de criar
animais e plantar espécies cultiváveis. Nasceram, assim, a agricultura e a pecuária. As
populações deixaram de ser nômades, iniciou o desenvolvimento de cidades e
aumentou o número de membros nos grupos e, portanto, a complexidade social.
O manejo do fogo permitiu comer cereais, legumes e aproveitar partes da
carne de difícil digestão. Aumentou a esperança de vida e aderiu pela primeira vez a
alimentos “novos”, como o azeite (procedente de alimentos cultivados) e o açúcar
(procedente da cana e da beterraba), assim como o vinho
e demais alimentos
modernos.
O uso do fogo merece uma atenção especial porque marcou profundamente as
mudanças alimentares da nossa espécie. O conhecimento do fogo é muito antigo.
Talvez o tenham usado, esporadicamente, os hominídeos anteriores à nossa época, há
mais de meio milhão de anos. Contudo, foi o homo sapiens que conseguiu dominar o
fogo e aprendeu a usá-lo de acordo com os seus interesses. Com o fogo se podia assar
carnes, dando melhor sabor e ao mesmo tempo amolecendo as fibras para que se
pudesse mastigar com mais facilidade. Também se podia tostar os grãos (cereais) e os
legumes, fazendo-se comestíveis, aumentando desse modo as reservas de comida.
5
NT: Período Quaternário também denominado antropozóico, é o mais recente da história e abrange,
segundo alguns geólogos, 1,6 milhão de anos.
26
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Não se pode esquecer que os legumes são uma boa fonte de proteínas complementares
da carne e do pescado. Assim, não dependíamos tanto da caça. O fogo, além disso,
matava os germes e parasitas da comida, reduzindo as doenças, mas não só isso.
Também contribuiu com a nossa socialização, até entrar tanto em nossa memória
genética que atualmente uma boa churrasqueira é o ponto ideal de encontro da família
para as conversas do cotidiano. “Un cuento al abrigo de una buena hoguera! Que
escena tan profundamente homo sapiens!”
A figura 1: uma ilustração sobre essas mudanças tão drásticas em alguns
nutrientes (mas muito importantes)
Figura 1: Imagem cedida de Simopoulos AP, 2001
Foram tão grandes as mudanças (figura.1) que só podia resistir um animal
generalista (como nós somos). A maioria das espécies tem amplos nichos ecológicos
que, não sendo tão eficazes no aproveitamento dos recursos, tem a vantagem de ser
menos vulneráveis ao adaptar-se facilmente a novas situações, seja por mudanças no
ambiente físico, seja por entrar em competição com novas espécies. A essas espécies
(como a nossa), os ecologistas chamam de generalistas. Pois bem, as mudanças em
nossa alimentação foram tão profundas e em tão curto espaço de tempo que, quem
27
José Antonio Villegas García
sabe, não tivemos tempo de nos adaptarmos metabolicamente a elas, o que justificaria
a pergunta que fizemos no começo. Como é que agora que comemos de tudo e muito
mais do que nunca, temos tantas doenças relacionadas com a alimentação?
Em outras palavras, comemos muito mais gordura do que antes (mais calorias
inúteis pela ausência de outros nutrientes como vitaminas e minerais). Além disso, é
uma gordura “isenta” da que comíamos antes (muito mais gordura saturada e muito
poucos ácidos graxos ômega 3). Apareceram novas gorduras que são desconhecidas
pelo nosso metabolismo (gorduras trans) e ingerimos menor quantidade de vitaminas
e minerais (como as vitaminas C e E).
Temos, portanto, uma condição genética, de espécie, marcada por
milhões de anos de evolução, que nos mostra um tipo de alimentação de
referência, a chamada dieta paleolítica. E em que difere essa dieta da que
praticamos agora?
28
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
5. A ALIMENTAÇÃO ATUAL
Buen comer, trae mal comer
Nossa alimentação, neste momento, tem duas características opostas.
Por um lado, a globalização permite que possamos adquirir qualquer alimento
em qualquer época do ano, ou seja, não necessitamos esperar a colheita de inverno
para comer laranjas, podemos comer peixes processados industrialmente em lugares
remotos ou eleger o pão (por exemplo) entre as mais de vinte modalidades diferentes.
Por outro lado, a grande mudança em nossos hábitos gera uma alteração brutal
na ingestão de determinados nutrientes. Por exemplo, não se roem ossos e se elimina
qualquer espinha dos peixes (diminui o consumo de cálcio). Se descasca a fruta e se
tiram as sementes e, às vezes a pele, ao comer uva (por exemplo), o que diminui a
ingestão de substâncias com grande poder antioxidante. Eliminamos a fibra e
aumentamos a ingestão de açúcar; com isso, aumentamos as calorias acima dos
nossos requerimentos. Buscamos fundamentalmente o sabor dos alimentos (comer
converteu-se em um ato social; pensem nas refeições “de negócios”), com uma
entrada de grande quantidade de gorduras (que são as que dão o sabor). Não tomamos
mais sangue e apenas consumimos vísceras ( o que diminui a ingestão de ferro
absorvível), etc.
Com tudo isso, alteram-se mecanismos arcaicos de regulação da ingestão. A
maior ingestão de gorduras e carboidratos simples faz com que os alimentos sejam
menos saciantes, o que faz com que comamos mais. Além disso, praticamos menos
exercícios físicos. Um caçador-coletor
de um milhão de anos atrás realizava
exercícios físicos equivalentes a caminhar uma média de 20 a 30 km diários. Isso só
fazem os esportistas de fundo. Essa grande contradição proporcionou uma geração de
obesos. Nos Estados Unidos, se tudo seguir como está, calcula-se que, no ano de
2040, todos serão obesos (e nossa situação é cada vez mais parecida com a deles).6
A primeira grande
mudança
nos hábitos alimentares deu-se pelo
sedentarismo, com base no aparecimento da pecuária e da agricultura, há uns sete ou
oito mil anos. A criação de animais domésticos para seu consumo de carne em
espaços fechados mudou a ingestão de carne de caça (pobre em gordura) por carne de
6
NT: No Brasil, dados epidemiológicos sobre obesidade se aproximam cada ano dos níveis dos EUA.
29
José Antonio Villegas García
animais sedentários aos quais se buscava a obesidade (a gordura). Eram animais
basicamente ruminantes, com um tecido graxo rico em gorduras saturadas. A aparição
de sociedades humanas no interior dos continentes, sem o contato com a pesca, em
muitas vezes eliminou uma grande fonte de proteínas e gorduras ômega 3 (outra vez a
palavra; fiquem tranquilos, já explicaremos).
Finalmente, a agricultura introduziu os cereais em nossa alimentação,
aumentando as fontes de hidratos de carbono. Além disso, o manejo de fontes de
alimentação deu lugar às primeiras tecnologias dos alimentos, obtendo, assim, azeite
de girassol, soja, azeitonas etc., o que introduziu as gorduras de forma exagerada em
nossa ingestão diária.
Em um exercício de reflexão, pensemos em um hominídeo que durante
dezenas de milhares de anos se adapta introduzindo pouco a pouco mais carne em sua
alimentação diária (o tubo digestivo vai diminuindo e o cérebro, aumentando).
Todo o organismo foi se adaptando ao metabolismo de novas fontes
energéticas, mas mantendo muitos dos seus alimentos habituais, até então (insetos,
raízes, vegetais, frutas...). Se observarmos os nutrientes que compõe a ingestão de
alguns insetos em algumas culturas (Tabela 1), teremos a surpresa de ver que são
muito ricos em proteínas, cálcio e ferro.
Insetos
Besouro
gigante
Formiga
vermelha
Proteínas (g)
Gordura (g)
Carboidratos (g)
Cálcio (mg)
Ferro (mg)
19,8
8,3
2,1
43,5
13,6
13,9
3,5
2,9
47,8
5,7
Bicho da seda
Besouro
peloteiro
9,6
5,6
2,3
41,7
1,8
17,2
4,3
0,2
30,9
7,7
Grilo
12,9
5,5
5,1
75,8
9,5
Gafanhoto
Gafanhoto
gigante
20,6
6,1
3,9
35,2
5,0
14,3
3,3
2,2
27,5
3,0
Lagarta
6,7
6,2
1,9
28,2
13,1
Cupins
14,2
4,2
2,4
38,1
35,5
Besouros
6,7
4,8
1,8
40,6
13,1
Vitela (gado)
27,4
9,0
0
15,0
3,5
Peixe
28,5
7,0
0
41,0
1,0
Tabela 1 – A alimentação à base de insetos é uma boa fonte de proteínas, cálcio e ferro. Comparação
com a carne de vitela e o pescado.
30
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Quando já se havia adaptado a incluir mais carne em sua dieta, o homem se
torna pecuarista e agricultor e imediatamente se defronta com fontes de alimentos
desconhecidos para sua espécie: cereais, gorduras saturadas... A tecnologia se fez
mais precisa e ele já é capaz de produzir óleos (gordura desconhecida para ele),
descobre como armazenar carne e peixes no sal (aumenta o consumo de cloreto de
sódio) e também como obter açúcar (o grande descobrimento da humanidade). Em
poucos anos, sua dieta baixa drasticamente em proteínas e sobe em carboidratos
disponíveis e gorduras.
O que pode acontecer com um animal vegetariano se de um dia para outro lhe
damos carne? Teremos o fenômeno das “vacas loucas.” Utiliza-se um alimento
elaborado com carne de ovelha com uma enfermidade chamada “scrapie”
(alterações neurológicas muito graves provocadas por proteínas infectantes
chamadas príons) e a enfermidade acomete a espécie e afeta as vacas (com um
tubo digestivo preparado para a absorção de nutrientes de origem vegetal e não de
proteínas animais)
Em termos de nutrientes, essa revolução alimentar significou:
a)
A diminuição da porcentagem de ingestão protéica, passando a ser os
carboidratos e as gorduras a fonte principal de calorias.
b)
A mudança da fonte de gorduras, que passou de alta em ácidos graxos
poliinsaturados ômega3 a ser rica em gorduras saturadas.
c)
Uma outra alteração em relação à fonte de gorduras poli-insaturadas, que
passou a ser muito alta em ômega 6 (óleo de soja, milho e girassol) frente ao
ômega 3 (peixes).
d)
A forte diminuição das fibras, tanto solúveis como insolúveis.
e)
O déficit de vitaminas e minerais devido à diminuição da ingestão de
verduras, hortaliças e frutas.
José Antonio Villegas García
A seguinte grande mudança em nossa alimentação foi provocado pela sociedade
industrial com a aparição de alimentos processados.
Figura 2: Consumo (em calorias) de açúcar por pessoa ao dia entre os anos 1.700 e 2000 em
vários países.
Em termos de nutrientes, esta segunda revolução alimentar significou:
a)
O aparecimento de alimentos refinados e a grande explosão do açúcar e
derivados, o que resultou na perda da fibra que comíamos em nossas
refeições. (figura 3)
b)
O aumento dos alimentos com gorduras industriais e a presença de gorduras
trans (um tipo de gordura que está presente na natureza em pouca quantidade
e é muito utilizada pela indústria).
c)
A possibilidade de termos alimentos disponíveis em qualquer momento, o
que levou a uma ingestão hipercalórica.
31
32
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
PALEOLÍTICO
(mg/d)
USA (mg/d)
Relação
1622
12,2
87,4
1223
13,3
3223
10500
768
43,4
920
1,2
10,5
320
3,0
1510
2500
4000
12,5
1,8
10,2
8,3
3,8
4,4
2,1
4,2
0,2
3,5
MINERAIS
CÁLCIO
COBRE
FERRO
MAGNÉSIO
MANGANES
FÓSFORO
POTÁSSIO
SÓDIO
ZINCO
VITAMINAS
604
93
6,5
VITAMINA C
0,36
0,18
2
FOLATO
6,49
1,71
3,8
VITAMINA B2
3,91
1,42
2,8
VITAMINA B1
17,2
7,8
2,2
VITAMINA A
32,8
8,5
3,9
VITAMINA E
Tabela 2: Diferença na ingestão de minerais e vitaminas se compararmos a alimentação dos
caçadores coletores e de um cidadão de um país desenvolvido. Baseado em 3.000 kcal/d em
uns 35% derivados de animais e em 65% de plantas. Eaton SB, 2000.
Se compararmos a ingestão de vitaminas e minerais de um caçador-coletor do
paleolítico com a de um habitante moderno de um país desenvolvido (EUA), podemos
comprovar uma pobreza importante, em nossa dieta atual, na maioria das vitaminas e
minerais
E se observarmos o aumento do consumo de gorduras, é assustador.
Figura 3: Espetacular incremento no consumo de gordura ao longo do século passado.
José Antonio Villegas García
Comemos menos proteína, fibras, vitaminas e minerais e mais
carboidratos simples e gorduras que nossos antepassados. Além disso, a
gordura não é a que comiam os nossos antepassados há dezenas de
milhares de anos.
Há que ter em conta que as mudanças tão bruscas na alimentação (dezenas de
anos, frente a milhões de anos conformando nossos genes em torno de algumas
necessidades) não podem ser assumidas por nenhuma espécie animal. Nós não somos
uma exceção, contudo, é certo que nosso caráter de generalistas nos permitiu
sobreviver em condições de ausência quase total de alguma fonte energética, mas não
foram as fontes de proteínas, ácidos graxos essenciais, vitaminas ou minerais (um
exemplo proporcionam os Inuit, esquimós do Ártico, cuja dieta é basicamente
protéica).
Bem, já temos concluído o objetivo: mudamos a dieta que levávamos durante
dezenas de milhares de anos em duas ocasiões, a primeira há uns 8.000 anos e a
segunda (e também a mais drástica) há dezenas de anos (talvez 30 ou 40 anos). A
pergunta que devemos fazer é: conseguimos nos adaptar metabolicamente e
geneticamente a essas mudanças?
Vamos tentar responder à pergunta com fatos históricos e dados
epidemiológicos.
33
34
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
6. MUDANÇAS NA ALIMENTAÇÃO OCORRIDAS AO LONGO
DO TEMPO
Lo que a vida está, no necesita anteojos
Quem estudou os efeitos da alimentação no ser humano, aprendeu nas várias
ocasiões e na base de muito “sofrimento” como a realidade se transformou.
800.000 AC
100.000
60.000
9.000 - 8.000
7.000 - 6.500
6.500
5.500
539
Cronologia de acontecimentos
Homo antecessor em Atapuerca (Espanha). Dedicavam-se à busca de vegetais e à
caça (caçadores-coletores). Para trabalhar, usavam lanças e pedras. Esse hominídeo
não conhecia o fogo. Não viviam em covas, mas as utilizavam para proteger-se dos
predadores e do tempo.
Surge na África o Homo Sapiens Sapiens. Outros hominídeos durante algum tempo
como eles, como o Homo neanderthalensis, que aparece um pouco antes, desde
150.000 anos antes de Cristo. São caçadores-coletores e se adaptam muito bem as
condições climáticas e todo o planeta.
Cobre o planeta, constrói embarcações e utiliza ferramentas
Inicia-se a agricultura. Cultivo de cereais (trigo e cevada) na Jordânia e Síria.
Cerâmica na Mureybet (Síria). Cabras e ovelhas domesticadas no Irã e Jordânia.
Domesticação de bois no Mediterrâneo oriental. Domesticação do porco na
Anatólia. Aparição independente da agricultura no vale do Indú, Nova Guiné e
México.
Domesticação do gado na África. Data do primeiro produto têxtil que chegou até
nós. Primeiras comunidades agrícolas do sudeste da Europa. Cultivo da batata no
Peru.
Início da irrigação na Mesopotâmia
Os Persas conquistam o império neobabilônio. Põem-se em prática métodos para a
obtenção do açúcar em estado sólido
1.900
Descobrimento da América. Importação do cultivo da batata, milho, tomate e cacau,
entre outros
Napoleão utiliza conservas de lata para provisões de suas tropas. Começa a obtenção
do açúcar da beterraba na Europa. A confeitaria e a pastelaria na Europa desfrutam
de seu grande auge, com a aparição das pastelarias e confeitarias modernas, muito
parecidas com as que existem na atualidade
Começa a industrialização da comida e aprecem as gorduras “trans.”
1.950
Fica conhecida a “comida rápida”.
1.432 DC
1.800
1.988
Começam a produzir-se os alimentos transgênicos
A obesidade converte-se em uma “pandemia”. Começa-se a falar da síndrome X
1.990
(hoje conhecida com a síndrome metabólica), muito relacionada com o sedentarismo
e a obesidade.
Os alimentos funcionais tratam de diminuir os efeitos dos processos industriais sobre
2.005
os alimentos. Normativas da União Européia em torno dos nutracêuticos e alimentos
funcionais.
Tabela 3: Cronologia das mudanças na alimentação sofridos pelo ser humano. Nenhum outro habitante
de nosso planeta modificou tão drasticamente sua forma de alimentar-se ao longo da evolução. Nós nos
adaptamos?
José Antonio Villegas García
Nos anos de 1950-1953, os Estados Unidos estiveram implicados na chamada
Guerra da Coréia. Eram os anos do pós-guerra mundial, anos de fome em todo o
mundo, exceto nos EUA, onde se produziu um crescimento industrial acelerado e o
chamado “baby boom.” Os norte-americanos comiam quatro vezes ao dia e se
permitiam o luxo de enviar comida aos países que passavam fome. Na Espanha, nos
colégios, tomávamos no recreio um copo de leite feito com o leite em pó norteamericano.
Quando os forenses militares estudaram os mortos em combate, descobriram
com perplexidade que as artérias de seus jovens estavam cheias de uma material
amarelado. Os jovens saudáveis norte-americanos, que tomavam café da manhã com
ovos e toucinho, tinham uma enfermidade nova, a arteriosclerose, que passaria a
converter-se em uma das maiores causas de falecimento nos anos seguintes, a
cardiopatia isquêmica.
O pior deste tema aconteceria com as investigações posteriores em tribos que
viviam como nossos antepassados mais remotos. Esquimós, os quenianos Kikuyu ,
ilhéus das Ilhas Salomão, índios Navajo, pastores Masais, aborígenes australianos,
bosquimanos de Kalahari, nativos de Nova Guiné e pigmeus do Congo. Todos eles
tinham baixíssimos índices de enfermidades cardiovasculares. E mais, quando alguns
desses povos ancestrais mudavam o estilo de vida (e comida), como os ocidentais,
como os Inuits, que eram absorvidos pelo governo canadense, ou os aborígenes
australianos subvencionados pelo governo em reservas, tinham inclusive maiores
níveis de enfermidades que os cidadãos de países desenvolvidos. Foi o primeiro
alarme dietético do nosso estilo de vida ocidental.
“As gorduras saturadas podem matar.”
O estudo de estilos de vida e de alimentação de países ou zonas em que os
habitantes se conservaram mais sadios e viveram mais tempo foi motivo de pesquisas
nos anos posteriores. Uma destas zonas estudadas foi a ilha de Creta. Seus habitantes
tinham muito menos enfermidades cardiovasculares. A causa? A dieta à base de
peixes e frutos do mar (caracóis e mariscos), animais criados ao ar livre, borragem7 e
verduras silvestres, azeite de oliva sem refinar, vinho tinto e trabalho com
7
Borragem (Borago officinalis L.), é uma planta herbácea anual mediterrânea. Folhas e flores são
utilizadas na culinária em saladas, cozidas e refogadas
35
36
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
requerimento energético (pequenos agricultores, pescadores, comerciantes....).
Chamaram de dieta mediterrânea e começaram a recomendá-la para evitar os fatores
de risco da cardiopatia isquêmica que matava milhões de norte-americanos.
Claro, a notícia era muito interessante e não se podia deixá-la passar.
Rapidamente, todos os países banhados pelo mediterrâneo adotaram a dieta
mediterrânea. Área com litoral ao mediterrâneo e onde se bebia vinho tinto, se
utilizava azeite de oliva e se comia pescados, já era considerada “área saudável” para
comer dieta mediterrânea.
Uma pessoa que viva em Alicante (comunidade de Valência, Espanha),
trabalhe e almoce fora de casa, coma um prato de “fast food” (comida rápida), ingira
esporadicamente peixes (de piscicultura de criação, em muitas ocasiões), use azeite de
oliva, beba pouco vinho tinto, coma um tradicional cozido em algum fim de semana e
coma frutas descascadas e “tratadas”, não segue a dieta dos cretenses e só terá
vantagens se o compararmos com um centro-europeu que coma alimentos rápidos
(fast food), cozinhe com manteiga, alimente-se, a princípio, de carne vermelha (de
ruminantes), rica em gorduras saturadas, e coma poucas frutas. É evidente que esse
último cidadão é candidato em potencial a uma cardiopatia isquêmica, mas o
alicantino não poderá descartar o pior.
Se quiser ter hábitos saudáveis, deverá imitar o máximo que puder os
caçadores coletores que nos conformaram como somos. Observemos no seguinte
quadro as grandes diferenças entre distintos povos comparados com a dieta ancestral
Qual é a diferença?
Basta seguir as cruzes da tabela anterior e colocá-las onde deveriam estar.
Bem, já vimos que há dados incontestáveis de que quanto à alta ingestão de
gorduras saturadas não houve adaptação. Vamos repassar os recentes estudos
referentes às consequências da alteração em relação aos ácidos graxos ômega
6/ômega 3 (seguimos com estas denominações, mas fique tranquilo, leitor, em
seguida explicaremos melhor ao comentar as gorduras na alimentação).
37
José Antonio Villegas García
Alimento
Omega 3
Dieta
Humana
Paleolítica
Dieta
moderna na
Europa
Dieta
moderna
no Japão
Dieta
tradicional
dos Inuit
Dieta
Tradicional
dos
Aborígenes
Australianos
Animais
+++
+
domésticos
Alimentos
+++
++
processados
Cereais e
Leguminosas
+++
++
cultivados
Verduras e
hortaliças
++
++
cultivados
Animais de caça
++
++
++
++
Verduras e frutas
+
+++
+
++
salvagens
Pescado
++++
+++
+
+++
++++
++
Tabela 4: Comparação da ingestão de alimentos entre diversas épocas e culturas e sua relação com a
ingestão de ômega 3 (modificado de Stoll AL; The omega-3 connection: First Fireside Edition 2002)
Existe atualmente uma preocupação importante quanto aos fatores
epidemiológicos (relacionados com falecimentos de grandes grupos de populações) e
o grande aumento de enfermidades alérgicas, autoimunes e de componentes
inflamatórios crônicos nos países desenvolvidos. Pois bem, mesmo ainda sendo válida
essa investigação, já podemos apontar alguns dados muito contrastantes.
Por exemplo: podemos dizer que os Inuit, da Groelândia, que consomem
alimentos ricos em ômega 3, têm uma menor incidência de enfermidades
ateroscleróticas, ou seja, enfermidades que lesionam as artérias, mas também as
inflamatórias, autoimunes e mentais. Sabemos que a suplementação com óleos de
pescados reduz os sintomas da psoríase (uma enfermidade inflamatória da pele) e de
colite ulcerativa (neste caso, do intestino).
Mesmo assim, entendemos que a elaboração da resposta imunitária dos
lipídios da alimentação são chaves. Manipulando sua ingestão, alteramos a
disponibilidade do substrato da ciclooxigenase e da lipooxigenase 8 , duas enzimas
intermediárias no metabolismo lipídico para o controle do sistema imunitário. Além
disso, a membrana celular está composta de fosfolipídeos (uma molécula de glicerol
[glicerina], mais duas de ácido graxo e uma de fosfato), substâncias que compõem o
8
NT: enzimas do metabolismo lipídico envolvidas na síntese de eicosanóides, envolvidas em diversas
ações, como, proliferação celular, angiogênese, resposta inflamatória, vasodilatação ou vasoconstrição.
38
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
esqueleto das membranas de nossas células e que se alteram, portanto, podendo ser
modificadas com a ingestão dietética de gorduras.
A membrana celular é chave para a comunicação da célula com seu entorno.
Ela reconhece as substâncias alheias ao organismo frente aos quais nos defendemos
com anticorpos, ou simplesmente, destruímos por contato. É, portanto, responsável
por defendermos adequadamente do que pode nos matar.
Quando se modificam as propriedades dessa barreira celular de tanta
importância, produzem-se respostas anormais, seja por deficiência (baixa imunidade,
infecções e câncer), por excesso (enfermidades alérgicas) ou por erro no
reconhecimento de nossa própria identidade (doenças autoimunes).
Temos argumentos, portanto, para imputar à dieta atual ao menos uma parte
importante das doenças de componente inflamatório e imunitário. Se unirmos a dieta
ao sedentarismo, teremos uma mescla explosiva. Que tal a síndrome metabólica (que
soma ambos os fatores)? Uma em cada cinco pessoas apresenta grave risco de
desenvolver doenças como o infarto do miocárdio, a hipertensão, a diabete do tipo 2,
etc..
A ingestão alterada de carboidratos (altas taxas de carboidratos disponíveis e
muito baixas de fibras) e o desequilíbrio nas gorduras colaboram com esses
padecimentos via eicosanóides. Essa palavra técnica compreende um grupo de
substâncias derivadas dos ácidos graxos insaturados de vinte átomos de carbono
(eicosa é um prefixo grego que significa vinte). São mediadores locais, ou seja,
substâncias que o organismo produz em um lugar para provocar uma ação específica por exemplo, regular a pressão de nossas artérias.
O que é interessante do ponto de vista da alimentação é que se pode alterar a
ação dessas substâncias modificando a dieta, de modo que uma alimentação rica em
carboidratos disponíveis (bolos, biscoitos, açúcar...) e ácidos graxos insaturados do
tipo ômega 6 significaria prejudicar as ações naturais dessas substâncias. Contudo,
uma ingestão adequada de carboidratos complexos (batatas, massas, arroz...) e ácidos
graxos ômega 3 iria favorecer uma ação adequada do organismo.
Este é o argumento da chamada “Dieta da Zona” 9 , que busca diminuir a
produção dos eicosanóides que favorecem os fenômenos inflamatórios (pense, leitor,
8
NT: criada pelo Dr. Barry Sears, cujo princípio é manter os níveis de insulina no sangue estáveis e se
baseia no equilíbrio entre proteínas, carboidratos e gorduras. Isso significa que a ingestão diária dos
alimentos deve provir de 40% de carboidratos, 30% de proteínas e 30% de gorduras, sendo por isso
conhecida como a dieta dos 40-30-30.
José Antonio Villegas García
que as enfermidades que têm um componente inflamatório não se limitam às comuns,
finalizadas em "ites" (artrites, pericardites....), e sim, a uma grande maioria de nossos
padecimentos (por exemplo, hoje em dia se considera a enfermidade das artérias
como uma doença inflamatória).
De fato, as enfermidades inflamatórias que se tornam crônicas se caracterizam
por uma desregulação do organismo, que não é capaz de limitar o fenômeno
inflamatório, desencadeando uma série de reações que produzem alterações muito
mais graves do que a que desencadeou a primeira reação. É o caso da psoríase, da
enfermidade de Crohn (inflamação intestinal crônica), das escleroses múltiplas etc.
Ao fim e ao cabo desse dilema: a natureza nos preparou evolutivamente para
uma série de reações químicas e, para realizá-las, necessita da presença dos substratos
necessários. Se há falta de alguns, ou há alguns que não deveriam estar ali, ou em
quantidades que não são o que o nosso organismo manipulou durante milhões de
anos, então ocorrem problemas de formulação e, ao final, o produto não é o desejado.
A nova pergunta que deveríamos formular é se podemos nos adaptar às
mudanças das novas reações químicas, e, nesse sentido, a resposta é simplesmente
que não tivemos tempo. Não há, portanto, adaptação da nossa química interna às
mudanças alimentares recentes.
Com uma afirmação tão categórica, alguém pode perguntar: por que não existe
um consenso científico e se tomam providências drásticas aumentando impostos a
determinados produtos, realizando campanhas de informações, etc. etc.? Não seria
razoável que as fábricas que vendem produtos como as bebidas açucaradas ou as
comidas industriais pagassem um imposto extra?
Bom, os primeiros passos acontecem pouco a pouco, de modo que a GrãBretanha, por exemplo, em 2006 proibiu a venda desses produtos nos colégios. Por
outro lado, se pensa em subvencionar frutas e verduras destinadas às cantinas
escolares. Algo começa a mudar...
É tão grave? Por acaso não poderíamos nos habituar pouco a pouco? As novas
tecnologias e os alimentos light, funcionais e transgênicos não podem nos salvar dessa
situação sem que tenhamos de comer o que não gostamos?
39
40
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Há dois argumentos que justificam a indecisão das autoridades
sanitárias mundiais. Por uma lado, as pressões das multinacionais que
comercializam os produtos, agricultores, intermediários... Milhões de
pessoas podem ser afetadas gravemente se o “alarme” não for
justificado. Em nossa sociedade existem tantos fatores que modificaram
nosso habitat que é muito difícil esclarecer cada ação. Recordemos que
nos anos 50 as tabacarias diziam que fumar não era mais perigoso que
tomar um café. Foi preciso dezenas de anos, milhares de mortes diretas,
sentenças judiciais e um grande alarme sanitário para que a União
Européia proibisse a publicidade do cigarro e reformulasse as relações
comerciais desse mercado
A resposta está no vento (como dizia Bob Dylan), e o vento do progresso nos
trouxe os conhecimentos atuais em genômica. Agora sabemos que alguns dos
componentes da dieta participam ativamente da regulação da expressão genética. O
genoma humano é sensível à área nutricional, de forma que alguns genes podem
modificar-se em resposta aos componentes da dieta. Em um futuro próximo,
poderemos estabelecer nossa dieta em função das nossas tendências de enfermidades.
Será uma dieta individualizada e, muitas vezes, à base de alimentos novos
(nutracêuticos).
Expliquemos esse tema, que ainda é novo e fundamental. Para isso, vamos
explicar alguns conceitos como gene, genoma, expressão gênica, etc.
José Antonio Villegas García
7. A NUTRIGENÔMICA É NOSSA ESPERANÇA
El dia que el pobre come merluza, está malo él o la merluza
Vamos repassar alguns conceitos necessários para entender as palavras que
acabamos de escrever. Um gene é uma sequência linear de nucleotídeos. Um
nucleotídeo é um dos constituintes do DNA e do RNA. Consta de uma base
nitrogenada (adenina, guanina, citosina e timina ou uracila), mais uma molécula de
açúcar de cinco átomos de carbono (pentose) e um ácido fosfórico. A união da
molécula de ácido fosfórico ao açúcar de outro nucleotídeo, cuja molécula de ácido
fosfórico está, por sua vez, unida ao açúcar de um terceiro nucleotídeo, gera cadeias
de milhões de nucleotídeos. Assim se forma o ácido nucléico, que, segundo a base
nitrogenada (adenina, guanina, citosina e uracila) e o tipo de açúcar (ribose ou
desoxirribose), dá lugar a DNA ou RNA.
O RNA difere, portanto, do DNA quando a pentose dos nucleotídeos
constituintes, em lugar de uma desoxirribose, é uma ribose; e em lugar das quatro
bases nitrogenadas presentes, aparece uracila em lugar da timina (figura 5). As
cadeias de RNA são mais curtas que as de DNA (o RNA está constituído por uma
única cadeia). Todos os seres vivos do planeta utilizam os mesmos tipos de ácidos
nucléicos, o que é uma prova indiscutível da nossa origem comum.
Já sabemos, portanto, que um gene é uma sequência de nucleotídeos de DNA
ou RNA e que é essencial para realizar uma função específica em nosso organismo.
O cromossoma é o material microscópico constituído por DNA que se
encontra em um núcleo das nossas células e o genoma é todo o material genético
contido nos cromossomos. Sabe-se que 99,9% da sequência do genoma humano é a
mesma para todas as pessoas, e agora começamos a conhecer pequenas diferenças de
uma base (já sabem, a adenina [A], timina [T], guanina [G], citosina [C]) que podem
justificar doenças graves.
Sabemos que aproximadamente 2% do genoma codifica instruções para a
síntese de proteínas. Trata-se da expressão gênica, um processo muito complexo
mediante a qual acontece a síntese de uma cadeia polipeptídica a partir da informação
hereditária contida no gene correspondente.
41
42
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Figura 4: Estrutura do DNA ( imagem de domínio público)
A informação genética no DNA se transcreve a uma molécula de RNA
chamada de mensageiro, a qual é processada para dar uma molécula de RNA maduro.
Este RNA mensageiro é transportado desde o núcleo até o citoplasma, onde é
traduzido para a síntese de uma proteína. Potencialmente, a expressão de um gene
pode ser regulada em qualquer das etapas, que vão desde sua transcrição até a síntese
da proteína ativa. Pois bem, esse rigoroso e variado sistema de controle está
influenciado pelo estado nutricional do indivíduo. E como!
Por outro lado, nem todos os genes se expressam ao mesmo tempo nem em
todas as células. Há só um grupo de genes que se expressam em todas as células do
organismo e proteínas que são essenciais para o funcionamento geral das células. O
resto dos genes se expressam ou não nos diferentes tipos de células, dependendo da
função da célula em um tecido particular. Dessa forma, as respostas ao ambiente ou
aos processos de desenvolvimento não funcionam frequentemente como consequência
da ativação de um único gene em um único momento, local ou condição determinada.
É necessária, frequentemente, a expressão coordenada de um conjunto desses
para que se tenha lugar de efeito. Estes dois fatos complicam ainda mais as coisas e
nos confirmam a importância da expressão gênica.
José Antonio Villegas García
Assim, como a genômica segue lendo a linguagem de 4 letras (A, T, C, G),
outra disciplina, a proteômica, se encarrega de traduzir esse código de aminoácidos,
ou seja, as proteínas.
Já sabemos o que é um gene, o que é um genoma e o que é um proteoma. Com
o que vimos, podemos também vislumbrar a importância da proteômica como fator
transcendental na doença, e vimos que sua gênese é muito dependente de fatores
ambientais, entre os quais há dois importantíssimos: a dieta e o exercício físico.
Existe um critério muito simplista segundo o qual a importância da
alimentação se baseia em dar ao organismo os nutrientes de que necessita para obter
energia (carboidratos), construir órgãos e músculos (proteínas) e manter as reações
metabólicas (vitaminas e minerais). Segundo esse critério, o básico em nutrição é
ingerir os alimentos que contêm os nutrientes de que necessitamos, ponto.
Agora sabemos que não é assim, em absoluto. As variações genéticas
individuais podem alterar o modo de como os nutrientes são assimilados,
metabolizados, armazenados ou excretados por parte do organismo. Além disso, os
próprios nutrientes podem modificar a expressão genética, proporcionando que
determinados genes (alguns determinantes de enfermidades) cheguem a expressar-se
ou não.
E assim, os genes (que conformam a nossa condição humana), apresentam
variações individuais que justificam as diferentes formas de enfrentar um meio hostil
que uns e outros apresentam (diante de uma mesma transgressão dietética uns
adoecem antes). Também o meio ambiente modifica sua expressão genética, o que
explica, por exemplo, por que adoece um aborígene australiano que se integra
rapidamente à vida ocidental.
Em outras palavras, a dieta deve ser individualizada em função das
características genéticas próprias, deve contemplar nossos antecedentes
pré-históricos e adaptar-se às condições específicas do lugar em que se
vive, e deve desenvolver-se em um meio ambiente favorável (exercício
físico). Quase nada! (o mesmo que dizem todos os gurus das dietas)
43
44
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Sabiam que os grupos étnicos com maior risco de padecer de diabetes são os
afro-americanos, os nativos do Alasca, os índios americanos, os asiáticos americanos,
os hispano-americanos e os americanos das Ilhas do Pacífico que adotam um estilo de
vida ocidental?
Dessa forma, fica claro que a constituição genética individual não
predetermina a nossa saúde e a nossa qualidade de vida. O meio ambiente atua de
forma muito importante mediante a possibilidade de expressão genética (pode-se
dizer que um gene ou um grupo de genes que nos predisponham a morrer de câncer
poderão gerá-lo, se o meio ambiente for favorável). Pois bem, os dois fatores
ambientais que mais determinam a expressão favorável ou não, são a dieta e o
exercício físico, dois fatores em que podemos interferir. Não existe razão para que os
governantes que têm a responsabilidade da saúde pública não atuem de forma
decidida sobre estes dois fatores. O homem não é livre de fazer exercícios físicos ou
não, nem é livre de comer inadequadamente ou não (se quiser ter uma boa qualidade
de vida).
Agora, portanto, sabemos que existem ações de alguns componentes da dieta
sobre o genoma humano, por exemplo, a genisteína (uma isoflavona da soja) que se
une aos receptores do estrógeno no núcleo das células, especialmente o ERβ1
produzindo ações miméticas dos estrógenos sobre a maturação dos osteoblastos
(células formadoras de ossos), que é de especial importância às mulheres que
enfrentam a descalcificação óssea na menopausa.
Sabemos, também, que em algumas pessoas a dieta pode ser um fator de risco
para algumas doenças. Por exemplo, uma dieta rica em carboidratos simples
provocará picos de insulina no plasma, que, junto a uma ingestão de ácidos graxos
ômega 6 e baixa de ômega 3, provocarão um aumento de eicosanóides das séries 2 e
4, potentemente pró-inflamatórios (já comentamos anteriormente). Ante qualquer
gene que predisponha essa pessoa a sofrer de patologias de componente inflamatório,
a ação ambiental favorecerá a expressão desses genes e aparecerá a doença. Em
ambos os casos, a ingestão de soja no primeiro caso e a de alimentos como os
pescados na segunda, poderiam modificar o curso da doença, se os sintomas já
estivessem aparecendo.
A influência da alimentação sobre a expressão dos genes, ou nutrigenômica, é
de grande importância como método fundamentalmente preventivo. São imensas as
possibilidades que nos abrem a nutrigenômica, mas isso não significa que não
José Antonio Villegas García
possamos comer um determinado alimento em uma determinada ocasião (como
parece que se deduz da publicidade dos alimentos funcionais). Ainda faltam mais
pesquisas aos especialistas da área para programar as dietas individuais e estas devem
seguir durante muito tempo para ser efetivas. Não podemos inferir a certeza da
prevenção com o uso de determinados alimentos, mas, sim, que seu consumo possa
levar a um menor risco de desenvolvimento ou piora da doença.
O exemplo mais claro de uma patologia fruto da interação entre genótipo e
dieta é a diabetes tipo II, que acomete os adultos obesos e sedentários. Nesse caso, a
sintomatologia pode ser controlada realizando exercícios físicos e modificando os
hábitos alimentares. Vivemos um momento de um novo conceito: “comer para nos
curarmos!” Entretanto, deveríamos aplicar o que sabemos e comer bem para evitar
adoecer.
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46
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
8. PODERÍAMOS SEGUIR UMA DIETA PRÓXIMA DA DIETA
PALEOLÍTICA?
Cuando salta la liebre, no hay galgo cojo
Vamos identificar as razões para tentar nos aproximar desse tipo de dieta,
tendo em conta as atuais circunstâncias. Para isso, estudaremos cada um dos grandes
nutrientes (macronutrientes) da dieta onívora humana e veremos a interpretação
paleolítica e tecnológica de maneira que nossa dieta seja a mais próxima possível de
uma “dieta saudável.”
MACRONUTRIENTES
Carboidratos (Glicídios) e Fibras
Talvez seja o ponto mais simples, já que na dieta paleolítica eles apenas existam.
Sabemos que o aparelho mastigatório e o intestino humano não estavam preparados
para alimentar-se de alimentos ricos em hidratos de carbono (cereais).
Os carboidratos (glicídios ou açúcares), são uma família de moléculas compostas
de carbono, hidrogênio e oxigênio. Contém 4 quilocalorias por grama de peso seco
(uma quilocaloria é uma unidade de energia que se define como uma quantidade de
calor necessário para elevar a temperatura de 1 grama de água). São, portanto, um
alimento fundamentalmente energético, de modo que quando não se necessita dessa
energia que é produzida, uma pequena parte se armazena no fígado e músculos como
glicogênio (um complexo de moléculas de glicose) e o resto se acumula como tecido
adiposo, ou seja, gordura.
Observemos um detalhe mais importante. O homem paleolítico comia poucos
carboidratos, e os que comiam eram derivados da ingestão de glicogênio (nos animais
de caça), alguns monossacarídeos das frutas e de polissacarídeos com amido
(verduras) e sem amido (fibras). Contudo, realizavam muitas atividades físicas e
tinham grandes requerimentos de energia.
O homem atual come muito mais carboidratos, que em sua maioria derivam de
polissacarídeos com amido (batatas, cereais) e dissacarídeos (açúcar comum). Além
José Antonio Villegas García
disso, gasta muito menos energia. Resultado? Em que se transformam os carboidratos
que não são utilizados como energia? Gorduras e obesidade.
Quero fazer um inciso neste ponto, já que sei que o assunto torna-se um pouco
cansativo ao leitor pouco ligado aos termos técnicos, pois é muito significativa a
importância do que comentamos em termos de dieta evolutiva. Trata-se de um
carboidrato pertencente aos chamados açúcares ácidos, que é o ácido siálico (trata-se
de um carboidrato de 9 carbonos, componente estrutural e funcional de vital
importância nos gangliosídios cerebrais e que desempenha um papel primordial na
transmissão nervosa, no desenvolvimento da memória e da comunicação entre as
células).
Pois bem, existe uma família de compostos pertencentes a este grupo chamada de
ácido N-glicolilneuramínico (Neu5Gc) que tem uma especial relevância já que é uma
das poucas biomoléculas que diferencia o ser humano de outros primatas superiores.
A questão é que nós não podemos formar esta substância porque não temos a enzima
que a forma (o gene nós temos, mas em algum momento, há milhões de anos, deixou
de se expressar).
Isso significa que não havia no tecido dos hominídeos e sim nos monos como o
chimpanzé (este tema tem uma grande importância paleantropológica porque é das
poucas diferenças existente entre os primatas e nós). Pois bem, os hominídeos não a
têm. Entretanto, em nós, encontra-se em pequenas quantidades. Parece que a origem
dessa presença pode ser a dieta, já que é muito mal digerida e pouco absorvida, e se
acumula nos tecidos. O ruim é que é uma substância com poder antigênico e pode
estar relacionada com tipos de doenças que se supõe seja uma autêntica praga - as
doenças autoimunes e inflamatórias. Sabem quais alimentos contêm uma quantidade
significativa dessas substâncias?
Atentem-se nas quantidades de Neu5Gc resultantes de diversos alimentos, se
os ingeríssemos diariamente: 10.000 microgramas para carne bovina; 5.000 para
carne de porco ou carneiro; 5.000 para o queijo de cabra; 800 para salmão; 700 para o
leite de vaca. Seria apenas de 20 a 30 para carne de galinha ou peru, atum e bacalhau,
sendo 0 para frutas, hortaliças e legumes
Os carboidratos não disponíveis, a princípio chamados alimentos “ricos em
amido”, incluem:
-
Os pães e cereais integrais(recentes em nossa evolução)
-
As verduras ricas em amido
47
48
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
-
Os legumes
Os carboidratos simples, que contêm vitaminas e minerais, se encontram em forma
natural em:
-
Leite e derivados (recentes em nossa evolução)
Os carboidratos simples também se encontram nos açúcares processados e refinados
como:
-
Nos doces (muito recentes em nossa evolução)
-
O açúcar de mesa (muito recentes em nossa evolução)
-
Os xaropes ( muito recentes em nossa evolução)
-
As bebidas refrescantes e energéticas (muito recentes em nossa
evolução)
É para se ter em conta nossas bruscas mudanças dietéticas, não?
Classificação de carboidratos de uma dieta
monossacarídeos
dissacarídeos
oligossacarídeos
polissacarídeos
glicose, frutose, galactose e manose
sacarose (açúcar refinado), lactose e maltose
maltodextrina e frutooligossacarídeos
amido: amilose e amilopectina
sem amido: celulose, pectinas e inulina
Tabela 5: Diferentes tipos de carboidratos. Os de alta carga glicêmica são os mono e
dissacarídeos. Os não digeríveis (fibra) são a celulose, pectinas e inulina.
Os carboidratos sofrem um processo digestivo que os transforma em glicose.
As moléculas de glicose acabam numa grande quantidade de energia química (uma
colherada de glicose contém suficiente energia para elevar a temperatura de um litro
de água em uns 15º C).
Também podemos obter energia das gorduras e das proteínas, mas uma parte
do nosso organismo depende exclusivamente da glicose como fonte energética: nosso
sistema nervoso, nosso cérebro.
Essa grande dependência para manter estável o nível de glicose no sangue é
um objetivo muito importante para nós que usamos dois hormônios para sua
regulação: a insulina e o glucagon. A diminuição de produção de insulina dá lugar a
uma das enfermidades mais graves: o diabetes (ou a diabete).
José Antonio Villegas García
A ingestão de carboidratos alterou-se substancialmente com o descobrimento e
o manejo do fogo e da agricultura. Ao começar a agricultura e a reunião de espécies
em rebanhos domesticados, há uns 10.000 anos, o caçador nômade de antigamente
pôde armazenar grandes quantidades de alimentos vegetais, tais como sementes e
tubérculos, e dispor para seu consumo de uma quantidade de carne e leite. Fabricaram
moinhos para triturar, em primeiro lugar cereais “selvagens” e, posteriormente,
cereais cultivados.
A disponibilidade desse abastecimento conferiu ao ser humano uma certa
segurança de poder alimentar-se a longo prazo, entretanto, com seu estilo de vida, os
primeiros caçadores-coletores não dispunham de uma reserva de alimentos. Ao dispor
de maior fornecimento de comida, o homem agrícola pôde estabelecer-se em
povoados e ter mais filhos (mas recordemos o preço que essa dependência alimentar
provocou na fome irlandesa).
O problema surgiu ao aparecerem os chamados hidratos de carbono simples,
ou seja, o açúcar. Esse alimento é muito recente, aparecendo no ano 600,
provavelmente, com a manipulação da cana-de-açúcar no império persa. No início,
era muito raro e chegava, inclusive, a ser utilizado como droga.
A presença do açúcar em nossa cultura é tal que o consumo em outras épocas
era de apenas 5 kg por habitante ao ano; na atualidade, chega a 60 kg. Que nos
oferecem o açúcar e os alimentos que o contém de forma predominante, como os
doces, sobremesas, bebidas, etc..?
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Diminuir e, na medida do possível, até eliminar o açúcar e derivados de nossa
alimentação. Os carboidratos não devem superar em 40% as calorias totais, e
devem proceder, na sua maioria, dos vegetais - hortaliças e frutas.
Definitivamente, não comer açúcar e diminuir o consumo de cereais e tubérculos.
Essa solução é pouco realista, já que em nossa cultura atual se utiliza o açúcar
para tudo, além de os cereais constituírem uma fonte primordial de calorias que
ingerimos. Somente alguns determinados grupos podem estar sensibilizados para
seguir uma dieta de restrição total do açúcar e derivados (enfermos, esportistas de
alto nível, modelos...)
49
50
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
SOLUÇÃO APROVEITANDO A ATUAL TECNOLOGIA
Acostumar-se a comer os alimentos menos adocicados (guerra às “chupetas”
envoltas em açúcar, os refrigerantes para as crianças; guerra aos doces
apresentados como sobremesas). Aumentar a fibra mediante preparados em fibras
solúveis e insolúveis. Estudar a chamada “carga glicêmica dos alimentos” e comer
os de menor “carga.”
Densidade nutricional
Nutrientes
Macronutrientes
Gordura Total
Gordura saturada
Colesterol
Total de Carboidratos
Fibra dietética
Proteínas
Vitaminas
387 Kcal/ 100g
0
0
0
99,9 g
0
0,1 g
Qualidade Protéica
Aminoácidos essenciais
Triptofano
Treonina
Isoleucina
Leucina
Lisina
Metionina+Cisteína
Fenilalanina+Tirosina
Valina
Histidina
% do Ideal mg/g
0
0
0
0
0
0
0
0
0
Minerais
Vitamina A
0
Cálcio
0
Vitamina C
0
Ferro
0
Vitamina D
0
Magnésio
1 mg
Vitamina E
0
Fósforo
0
Vitamina K
0
Potássio
6 mg0
Tiamina
0
Sódio
4 mg
Riboflavina
0
Zinco
0
Niacina
0
Cobre
0
Vitamina B6
0
Manganês
0
Folato
0
Selênio
0
Vitamina B12
0
Ácido Pantotênico
0
Tabela 6: Conteúdo em nutrientes de 100g de açúcar refinado (fonte Tabela Taco - Brasil) (sacarose)
Acima, a tabela representa os valores do açúcar comum (sacarose), tal como
publica a base de dados de alimentos da Agricultural Research Service dos EUA.
Tudo zerado em todos os nutrientes, exceto nos carboidratos e nas calorias, claro. Ou
seja, calorias vazias. Esse é o alimento que comemos ao ingerir os doces, tortas,
bebidas açucaradas, alimentos adocicados (chocolates, etc.) (Tabela 6). O equilíbrio
na ingestão de carboidratos tem, pois, duas soluções:
51
José Antonio Villegas García
A resposta glicêmica dos alimentos é um tema atual muito estudado na origem
das investigações em pacientes com diabetes. Os monossacarídeos e os dissacarídeos
são chamados também de açúcares simples, pelo sabor doce e pelo tamanho da sua
molécula. Os polissacarídeos são também chamados de carboidratos complexos, por
serem constituídos por cadeias de mono e dissacarídeos.
Carboidratos simples são a glicose, frutose, sacarose (açúcar de mesa), lactose
(açúcar do leite).
Carboidratos complexos são os amidos (batatas, arroz, massas, cereais...) e a
fibra.
Antigamente se pensava que um diabético devia comer carboidratos
complexos para evitar a hiperglicemia que produzem os simples. Nos anos 80,
descobriu-se que a resposta glicêmica dependia, por sua vez, de uma série de fatores,
tais como a estrutura do próprio hidrato de carbono, a velocidade de esvaziamento
gástrico ou a acessibilidade dos carboidratos nas enzimas digestivas, fatores que
condicionam a rapidez da absorção intestinal. Desse modo, a facilidade maior ou
menor ao ataque enzimático do carboidrato está influenciada pela técnica culinária
empregada, sendo que o esvaziamento gástrico está mais relacionado com a
integridade do grânulo de amido e o grau de gelatinização 10 (Tabela 7).
Natureza do componente
monossacarídeos
Natureza do amido
Processo de cozimento
Outros componentes do alimento
Glicose, frutose ou galactose
amilose e amilopectina
Interação entre amido-nutrientes
Amidos resistentes
Grau de gelatinização do amido
Tamanho das partículas
Forma do alimento
Estrutura celular
Gorduras e proteínas, fibras presentes,
antinutrientes, ácidos orgânicos
Tabela 7: Fatores
que afetam a carga glicêmica de um alimento ou grupos de
alimentos ao se alimentar.
Observou-se que era um erro pensar que o maior ou menor índice glicêmico
simplesmente dependia de ser um carboidrato simples ou complexo. De fato, alguns
9
NT: Os grânulos de amido resistem às nossas enzimas digestivas. Ao cozinharem-se alimentos com
amido destrói-se a estrutura dos grânulos
52
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
carboidratos complexos, como as batatas, flocos de milho e o trigo produziam um
aumento da glicemia maior que alguns carboidratos simples como a frutose.
Nesse momento se estudou o índice glicêmico dos alimentos (IG) (Tabela 8) e
se elaborou uma tabela que incluía não só alimento por alimento, e sim, pratos e
misturas de alimentos, já que a interação entre os alimentos também modifica seu
índice glicêmico.
Pois bem, o índice glicêmico retrata com eficácia a capacidade de um
carboidrato para provocar uma resposta glicêmica, mas a magnitude desta depende
muito da quantidade de tal carboidrato. Introduziu-se, então, o conceito de “carga
glicêmica.”
EXEMPLOS DE ÍNDICE GLICEMICO
IG Baixo > 55, Médio < 55 - > 69, Alto < 70
Abacaxi
Abóbora
Alface
All Bran
Amendoim
66
75
10
60
15
Cuscuz
Ervilhas
Espaguete integral
Espaguete
Farinha de milho
93
68
37
41
69
Melancia
Mingau de Aveia
Musli
Nhoque
Pão branco
72
87
80
67
101
Arroz
91 Farinha de trigo
99 Pão de grãos
45
Arroz Branco
81 Feijão Cozido
69 Pão de trigo integral
69
Arroz integral
79 Frutose
54
32 Pêra
Arroz parboilizado
68 Glicose
42
100 Pêssego
Aveia
78 Inhame
73 Pipoca
79
Banana
83 Iogurte fruta
36 Pizza
33
Batata cozida
121 Kiwi
54 Pudim de leite
93
Batata doce
77 Lactose
72
65 Refrigerante
Batata frita
107 Laranja
62 Sacarose
87
Beterraba
64 Leite de soja
31 Soja
18
Biscoitos
90 Leite Desnatado
46 Sorvete
84
Bolos
87 Leite Integral
39 Suco de laranja
74
Brócolis
10 Lentilhas
38 Tapioca
115
Cenoura
49 Maçã
52 Trigo cozido
105
Chocolate
84 Mamão papaia
100 Uva
46
Corn Flakes
119 Manga
80
Crackers
99 Mel
104
Tabela 8: Alimentos em função de seu índice glicêmico. O índice utiliza a glicose como referência
de IG de 100. Modificado por Foster Powel e Miller. Comentário: Os índices de glicemia dados são
valores fixos. Representam uma classificação que se baseia no processo de produção e preparação da
comida. (EUROPEAN COMISSIÓN, 2001).
José Antonio Villegas García
A Carga Glicêmica (CG) é calculada multiplicando o índice glicêmico de um
alimento pela quantidade de hidratos de carbono que possui e dividindo-o por 100.
CG = IG x % carboidratos por porção.
Por exemplo: Uma maçã tem um IG de 38 e contém aproximadamente 16
gramas de hidrato de carbono por porção. Sua carga glicêmica é: (38 x 16)/100 =
6,08. Uma banana tem um IG de 52 e 23,1 gramas de hidrato de carbono por porção.
Portanto, sua CG é: (52 x 23,1)/100 = 12
Isso significa que a resposta glicêmica será duas vezes maior se comermos
bananas que maçã. Além disso, a demanda insulínica para metabolizar a banana
também será duas vezes maior (Figura 8).
Esse aspecto da demanda de insulina que gera o aumento de glicose no sangue
é muito interessante. A insulina é um hormônio secretado pelo pâncreas, cuja função é
aumentar o consumo de glicose pelo organismo quando se ingere algum tipo de
alimento. A glicose é um grande combustível, e de rápida utilização, gera poucos
resíduos (água) e tem uma grande eficiência energética. Mas tem dois grandes
problemas. O primeiro é que se a quantidade de glicose cai, o cérebro sofre
demasiadamente com isso. O segundo problema é que, para compensar essas
possíveis baixas, decorrentes da ausência de alimentos, não podemos armazenar
quantidades tão altas como ocorre com as gorduras. No caso da glicose, o
armazenamento se realiza em forma de um conjunto de moléculas de glicose
(glicogênio) e água e não chega a mais que 6% do peso total do fígado e de 1% do
músculo. Sendo assim, a autonomia do organismo fica restrita a poucas horas.
Nossa espécie evoluiu mantendo um órgão especialmente sensível à glicose, já
que é uma fonte energética primordial: o cérebro. Já comentamos aqui que essa
evolução gerou uma série de vantagens que superou em muito as desvantagens. Mas
os inconvenientes também se mantêm. O primeiro é a dependência da glicose, que nos
tornou muito vulneráveis a suas diminuições, decorrentes de um esforço físico intenso
(por exemplo, caçar). Para isso, nosso organismo exerce um controle muito severo
sobre a glicose, dedicando dois hormônios a seu controle (quando sobe a glicose
depois de uma alimentação, secreta-se insulina; quando baixa, glucagon).
Para saber a importância dos efeitos da diminuição da glicose no sangue
(hipoglicemia), basta ter em conta que, se um médico receber uma situação de um
coma de um diabético (que pode ser devido ao excesso ou a um déficit de glicose), a
ação imediata recomendada é injetar glicose, já que é o problema mais grave é o
53
54
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
resultado do déficit prolongado de glicose no sangue. Logo, com mais tempo e depois
do resultado da análise de sangue, se o problema encontrado pelo médico era uma
hiperglicemia, pode-se, então, injetar insulina.
Índice Glicêmico (IG) contra a Carga Glicêmica (CG)
Baixo IG
Médio IG
Alto IG
maçã (6,38)
morango (1,40)
cenouras (3,47)
beterraba (5,64)
Baixa CG
ervilhas (8,28)
milho doce (9,54)
pipoca (8,72)
uvas (8,46)
ervilhas cozidas
(7,48)
Melancia (4,72)
feijão (7,28)
lentilhas cozidas
(6,30)
pão integral (9,71)
laranjas (5,42)
pêssego (5,42)
melão (4,65)
abacaxi (7,59)
amendoim (3,14)
kiwi (7,52)
pão branco (10,70)
peras (4,38)
lentilhas secas (5,26)
Média CG
suco de maçã (11,40)
all bran (32, 42)
cereal matinal (15,74)
bananas (12,52)
batata (12,57)
trigo (35,72)
macarrão fetuccine (18,40)
inhame (17,61)
trigo integral (32,69)
suco da laranja (12,50)
arroz integral
(18,57)
arroz cozido (17,47)
macarrão (23, 47)
cuscuz (23,65
donuts (38,76)
espaguete (20,42)
arroz branco
(23,64)
sacarose (65,65)
Alta CG
flocos de milho (73,84)
glicose (97, 97)
IG: Baixo = 1- 55, Médio = 55 - 69 e Alto = 70 - 100 / CG : Baixa = 1- 10, Média = 11 a 19 e
Alto = < 20.
Tabela 9: Comparação do Índice Glicêmico e Carga Glicêmica em determinados alimentos de
referência. (Carga glicêmica, Índice Glicêmico). Por exemplo: a maçã tem (6,38), ou seja, Carga
Glicêmica = 6; Índice Glicêmico = 38. Adaptado de Foster-Powell K and Miller JB, 1995)
A insulina exerce ações de utilização energética de glicose e armazenamento
no fígado e nos músculos, aumenta a síntese de triglicérides (tecido adiposo) e a
José Antonio Villegas García
síntese de proteínas (uma das características das crianças diabéticas sem tratamento é
a magreza).
O problema surge quando se produz o que se chama “resistência à insulina”.
Isso ocorre porque o organismo não aproveita a insulina circulante e necessita mais e
mais, o que em geral provoca um esgotamento do órgão produtor (pâncreas),
acabando em uma forma de diabetes tipo II.
Agora sabemos que todas essas alterações metabólicas têm a ver com dois
fatores de forma direta: a má alimentação e a ausência da atividade física (ou seja,
contra nossos genes). Essa má alimentação é que nos leva a consumir alimentos que
produzem constantemente picos de insulina (elevações de insulina no plasma como
resposta à ingestão de alimentos de alto índice glicêmico). Na clínica, também é
importante o chamado índice insulinêmico, já que se aconselha a não comer alimentos
que tenham alto índice insulinêmico. Existem diversas doenças que se relacionam
com esses aumentos constantes de insulina, como a síndrome de ovário policístico,
miopia, acne vulgar, síndrome metabólica, etc.
Em geral, os alimentos que tem alto índice glicêmico também têm alto índice
insulinêmico - mas também há exceções, algumas muito conhecidas, como ocorre
com o leite. O leite integral tem um índice glicêmico próximo de 41 e um índice
insulinêmico ao redor de 145. O leite desnatado tem um índice glicêmico de 37 e um
índice insulinêmico de 140. Por quê? Parece que é devido à sinergia que se produz
entre o seu açúcar natural (lactose) e determinados aminoácidos, dos quais se conhece
seu efeito insulinotrópico (aumentam a insulina), como são os chamados aminoácidos
ramificados (leucina, isoleucina e valina). E para que esse conhecimento nos serve? É
importante saber, pois, quando há um aumento de insulina e se ingerem ácidos graxos
de cadeia longa da série ômega 6, produzem-se componentes pró-inflamatórios de
certa importância (prostaglandinas das séries 2 e 4). Por isso mesmo, ao contrário da
propaganda oficial, um consumo exagerado de lácteo nem sempre é benéfico (por
exemplo, em pacientes com enfermidades inflamatórias).
Só há um caso comprovado em que os alimentos com alta carga glicêmica e
insulinêmica podem ser benéficos. Trata-se dos desportistas de fundo, quando acabam
de terminar um treinamento e as reservas de glicogênio armazenados estão esgotadas.
Nessa situação, a recuperação mais rápida e completa de glicogênio acontece quando
são ingeridos, o mais rapidamente possível, alimentos com altos teores de glicose.
Aqui, pode-se utilizar essa capacidade anabolizante do leite desnatado para beber
55
56
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
depois de um esforço físico de longa duração (nesse caso, o leite é muito benéfico).
Ainda assim, esse conceito está submetido a alguns cuidados, já que é comum alguns
atletas passarem “fome de carboidratos” depois de treinamentos, aumentando, assim,
a expressão de um transportador de glicose dependente da insulina (GLUT4) nos
músculos, o que seria muito favorável em esportistas que utilizam a glicólise de forma
vital. Um atleta pode beneficiar-se muito de uma alimentação científica; mas deve
tomar muito cuidado porque isso deve ser entregue a um especialista, caso contrário,
corre-se o risco de se prejudicar em vez de melhorar.
A chamada “dieta Zona” está baseada no conceito de diminuir os carboidratos
da dieta (atualmente representam entre 50 e 55% das calorias totais) até uns 40%,
diminuindo açúcares, cereais e legumes e baixando o consumo de lácteos. Com esse
tipo de dieta se consegue diminuir determinadas patologias inflamatórias. Não
obstante, cuidado, porque essa dieta pressupõe que as pessoas que a seguem não
fazem exercícios físicos; caso contrário, existe aí um grande erro de conceito.
FIBRAS
O termo fibra alimentar não é um conceito unitário, já que nele se inclui um
grande número de fibras de origem vegetal. Entre elas se encontram a celulose, a
hemicelulose, as gomas, as pectinas, o ácido fítico, a cutina, lignina e amido não
digerível (aproximadamente uns 10% do amido total). A maioria são carboidratos não
digeríveis (a lignina, cutina e ácido fítico não são carboidratos mas estão incluídos).
Em termos gerais, possuem características comuns por serem “inatacáveis”
pelas enzimas digestivas, mas são parcialmente digeridas pelas bactérias do cólon.
São osmoticamente ativas, ou seja, absorvem água e formam gel que aumentam o
bolo fecal e favorecem o trânsito intestinal e a evacuação (efeito laxante).
Os caçadores coletores comiam mais de 100 espécies de frutas e vegetais. Isso
representava entre 20 e 30 g de fibras ao dia. Nesse momento, um cidadão de nosso
país (NT: Espanha) chega a ingerir apenas uns 10% disso.
Ainda que não seja possível dividir as fibras de forma absoluta, fala-se em
fibras solúveis e insolúveis.
Fibras solúveis: Em contato com a água, formam um gel, fermentam no
cólon, provocam saciedade e diminuem a absorção de glicose. Estão presentes nos
57
José Antonio Villegas García
legumes, frutas (kiwis especialmente), frutas secas, algas marinhas. Nas laranjas,
encontram-se na parte branca que está entre a pele e a polpa.
Fibras insolúveis: Não fermentam. Têm um maior efeito laxante. Encontramse em cereais integrais (farelos), legumes, verduras e hortaliças.
As fibras ingeridas com a alimentação ou em forma de suplementos,
atravessam todo o aparelho digestivo sem sofrer digestão enzimática, nem tampouco,
absorção. Entretanto, quando chegam ao intestino grosso, vão encontrar bactérias
capazes
de
quebrar
esses
carboidratos
complexos
em
dissacarídeos
e
monossacarídeos, mediante uma hidrólise extracelular. Posteriormente, esses açúcares
penetram no interior das bactérias e se desintegram completamente (mais de 50% da
fibra das frutas, vegetais e grãos inteiros se degradam no cólon).
Por outro lado, a fibra estimula o desenvolvimento da microbiota intestinal
aeróbica frente à anaeróbica (e isso é benéfico. já que um dos componentes da
anaeróbica, o clostridium, está envolvido na formação de substâncias cancerígenas).
Sua fermentação forma ácidos graxos de cadeia curta (responsáveis por gerar gases e,
portanto, flatulência), um dos quais, o ácido graxo butirato, que é alimento das células
do cólon.
Quanto à proteção contra o câncer colo-retal, nem todas as fibras possuem os
mesmos efeitos, de modo que os farelos são mais efetivos contra o do cólon.
Entretanto, as fibras contidas nos vegetais e nas frutas são mais eficazes no câncer do
reto. O risco de surgir um câncer de cólon tem certa relação com a quantidade de
fibras contidas na dieta (para quem consome menos de 7,5g ao dia, o risco é 2,3 vezes
superior do que para quem ingere mais de 15g).
O déficit de fibras altera a digestão e o metabolismo, aumentando a absorção
de nutrientes (obesidade, aumento da resistência à insulina, hiperlipidemias), produz
um metabolismo do cólon alterado (enfermidade inflamatória intestinal), retarda o
fluxo fecal (aumento da pressão com diverticulose, apendicite, hemorróidas e câncer
de cólon).
58
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Comer frutas, como os alimentos cítricos, tirando um pouco da pele mais
superficial (lignina e cutina), comer insetos com a carapaça (quitina), raízes e
plantas (celulose). É difícil, já que está virando moda alguns restaurantes servirem
insetos, que não deixa de ser um alimento de difícil aceitação. Por outro lado, a
casca e a pele das frutas acumula herbicidas, o que faz parecer pior e remédio do
que a doença (exceção para as frutas orgânicas).
SOLUÇÃO APROVEITANDO A ATUAL TECNOLOGIA
Já existem no mercado alimentos integrais, também já se acrescentam fibras a
produtos lácteos e iogurtes, inclusive se divulgam alimentos funcionais com um
conteúdo de fibras de mais de 50% do aconselhado diariamente. Também existe
uma moda de alimentos chamados de prebióticos, que têm como função servir de
alimento às bactérias saudáveis que “habitam” nosso corpo, através da
administração de prebióticos como o iogurte. Caso dos frutooligossacáridios, que é
uma fibra solúvel à base de unidades de frutose e que existe em alguns alimentos
vegetais como a chicória, a alcachofra, os aspargos, o alho, a cebola, o tomate ou a
banana, sendo em pequenas quantidades. Agora se integram os sucos e iogurtes,
dando-lhes as características de alimentos funcionais prebióticos. Nesse sentido,
existe agora uma fibra solúvel extraída do lariço11 10, o arabinogalactano, que tem
uma ação prebiótica (em doses convencionais) livre do efeito fermentador com
flatulência provocado pelas outras fibras insolúveis
11
NT: Lariço ou pinheiro larício é uma espécie de pinheiro da família das Pináceas, que ocorre em
zonas frias do hemisfério norte
José Antonio Villegas García
Proteínas
A proteína é o principal componente dos músculos, dos órgãos e das
glândulas. Cada célula viva e todos os fluídos corporais, exceto a bílis e a urina,
contêm proteínas. Sua composição acrescenta nitrogênio ao carbono; hidrogênio e
oxigênio aos carboidratos. Essa é a razão porque, ao degradar-se, produzem um
componente a mais, a uréia.
As proteínas são moléculas enormes, constituídas por moléculas menores
chamadas aminoácidos. Os aminoácidos são compostos formados a partir de um
grupo amino (um átomo de nitrogênio unido a dois átomos de hidrogênio; NH2) e um
grupo ácido (com carbono, oxigênio e hidrogênio; COOH), que é o que caracteriza as
distintas propriedades dessas biomoléculas.
A maior parte das proteínas é formada por um número entre 100 e 300
aminoácidos (podendo chegar a 2.000). Mesmo assim, o número de aminoácidos
distintos é somente 20, dos quais o organismo não pode
sintetizar oito. Tal característica os torna imprescindíveis na alimentação diária.
Dos chamados aminoácidos essenciais, há cinco que apresentam quantidades
insuficientes nos cereais e legumes. Essa é a razão pela qual uma dieta
exclusivamente à base desses alimentos seria deficitária e provocaria uma nutrição
protéica inadequada (que em casos extremos pode levar inclusive à morte). O
aminoácido cuja concentração é menor em comparação com os aminoácidos da
proteína do ovo se chama limitante.12
Sobre esse tema é preciso esclarecer duas coisas. Em primeiro lugar, a
importância dos aminoácidos essenciais. Vamos começar simplificando a síntese de
proteínas do nosso corpo. Imaginemos que necessitamos formar uma proteína para o
músculo. A montagem dos aminoácidos se faz com base naqueles já existentes no
momento na célula que vai formar a proteína. Para isso, vai “pegando” um a um dos
aminoácidos e os organizando (como se fosse um colar de contas). Na sequência, o
processo acontece naturalmente: vai encontrando cada aminoácido importante para a
12
NT: “Ao se determinar o valor protéico de uma mistura de alimentos, deve ser levado em
consideração o cômputo químico, o teor total de nitrogênio e a digestibilidade. Ao lado das fontes de
proteína animal, classicamente consideradas como de alto valor biológico, tem sido demonstrado que
misturas de vegetais, como de um cereal e de uma leguminosa, também resultam em misturas protéicas
de alto valor biológico. No Brasil, a principal fonte protéica da alimentação é derivada da ingestão de
arroz e feijão. Esta mistura tem adequado teor nitrogenado, supre os aminoácidos essenciais e tem
digestibilidade ao redor de 80%.” (“Qualidade Nutricional e Escore Químico de Aminoácidos de
Diferentes Fontes Protéicas.” PIRES, C.V.; OLIVEIRA, M.G.A.; ROSA, J.C.; COSTA, N.M.)
59
60
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
proteína. O problema surgirá se faltar algum aminoácido (a conta seguinte do
“colar”), que não exista.
Nesse caso, o organismo tenta sintetizá-lo (a partir de outros), mas desde que
não seja o “essencial” (nessa situação não ocorre). Se no caso tratar-se de um
aminoácido que se pode sintetizar a partir de outros, a formação desta proteína apenas
sofrerá um atraso (em certas situações, pode ser importante como em casos especiais:
em pacientes com grandes queimaduras ou esportistas).
Se o que estiver faltando for um aminoácido essencial, a sequência não
ocorrerá e não se formará a proteína (imaginemos em uma situação, se a proteína a se
formar for, por exemplo, uma imunoglobulina necessária para nos defendermos de
infecções). Pois bem, a proteína mais completa, a que tem todos os aminoácidos
essenciais é a do ovo. No caso dos legumes, as proteínas podem ter algum aminoácido
limitante, e saber disso é importante para complementar e obter uma proteína de alta
qualidade que substitua a da carne, dos pescados e ovos que são as de melhor
qualidade, mas também mais caras (pensemos nos países pobres). Nossas avós
intuíam esses fatos e por isso cozinhavam o arroz (cereal pobre em lisina) com
lentilhas (NT: no Brasil, feijão) já que a falta da lisina do arroz era compensada pelas
lentilhas (leguminosa pobre em metionina). A proporção 3/1 (cereal/leguminosa) –
tradicional prato brasileiro com 3 porções de arroz com 1 porção de feijão supre as
necessidades dos aminoácidos essenciais.
É bom lembrar que as proteínas foram protagonistas da nossa evolução. A
ingestão protéica dos caçadores coletores era de aproximadamente uns 25% a 35% do
total de calorias ingeridas (frente a 15-20% atual).
As recomendações dos especialistas em nutrição quanto à ingestão de
proteínas são mais baixas do que os 25% a 35% da calorias totais- o idealizado da
alimentação que segue a paleolítica. Isso não se refere somente à própria ingestão
protéica, e sim, ao fato de que a fonte de proteína na atualidade, por excelência, é a
carne de ruminantes, e esta é rica em gorduras saturadas cujo consumo é (como
explicamos anteriormente) uma novidade em nossa evolução. Logicamente, não
estamos preparados para seu consumo em grandes quantidades, pelas origens de
patologias muito graves como a arterioesclerose.
Tenha isso em conta, caro leitor! Não se trata de considerarmos agora que
precisamos de menos proteínas, e sim que as atuais fontes protéicas carregam consigo
uma grande quantidade de gorduras saturadas. Aqueles que, neste momento, podem
José Antonio Villegas García
comer a mesma porcentagem de proteínas que nossos ancestrais - o que é algo que
pode acontecer -, por experiência, são os atletas.
O equilíbrio na ingestão de proteínas tem, pois, duas soluções:
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Comer carne de caça e pescados selvagens (pesca extrativista). A solução é
impensável em termos de população geral, já que os recursos são muito escassos e
a maior parte da população ficaria sem o produto.
SOLUÇÃO APROVEITANDO A ATUAL TECNOLOGIA
Talvez a solução seja comer mais peixes (magros, livres de gordura) se for de
criação. Carnes magras (ave, lombo de porco), sem gorduras (presunto e carne de
porco). As leguminosas podem ser uma boa fonte protéica se complementar o
aminoácido limitante.
61
62
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Gorduras ou Lipídios
As gorduras se distinguem dos outros dois - os carboidratos e as proteínas pelo seu maior valor calórico. Em geral, as gorduras vão fornecer, ao serem oxidadas
no organismo, 9 kcal/g. Essa é a sua característica fundamental do ponto de vista da
nutrição e o que determina seu papel nos processos nutritivos. Por outro lado, certos
tipos de lipídios, sobretudo os lipídios complexos - fosfolipídios fundamentalmente -,
formam parte das membranas celulares e são, por conseguinte, um elemento
indispensável na construção dos seres vivos.
As gorduras são um conjunto de biomoléculas que coincidem na sua
hidrofobia (não gostam da água) como elemento comum. Podem ser lipídios
complexos e simples, e dentro destes, os triglicerídeos, que contêm 3 moléculas de
ácidos graxos, que são ácidos orgânicos monocarboxílicos de cadeia linear, e com um
número de átomos de carbono entre 4 e 24, sendo os mais abundantes os
compreendidos entre 14 e 22. A insaturação se refere à dupla ligação que podem ter
os carbonos da cadeia (C=C), o que pode indicar mediante a letra C e os sub-índices
m:n, sendo C o carbono, m o número total de átomos de carbono e n o de
insaturações (por exemplo, o ácido oléico, com 18 carbonos e uma só dupla ligação,
à identificação seria C 18:1n) (monoinsaturado). Outra denominação, mais atual, é a
de nominar a posição da primeira dupla ligação, dentro dos últimos 7 carbonos da
cadeia, a partir do grupo metila, terminal, ocupando a posição 3 (seria n3 ou Ômega3)
ou a posição 6 (seria n6 ou Ômega6) (o ácido graxo linolênico (18:3n-3) seria um
representante dos Ômega3. O linoléico (18:2n-6) seria um Ômega 6).
Os lipídios desempenham, basicamente, quatro tipos de funções:
Função de reserva. São a principal reserva energética do organismo. Uma
grama de gordura produz 9 kcal nas reações metabólicas de oxidação. Por outro lado,
as proteínas e glicídios só produzem 4 kcal/gr.
Função estrutural. Formam as duas camadas lipídicas das membranas.
Recobrem órgãos e lhes dão consistência, ou protegem mecanicamente. Quando
acontece um emagrecimento radical (como na anorexia nervosa) os rins chegam
inclusive a descolar-se ao perder tecido adiposo que o sustenta.
José Antonio Villegas García
Função biocatalizadora. Nesse papel, os lipídios favorecem as reações
químicas que se produzem nos seres vivos. As vitaminas A, D, E e K, os hormônios
sexuais e o cortisol e substâncias chamadas prostaglandinas (que funcionam como
hormônios locais), formados à partir de ácidos graxos de cadeia longa (20 carbonos),
cumprem essa função biocatalizadora.
Função transportadora. O transporte de lipídios, desde o intestino até seu
lugar de destino, se realiza mediante sua emulsificação, graças aos ácidos biliares e às
lipoproteínas plasmáticas (associação de proteínas com triglicerídeos, colesterol,
fosfolipídeos...).
Também servem como veículo para ingerir vitaminas lipossolúveis como a A, D e E.
O organismo humano pode sintetizar os ácidos graxos da família Ômega 9,
mas não pode sintetizar os da família Ômega 6 ou Ômega 3. Entre eles está o
linoléico, o araquidônico e o linolênico. Os vegetais ao contrário, podem sintetizar os
da família do Ômega 6 e alguns deles (especialmente as algas marinhas
microscópicas), podem sintetizar a família Ômega 3. Os peixes, por exemplo,
acumulam Ômega 6 e Ômega 3 a partir das plantas marinhas que consomem.
O descobrimento da importância dos chamados ácidos graxos essenciais (cuja
ingestão é imprescindível), veio de uma área distante, mas precisou-se aprender com
o sofrimento de muitos. Desta vez foram com os pacientes submetidos a nutrição
parenteral (alimentação fornecida diretamente na veia) durante um longo período (em
cirurgias do aparato digestivo, por exemplo). Pois bem, quando se começou a orientar
esse tipo de alimentação, não se considerou a importância dos ácidos graxos
essenciais (desconhecia-se sua importância) e daí apareceram complicações
neurológicas, tais como: letargia, debilidade, incapacidade de andar, dor nas pernas e
desvios oculares junto com valores sanguíneos muito baixos de ácido linolênico.
Todos esses sintomas desapareceram ao se incluir o ácido linolênico entre os
nutrientes imprescindíveis na alimentação enteral e parenteral.
O problema de uma ingestão inadequada de gorduras se complica de duas
formas. A primeira é a alta ingestão de gorduras em relação às nossas necessidades.
Se mantemos o total de calorias diárias necessárias, então o problema está na outra
ponta, na carência, ou seja, ficamos desprovidos das gorduras de outros nutrientes
63
64
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
necessários como as vitaminas hidrossolúveis e os minerais. Por outro lado, comendo
mais calorias diárias do que as necessárias, o problema será a obesidade.
O segundo problema é a alteração no tipo de gordura consumido. Nesse
sentido, se comemos mais gorduras saturadas das apropriadas para a nossa evolução,
tendemos à arteriosclerose e poderemos morrer de doenças cardíacas. Se comermos
mais ácidos graxos ômega 6 em relação ao ômega 3 (também em termos de nossa
adaptação evolutiva), é muito provável que aumente o número de substâncias que
derivam dos ácidos graxos insaturados, que são as prostaglandinas e eicosanóides das
séries 2 e 4 (frente a 3 e 5 que são as que derivam do ômega 3), cuja ação é muito
mais pró-inflamatória; ou seja, temos uma tendência ao componente inflamatório
crônico (fig. 9).
Figura 5: Ações dos diferentes tipos de ácidos graxos nos processos cardiovasculares e inflamatórios.
Atuantes nos alimentos típicos.
Ainda temos que acrescentar mais um tema de grande importância cujo
conhecimento é muito recente. O fato é que a membrana celular (de todas as células
do nosso organismo) está composta por uma camada de lipídios complexos chamados
fosfolipídios. Pois bem, acontece que a composição da mesma se altera em função da
José Antonio Villegas García
dieta, ou seja, quando comemos gorduras insaturados, serão estas as formadoras da
membrana celular.
A importância do fato é que a membrana celular é a responsável pelo
transporte de substâncias de um lado para outro e as suas propriedades favorecem esse
intercâmbio. Assim, a célula consegue cumprir a sua função. Nesse sentido, o
consumo das gorduras insaturadas, em particular o ômega 3 (novamente), favorece
muito esse aspecto.
Tenhamos em conta que – sempre no mesmo passo - existem muitas doenças
que estão relacionadas com as alterações nas propriedades da membrana celular. Por
exemplo, a própria esquizofrenia, uma alteração neural que provoca a disfunção nos
neurotransmissores (substâncias secretadas pelos neurônios para estabelecer
comunicação entre eles – sinapses – numa fenda sináptica). O tratamento dessa
enfermidade com ácidos graxos ômega 3 pode melhorar os sintomas.
Poderíamos escrever sobre uma lista de doenças que se relacionam com a
limitação desse tipo de gordura em nossa alimentação atual. Principalmente em
momentos importantes, como a gravidez e as primeiras semanas de vida do bebê.
Já comentamos que nossa espécie estava muito ligada ao mar, no que se
chama de nicho ecológico, que deu lugar à aparição dos primeiros sapiens. O cérebro
é o órgão mais gorduroso do corpo: tem 60% de lipídios; diversos tipos de substâncias
derivados dos ácidos graxos. Seu conteúdo em DHA (docosaexaenóico - um ômega 3)
é de 20 gramas.
A dieta cretense (a autêntica dieta mediterrânea) tem uma razão: ômega
6/ômega 3, de 1,5:1, e a japonesa, de 4:1. Ao contrário, a dieta atual nos Estados
Unidos tem uma proporção de 16:1; no Reino Unido e Europa do Norte, de 15:1.
Os cretenses, que são os que estão mais próximos da dieta original, obtêm
ácido alfa-linoléico comendo plantas silvestres, crustáceos, nozes, frutas (figos) e
ovos; ácido graxos eicosapentaenóico (EPA) e ácido graxo docosaexaenóico (DHA),
principalmente dos peixes de água fria (salmão, cavala, arenque e sardinha) e também
dos ovos, animais de caça e crustáceos e o ácido graxo oléico do azeite de oliva. Esse
azeite, em especial, é recém prensado e extraído, não submetido a nenhum processo
de refino, ou seja, o azeite extravirgem de oliva, contém uma substância (o
óleocanthal) que tem propriedades anti-inflamatórias ao inibir a formação de
eicosanóides pró-inflamatórios de que já comentamos.
65
66
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Em outros alimentos, a relação varia muito segundo o pasto ou a ração. A
carne de vaca alimentada com pastos tem uma proporção ômega 6/ômega 3 de
aproximadamente 2,5:1; entretanto, se são alimentadas com grãos, pode chegar a
20:1. Os ovos comuns que se vendem nos Estados Unidos têm uma proporção
aproximada de 20:1. A gordura dos porcos criados em estábulos (raças yorshire e
landrace) tem uma proporção de gorduras saturadas/monoinsaturadas/poliinsaturadas
de 4/4/2; ao contrário, o porco ibérico (criado em condições semi-selvagens,
alimentado com bolotas (frutos de árvores da família do carvalho) tem uma relação de
gorduras de 2/5/3).
O equilíbrio na ingestão de gorduras tem, pois, duas soluções:
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Comer carne de caça e principalmente pescados selvagens. Não jogar fora as
vísceras. Roer os ossos e evitar o excesso de fogo durante a preparação do
alimento. Essa solução tampouco é viável, já que apenas é possível a carne de caça
(que é cara), pois o pescado selvagem é proibido. Por outro lado, em nossa cultura
não é apreciável comer carnes pouco cozidas ou comer vísceras e roer ossos, etc...
SOLUÇÃO APROVEITANDO A ATUAL TECNOLOGIA
Comer a base de alimentos com baixa gordura (Tabelas: 10, 11 e 12). Tomar leite
ou iogurte desnatados. Evitar os alimentos (pela descrição nos rótulos) com ácidos
graxos hidrogenados (gorduras trans). Substituir óleos ricos em gordura n-6
(girassol, soja) por óleos ricos em gordura n-3 (canola). Pode-se suplementar com
cápsulas de ácidos graxos ômega 3 (óleo de peixe – rico em EPA e DHA) ou
linhaça (ácido graxo alfa-linoléico). Para suplementar com garantia, precisa-se
saber a procedência (laboratório de confiança) e ingerir na forma de triglicerídeos
(que são melhores absorvidos) com a presença de vitamina E (antioxidante), já que
oxidam com muita facilidade (podem-se obtê-los em farmácias em cápsulas de
gelatina) É preferível uma boa sardinha assada (em lata) ou um peixe frito (e se
67
José Antonio Villegas García
está na beira do mar, com uma boa companhia, e se te convidam para comer, o
prazer é total). Para cozinhar, usar azeite de oliva extravirgem. Não se esqueça:
sem um bom profissional da área da nutrição para orientar esses procedimentos de
combinação de alimentos, o resultado pode ser desagradável.
Gorduras
Totais (%)
Gorduras
saturadas
Gorduras
Monoinsaturadas
Gorduras
Poliinsaturadas
ômega 3 em
mg/100g
coco
100
86,5
5,8
1,805
0
palma
100
49,3
37
9,3
0
soja
100
7,8
55,3
32,4
0
milho
100
9,3
41,8
44,6
0
oliva
100
13,5
73,5
10
0
girassol
100
11,8
28,8
45
0
milho
80
7
38,4
38,6
0
amendoim
50
8,1
24,6
14,8
0
nata
37
23
10
13
0
queijo fundido
21
8,7
3,6
0,55
0
creme de queijo
light
33
23
4
0
0
leite integral
3,3
1,9
0,8
0,2
0
iogurte integral
3,3
2,1
0,9
0,1
0
leite semidesnatado
1,9
1,2
0,7
0
0
iogurte desnatado
0,2
0,1
0,05
0,01
0
iogurte light com
fruta
1,1
0,6
0,18
0,2
0
leite desnatado
0,9
0,6
0,18
0,2
0
23,9
3,1
15,1
4,6
0
Alimento
óleos
margarinas
derivados lácteos
frutos oleaginosos
nozes
Tabela 10: Conteúdo em gorduras de azeite, margarinas, leite e derivados lácteos.
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Gorduras
Totais (%)
Gorduras
saturadas
Gorduras
Monoinsaturadas
Gorduras
Poliinsaturadas
ômega 3 em
mg/100g
costela de gado
29
10.5
10,9
1
0
costela de porco
12
4,9
5,9
1
0
frango sem pele
6,4
2
2,6
1,6
0
sardinha ao óleo
17,1
2,3
5,8
7,7
1520
salmão de
cativeiro
21,5
4,3
7,7
7,8
3784
salmão selvagem
6,3
1
2,1
2,5
1715
anchovas em lata
9,7
2,2
3,8
2,6
2094
atum em lata
8,1
1,3
3,3
3
214
atum selvagem
4,9
1,3
1,6
1,4
1320
salmão defumado
4,3
0,9
2
1
512
cavala selvagem
13,9
3,3
5,5
3,3
2452
camarão
1,7
0,33
0,25
0,67
241
merluza
1,3
0,25
0,28
0,42
351
lula romana
6,4
1,6
2,3
1,8
353
bacalhau cozido
0,9
0,2
0,1
0,3
442
polvo cozido
2,1
0,5
0,3
0,5
182
61
18,4
24.4
7,9
442
33,4
4,9
9
18
0
3,3
4,1
1,4
43
Alimento
carnes
peixes
ovos
gema desidratada
maionese
clara do ovo
0
ovo cozido
10,6
Tabela 11: Conteúdos em gorduras de carne, pescados e ovos
69
José Antonio Villegas García
Gorduras
Totais (%)
Gorduras
saturadas
Gorduras
Monoinsaturadas
Gorduras
Poliinsaturadas
ômega 3
em
mg/100g
4
0,7
1,5
1,7
0
4,2
0,9
1,6
0,1
0
3,5
0,8
0,8
1,3
0
pão de centeio
3,3
0,6
1,3
0,8
0
arroz frito
5,6
5,4
0
0
0
arroz integral
0,8
0,17
0,3
0,3
0
0,5
0,1
0,2
0,2
0
0,5
0,1
0,1
0,1
0
0,3
0,2
0,7
0,7
0
22,8
15,8
2,9
4,9
0
16
8,2
3,3
3,3
0
2,3
2,1
0
0
0
abacate
14,7
2,1
11,8
1,8
0
banana
0,5
0,1
0,09
0,9
0
laranja
0,2
0,04
0,06
0,06
0
batatas fritas
32,4
8,1
6,5
16,4
0
batatas cozidas
0,1
0,03
0,04
0
0
feijões
0,3
0,02
0,17
0,1
0
tomates
0,3
0
0,14
0,12
0
Alimento
cereais
pão de aveia
pão de trigo
integral
pão de trigo
branco
Espaguete
cozido
macarrões
cozidos
arroz branco
panificação
donut de
chocolate
torta de
chocolate
chocolate
caseiro
frutas
outros
Tabela 12: Conteúdos em gorduras de cereais, frutas e confeitaria. Fonte: Secretaria de Agricultura
da Administração USA.
70
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Vitaminas e Minerais
A grande diminuição da ingestão de frutas e verduras em nossa cultura,
comparada à ingestão do homem paleolítico - assim como os hábitos de descascar
frutas, tirar as sementes, etc. -, trouxe como consequência, uma diminuição na
ingestão de vitaminas e minerais, uma alteração no balanço de ácido-base dos
alimentos e uma queda no nível de fibras que comemos, em níveis alarmantes.
Não é difícil entender a consequência dessa transformação nos hábitos
alimentares. Começamos com a prisão de ventre crônica, aumento da hipertensão
(comemos muito sódio e pouco potássio), osteoporose (comemos pouco cálcio e
fazemos poucos exercícios físicos), alterações subclínicas (com poucas manifestações
clínicas, mas que formam um “coquetel” que debilita o organismo).
Continuando o assunto, vamos acompanhar as funções da vitamina D.
Inicialmente, parece que se trata de uma vitamina necessária para absorver cálcio e
manter nosso esqueleto (evitando a temida osteoporose). Com essa explicação tão
simples, parece que tomar leite - rico em cálcio - e vitamina D é suficiente, sobretudo
se tomamos sol porque, segundo dizem os médicos, a vitamina D é fabricada no
organismo utilizando a energia solar.
Entretanto, o funcionamento que a medicina chama de homeostase do cálcio
(algo como “a autorregulação do cálcio”), é muito mais complexo. Tudo começa com
a exposição à luz ultravioleta do sol, de um derivado do colesterol (o 7dehidrocolesterol) que há nas células da pele. A partir daí, se forma no fígado a 25hidroxivitamina D3, que é a forma circulante de vitamina D.
Até aqui tudo parece razoavelmente simples - uma substância que temos na
pele que, ao contato com a luz solar, se converte em vitamina. Mas o que faz essa
vitamina que está circulando no plasma? O que tem a ver com o metabolismo do
cálcio?
Pois ocorre que os rins convertem a 25-hidroxivitamina D3 em 1,25dihidroxivitamina D3, que é o que se considera a “forma ativa” da vitamina D, ou
seja, a forma que faz “algo.” O quê?
Os cientistas de várias universidades americanas descobriram no século
passado que um hormônio produzido pela glândula paratireóide é importante para a
manutenção de certa quantidade da forma “ativa” de vitamina D no sangue. De tal
forma que, quando se necessita de cálcio, a glândula paratireóide libera o hormônio
José Antonio Villegas García
paratireóide aos rins, para que iniciem a produção dessa forma ativa. Por sua vez, a
presença no plasma dessa forma ativa de vitamina D faz com que os intestinos
transfiram o cálcio absorvido dos alimentos ao sangue. Por tudo isso, quando se
consome pouco cálcio na alimentação, a consequência natural é uma absorção
insuficiente. Na sequência, então, a vitamina D e o hormônio paratireóide iniciam um
processo para “resgatar” mais cálcio, que se encontra nos ossos, o que provoca sua
descalcificação – a osteoporose.
Todo este processo complexo poderia se resumir em poucas palavras:
Consumir mais cálcio, tomar mais sol e ter fígado e rins saudáveis. Entretanto, as
pessoas mais velhas perdem mais massa óssea, caem com mais facilidade, fraturam
mais ossos e permanecem acamadas e incapacitadas em muitas ocasiões,
acompanhados de fortes dores. Onde está a falha?
Pois bem, anos atrás, cientistas americanos, descobriram que, se comparassem
a relação entre a 25-hidroxivitamina D3 e a 1,25-dihidroxivitamina D3, em cidadãos
afroamericanos atuais, com a relação de nossos antepassados, haveria muita alteração.
Em nossos ancestrais dominava a forma 25 hidroxi, sendo que, nos afroamericanos
atuais, domina a 1,25 dihidroxi. Lembremos que essa forma ativa atua como um
hormônio e que provoca alterações na secreção de paratormônio e no metabolismo do
cálcio. Isso explicaria uma maior propensão à obesidade e à hipertensão nos cidadãos
afroamericanos. Por que isso ocorre assim?
Uma alimentação que proporciona pouco cálcio absorvível. Pensemos...
Quando estávamos nas árvores da nossa evolução, comíamos insetos (cutículas e
cálcio), roíamos ossos (cálcio), comíamos espinha de peixes (cálcio), hortaliças e
plantas ricas em cálcio. Agora tiramos as espinhas dos peixes, não roemos osso
algum, comemos poucas verduras e, ainda por cima, comemos cereais e alimentos que
reduzem a absorção (sequestram) do nosso cálcio. Sendo assim, nos contentamos com
o fato de que tomamos leite e pronto!
Praticamos poucas atividades físicas, ingerimos pouco cálcio, temos muita
forma ativa da vitamina D e finalmente, osteoporose, claro.
Poderíamos pensar, por outro lado, que isso é próprio dos países frios ou com
pouca insolação. Espanha e Brasil estariam protegidos dessa hipovitaminose, já que o
predomínio da luz solar é constante em todas as regiões.
Entretanto, em um recente estudo (2005) da Unidade de Metabolismo Mineral
do Hospital Rainha Sofia, de Córdoba, um grupo de pesquisadores encontrou
71
72
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
insuficiência de vitamina D (menos de 30 ng/ml) em mais de 80% das mulheres
sadias pós-menopausa. Mais: 5% tinham uma deficiência grave (menos de 10 ng/ml),
o que confirmava o evidente crescimento da prevalência (o número de casos em que
se produz essa deficiência) da insuficiência em vitamina D em todo o mundo. Ocorre
também na Espanha, mesmo sabendo que o estudo foi realizado em uma cidade como
Córdoba, que por sua latitude (37.85ºN) e horas de sol ao ano possibilita a formação
de vitamina D.
Esse não é um caso isolado, ao contrário, poderíamos enumerar várias
vitaminas e minerais com a mesma complexidade de interações e com similares
mudanças devido à brutal modificação nos nossos hábitos alimentares.
O equilíbrio na ingestão de vitaminas e minerais tem, pois, duas soluções:
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Aqui é mais fácil (na teoria): aumentar a ingestão de frutas e verduras. Mais
saladas: aipo, alface, couve, tomate, cenoura, azeitonas. Mais verduras escuras:
couve-flor, acelga, espinafre, acelga, rúcula, alho-poró, brócolis, feijão verde. E
mais frutas, com pele ou casca. Entretanto, na prática, comer mais vegetais é mais
difícil (precisa-se de tempo para cozinhar e preferimos comida rápida). Nas
saladas usamos azeite e as frutas comemos sem pele nem sementes. Tudo
atrapalha (muitas vezes, inclusive, as ingerimos em conserva, ou seja, com a
metade de açúcar e a metade de fruta).
SOLUÇÃO APROVEITANDO A ATUAL TECNOLOGIA
Conhecer nossa dieta mediante uma avaliação nutricional realizada por um
especialista e complementar o consumo de vitaminas e minerais deficitários
mediante preparo específico de nutrientes dos quais somos deficitários (não valem
os preparados polivitamínicos e multiminerais). O importante é conhecer que tipo
de vitamina ou mineral é pouco habitual em nossa alimentação e consumi-lo
mediante um suplemento. Existem sementes de uva em cápsulas e milhares de
preparados que contém extratos de vegetais (como maçã e chá verde), de hortaliças
(carotenóides), etc.
José Antonio Villegas García
Antioxidante
Somos seres aeróbios, ou seja, usamos o oxigênio como combustível, como
substância que provoca a combustão dos elementos que incorporamos na comida para
realizar os processos de obtenção de energia com os que funcionam em nossas
células.
Nosso planeta, a princípio, era uma mescla de gases, e o pouco oxigênio
existente era os que saía dos vulcões. Era produto da dissociação de vapor de água na
alta atmosfera, consumido por gases como o monóxido de carbono, o hidrogênio ou o
metano, formando anidrido carbônico (CO2) e água.
Há uns três milhões de anos, devido à ação dos raios ultravioleta que
provinham do sol, a água e o anidrido carbônico começaram a reagir formando o
aldeído fórmico. Paralelamente, uns microorganismos fotossintéticos parecidos com
as algas, chamados cianobactérias, começaram a favorecer a seguinte reação chave na
aparição da vida em nosso planeta:
Luz nCO2 + nH2O > (HCHO)n + nO2
Assim o oxigênio foi se acumulando em nossa atmosfera, apareceram
compostos carbonados estáveis cada vez mais complexos; polissacarídeos
(constituídos por carbono, por hidrogênio e por oxigênio); aminoácidos de cadeia
curta (constituídos por carbono, por hidrogênio, por oxigênio e por nitrogênio);
polipeptídeos (cadeias longas de aminoácidos); proteínas (cadeias muito longas de
aminoácidos), polinucleotídeos etc.
Tudo isso se produziu nos oceanos primitivos, onde a presença da água
favoreceu uma simbiose oceânica que permitiu combinações muito sutis (proteína >
ácido nucléico); estruturas novas que tinham variadas propriedades, como transmitir
informações memorizadas mediante a duplicação, nascendo assim as moléculas
iniciais de RNA e DNA (os ácidos nucléicos que armazenam a informação genética
dos organismos vivos e são os responsáveis da transmissão hereditária).
A aparição do oxigênio molecular livre, nas altas camadas da atmosfera,
transformou-se em ozônio (uma molécula com três oxigênios) devido à radiação
ultravioleta do sol. O acúmulo do ozônio seria outro dos fatores que marcaram o curso
da evolução orgânica na Terra, já que essa camada atua como um filtro muito
73
74
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
eficiente da radiação ultravioleta, que prejudica o DNA (o ácido nucléico que
comentamos há pouco) dos organismos vivos.
O fato da aparição do oxigênio em estado livre, ou seja, sem estar combinado
com outros elementos, supõe um dos saltos mais importantes para a evolução. Na
atualidade, o oxigênio representa 21% do ar que respiramos.
Entretanto, o oxigênio tem seu lado obscuro. Há anos, implementaram o
tratamento em bebês prematuros com oxigênio para tratar o chamado desconforto
respiratório (devido à imaturidade dos pulmões). O resultado foi muito ruim, já que
isso provocou uma enfermidade ocular chamada retinopatia de prematuridade.
Com o tempo, descobriu-se que o uso excessivo do oxigênio para tratar os
bebês que nasciam antes do tempo estimulava o crescimento anormal dos vasos
sanguíneos da retina. Esse foi o primeiro indício de que o oxigênio em altas
concentrações era tóxico.
Em outras circunstâncias se observaram efeitos similares. Como exemplo, a
intoxicação por oxigênio (chamada de hiperoxia) que se dá no mergulho quando se
usa o oxigênio puro de forma prolongada, que pode até levar o mergulhador à morte.
O que acontece que o oxigênio pode ser letal?
O oxigênio - já comentamos anteriormente - é um agente que se reduz
facilmente e, portanto, é um eficaz oxidante. Esses processos unem-se à reações ente
moléculas, passando elétrons de sua superfície em busca da maior estabilidade
elétrica. Pois bem, de uns 2% a 4% do oxigênio que consumimos acaba provocando a
formação de alguns compostos.
Na fotossíntese, a energia solar conduz ou impulsiona a redução do anídrido
carbônico e a oxidação da água formando hidratos de carbono e oxigênio molecular.
No metabolismo aeróbio (que usa oxigênio para obter energia), tem lugar um
processo inverso à fotossíntese, que permite armazenar a energia livre produzida na
oxidação dos carboidratos e de outros compostos orgânicos, em forma de ATP (uma
molécula que o organismo usa como moeda energética, armazenando grandes
energias).
Nesses processos de oxidação redução, o oxigênio pode capturar um elétron
aparecendo um composto chamado anion superóxido, que é quimicamente muito
instável e busca com rapidez a forma de estabilizar-se (desestabilizando algum
José Antonio Villegas García
composto vizinho). Geralmente, o produto final de uma reação que interfere em um
radical livre é o começo de outra, mesmo mantendo o prejuízo oxidativo.
Esses compostos instáveis chamam-se radicais livres, e o produto de sua ação
sobre moléculas vizinhas denomina-se danos oxidativos. Até 1954, não se reconheceu
o poder destrutivo dos radicais livres nos organismos vivos. Ironicamente, a culpa
recaiu sobre o oxigênio, elemento essencial para a vida.
Os radicais livres são muito perigosos, quanto maior for a sua reatividade,
concentração, persistência e duração de sua ação. Mesmo parecendo um erro da
natureza, o dano oxidativo é utilizado de maneira muito eficiente pelo nosso
organismo para defender-se das agressões de microorganismos, por exemplo.
Nesse sentido, os macrófagos produzem radicais livres nas proximidades da
membrana da bactéria atuante, rompendo-a e matando-a. Pois bem, antes havíamos
comentado que o dano oxidativo, uma vez começado, tende a manter-se, pois poderia
ser desastroso abrir a caixa de pandora só para matar o intruso. Desencadearia um
processo que poderia acabar com o hóspede.
Para evitar esse problema, o organismo se defende muito bem dos radicais
livres (que em algumas circunstâncias ele mesmo cria), gerando substâncias que
atuam como antídotos, chamados antioxidantes. A batalha nessa situação tem como
resultado o predomínio do dano oxidativo ou a manutenção da situação sem muito
controle.
Os processos que provocam os radicais livres são muito numerosos (infecções,
inflamações, traumas, exercícios físicos). Mas não é só isso. Nós nos empenhamos em
aumentar esse número com os agentes externos (cigarros, álcool, inseticidas,
exposição inadequada ao sol).
As enfermidades que estão muito relacionadas com o dano oxidativo são,
entre outras: arteriosclerose, doença de Parkinson, doença de Alzheimer, demências
da velhice em geral, câncer, diabetes, doenças autoimunes, inflamatórias, crônicas,
catarata, etc. O próprio envelhecimento pode ser acelerado pelo dano oxidativo.
Os antioxidantes de que necessitamos são produzidos por nós mesmos. São de
dois tipos: os chamados sistemas enzimáticos (superóxido dismutase, catalases e
glutationa peroxidase) e não enzimáticos (ácido úrico, bilirrubina, vitaminas
antioxidantes – Vit. C e E - etc.). A soma de todos os fatores chama-se “estado
antioxidante total” (TAS).
75
76
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
O exercício físico é um grande gerador de radicais livres formados na
chamada “cadeia transportadora de elétrons,” que é o mecanismo da mais eficiente
produção energética celular. Nos sucessivos passos dessa cadeia, há uma discreta fuga
de alguns elétrons, o que gera a formação de radicais livres.
Entretanto, o treinamento promove os mecanismos internos de defesa,
mediante a produção de antioxidantes, prestes a atuar no lugar e momento em que se
necessitam. Portanto, o desportista bem treinado não deve se preocupar.
Há duas situações em que o exercício físico pode ser fonte de oxidação e
envelhecimento. Por um lado, nos casos de uma alimentação inadequada ou
deficitária, ou seja, não se ingere os nutrientes de que o organismo precisa para
produzir esses antioxidantes próprios (glutationa peroxidase, superóxido dismutase e
catalase).
Por outro lado, no esporte chamado “esporte de final de semana”, o organismo
não se adapta ao esforço e a cada fim de semana se gera um novo estresse para o
organismo, já sabendo que ele não está preparado para esse tipo de esforço.
Aproveito para fazer eco sobre um tópico habitual nos meios esportivos, que
são o ócio e o tempo livre.
É comum escutar dos esportistas “ocasionais” que os suplementos de
vitaminas, minerais, antioxidantes etc.. são para os atletas olímpicos. Sem
conhecimentos, eles relacionam as necessidades nutritivas com o êxito esportivo.
Nada mais longe da verdade. São os esportistas medianos (mas esforçados), os
“esporádicos”, os de fim de semana etc.. Estes são os que mais sofrem com o estresse
oxidativo.
Nessa situação, pode-se fazer uma analogia: ninguém diria que gastar mil
reais é igual para todo mundo; uma pessoa rica gastar dez mil reais não lhe traz
nenhum problema; uma pessoa pobre gastar cem reais pode ser um problema sério.
Portanto, não se trata da quantidade de estresse oxidativo produzido por um
esforço; o importante a saber é a quantidade de radicais livres formados que o
esportista não pode eliminar.
Nesse sentido, as pessoas com mais condições de eliminar o “inimigo” são os
que estão melhor dotados geneticamente, estão melhor treinados e alimentados.
José Antonio Villegas García
O equilíbrio na ingestão de antioxidantes tem, pois, duas soluções:
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Comer uvas com sementes, tomates e cenouras, cítricos, abacates, vegetais de
folhas verde, frutas vermelhas (morango, mirtilo, amora, groselha). O problema
aqui é o preço, já que todas essas frutas estão em nossos supermercados durante
todo o ano.
SOLUÇÃO APROVEITANDO A ATUAL TECNOLOGIA
A natureza nos vai programando para uma eficaz luta durante a vida. Dessa
forma, os seres vivos aproveitam-se dos seus próprios recursos e dos demais para
manter seu equilíbrio interno. Quanto aos próprios recursos, o que devemos fazer
é proporcionar os precursores das substâncias que o organismo deve formar (já
comentamos anteriormente). Por exemplo, para que o organismo fabrique
glutationa, deve dispor de seus precursores (cisteína, ácido glutâmico e glicina) e
estes se podem obter das frutas e verduras, peixes e carne. Os aspargos, o abacate e
as nozes são alimentos especialmente ricos em glutationa.
Sobre a utilização dos recursos de outras formas de vida que também lutam contra
a oxidação – deve-se aproveitar isso. Poderíamos comer alimentos ricos em
vitaminas antioxidantes, como a vitamina A (cenoura, tomate...), C (cítricos,
vegetais verdes), E (frutos secos, gema do ovo, vegetais verdes). Assim mesmo,
seria bom ingerir substâncias ricas em outros antioxidantes como os polifenóis
(taninos e antocianinas) e flavonóides das plantas (encontram-se nos galhos,
folhas e frutos), e exercem uma função repelente de insetos e outras pragas.
Alguns são muito conhecidos e encontram-se no chá verde, no vinho tinto. etc
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
FONTE ALIMENTAR
Fontes mais importantes
óleos vegetais, óleos de sementes extraídos a frio,
gérmen de trigo, gérmen de milho, amêndoas,
avelãs, girassol, nozes.
Outras fontes significativas
batatas frescas, pimentão, abacate, aipo, repolho,
beldroega, aspargos, ervilhas, frutas, peixe, frango.
Algumas frutas (pêssego, damasco)
Frutas
limão, lima, laranja, goiaba, manga, kiwi, mamão,
amora, abacaxi, acerola
Vitamina E
Vitamina C
pimentas, tomate, verduras,
Verduras
folhas verdes (espinafre, salsa, folhas de rabanete)
repolho, couve-flor, brócolis, pimentão e alface
Beta Caroteno
verduras e frutas amarelas e alaranjadas (cenoura,
abóbora), verduras verde escuras (beldroega,
espinafre, borragem, aspargos)
Alfa Caroteno
cenoura
Licopeno
tomate
Luteína e Zexantina
verduras de folhas verde-escuras, brócolis
Beta criptoxantina
frutas cítricas
Carotenóides
Ácido Alfa
Lipóico
Glutationa
carnes Vermelhas
Fontes mais importantes
brócolis, tomate, alho, batata, espinafre e
beldroega
Citroflavonóides
quercetina (cebola, maçã, brócolis, cerejas, uvas),
hesperidina (casca de limão e pomelo), narinjina
(casca da laranja), limoneno (limão e lima)
Isoflavonóides
genisteína e daidzeína (soja)
Pró-antocianinas
semente de uva, vinho tinto seco
Antocianinas
cereja, groselha, mirtilo
Polifenóis
79
José Antonio Villegas García
Minerais
Aminoácidos
Catequina
chá verde e preto
Kaempferol
alho-poró, brócolis, rabanete, chicória, beterraba
Cobre
fígado, peixe, marisco, cereais integrais e vegetais
verdes
Selênio
carnes, peixe, marisco, cereais, ovos, frutas e
verduras
Zinco
carnes e vísceras, peixes, ovos, cereais integrais e
leguminosas
Cisteína
carnes, peixes, ovos e lácteos
Tabela 13: Lista de
alimentos ricos em antioxidantes
TOP 10 DE ANTIOXIDANTES
1) mirtilo selvagem
6) morangos
2) mirtilo cultivado
7) maçã vermelha
3) alcachofras cozidas
8) cerejas
4) amora preta
9) ameixa preta
5) framboesas
10) maçã Royal e Gala
85
José Antonio Villegas García
9. A ÁGUA, A FONTE DA VIDA
Come poco, bebe el doble, duerme el triple, ríe cuatro veces y llegarás a
viejo
A água constitui uma parte essencial de nossa composição corporal (65% a
70%), isso porque tem uma série de características físico-químicas que a fazem
inigualável.
Sua elevada temperatura de ebulição (o que possibilita seu estado líquido em
temperaturas que permitem a existência de vida); seu elevado calor específico e
elevada condutividade calorífica (o que a torna
muito útil para estabilizar a
temperatura corporal); a capacidade de hidratação e de diluição de substâncias (é o
solvente universal).
A água que entra no organismo procede de duas fontes principais: a que se
ingere em estado natural ou em líquidos em geral (sucos, bebidas..), ou formando
parte dos alimentos sólidos. Um total aproximado de 2 litros e meio ao dia, ainda que
seja uma cifra que depende muito do nível de atividade da pessoa, do clima e do lugar
onde se desenvolve sua atividade.
As perdas de água se devem a processos fisiológicos, como a excreção
(micção e evacuação), respiração e transpiração. Algumas perdas líquidas não podem
ser reguladas com exatidão, como a devida evaporação no aparelho respiratório e
através da pele. A quantidade de líquido que se perde pelo suor é muito variável e
depende do exercício físico e da temperatura ambiente.
Perdemos água todos os dias: uns 500 ml pela respiração; pelo suor (se for sedentário
e o ambiente normocalórico) se elimina uns 700 ml; pela urina, cerca de 1.400 ml;
pelas fezes, aproximadamente 100 ml.
O conteúdo total de água corporal normalmente se mantém, deixando uma
pequena margem de flutuação diária para a ingestão de comida e bebida e da excreção
da urina. A maior parte de nosso consumo de água está mais relacionada com o hábito
do que com a
sede, porém, depois de
períodos de déficit (desidratação),
o
mecanismo da sede é eficiente como motivador para manter o equilíbrio da água.
Entretanto, temos que ter em conta que, quando se tem sede, já nos encontramos
86
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
desidratados. Por isso, é aconselhável beber água constantemente, criando uma rotina
e um hábito saudável.
A margem do volume de água que se pode ingerir está determinada pela
capacidade dos rins para concentrar e diluir a urina. Um adulto médio com função
renal normal necessita, dentre outros protocolos e independentemente da temperatura
do meio ambiente, de 1,5 mL/Kcal diária. É claro que, em dias mais quentes, a
quantidade de ingestão de água deve ser maior. Em outras palavras, podemos viver
várias semanas sem comer alimentos sólidos, mas sem beber água, nem um dia
podemos ficar (nada justifica fazer greve de ingerir líquidos, pois seria pouco eficaz).
A hiper-hidratação (beber mais água que o necessário) é corrigida mediante
um incremento na produção da urina e a hipohidratação, na ingestão de água por meio
da comida ou bebida, devido à sensação de sede.
Beber água é imprescindível. A questão é se há quantidades fixas e se todas as águas
são iguais.
A respeito das quantidades, temos que ter em conta que nossa espécie se
termorregula (elimina calor corporal) de forma muito eficiente mediante a evaporação
de líquido (suor) produzido por glândulas na pele (glândulas sudoríparas). Também
utilizamos a água como meio para eliminar substancias indesejáveis pela urina ou
para eliminar as fezes em forma semilíquida.
Se bebermos água de forma insuficiente, teremos problemas de eliminação de
calor ao fazermos exercícios físicos (possível patologia por calor), de eliminação de
substâncias pela urina (urina concentrada e a possibilidade de litíase e cólicas renais),
e de eliminação de fezes (constipação).
E todas as águas são iguais?
Podemos beber água da torneira ou levar em consideração a seleção das
chamadas águas minerais que se classificam segundo seu grau de conteúdo em sais
minerais, assim:
a) Águas de mineralização forte (acima de 1.501 mg de minerais por litro);
b) Águas de pouca mineralização (até 500 mg de minerais por litro);
c) Águas de muito pouca mineralização (abaixo de 51 mg de minerais por
litro).
Todas elas devem estar dentro dos parâmetros de exigência quanto ao
conteúdo de substâncias perigosas (Tabela 14).
José Antonio Villegas García
Componentes
Limites máximos (mg/L)
0,0050
Antimônio
0,01 (total)
Arsênio
1,0
Bário
P.M. (*)
Boro
0,0030
Cádmio
0,050
Cromo
1,0
Cobre
0,070
Cianureto
5,0
Fluor
0,010
Chumbo
0,50
Magnésio
0,0010
Mercúrio
0,020
Níquel
50
Nitratos
0,1
Nitritos
0,010
Selênio
Tabela 14: Conteúdo de minerais em 1000 ml (Limites máximos (mg)
(*) O limite máximo para o boro se fixar se for necessário, são sugestões da Autoridade
Européia de Segurança Alimentar e a proposta da Comissão, antes de 01 de janeiro de 2006.
Comercializam-se água e as classificam segundo sua origem em:
Minerais naturais. São de origem subterrânea, bacteriologicamente sã, com
uma composição constante em seus minerais e outros componentes.
De manancial. São também águas subterrâneas e bacteriologicamente muito
boas. Porém, no lugar de ter minerais e outros elementos em condições apreciáveis,
somente se definem como águas “potáveis.”
Potáveis preparadas. Ao contrario das minerais naturais e das de manancial,
são águas submetidas a tratamentos físico-químicos que cumprem os requisitos
sanitários exigidos para seu consumo.
Águas de consumo público engarrafadas. É água de torneira engarrafada que
passa em filtros para eliminar areia ou excesso de cal.
Com gás. Podem ser minerais naturais ou de manancial. São aquelas que têm
um certo conteúdo de gás carbônico ou anidrido carbônico.
Devemos beber sem esperar ter sensação de sede, já que a sede indica um
certo grau de desidratação. A eleição de uma água mineral se baseia exclusivamente
na disponibilidade de água potável, já que não oferece nenhuma vantagem sobre esta.
87
88
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
A indicação de fluoração na água potável é adequada quando se realiza nos limites
corretos e se faz para prevenir enfermidades dentárias.
A ingestão de água é maior em condições de calor, especialmente quando se
fazem exercícios físicos e há pouca umidade. Todos os desportistas e pessoas que
realizam trabalhos pesados (trabalho agrícola ou de construção) deveriam conhecer os
riscos de padecer de uma patologia por calor se não beberem líquidos. E,
principalmente, devem evitar a exposição prolongada ao sol nos meses de verão.
Os países tropicais e com climas áridos têm passado por “fortes ondas de
calor” e vêm sofrendo com o aumento de casos de morte por calor, que é a forma
extrema de se manifestar um aumento da temperatura interna, que ultrapassa os 40ºC
em pessoas que, por várias circunstâncias, não conseguem termorregular-se
adequadamente. Nesse sentido, a desidratação é um fator muito prejudicial, mas
muito fácil de evitar (basta beber água).
A utilização de águas minerais carbônicas nos aproximam mais da dieta
paleolítica já que alcalinizam levemente e compensam algo do desequilíbrio atual
ácido da nossa dieta.
José Antonio Villegas García
10. ALIMENTOS COM BAIXA CALORIA (LIGHT)
Mal ayuna el que mal come
A indústria busca satisfazer os desejos dos consumidores. Se há demanda,
imediatamente alguém está disposto a colocar “o produto em uma gôndola de
supermercado. Esse é um principio básico do livre comércio.
Comentamos em páginas anteriores as drásticas mudanças experimentadas
pelos consumidores ao longo do século XX. Alimentos mais doces, com mais
gordura, mais rápidos de consumir, em definitivo, a chamada comida rápida. Vimos
também uma solução rápida a que chegou a indústria, com a criação de pães, bolos,
tortas e outros alimentos prontos, “de caixinha”, em substituição ao tradicional pão da
padaria.
Basta que consumidores ou entidades de defesa de consumidores acionem a
vigilância sanitária, alertando para o perigo desses produtos para a saúde, como
agentes da obesidade infantil, para que esses alimentos surjam com nova roupagem na
embalagem e mascarados no conteúdo. Leia os rótulos com atenção e verá num
produto "diet" a advertência: “Atenção diabéticos, este produto contém açúcar." Ou
proclama redução de 40% de gorduras quando, na verdade, não passou muito de 30%.
Os alimentos industrializados classificados como light começaram a ser importantes
na dieta ocidental desde o final do século passado. Eis o que diz a legislação sobre um
produto light:
1. Deve se apresentar a partir do homólogo que já exista no mercado, não pode
aparecer um produto novo como light se não existia previamente;
2. A classificação light só será permitida para os alimentos que forem
atenuados em algum nutriente. Isso quer dizer que o termo só poderá ser empregado
se o produto apresentar redução de algum nutriente em comparação com um alimento
de referência (versão convencional do mesmo alimento).13
Entretanto, segundo um estudo realizado pela União de Consumidores da
Espanha (UCE), o grau de cumprimento desse acordo é muito baixo, já que o informe
diz que somente dois dos 14 produtos que a associação examinou cumpriam a
normativa espanhola sobre produtos denominados light.
13
NT: Resolução RDC 54/2012 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Bebidas refrescantes, molhos de mesa como tomate ou maionese, produtos à
base de carne, pratos preparados, conservas de pescado, geléias e produtos lácteos
(iogurte, requeijão, manteiga e queijo) são os diferentes tipos de produtos examinados
pela UCE. O problema é que não se trata do mesmo alimento, que o homólogo, e sim,
de outro completamente diferente.
Por outro lado, o fato de um alimento ser light não significa que não seja
muito calórico. Por exemplo, o leite condensado light tem 15% de calorias a menos
do que o convencional, mas mesmo assim continua sendo um alimento muito
energético. E como esses alimentos conseguem ser light ?
A maioria trocando o açúcar pelos adoçantes e as gorduras por substitutos
químicos semelhantes. Entretanto, em alguns alimentos aparecem as contradições,
como a maionese, da qual se reduz a quantidade de azeite e ovos e se compensa com
o aumento da água. Apesar das maioneses light serem 15% mais caras que a
convencionais.
%
Calorias redução
calorias
Marca
comercial
Produto
Hochland
fatias normal
Hochland
fatias diet
175
Kraft
Caseiro fatia normal
259
242,6
28%
% de
Proteínas Gorduras
redução de
(g)
(g)
gorduras
15,5
17,9
21
9
12,4
21,4
36%
64%
Kraft
caseiro fatia LIGHT
165
18,1
7,7
Kraft
Caseiro porção
normal
221
9,2
18,5
Kraft
Caseiro porção
LIGHT
166
12,1
11,3
Bel Espanha
Vaca que rí
226
10,5
18
Bel Espanha
Vaca que rí LIGHT
151
11,5
9
San Milão
De Untar Natural
231
9,3
20
25%
39%
33%
50%
33%
San Milão
De Untar LIGHT
154
50%
50%
11,3
10
Tabela 15: Lista comparativa de queijos fundidos normalmente frente aos LIGHT, composição por
100 gramas.
91
José Antonio Villegas García
Às vezes se consegue o objetivo proposto, como é o caso dos queijos fundidos
light, nos quais se consegue a redução de calorias omitindo como ingrediente a
manteiga ou empregando-a em menor quantidade, e incluindo leite em pó ou
concentração
semidesnatada
ou
desnatada.
Alguns
levam
ainda
aditivos
estabilizantes, que ajudam a obter uma consistência similar à do queijo fundido
normal. A quantidade calórica média desses queijos é de 150 calorias e a de gordura
se aproxima-se a 10 gramas para cada 100 gramas de produto.
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Não comer produtos light, pois não é sensato que de um alimento supostamente
equilibrado tenha de ser retirado parte de sua composição para fazê-lo menos
calórico (se é por excesso de gordura, é que não era um alimento saudável).
SOLUÇÃO APROVEITANDO A ATUAL TECNOLOGIA
Os alimentos light podem ser considerados como “dieta de emagrecimento”, mas
devemos assegurar-nos de que não nos provocam nenhum prejuízo. Temos que
analisar a rotulagem, compará-lo com seu equivalente não light (isso deveria ser
feito na própria rotulagem dos alimentos light, mas se não for possível, deve-se
compará-lo com o homólogo light). Acerca do consumo, podemos levantar várias
possibilidades:
1. Se a redução de gordura e açúcar é significativa, e se o consumo desse
alimento nos satisfaz, então vá em frente com a compra.14
2. Se a redução de gordura e açúcar for significativa, e se podemos substituir
esse alimento (por ex. no caso do leite condensado light, melhor tomar leite
desnatado sem açúcar), então, essa alternativa é preferível.
3. Se a redução de gordura e açúcar não for significativa, e se o consumo
desses alimentos nos satisfaz, então, avaliar a relação do preço de um e
outro produto.
4. Se o alimento light inclui substâncias indesejadas como aditivos, adoçantes,
etc., melhor comer com muita moderação.
14
NT: A quantidade de consumo deve ser adequada às necessidades individuais.
92
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
11. ALIMENTOS FUNCIONAIS
Si te digo que la burra es parda, es porque tengo los pelos en la mano
No final do século passado e começo do atual, com o progresso da tecnologia
de alimentos, estudou-se a possibilidade de modificar alguns nutrientes específicos
que podiam ser ou não desejáveis em algum alimento (por exemplo, modificar a
gordura saturada do leite por outra fonte de gordura desejável, como o ácido oléico ou
o ômega 3). Nasciam, assim, os chamados alimentos funcionais.
Os alimentos funcionais ou medicinais (nutracêuticos), são definidos como
qualquer substância que, como alimento ou parte de um alimento, proporciona
benefícios médicos ou para a saúde, incluindo o menor risco e tratamento de doenças
(Figura 6). Abriu-se, portanto, um grande mercado, e por isso mesmo, a pressão das
grandes indústrias aumentou sobre esse tipo de alimento, o mesmo com a sua
publicidade. A consequência foi que isso gerou uma informação manipulada e parcial
que serviu para incrementar em até 200% o preço base do alimento em questão.
Figura 6: Critérios de saúde de alguns alimentos. Substâncias adicionadas que dão o caráter
de “funcionais.”
A publicidade chegou à população mais cedo que o próprio conhecimento
sobre o produto, de modo que já se vendem iogurtes com fitoesteróis, leite com ácido
José Antonio Villegas García
linoléico conjugado15, biscoitos com L-carnitina, etc., sem que o consumidor sequer
conheça o produto de que estão falando.
Os primeiros alimentos funcionais apareceram com a intenção de modificar a
composição dos alimentos com algum tipo de nutriente indesejado, por exemplo, o
leite de vaca têm em sua composição 3,7g de gordura por 100g de leite, e disso, a
maior porcentagem corresponde às gorduras saturadas. A idéia de eliminar a gordura
é muito sensata, sobretudo em pessoas com sobrepeso.
Vejamos os conteúdos em nutrientes de 100 mL de leite de vaca com
correspondência aos conteúdos de gordura .
Leite
Integral
Semidesnatado
Desnatado
Kcal
65
49
33
Proteínas (g)
3,3
3,5
3,4
Gorduras (g)
3,7
1,7
0,1
Carboidratos (g)
5
5
5
Cálcio (mg)
121
125
130
Vit. B12 (mcg)
0,3
0,3
0,3
Vit. A (mcg)
48
23
0
Vit. D (mcg)
0,03
0,01
0
AGS (g)
2,2
1,1
0,1
AGM (g)
1,2
0,6
0
AGP (g)
0,1
0
0
Colesterol (mg)
14
9
2
Tabela 16: Conteúdo de nutrientes de 100mL de leite de vaca. AGS = Gorduras saturas / AGM =
gorduras monoinsaturadas / AGP = gorduras poliinsatuardas / mcg = microgramas
Pois bem, o leite desnatado tem um sabor diferente do que estamos
acostumados, de forma que surgiu a pergunta: e se acrescentarmos uma gordura mais
saudável que a saturada, por exemplo, ácidos graxos ômega 3? A partir dessa
composição, temos um alimento funcional - leite com ácidos graxos ômega 3.
Do mesmo modo, existem iogurtes com toda forma de alterações: com ácido
linoléico conjugado, com ômega 3, com Aloe vera, entre outros. Margarinas com
esteróis e estanóis (substâncias de origem vegetal que diminuem a absorção de
15
CLA - uma gordura a que concederam propriedades para baixar peso. Refere-se a
uma família composta por alguns isómeros do ácido linoléico. Encontram-se
principalmente na carne e em produtos lácteos de ruminantes.
93
94
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
colesterol). Ovos com ômega 3 (galinhas alimentadas com algas). Bebidas com
oligossacarídeos (fibra não digerível que ajuda a manter uma colonização de bactérias
no cólon). Sal com pouco sódio (com mais potássio).
A indústria aprendeu rapidamente o conceito de alimento saudável e começou
a planejar o que chamam “alegações de saúde”, por exemplo: “margarina que baixa o
colesterol”, “leite que emagrece”, “bebidas que aumentam a imunidade natural”, “sal
que ajuda o coração”, etc., etc.
Frente a essa explosão de argumentos, na sua maioria sem respostas dos
ensaios científicos, as legislações de muitos países 16 tentam colocar ordem na casa
com normativas que basicamente dizem: “Se você afirma que seu produto faz tal
coisa, demonstre-nos.” Entretanto, na Espanha não existe uma normativa que teste
esses alimentos de forma específica e espera-se que a legislação estadual faça isso.
Poderíamos estabelecer uma categoria desses novos alimentos mediante uma
comparação:
 Um alimento básico seria a soja (uma leguminosa rica em aminoácidos
essenciais);
 Um alimento processado seria o tofu ou queijo de soja (um preparado à
base de soja que não tem nada que ver com o leite);
 Um alimento reforçado seria o leite de soja com cálcio (liquefeito de soja
que é acrescentado cálcio);
 Um alimento funcional seria o leite de soja com isoflavonas, cálcio e
magnésio (buscando aumentar a potência antiosteoporótica da soja em
mulheres na menopausa);
 Um nutracêutico seria oferecer isoflavonas (obtidas da soja) em
comprimidos.
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Não há sentido em seguir os critérios de uma alimentação paleolítica e usar os
alimentos funcionais.
16
NT: No Brasil, a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – tem uma legislação específica
para alimentos com alegações de propriedades funcionais e ou de saúde, novos
alimentos/ingredientes, substâncias bioativas e probióticas.).
José Antonio Villegas García
SOLUÇÃO APROVEITANDO A ATUAL TECNOLOGIA
Informar-se das características do “funcional” do alimento em questão. Se faz
falta em nossa alimentação ou nos agrega algo positivo, avaliar a relação preço do
alimento normal + preço do composto agregado e ver se a soma é maior ou menor
que o preço do alimento funcional. De qualquer forma, há que ter em conta que ao
alimentar-se com um alimento funcional, ingerimos o nutracêutico, mas também o
alimento “base”.
Vamos analisar as considerações sobre os alimentos funcionais:
1) Atividade hipoglicêmica
Baseada na incorporação das fibras insolúvel (farelo de trigo, por exemplo) e
solúvel (fibras dos cereais como a aveia) aos alimentos refinados. Podem incorporar
vitaminas e minerais como o cálcio.
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Menor ingestão de carboidratos e nada de refinados. Nada de açúcar nem de
derivados.
2) Atividade anti-hipertensiva
Baseada em mudar parte dos sais de sódio dos alimentos por sais de potássio.
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Reduzir drasticamente a ingestão de sódio.
3) Atividade pró-imunitária
Baseada em ingerir um microorganismo não patógeno resistente à digestão normal
(probiótico), que chega ao cólon na forma viável, onde tem um efeito promotor da
saúde para um hóspede.
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96
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Ingerir alimentos com certo grau de putrefação17 (incompatível com as normas de
segurança alimentar atuais)
4) Atividade antioxidante
Baseada na incorporação de antioxidantes à alimentação: leite de soja, bebidas de
chá verde, vinho tinto seco, chocolate amargo (de preferência com 70% ou mais de
cacau).
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Comer frutas com “pele” e sementes. Cebolas, alho, brócolis, etc.
5) Atividade antitumoral
Baseada no fato de que uma ação negativa das chamadas espécies reativas de
oxigênio (que produzem estresse oxidativo) ocorre ao nível do DNA, provocando
mutagêneses (uma das causas do câncer). Os polifenóis poderiam exercer um efeito
antitumoral evitando o câncer, ao mesmo tempo em que inibem o crescimento celular.
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Comer frutas com “pele” e sementes. Cebolas, alho, brócolis, etc.
6) Ação anticolesterol
Os fitoesteróis e fitoestanóis (que são a forma saturada dos fitoesteris) são esteróis
de origem vegetal (estão presentes de forma natural, em pequenas quantidades, em
muitas frutas, verduras, nozes, sementes, cereais, legumes, azeites vegetais e outras
fontes similares). Têm uma formulação muito similar à do colesterol e se caracterizam
por inibir sua absorção, sendo, por sua vez, escassamente absorvidos pelo organismo.
17
Putrefação para se referir à época paleolítica; atualmente, probióticos não estão relacionados com
produtos em estado de putrefação.
José Antonio Villegas García
A alegação de que diminuem o colesterol no sangue e de que não são absorvidos
os converte em uma grande oportunidade industrial, incluindo aí as margarinas e
iogurtes com supostos efeitos benéficos ao coração.
A ingestão destes compostos em uma dieta habitual em nosso meio se situa entre
os 160 e 500 mg/dia. Contudo, a ação hipocolesterolêmica necessita entre 0,8-2g/dia
de fitoestanóis e 1,3g/dia de fitoesteróis, com o que se ganharia uma redução diária de
uns 10% de colesterol no sangue.
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Nunca foi um problema o colesterol entre os povos caçadores coletores.
Como vemos, a solução paleolítica acaba sendo uma utopia. Isso nos deixa
necessariamente nas mãos dos alimentos funcionais?
Comentemos um pouco sobre o “rigor científico”.
Existem algumas ressalvas, do ponto de vista científico, para se usar os
alimentos funcionais. Em primeiro lugar, faltam estudos de contraprovas e bem
realizados sobre a maioria das alegações que sugerem a indústria. Em segundo lugar,
o enriquecimento de uma grande parte dos alimentos, com vitaminas e minerais, pode
proporcionar uma ingestão de nutrientes além do limite da tolerância.
Quanto ao primeiro ponto, vejamos alguns exemplos:
Quanto aos alimentos e aos suplementos alimentares enriquecidos com
microrganismos, deve-se considerar:
1.º, que muitos desses microrganismos não sobrevivem ao contato com ácido,
bílis e antibióticos;
2.º, que se forem resistentes aos antibióticos, sua segurança necessitaria ser
avaliada seriamente pelo perigo de transferir essa resistência intrínseca à microflora
natural ou às bactérias patógenas.
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Em alguns estudos realizados com iogurtes, por exemplo, não foi encontrada
nenhuma bactéria viva no intestino, depois da sua ingestão. Entretanto, no outro
extremo, existem estudos rigorosos sobre o papel benéfico de microrganismos
probióticos (Bifidobacterium lactis e Lactobacilus reuteri) em lactantes, embora sua
segurança não esteja suficientemente comprovada.
Por outro lado, os antioxidantes usados em grandes quantidades podem ter
efeito
pró-oxidante,
além disso,
em
muitos
casos
se
desconhecem
sua
biodisponibilidade, ou seja, a quantidade real que fica à disposição do organismo
depois do processo digestivo. Sabemos apenas que a sua ingestão modifica alguns dos
processos oxidativos que se produzem prontamente, e em escassos milissegundos. Por
exemplo, uma das frutas com maior poder antioxidante é o romã, entretanto,
praticamente na sua totalidade, os seus antioxidantes são destruídos no processo
digestivo. Em outros casos (betacarotenos), há, inclusive, estudos que relacionam sua
ingestão elevada com um pior prognóstico de câncer de pulmão.
Não sabemos “orquestrar,” neste momento, a quantidade disponível de
instrumentos “musicais” (antioxidante) que existem, ou seja, conhecemos o som de
muitos deles (sua ação está provada em animais), mas não sabemos como organizálos (biodisponibilidade) para que soem como uma orquestra afinada (cumpram sua
função real de antioxidantes no momento oportuno de maneira adequada).
Da atividade antitumoral, o que comentar? O câncer é relativamente fácil de se
prevenir, mas seu diagnóstico ainda é dramático. O paciente necessita de
quimioterapia, às vezes radioterapia e, em alguns casos, de ambas. São tratamentos
agressivos, com tremendos efeitos secundários. É comum também o uso de palavras e
frases de esperança, baseadas na ilusão mais do que na realidade. A sugestão é
acolhida por muitos pacientes.
Utilizemos um exemplo. Um homem de 40 anos que fuma, pode seguir alguns
passos para evitar a morte por câncer de pulmão. O melhor será deixar de fumar.
Provavelmente, assim, haverá vencido a enfermidade que poderia matá-lo. Se, apesar
disso, quiser seguir tentando a sorte, pode tomar vitamina C, fazer exercícios e adotar
uma dieta que inclua uma boa quantidade de polifenóis (antioxidantes). Ainda assim
ninguém pode garantir que tudo não vá acabar muito mal. Estamos dando ao
organismo “cal e areia” (substâncias cancerígenas por um lado e substâncias para
defender-se do câncer, por outro). Se continuar fumando, sem se exercitar e se a dieta
José Antonio Villegas García
é baixa em antioxidante (o mais comum), o coquetel é convidativo para uma
cardiopatia isquêmica ou um câncer de pulmão. Se, finalmente, aparecer o câncer do
pulmão, então, todos os antioxidantes do mundo têm pouco valor. A única alternativa
nesses casos é o tratamento médico - por sinal, um tratamento médico agressivo da
medicina científica.
Nesse contexto, falar de efeitos anticancerígenos não deixa de ser simplista. O
melhor, indiscutivelmente, é abandonar os hábitos provocadores (o meio ambiente
que permite a expressão de genes defeituosos): fumar; beber em excesso (eu, na
realidade, não sei o que é beber com moderação, porque o álcool não é um nutriente,
mas deixemos assim); tomar sol sem proteção; não fazer exercício físico; comer
comida “lixo” (pouca fibra, poucos antioxidantes, muita gordura inadequada...).
Quanto ao uso de substâncias para baixar o colesterol, pouco a se fazer. Em
primeiro lugar, o colesterol é imprescindível para o ser humano, logo, não se pode
apenas pensar em reduzi-lo. Em segundo lugar, aumenta-se o colesterol devido a uma
patologia hereditária ocasionada por um defeito genético, contra o qual pouco
podemos fazer com os alimentos funcionais. Em terceiro lugar, aumenta-se porque
não fazemos atividades físicas e comemos muita gordura saturada. Já sabemos da
importância dos exercícios físicos e de uma alimentação saudável. Em quarto lugar,
se temos cifras baixas de colesterol e comemos bem e fazemos pouco exercícios
físicos, um outro procedimento poderia ser o uso de fitoestanóis. Além disso, ter em
conta que:
1) O consumo de fitoesteróis e fitoestanóis reduz ligeiramente a absorção de
vitaminas e antioxidantes lipossolúveis, como o betacaroteno, licopeno e alfa
tocoferol (vitamina E);
2) Pode acontecer que a ingestão de fitoesteróis não seja adequada a mulheres
grávidas, em períodos de lactância, a adolescentes e crianças menores de 5 anos;
3) Alguns estudos mostram que depois de haver consumido em forma
contínua e por tempo prolongado alimentos com fitoesteróis e fitoestanóis, ao
suspender a ingestão, pode-se produzir um aumento dos níveis de colesterol ou efeito
rebote.
Outro tema de especial dedicação por parte da indústria é a menopausa e os
fitoestrógenos da soja.
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
A menopausa se define como a ausência permanente de menstruação depois
de um período de amenorréia de um ano. Geralmente se apresenta entre os 45 e os 55
anos, com uma média dos 50 anos. Produz-se devido à interrupção da função dos
ovários (depois do esgotamento dos óvulos), o que provoca uma diminuição
importante dos níveis de estrógenos (hormônios produzidos pelos ovários), que são os
responsáveis pela aparição dos sintomas que acompanham a menopausa.
Os sintomas mais conhecidos são os psicológicos e emocionais (fadiga,
irritabilidade, insônia, nervosismo) e parecem ser causados pela diminuição dos
estrógenos. Entretanto, há outros que são mais preocupantes do ponto de vista da
saúde, como a osteoporose (perda da densidade óssea) e as patologias
cardiovasculares. A osteoporose avança com rapidez durante os cinco anos
posteriores à menopausa (perde-se de 3% a 5% de massa óssea por ano) e é
responsável também pelas fraturas vertebrais, do fêmur e dos ossos do punho.
Para evitar esses efeitos do modismo da chamada “terapia hormonal
substitutiva”, quando se dão estrógenos e progesterona para a mulher na menopausa
(os estrógenos estão relacionados com a aparição do câncer do endométrio), esse
tratamento foi submetido a distintas revisões e interpretações por causa de sua
associação ao câncer do endométrio e câncer de mama. Na atualidade, a associação
dos hormônios é considerada um fator cancerígeno pela Agência de Drogas norteamericana (FDA).
Entretanto, essa terapia é efetiva e melhorou a sintomatologia de muitas
mulheres que se negaram a ficar sem opção. Agora os olhares se voltam para o
oriente, onde as mulheres têm menos problemas relacionados à menopausa. O que
deixa as mulheres orientais imunes aos sintomas negativos da menopausa? A resposta
veio de alguns componentes parecidos com os estrógenos presentes na soja, os
chamados fitoestrógenos.
A ação dos estrógenos nos tecidos se deve ao fato que estes reconhecem nos
esteróides hormonais uma espécie de receptor que se encontra no núcleo de suas
células. Esse receptor estrogênico, cuja estimulação ao chegar o hormônio provoca o
efeito celular dos estrógenos (são as causas de crescimento da maior parte das
características sexuais secundárias na mulher), também é estimulado por algumas
substâncias que existem em determinadas plantas chamadas isoflavonas. A ação
mimética que exercem sobre esses receptores foi denominada de fitoestrógenos.
José Antonio Villegas García
Os fitoestrógenos são ligações mais fracas que os estrógenos naturais (p. ex. o
estradiol) e muito menos que os sintéticos. Também são muito menos “tóxicos”,
permitindo sua administração em doses elevadas, o que garantiria seu efeito. Existem
uns 230 tipos de isoflavonas, sendo que três delas - daidzeína, genisteína e gliciteína são as que têm maior importância clínica. Estima que em 100 gramas de soja se
encontrem uns 300 miligramas dessas substâncias.
Em países como o Japão, o consumo de isoflavonas é dez vezes maior do que
em países ocidentais, e a incidência de câncer de mama é cinco vezes menor. As
mulheres na menopausa têm menor incidência de osteoporose e de enfermidades
cardiovasculares e os sintomas da menopausa são muito menores.
Assim, tudo parece caminhar para o aumento do consumo da soja. De fato, a
indústria já se adiantou e lançou alimentos funcionais com soja (leite com soja, sucos
com soja, iogurtes com soja, etc.) e inclusive isoflavonas em forma do que se conhece
como nutracêuticos (alimentos ou ingredientes que proporcionam benefícios
comprovados à saúde humana). Mas realmente são efetivos? E seguros?
O problema é que a efetividade comprovada desses compostos só se
demonstrou nas populações em que as mulheres consomem soja e derivados de forma
significativa desde jovens. E mais, o consumo exagerado de isoflavonas está
desaconselhado em mulheres férteis, já que os estudos em ratos demonstram ligeiras
alterações fetais em relação com seu alto consumo. Portanto, a soja, como mais um
alimento, torna-se efetiva. Se isso acontece desde jovem, acaba sendo mais efetiva
ainda. Pelo contrário, ingerir isoflavonas em altas quantidades (suplementos e
comprimidos) só é aconselhado para mulheres na menopausa.
Os achados encontrados nos estudos experimentais em humanos mostram
algum efeito protetor sobre a massa óssea por parte das isoflavonas. Não obstante, os
dados são contraditórios (doses de 80 mg ao dia durante seis meses parecem diminuir
a perda de massa óssea na coluna vertebral). Estudos com ratos apontaram que o
consumo de grandes quantidades de soja na dieta não implica um incremento
significativo da densidade óssea. Em consequência, mesmo assim, a soja pode ter um
efeito benéfico. É provável que os efeitos positivos da dieta oriental sobre a
osteoporose estejam relacionados com outros produtos e com hábitos culturais, de
exercícios físicos e de estilo de vida.
Não obstante, usar isoflavonas nas mulheres na menopausa tem algo muito
positivo e carece de efeitos secundários. Os fitoestrógenos registraram também uma
101
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
certa atividade anticarcinogênica. De fato, as dietas ricas em soja repercutem
favoravelmente em uma diminuição dos casos de câncer de mama, próstata, pulmão e
pâncreas, entre outros. Alguns estudos também apontam que a ginesteína 18 pode
produzir apoptose tumoral (apoptose é uma espécie de morte celular programada pelo
organismo) e controlar a ação de algumas enzimas existentes na ativação de fatores de
crescimento tumoral.
Agora avaliemos a situação no sentido comum.
Mariana tem 49 anos, é uma mulher branca, casada e com dois filhos,
trabalhadora de uma empresa de tecidos, fumante e sedentária. Mede 161 cm e pesa
73 kg (sobrepeso), apresenta uma hipertensão leve e o colesterol em limite de
tratamento farmacológico. Sua dieta é irregular, já que come fora de casa
19
e só
cozinha nos fins de semana. Gosta de carne, come poucos frutos do mar, bebe de vez
em quando e sua quantidade de leite ao dia não supera um copo de 200 ml. A vida
desregrada já dura vários meses e Mariana começa a ter falta de ar. Está preocupada
porque se sente “menos mulher”: tem menos apetite sexual e as relações são dolorosas
(secura vaginal). Algumas amigas lhe dizem que isso não é nada, que compre
lubrificantes vaginais, que frequente mais os salões de beleza e que coma mais
isoflavonas (encontrará sem receita médica em uma farmácia) e beba leite com cálcio.
Mariana deveria estar muito mais preocupada com o estado de suas artérias
(em particular as coronárias) e de seu esqueleto. A partir do momento em que acabam
os estrogênios, perde-se uma proteção natural frente à arteriosclerose (já que
aparecem nos exames de sangue), pequenas placas nas coronárias podem se
desestabilizar subitamente e lhe provocar uma síndrome coronária aguda (que na
mulher tem um pior prognóstico). Também sua massa óssea vai sofrer com isso. Os
fatores mulher branca, fumante e sedentária vão provocar uma perda da massa óssea
que, em alguns anos, pode levar à ruptura da cabeça do fêmur e também dores
insuportáveis nas costas. O aconselhável seria procurar um ginecologista e avaliar a
terapia hormonal, além de mudar os hábitos de vida (primeiramente, deixar de fumar)
e iniciar tratamento para a hipercolesterolemia.
18
19
NT: uma das duas mais importantes isoflavonas da soja
NT: nem sempre comer fora de casa significa dieta irregular.
José Antonio Villegas García
Mariana poderia ter evitado essa situação desde jovem. Se fosse uma
praticante de exercícios físicos e praticasse algum esporte, além de seguir uma dieta
rica em cálcio e isoflavonas (alimentos à base de soja), haveria preparado um bom
“capital ósseo” que ajudaria na menopausa. Esses procedimentos a ajudariam também
a se afastar do cigarro e a manter o peso. Com esses fatores ambientais, seria difícil
que tivesse problemas de colesterol e sua imagem de mulher sofreria menos com o
passar do tempo.
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Aqui a dieta paleolítica tem pouco a dizer porque muito poucas das nossas
tataravós de milhares de anos atrás conseguiram chegar na menopausa.
Não obstante, se a pressão da indústria que se mantém dentro dos limites do
conhecimento científico e a experimentação clínica, mediante a regulação
correspondente por parte da U.E. (União Européia, teríamos uma resposta tecnológica
para uma transformação (para o mal) da dieta do ser humano, devido aos fatores que
já comentamos anteriormente.
Os alimentos funcionais não são nem bons nem ruins em si mesmos; de fato,
há os muito bons e os absolutamente inúteis. O importante é aproveitar a capacidade
tecnológica da indústria e criar uma informação adequada para o consumidor, que
sirva para gerar “tendências” de consumo, que guiem a indústria para produzir os
alimentos funcionais adequados.
No momento, o único critério seguido pela indústria é colocar nos supermercados
dezenas de produtos e infinitas propagandas sobre eles. Em muitos casos, de produtos
duvidosos. Às empresas só interessa o lucro.
Suponhamos um exemplo. Um biscoito funcional da marca que tem os
seguintes ingredientes: farinha de cereais (trigo, integral de trigo, aveia e centeio),
gordura vegetal parcialmente hidrogenada, açúcar, fibra alimentar, xarope de glicose,
mel, sal, L-carnitina, emulsificante, aroma e antioxidante.
O fato de incorporar carnitina (um transportador de gordura para o interior da
mitocôndria) induz a publicidade a dizer que “ajuda a eliminar a gordura
transportando-a ao interior das células, até as mitocôndrias, chamadas “Fat burner -
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
queimadores de gorduras”, onde se metabolizam, transformando-as em energia. É
uma alegação que incita o consumidor a comer um alimento que não engorda, e sim, o
contrário, vai ajudar a queimar suas gorduras (a que sobra pelo excesso de peso), o
que não é verdadeiro.
A carnitina extra que se ingere, à margem da que o próprio corpo sintetiza,
não demonstrou nos estudos que potencialize o transporte de gordura ao interior da
mitocôndria (que seria extraordinário para muitos esportistas), mas, mesmo se isso
fosse possível, se queimaria mais gordura do que o organismo necessita como
substrato energético.
Em definitivo, comendo biscoitos com carnitina se ingerem calorias que não
se queimam. Entretanto, esses mesmos biscoitos incorporam uma gordura vegetal
parcialmente hidrogenada, ou seja, uma ácido graxo trans que já comentamos e que
não é desejável.
É, portanto, um alimento funcional que não funciona. Por isso, se no lugar de
carnitina se eliminasse a gordura trans, dada sua composição de fibra alimentar,
poderíamos, assim, chamar de alimento funcional que “funcionaria.”
PODERÍAMOS PRODUZIR NOSSOS PRÓPRIOS ALIMENTOS
FUNCIONAIS?
Vejamos as alegações de saúde dos alimentos funcionais e estudemos a
possibilidade de aplicar caseiramente os benefícios.
1) Atividade hipoglicêmica
Estudar a chamada “carga glicêmica” dos alimentos, tratando de escolher os de
menor carga glicêmica (ver a seção correspondente dos carboidratos).
2) Atividade anti-hipertensiva
Diminuir a ingestão de sais de sódio (um caçador coletor comia cinco vezes
menos sais de sódio do que nós). Aumentar a atividade física (calcula-se que nossos
ancestrais realizavam uma atividade física equivalente a andar quarenta quilômetros
diários).
José Antonio Villegas García
3) Atividade pró-imunitária
Podemos tomar iogurte ou kéfir 20 (leite fermentado) e acrescentar à nossa
alimentação habitual compostos com frutooligosacarídeos, como alcachofra, aspargo,
alho, cebola, tomate ou banana.
4) A atividade anticancerígena
É levar um tipo de vida saudável, realizando atividades físicas. Não fumar e
consumir álcool de forma muito moderada (não mais de um cálice de vinho por dia) 21.
Ter uma alimentação rica em frutas e verduras e evitar a exposição a agentes
cancerígenos (o sol por exemplo).
A respeito dos alimentos funcionais, não se pode ser dogmático, há que analisar
alimento por alimento. Vamos dar alguns exemplos:
Leite: Um alimento com pouco sentido desde o ponto de vista ancestral (toma-se
leite na idade adulta apenas a partir da introdução da pecuária). Entretanto,
converteu-se em um alimento crucial na atualidade. Considera-se que o maior valor
para tomar leite é o cálcio de que necessitamos. Sendo assim, a insistência de
tomarmos mais leite com cálcio para melhorar a saúde óssea é dos publicitários e não
dos cientistas. São contraditórios os estudos sobre a suposta melhoria da saúde óssea
à base do leite com cálcio ou suplementos. Mas parece que o mais importante é não
perder massa óssea, e nesse sentido, o exercício físico é muito mais efetivo. Não
obstante, para as pessoas com boa tolerância ao leite e para os jovens, ainda é um
bom alimento (sobretudo se for desnatado).22
20
kéfir é uma bebida láctea fermentada com recurso a colónias de bactérias e leveduras, conhecidas
como grãos de kéfir.
21
Estudos demonstram que o consumo de uma taça de vinho tinto seco para homens e meia taça para
mulheres é indicado para se ter efeitos benéficos e saudáveis ao organismo humano.
22
NT: O leite de vaca e de outras espécies animais é excelente fonte de nutrientes e pode fazer parte de
uma dieta normal de indivíduos em todas as fases do desenvolvimento (www.crn3.org.br).
105
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Sucos de frutas: beber tal qual, sem açúcar, nem conservantes, nem com acréscimos
funcionais (na dieta paleolítica, diríamos que em nenhum caso, substituem a fruta
com sua pele, etc.). Preferível a fruta inteira, mesmo que o suco seja caseiro, batido
no liquidificador.
Margarinas: Para quê? Mais gordura não tem sentido e menos ainda quando são
essencialmente ômega 6 e ácidos graxos hidrogenados (trans). As manteigas, sem
comentários.
Ovos: Alimento excepcional, tal qual (vigiar a alimentação das galinhas, melhor as
que se alimentam ao ar livre, “galinhas caipiras”, fora das áreas contaminadas).
Cereais: Uma vez submetidos a processos que os fazem digeríveis pelo nosso
organismo (nós não somos pássaros para comer trigo cru; necessitamos submetê-lo a
múltiplos processos (moer, cozinhar), para que possamos digeri-lo). Enriquecê-lo
com vitaminas e minerais, nas quantidades em que figuram as “fortificações” das
marcas comerciais, é pouco relevante. O acréscimo de fibra é positivo, já que uma
das grandes carências de nossa alimentação é a fibra. O gérmen de trigo é muito
interessante (rico em vitamina E) e se deveria incluí-lo em todos os pães, frangos,
etc..
Alimentos com baixo teor de sódio: É uma medida excelente, sem dúvida. Existem
alguns sais com baixos teor de sódio e que levam sais de potássio e magnésio e são
adequados para ajudar na redução de sais de sódio que ingerimos. 23
Soja: Uma leguminosa a mais que se deve incluir na alimentação de vez em quando.
Seus derivados, como o leite de soja, o tofu, etc., são uma fonte interessante de
proteínas. O consumo ao longo da vida é para favorecer especialmente as mulheres.
Na menopausa, pode-se ingerir isoflavonas como nutracêuticos depois de consultar
um ginecologista, mesmo que a alternativa de beber lácteos funcionais (com
isoflavonas) seja positiva, a princípio.
23
NT: Existe uma contraindicação desse tipo de sal(light) para indivíduos hipertensos com problemas
renais, uma vez que o potássio, que substitui o sódio nesse produto, é extremamente prejudicial ao rim
desses pacientes.
José Antonio Villegas García
Fibra alimentar: Há que aumentar a ingestão de verduras, hortaliças, frutas e cereais
integrais. O fato de ingerir fibra em forma de farelo ou os preparados comerciais de
fibra solúvel, é reconhecer nossa incapacidade para comer os alimentos apropriados.
Não obstante, quando é impossível seguir a dieta recomendada, acrescentar farelo em
forma de flocos de cereais.
Prebióticos: As chamadas fibras solúveis exercem um efeito no cólon próimunitário, portanto, também comer as fibras brancas das laranjas (e não jogá-la
fora), kiwi, frutos secos, legumes, verduras e maçã.
Probióticos: Beber iogurte e kéfir, mas nos asseguremos de que eles contém
lactobacilos de provado efeito probiótico e que chegarão vivos ao cólon (confiar em
uma marca segura).
APESAR DE TUDO, SOU UMA PESSOA DA ERA DA TECNOLOGIA E
QUERO ME ALIMENTAR BEM. QUE ALIMENTOS FUNCIONAIS ME
FORNECEM O QUE NECESSITO?
Pois bem, apesar do que se comentou até aqui, não queremos perder tempo em
comprar e sim, prepararmos alimentos saudáveis. Mas também queremos ingerir
alimentos modificados para melhorar nossa saúde. Podemos, então, ter em conta as
seguintes recomendações:
a) Para pessoas com resistência à insulina (diabetes tipo II, síndrome
metabólica).
Se baseiam no potencial das fibras (basicamente a insolúvel) 24 para evitar um
excessivo aumento da glicose no sangue depois da ingestão de alimentos. Estes picos,
chamados de hiperglicêmicos, têm a ver com a chamada resistência à insulina, típica
das doenças de nosso século. O mecanismo é simples: a fibra retém água, diminui a
difusão de glicose na área que recobre a célula mucosa e o acesso de alfa-amilase (a
enzima que decompõe a amido para dar glicose) aos carboidratos ingeridos.
24
As fibras que reduzem a maior concentração de LDL-C são as fibras solúveis.
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Alimentos funcionais com essa característica:
-
Leite desnatado com fibra. Leva entre 1 e 2g de fibra solúvel (geralmente
inulina). Tem melhor textura que o leite desnatado.
-
Sucos de fruta com frutooligossacarídeos. Acrescentam mais fibras insolúveis
ao suco (diminuída em relação à fruta convencional).
-
Biscoitos e cereais. Levam, fundamentalmente, fibra insolúvel (com o termo
“integral” ), algumas levam fibras insolúveis (com a denominação “fibra não
visível”).
Em processo industrial:
- Hambúrguer com fibra de laranja.
- Patês e embutidos com fibra.
Conselhos: O limite individual de ingestão de fibra insolúvel pode causar a
sensação de flatulência, lembrando da questão do consumo de amido resistente, citada
anteriormente. As recomendações atuais de fibra para os adultos oscilam entre 25 a
30g/dia ou de 10 a 13g/1000kcal., devendo ser a relação insolúvel/solúvel de 3/1, ou
seja, umas 20g de fibra insolúvel ao dia, o que equivale a 10 litros de leite com fibra
ou 1 kg de biscoitos com fibra “não visível”, por exemplo (considerando que não se
usa outra fonte de fibra nos alimentos). Nesse sentido, uma maçã tem 1,8g de fibra
insolúvel (como 2 litros de leite com fibra); uma cenoura 3,2 e uma amêndoa com
pele (porção de 138g) 15,4.
b) Para pessoas com hipertensão.
O excesso de sais de sódio (cloreto sódico ou sal comum) é comum nas dietas
atuais e, como se sabe, há uma relação direta com o aumento da pressão arterial.
A solução mais simples seria adequarmos desde a infância a experimentação
de alimentos pouco salgados, mas como o sal comum está em todas as partes
(embutidos, enlatados, comidas preparadas, pão, etc.) a indústria encontrou duas
formas de atuar. Por um lado, criando os alimentos com pouco sal e, por outro,
fabricando sal com pouco sódio (a base de sais de potássio e magnésio).
José Antonio Villegas García
Com a disponibilidade de um sal com 60% menos sódio, é inegável que
comecem a existir os primeiros alimentos funcionais com esse tipo de sal com pouco
sódio (frutos secos, batatas fritas, etc.). Já se pode consumir alimentos com pouco
sódio (manteiga sem sal, queijo com pouco sódio, embutidos pobres em sódio, etc.).
Conselhos: Cozinhar com sal pobre em sódio. Comer frutos secos (em geral,
produtos salgados) com sal baixo em sódio.
c) Alimentos para melhorar a imunidade (defesa frente às infecções).
1) Alimentos probióticos.
Os estudos centram-se na área intestinal, em que se demonstra a importância
do que se denomina “efeito barreira” sobre a imunidade geral do organismo. Até há
pouco tempo, pensava-se que o trânsito intestinal fosse uma zona de luta entre
organismos patógenos do meio externo (que entram com os alimentos) e o sistema
defensivo do indivíduo. Nessa luta, quando se perdia a batalha se produzia uma
infecção intestinal (típica das salmonelas, por exemplo), com diarréia, febre, etc..
Agora sabe-se que, a microflora existente em nosso intestino é “tolerada” pelo sistema
imunológico, e serve de defesa intestinal à patógenos, mas não é só isso, mas também,
que se essa microflora tiver uma composição determinada, pode inclusive, melhorar a
imunidade geral do organismo hóspede.
Na década passada fizeram estudos em que se demonstrou, nos humanos, que
a ingestão de leites fermentados (iogurtes) com lactobacilos e bifidobactérias e que
alteravam a microflora intestinal provocavam um aumento da atividade fagocitária no
sangue, ou seja, melhoravam a capacidade das células defensivas de nosso organismo
nas zonas desprotegidas do próprio intestino. Já há estudos em que se verificam
efeitos benéficos nas diarréias infantis, alergias, intolerância à lactose (em crianças) e
doenças inflamatórias.
Conselhos: há que ser cauteloso e exigir que o leite fermentado (iogurte) que
nos vendem, com a alegação de que “nos melhora por dentro”, demonstre que suas
bactérias passam a barreira do pH do estômago, que muda a microflora intestinal e
que prove em estudos científicos seus efeitos favoráveis sobre a imunidade e sua
109
110
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
tolerância às doses aplicadas. Isso é especialmente importante na área em que ainda
faltam muitos assuntos para comprovarem, como a natureza da interação dos leites
fermentados na região da mucosa intestinal e os mecanismos implicados; a relação
entre a resposta imune e os efeitos benéficos observados na saúde; as cepas de
lactobacilos mais benéficas para cada alegação, quantidades, etc. etc.
2) Prebióticos
São substâncias não digeríveis que estimulam o crescimento de bactérias que
atuam como probióticos, ou seja, lactobacilos ou bifidobactérias ingeridas em leites
fermentados. São oligossacarídeos (cadeias curtas de monossacarídeos, como a
inulina, que é um polímero da D-frutose; ou o arabinogalactano, oligossacarídeo do
lariço). São, em definitivo, carboidratos não digeríveis (qualificados como fibra
insolúvel) com a qualidade de servir de nutriente às bactérias de efeito benéfico que
ingerimos com os iogurtes ricos em lactobacilos ou bifidobactérias. São muito
seguros e se pode comer quantidades de até 40g ao dia, tendo em conta que o
arabinogalactano tem um efeito prebiótico a partir de 4,5g.

A INULINA, A PARTIR DE 10G DIÁRIA CAUSA DIARREIA
INTENSA! (NT.)
Conselhos: É aconselhável a ingestão de um frutooligossacarídeo com efeitos
prebióticos, que, além disso, possui os efeitos da fibra solúvel. A questão é se é
preferível comer chicória, aspargos, cebolas, alcachofras, etc., ou diretamente
tomamos um suco com frutooligosacarídeos, por exemplo. É provável que existam no
mercado produtos chamados de “simbióticos”, que têm ambos efeitos, pro e
prebióticos (leite fermentado com fibra, por exemplo).
3) Atividade antioxidante.
São produtos ricos em vitaminas antioxidantes ou polifenóis. Alimentos como
os espinafres ou os ovos (muito ricos em luteína e zeaxantina que demonstraram sua
importância para uma vista boa), são considerados alimentos funcionais e, além disso,
incluem os carotenóides (pigmentos naturais lipossolúveis que se encontram nas
111
José Antonio Villegas García
frutas e nos vegetais e proporcionam coloração amarela, alaranjada e roxa), em forma
de nutracêuticos nos complexos vitamínicos, etc. Outras vitaminas antioxidantes,
como a C e a E, são usadas para fortificar numerosos produtos (a vitamina C nos
sucos e a E nos biscoitos, azeites, etc.)
Os polifenóis, que são substâncias produzidas pelas plantas para defender-se
da oxidação (têm um forte poder de antioxidante), estão associados a
muitos
alimentos (basta lembrar do resveratrol do vinho tinto, os do chá verde, do chocolate,
etc.). O problema é que a sua chamada biodisponibilidade, ou seja, a quantidade que
se absorve e se utiliza pelo organismo é incerta e discutível. Os polifenóis do vinho
tinto parece que se beneficiam do efeito do etanol, favorecendo sua absorção. Em
outros casos, como no chá verde, parece que as sinergias são importantes e o efeito
final está bastante comprovado.
Conselhos: (recordemos que estamos no parágrafo de não comer os alimentos
naturalmente ricos nessas substâncias, e sim os “funcionais”, ou seja, suplementados
ou enriquecidos). Pois nesse caso a idéia de tomar um iogurte com chá verde, ou uma
bebida com paringina25, ou uma marmelada com antocianinas, não me parece nada
má. Deve-se perceber que, nesses casos, toma-se um produto base (um leite
fermentado), associado a um polifenol que, quando menos, é um alimento a mais.
4) Fortificantes.
São associações de vitaminas e/ou minerais em produtos pobres por si mesmo
ou devido à manipulação industrial.
A princípio, pensou-se em levar nutrientes deficitários para um grupo da
população, como foi o caso do ácido fólico, uma vitamina cuja ingestão é
absolutamente aprovada ser benéfica durante a gravidez, para o bom desenvolvimento
fetal. Da mesma forma, considerou-se incluir iodo no sal de cozinha (para combater
doença carências de iodo que afetam a tireóide) e flúor na água (para prevenir a cárie
dentária). Posteriormente se fortificaram naturalmente cereais para crianças
(vitaminas e ferro), leite desnatado com vitamina A e D, leite com cálcio, sucos com
vitamina C, bolachas com ferro e fósforo , etc. etc.
25
É um flavonóide (flavanona glicosilada) que se extrai da casca de alguns frutos cítricos.
112
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Dicas: O problema aqui é que se você consumir todos os produtos
fortificados, ultrapassará o limiar de tolerância para certas vitaminas e minerais, o que
não é impossível. O ideal é ter uma boa informação nutricional, de modo que, se for
beber leite desnatado, acrescentar vitaminas, que desaparecem no processo de
remover a gordura (vitaminas lipossolúveis A e D); se você pegar um óleo altamente
insaturado, comprar aquele que leve vitamina E; se você tomar suco de laranja
engarrafado, use um com vitamina C e assim por diante.
5) Simuladores de estrógenos (fitoestrógenos)
Bem, temos falado longamente. Se no final optamos por alimentos de soja,
devemos tomar algumas precauções. Em primeiro lugar, a soja gera algumas reações
alérgicas; em segundo lugar, a ação de isoflavonas (fitoestrógenos da soja) podem ser
prejudiciais em quantidades elevadas em mulheres jovens.
No entanto, para seu crédito, a soja tem um conteúdo elevado de proteína de
alta qualidade, assim como alimentos smoothies de soja e outros podem ser
considerados um bom suplemento alimentar.
6) Alimentos para diminuir o colesterol
Temos falado dos fitoesteróis e estanóis de plantas que são utilizados pela
indústria das margarinas para a produção de gorduras que "baixam o colesterol". Aqui
eu me recuso a dar conselhos favoráveis porque, enquanto em todos os outros casos
podem haver justificativas razoáveis para o consumo (pela comodidade, talvez), no
caso do colesterol simplesmente basta não usar gorduras e ponto.26
7) Os alimentos com suposta ação antitumoral
Aqui também há muitas reclamações, mas o fato é que a dieta é muito
importante. Não há ainda mecanismos específicos nem nutrientes individuais que
exerçam ação antitumoral clara. Existe, contudo, uma ação chamada pró-apoptótico,
de grande importância no desenvolvimento do tumor (como já anotamos
26
NT: não usar gorduras indesejadas, principalmente de origem animal.
113
José Antonio Villegas García
anteriormente, apoptose é um tipo de morte celular programada que retarda o tecido
do tumor para crescer sem restrição).
Nesse sentido, polifenóis e ácidos graxos ômega 3 têm uma ação reconhecida
e estão sendo estudados. Há um ácido graxo
poli-insaturado, chamado
docosahexaenóico (DHA), que é encontrado em peixes e tem uma função importante
desse tipo. No entanto, este é um mundo de pesquisa e todo o argumento é, no
momento, prematuro.
8) Os alimentos ricos em ácido linoléico conjugado (CLA).
Fundamentalmente leite e outros lácteos desnatados acrescidos de CLA. Este é
um ácido graxo natural encontrado na gordura de alimentos de ruminantes. Estuda-se
sua relação com a redução do peso total (basicamente peso em gordura) em
indivíduos aos quais foi administrado durante pelo menos 12 semanas (à dose de 3,4 g
por dia). Não há efeitos secundários e estes replicam estudos sobre os efeitos
benéficos sobre a inflamação, colesterol elevado, etc.
Dicas: Não há problema em beber leite com cápsulas de óleo de cártamo se
mantivermos a baixa ingestão de outros ácidos graxos trans. 27
9) Os alimentos ricos em ácidos graxos ômega 3
Baseia-se no desequilíbrio dietético atual entre ômega 6 e ômega 3, tentando
compensar a ingestão de peixe com alimentos enriquecidos com ômega 3. São
adicionados ao leite desnatado, leite fermentado, ovos (galinhas alimentadas com
ração de algas, etc.)
Dicas: Trata-se de uma prática aconselhável que tem um claro fundamento
empírico. Aqui eu assumo, já que conheço as ações do DHA (como pesquisador)
publicadas e não publicadas e são espetaculares. O tempo dirá .....
27
NT: No Brasil, a Anvisa, com o intuito de proteger e promover a saúde da população proibiu a
comercialização do CLA, até que os requisitos legais que exigem a comprovação de sua segurança de
uso, mecanismos de ação e eficácia sejam atendidos (ANVISA, 2007).
114
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
12 . ALIMENTOS TRANSGÊNICOS
Quien quera peces, que se moje el culo
A biotecnologia inclui as técnicas de engenharia genética que isolam porções
de material genético de um ser vivo (segmentos de DNA), para introduzi-los em outro
ser, ou seja, colhemos um gene cuja “expressão” nos interessa (por exemplo, a
resistência ao frio) e o introduzimos no DNA na planta que queremos tornar mais
resistente ao frio. Usa-se a técnica de DNA recombinante (molécula de DNA formada
in vitro a partir de fragmentos de DNA procedentes de outros genomas). Por exemplo,
se “cortamos” um gene humano que fabrica insulina e o colocamos no DNA de uma
bactéria, conseguiríamos fazer a bactéria trabalhar para nós fabricando insulina.
Portanto, a capacidade revolucionária da biotecnologia demonstra capacidade de gerar
substâncias que não existem ou das que existem em pequenas quantidades; ou mesmo
diminuir o custo de alimentos com recursos limitados, ou mais seguros, etc.
Embora saibamos que é uma grande revolução tecnológica e que vai mudar os
hábitos alimentares do ser humano, na realidade, significará um impacto muito menor
do que se supunha no início da agricultura e da pecuária. De fato, desde o início do
abandono de nossa atividade inicial de caçadores coletores, a manipulação genética
vem se efetivando, embora de forma muito lenta. Eu de pequeno não conhecia a
nectarina e em minha época juvenil todas as melancias tinham sementes. A
manipulação dos pêssegos deu lugar à nectarina. E não pensemos como seria tentar
comer uma melancia “selvagem” pois seu sabor é muito amargo e não a
reconheceríamos; apesar de que, ao cruzar melancias normais com outras tratadas
com uma substância obtida de uma planta da família das liliáceas, os agricultores
obtiveram uma exigência do mercado: as melancias sem sementes. Como podemos
pensar que a manipulação genética seja uma novidade?
Faz anos que se usam elementos químicos ou radioativos (raios gamas ou
nêutron) para produzir mutações para se obter variedades mais resistentes ou mais
produtivas de determinadas plantas. Atualmente, as melhores variedades de cevada
que se cultivam na Europa, o trigo da Itália e o arroz da Califórnia provêm de
mutações induzidas.
José Antonio Villegas García
A tecnologia atual permite que essas práticas sejam mais rápidas e eficientes.
Permite selecionar pontualmente o gene (ou genes) que outorga a qualidade que
desejamos, evitando outras não desejadas. Permitem também transferir genes entre
espécies (não é nada raro, já que todos os seres vivos compartilham a maioria do
material genético).
Existem vários métodos para criar vegetais transgênicos. O mais interessante
emprega uma bactéria que insere seus genes dentro do genoma de cada planta (os
cientistas aproveitam essa qualidade para inserir os genes que os interessam nas
plantas que eles escolhem).
Existem centenas de alimentos transgênicos desenvolvidos em laboratórios de
companhias privadas ou organismos públicos de pesquisa. Obtêm-se plantas
transgênicas que resistem ao ataque de viróides, vírus, bactérias, cogumelos ou
insetos. O mais conhecido é o mais transgênico que resiste ao ataque da Broca28 ao
carregar um gene proveniente da bactéria Bacillus Thuringiensis e que sintetiza uma
proteína tóxica. Há estudos muito mais interessantes. Por exemplo, batatas
transgênicas que imunizam contra a cólera ou diarréias bacterianas, ou uma variedade
de arroz transgênico capaz de produzir provitamina A.
Em todo o mundo são comercializados, até agora, 80 alimentos transgênicos,
enquanto muitos outros estão em fase de experimentação ou comercialização. Na
União Européia só obtiveram a permissão de comercialização do milho e uma soja
transgênica e também uma colza29 transgênica de que se poderia extrair azeite para
consumo humano. A Espanha continua sendo o único país da União Européia que
plantou uma superfície importante com cultivos biotecnológicos - 58.000 hectares de
milho transgênico "Bt", o que supõe um aumento de 80 por cento em relação a anos
atrás.
Segurança:
Estamos em 1989 (NT: publicação da primeira edição), começa a aparecer um
inesperado número de casos de uma doença chamada de síndrome de eosinofiliamialgia e alguns pacientes morrem. As autoridades estabelecem um cerco e
28
Broca: denominação popular dos estágios larvais de besouros, mariposas e borboletas que se
alimentam das plantas
29
A colza ou couve-nabiça (Brassica napus) é uma planta de cujas sementes se extrai o azeite de
colza, utilizado também na produção de biodiesel
115
116
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
descobrem que a imensa maioria dos 1.500 afetados são pacientes de psiquiatria que
foram medicados com triptofano (um aminoácido precursor da serotonina, um
neurotransmissor implicado nos transtornos de humor). Seguiram investigando e
descobriram que o causador era um produto que contém exclusivamente triptofano e
que foi produzido pela engenharia genética por uma empresa japonesa.
Faleceram 37 pessoas e os cientistas não conseguiram elucidar com precisão
qual foi o agente causador (quem sabe algum tipo de contaminação durante o
processo).
Não era em absoluto previsível que fora um aminoácido que ingerimos nos
alimentos e que era produzido de forma teoricamente perfeita mediante um sistema de
engenharia genética.
No Brasil, genes de nozes se incorporaram à soja e provocaram reações
alérgicas severas em muitas pessoas. Quase todos alérgicos, achavam que estavam
comendo apenas soja, nunca imaginariam que estivessem comendo nozes.
Poderíamos continuar com notícias, anedotas e inclusive informações
subjetivas e manipuladas por órgãos que têm interesses comerciais ou simplesmente
escrúpulos de consciência frente à manipulação genética.
Devemos escapar das posturas extremistas e podemos concluir que a
manipulação genética 30 não é nova. Não é antinatural e pode ser muito segura se
forem empregados meios adequados, sob controle e os ensaios clínicos necessários
em cada produto que se lança ao consumidor. Os benefícios potenciais são imensos
no campo da saúde, não apenas no plano comercial (é a batalha que todos se unem).
Não se trata de impedir a investigação científica, tampouco ceder à pressão
das multinacionais (e dos países que as representam), permitindo a presença
indiscriminada desses produtos no mercado. Pelo contrário, há que estabelecer
estudos rigorosos e ensaios clínicos que demonstrem a segurança de cada alimento
obtido pela manipulação genética. A energia nuclear nos traz a eletricidade, mas
também pode servir para fabricar bombas atômicas.
Legislação
30
NT: A nutrigenética completa a nutrigenômica e vice-versa, estudando como a constituição genética
de uma pessoa afeta sua resposta à dieta. A Epigenética, mais atual ainda e recebendo cada vez mais
atenção, estuda as mudanças na atividade do gene que não envolvam alterações na sequência do DNA.
José Antonio Villegas García
A posição favorável da Comissão da União Européia se apóia na consideração
de que a nova legislação comunitária sobre a rotulagem e traçado dos OGM, que
entrou em vigor 18 de abril de 2005, foi suficiente para garantir que os transgênicos
comercializados no mercado da União não tragam nenhum risco para a saúde. Essa
legislação estabelece que as empresas que comercializam alimentos deverão etiquetar
todos os produtos que contenham mais de 0,9 de organismos modificados
geneticamente. A etiqueta incluirá menções como “este produto contém OGM” ou
“foi obtido com OGM”. Esta exigência não se aplicará a produtos como carne, leites
ou ovos que procedem de animais que consumiram alimentos ou vacinas que
contenham OGM. De todos os países comunitários, a Espanha é o único em que se
produzem OGM com fins comerciais, objetivamente o milho destinado à fabricação
de alimentos para animais. O Brasil é o segundo produtor mundial de transgênicos
(soja e milho) - Lei nº 8.974/95 normatiza a utilização de OGM e o Projeto de Lei nº
4.148/2008 propõe na rotulagem de alimentos o termo 'livre de transgênicos' (NT)
Novidades no mercado:

Azeite, como de soja e canola, desenvolvidos de maneira tal que contenham
mais estearatos31, o que fará que as margarinas e as gorduras vegetais sejam
mais saudáveis;

Melão menor e sem sementes;

Bananas e abacaxis com qualidades de maturação precoce;

Milho com melhor equilíbrio protéico;

Bananas resistentes aos fungos;

Tomates com maior conteúdo de antioxidantes (licopeno) que as variedades
atuais;

Frutas e vegetais com maiores níveis de vitamina C e E;

Cabeças de alho com mais alicina, substância que possivelmente ajude a
reduzir os níveis de colesterol;

Arroz mais rico em proteínas, modificado com genes transferidos das plantas
da ervilha verde;
31
São ésteres do ácido esteárico.
117
118
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã

Morangos com melhor rendimento e maior duração, melhor sabor e textura e
maiores níveis de ácido elágico 32, um antioxidante.
O problema dos alimentos modificados geneticamente é que são muitos interesses
econômicos alterando o lógico transcorrer da aplicação tecnológica e os ensaios
humanos. As multinacionais empregaram muitos recursos financeiros e querem
começar a recuperar o investimento o mais cedo possível. Há um país em particular
(USA) em que está sediada a maioria dessas industrias multinacionais e,
logicamente, elas pressionam para introduzir esses alimentos nos mercados
internacionais. A opinião pública continua sendo manipulada por grupos resistentes a
determinados avanços tecnológicos (as vezes se fala da manipulação de genes como
se estivessem alterando a natureza). Tudo isso cria um ambiente desfavorável ao
desenvolvimento científico, que deve basear-se no desenvolvimento tecnológico, na
aplicação em laboratório, em ensaios em animais e finalmente em experiências
clínicas. E, se tudo correr bem, aí sim o mercado está garantido.
O que falhou nas mortes pelo uso do triptofano proveniente da modificação genética?
Resposta: Não houve experimentação clínica
SOLUÇÃO PALEOLÍTICA
Aqui a dieta paleolítica tem pouco a dizer, logicamente.
32
Polifenol com fortes propriedades antioxidantes que se encontra em diversas frutas e legumes como
as castanhas, framboesas, morangos, mirtilos, nozes e romãs.
José Antonio Villegas García
13. FALEMOS DE TEMAS COTIDIANOS, POR EXEMPLO,
QUANTAS REFEIÇÕES DEVEMOS FAZER AO DIA? VALE A
PENA JEJUAR?
Comer hasta enfermar y ayunar hasta sanar
Nosso organismo está preparado evolutivamente para um ciclo diário baseado
na atividade dos caçadores coletores. Desse modo, depois de um descanso noturno, as
concentrações plasmáticas de glicose e insulina se encontram em seus valores mais
baixos de todo o ciclo de 24 horas. Contudo, os ácidos graxos não esterificados se
encontram nos valores mais altos. O organismo utiliza pouca quantidade de glicose e
a reserva para os órgãos depende da forma exclusiva deste (cérebro e eritrócitos ou
células vermelhas do sangue). Produz-se uma degradação “em rede” de proteínas do
músculo (pelo baixo nível de insulina), enquanto que a falta de inibição da lipase
sensível à insulina (pela baixa presença desta no sangue) permite que os ácidos graxos
liberados pelo tecido adiposo se convertam em substrato energético, de preferência
para o músculo.
Nesse ponto, o caçador coletor que estamos comentando (nossos antepassados
de 200.000 anos) come seus primeiros alimentos: frutas e raízes. Seu organismo
absorve glicose e aumenta a glicemia, o que provoca um imediato aumento da
insulina no plasma. O fígado capta glicose (amortecendo a entrada da glicose no
sangue) e o metabolismo hepático do glicogênio muda de configuração (passa de
degradação à síntese). Também extrai aminoácidos da circulação portal (aminoácidos
que vêm diretamente da digestão das proteínas), deixando os aminoácidos ramificados
para a custa da metabolização no músculo onde seus grupos de amino são transferidos
ao piruvato, passando a alanina (substrato da gluconeogênese). O incremento das
concentrações de glicose e insulina atua sobre o tecido adiposo, reduzindo a liberação
de ácidos graxos não esterificados, com o que o músculo deixa de utilizá-los como
fonte energética e passa a buscar a glicose para obter a energia a fim de se contrair.
Nosso coletor prepara-se para a “façanha” e vai para a caça, o qual supõe um
exercício físico de intensidade moderada, mas que o fará durante parte do dia. Na
continuação aumentam a tensão e o exercício físico (está andando, vendo pegadas,
espreitando...). Isso provoca um aumento da atividade do sistema nervoso simpático,
o que supõe uma maior frequência cardíaca, maior força do batimento do coração,
119
120
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
maior frequência respiratória (estado de alerta) e aumento das contrações musculares.
Em termos metabólicos, isso supõe que a glicose será o substrato energético. A
insulina não aumenta, já que a glicose entra no músculo ao fazer-se permeável a ela
pelo próprio exercício físico (a tendência a conservar as reservas lipídicas será
menor). A inibição de glucagon pelas concentrações elevadas de glicose é menor,
com o que o “tônus hormonal” muda de uma tendência de armazenar substratos para
utilizá-los.
Depois da caça, regressa ao grupo e prepara-se para a principal comida do dia.
Não se livram das vísceras, roem os ossos e comem verduras para digerir melhor a
caça. Não há apenas gordura nesse animais selvagens e esta é muito rica em ácidos
graxos insaturados.
Agora vamos estudar um jovem executivo em nosso ambiente (séc. XXI).
Toca o despertador e ele toma um café sozinho. Suas concentrações plasmáticas de
glicose e insulina encontram-se em seus valores mais baixos de todo o ciclo de 24
horas, enquanto os ácidos graxos não esterificados se encontram nos valores mais
altos. O café estimula a utilização dos ácidos graxos, a glicose continua baixa depois
de um jejum noturno e a energia provém das proteínas musculares e dos ácidos graxos
liberados pelo tecido adiposo. A baixa concentração de glicose produz ligeiras
tonturas e reduz a eficiência cognitiva cerebral. A respiração fica prejudicada pelos
corpos cetônicos derivados do uso de ácidos graxos como fonte energéticas. A tensão
das reuniões provoca um aumento da atividade simpática, mas ao não fazer exercício
físico, o coração aumenta a sua frequência cardíaca, mas nem por isso ocorre uma
maior força de bombeamento. Nosso executivo terminou a primeira reunião e sai com
o resto dos companheiros para beber algo. Pede algumas torradas com manteiga e um
copo pequeno de leite com café. Em termos nutricionais isso supõe carboidratos (pão
branco e leite), gorduras saturadas (manteiga e leite) e algo de proteínas (leite). A alta
carga glicêmica de um café da manhã desse tipo provoca uma rápida resposta
insulínica, que freia a degradação de proteínas e reduz a liberação de ácidos graxos
não esterificados. A alta ingestão de gorduras saturadas e a ausência de atividades
físicas produzem um rápido aumento de triglicerídeos plasmáticos.
Chega o momento do almoço e nosso jovem amigo acabou ficando com
alguns clientes num restaurante próximo. É um almoço de negócios. O garçom chega
para entregar o cardápio e pergunta pela bebida para o aperitivo, enquanto traz o pão
(é comum na Espanha), manteiga, azeitonas e outras pequenas entradas (álcool,
121
José Antonio Villegas García
carboidratos simples, gorduras saturadas, sal...). A decisão do prato principal foi um
filé duplo, com batatas fritas (proteínas, gorduras saturadas, carboidratos, algo de
proteínas e poucos minerais) e de uma sobremesa com café (não pediu uma torta
porque precisa se cuidar). Conversa animada (e às vezes tensa),
ou seja, mais ativação do sistema simpático e nada de exercícios, o que a nível
metabólico supõe um alto pico de glicose, uma rápida resposta insulínica, um forte
aumento dos lipídios no sangue (a ingestão de gordura saturada aumenta os
triglicerídeos no plasma) e uma importante carga digestiva que provoca uma ligeira
sonolência, que ele combaterá com outro café.
Faltam antioxidantes, fibra, vitaminas e minerais e sobram gorduras. Além
disso, nosso amigo fuma: joga a roleta da cardiopatia isquêmica. Mas não é uma
situação de “tudo ou nada”, ou seja, não se trata de ou aparecerá um infarto ou não há
problema algum. Na realidade, é muito mais complicado. Lembram-se do que
comentávamos da expressão gênica? Pois este meio ambiente que se cria com uma
alimentação tão “antinatural” é o pior que pode acontecer para que os genes se
expressem corretamente. A ingestão hipercalórica (o que está acontecendo) levará à
obesidade. Os picos de insulina gerados por uma alimentação com uma carga
glicêmica tão alta seriam uma fator adicional que, junto ao sobrepeso e à falta de
exercícios, unido ao baixo consumo de antioxidante, levará a uma síndrome
metabólica e uma diabetes de adulto (tipo II). Além disso, esses picos de lipemia pósprandial (um aumento de gordura depois de comer) gera um tremendo risco coronário
a médio prazo (aumento da tensão arterial e aumento de lipoproteínas de baixa
densidade). Por outro lado, também não são bons os picos de insulina que, unidos ao
desequilíbrio entre os ácidos graxos ômega 6 e ômega 3 (em uma dieta como a
comentada perdem-se os ômega 3), produzem um aumento de derivados dos ácidos
graxos
insaturados (prostaglandinas e
eicosanóides)
de características pró
inflamatórias. Isso resulta em um maior risco de que terminem “acordando” genes que
tenham relação com processos autoimunes ou enfermidades alérgicas. La carne pone
carne, el pan pone la panza, e o vinho guia la danza.
O que podemos dizer ao nosso jovem executivo para que ele possa ter uma
vida longa e aproveite os seus bens materiais?
Comecemos pelo café da manhã. Um suco de laranja (vitaminas e
antioxidante), iogurte desnatado (proteína e efeito probiótico) com massa de mirtilos
122
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
(polifenóis antioxidante) e um sanduíche com presunto (proteínas e um pouco de
carboidratos) com azeite de oliva extravirgem (oleocanthal33) e tomate (licopenos).
Depois da reunião e depois da saída da cafeteria, pode-se pedir um café puro com
sacarina. Em seguida, no almoço de negócios, pediria uma água com gás (enquanto os
outros bebem aperitivos com álcool e pedaços de pão com manteiga). No primeiro
prato, um grelhado de verduras assadas e, de segundo prato, um robalo grelhado. De
sobremesa, fruta da época. Nem café, nem bebidas, isso daria aos “inimigos.”
No final da tarde aproveitaria para ir à academia da empresa e fazer uns
quarenta minutos de bicicleta ou alguns exercícios de força para os braços, ombros e
costas. O efeito pretendido seria o que comentamos antes com os caçadores coletores:
aproveitar o efeito anabólico do aumento da insulina e de aminoácidos (pelas
proteínas da comida) para aumentar a massa muscular e “queimar” calorias a tempo
de manter um tônus cardiovascular, um melhor funcionamento articular, etc., criando
o ambiente favorável para evitar que se expressem genes desfavoráveis e prevenir,
portanto, a enfermidade.
Patologias tão terríveis e difíceis de enfrentar pela medicina, como o
Alzheimer, se conhecem muito antes de elas se manifestarem. Quando esse jovem
executivo, forte, agressivo, de mente ágil e brilhante está em plena forma, não é capaz
de pensar que, um dia, pode ser presa de uma enfermidade que faça esquecer o nome
de seu próprio filho.
Entretanto, agora sabemos que fatores como seguir uma dieta equilibrada,
fazer exercícios aeróbios (fundo), manter um peso estável e restringir ligeiramente as
calorias ingeridas a partir dos 50 anos, neutraliza a proliferação de uma proteína
chamada GFAP(proteína ácida fibrilar glial), relacionada com a doença de Alzheimer.
Como é fácil prevenir!
É um feniletanóide, um tipo de composto fenólico isolado a partir de azeite extra-virgem. Ele é
responsável pelo pouco picante "mordida" de azeite extra-virgem.
33
José Antonio Villegas García
14. E OS ESPORTISTAS, O QUE DEVEM COMER?
Canas e dientes, son acidentes; arrastar los pies, eso si es vejez
A manipulação dietética para os esportistas de alto rendimento é tão eficaz e
tão importante neste momento que requereria um livro só para falar sobre isso. Não
obstante, vamos mostrar alguns exemplos de praticantes de esportes de nível
competitivo, nível mais moderado, para termos um guia e conhecermos como anda a
nutrição esportiva nestes momentos.
Juan é ciclista aficionado. Levanta-se e faz um pouco de pedal no “rodo”
munido de uma garrafa de água e outra de suco de laranja, dando goles dos líquidos
enquanto se exercita. Como está em jejum, a glicemia está baixa, enquanto os ácidos
graxos não esterificados se encontram elevados, o que aproveita para realizar um
exercício muito suave obrigando a todo o seu metabolismo aeróbio a funcionar
expressando enzimas do ciclo de Krebs e aumentando sua eficiência metabólica.
Depois de uns 40 minutos rodando muito suave, prepara-se para o café da manhã.
Busca alimentos com uma carga glicêmica baixa, ricos em carboidratos e proteínas,
antioxidantes e vitaminas, de modo que come frutas (antioxidantes e vitaminas), leite
desnatado e cereais (carboidratos e proteínas), presunto cozido e ovo (proteína).
Trabalha pela manhã, de modo que apenas tem tempo de comer uma maçã e um
iogurte no meio da manhã. O almoço é uma comida muito equilibrada: saladas (aipo,
alface, cenoura, azeitonas, tomate), macarrão (carboidratos de baixa carga glicêmica)
e sardinhas assadas (proteínas e ácidos graxos ômega 3). De sobremesa, come um
kiwi. O treinamento é no meio da tarde e leva consigo um garrafa de água e alguns
envelopes de Liofilizado de bebida isotônica que prepara aproveitando para tomar nas
breves paradas em lugares que podem fornecer a água, e bebe um copo a cada quinze
minutos. Tem muita experiência e utiliza diversas mesclas segundo o clima e a
temperatura, de modo que baixa um pouco a concentração do produto quando a
temperatura é alta, para que a bebida seja eliminada mais rapidamente do estômago.
Quando termina o treinamento, sabe que deve ingerir rapidamente uma mescla de
carboidratos de alta carga glicêmica e também de proteínas; de modo que, se coincidir
a hora, aproveita-se para jantar; se não for o caso, toma-se meio litro de uma bebida
pós-competitiva desenhada para depois dos treinamentos. Finalmente, o jantar é à
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124
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
base de sopa de verduras (vitaminas e antioxidantes), batatas cozidas (altas cargas
glicêmicas), filé de peru grelhado (proteína baixa em gordura) e fruta (vitamina e
antioxidantes). Antes de dormir, bebe um copo de leite quente desnatado, que o ajuda
a dormir mais relaxado (o triptofano do leite aumenta a serotonina e provoca uma
maior sonolência.)
Miriam é uma menina de 13 anos que pratica ginástica rítmica. Já é
reconhecida como atleta e faz parte do Centro de Treinamento Desportivo (CTD). As
normas de ajuda ao desportista também a ajudam a assistir às aulas da escola regular
em um colégio perto do centro e treinar durante a tarde. O Centro de Treinamento
também é o responsável pela alimentação da atleta, pois são necessários as mudanças
de composição corporal e a supervisão alimentar (além de um exame de sangue a
cada três meses). Seu dia começa muito cedo, às 7h já deve estar de pé. Se pesa e
anota o resultado (tem que repassar à treinadora a cada manhã). Desce para tomar o
café da manhã, e sempre leva anotado o que deve comer: um suco, uma maçã, um
iogurte desnatado, alguns biscoitos e um pouco de presunto cozido com uma pequena
fatia de pão integral. Tem que ingerir um comprimido que lhe dão no centro médico,
que é um complemento de vitaminas e minerais para uma dieta que deve manter
ajustada a ingestão calórica que mantenha o mínimo de peso (qualquer aumento de
peso é preocupante). Não há outra coisa pela manhã a não ser água. O almoço
continua sendo no CTD e consiste em salada (alface, tomate, cenoura, beterraba e
azeitonas), sem azeite, merluza grelhada fervida com batatas cozidas e um pouco de
frutas. As gorduras servem apenas para dar sabor às comidas, pois o sacrifício é parte
do treinamento. Às tardes no ginásio de treinamento só é dada uma bebida hipotônica
- apenas uma pequena quantidade de carboidratos (maltodextrina) e íons (basicamente
sódio) quando faz calor. O jantar volta a ser muito “pobre”: verduras sem azeite, ovos
cozidos, frutas e um copo de leite desnatado junto com outro comprimido do mesmo
complexo vitamínico.
Jaime é um jogador de handebol, tem 24 anos e está numa equipe profissional.
O clube conseguiu a matrícula na Universidade para seus estudos, mesmo estando um
pouco atrasado, já que a exigência do esporte profissional acaba, muitas vezes,
deixando a carreira acadêmica comprometida. Foi contratado por um clube longe da
residência familiar, e vive em um apartamento com outros dois companheiros do
mesmo clube. Levantam-se juntos e tomam o café da manhã juntos. É um pouco
complicado o ambiente em que vivem, já que apenas ele dá importância à alimentação
José Antonio Villegas García
balanceada. Às vezes, falta leite ou não há pão. Entretanto, Jaime aprendeu a se
cuidar: cursa nutrição e conhece a importância de uma boa dieta para seu rendimento
como jogador. É o motivo das piadas de seus companheiros de apartamento, porque
acham que é um exagero o que faz, pois eles são ao contrário. Não obstante, ele é
muito rígido em seu plano: seu café da manhã é um suco, pão com presunto cozido,
iogurte e café, mais um comprimido de antioxidante (polifenóis e vitaminas C e E).
Em seguida, treina e leva consigo uma garrafa de bebida isotônica (aproveita os
intervalos para tomar alguns goles). Encontrou um restaurante próximo do
apartamento, que serve comida caseira e ali se pode encontrar arroz e feijão, massas,
verduras, etc. O segundo prato pode ser um filé de frango assado (no congelador
guarda a compra que faz todas as semanas), em seguida come frutas e um comprimido
de um ácido graxo ômega 3 que é necessário porque não consegue comer peixes
como deveria (necessitaria ir à peixaria e não tem tempo). Na sequência, vai à
Universidade e só tem tempo de tomar um suco na lanchonete no final da tarde. A
janta pode ser saladas (encontrou algumas saladas preparadas no supermercado que
estão com boa aparência), massa, pães e frutas. Leva também para cama um copo leite
desnatado, lê um pouco e dorme.
Luisa é maratonista. Trabalha em uma empresa e tem um horário muito rígido.
O café da manhã é um suco, leite com cereais e achocolatado e sai rapidamente para o
trabalho. No decorrer da manhã, quando pode, come uma maçã e um copo de soja
batido (agora tem sorte porque o mercado oferece muitos sabores deliciosos). No
almoço, chega tarde para comer, mas tem sorte porque o marido tem um trabalho
autônomo e pode chegar antes e fazer a comida. Chegaram a um pacto: ele faz as
comidas nos dias de semana e Luisa cozinha nos finais de semana. Também chegaram
a um acordo muito importante para ela: quando ele cozinha, os pratos são sem
gorduras, assim ele adicionará o molho separado para deixá-los mais saborosos. Sabe
que a alimentação é muito importante para ela, que este ano quer baixar das 2h30min
e necessita de toda energia de seu corpo. De fato, teve que comer alimentos que nem
sabia que existiam: fígado duas vezes na semana, e mais, sangue frito. Quem já ouviu
falar de que se come sangue frito? Entretanto, agora sabe-se que o ferro absorvível só
está no ferro do sangue (algo também nos mexilhões e berbigão). Mas isso não é tudo:
agora sabe-se que quando se come um prato de leguminosas (lentilhas ou feijão) (que
contém um pouco de ferro e pouco absorvível), é interessante acompanhar de kiwi
(suco de laranja ou limão, ricos em vitamina C), que melhora a absorção do ferro.
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126
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Quem diria a ela que um dia saberia tanto de alimentação! Ela que estava acostumada
a comer qualquer coisa que levasse maionese! Logo chega o treinamento, mas isso
não é tudo, acontece que há uma bebida para ingerir uma hora antes dos treinos, outra
para tomar durante o esforço e outra para ingerir imediatamente depois. Luisa é muita
metódica nessas coisas, desde que correu uma prova com muito calor e perdeu mais
de 10 minutos por “pular” um ponto de hidratação, acabou a prova com câimbras e
vomitando. Foi uma experiência que não quer que aconteça novamente. Em outra
ocasião, um descuido nos exames (não pediu a ferritina sérica e aparentemente os
exames estavam normais) e teve como consequência uma anemia que lhe fez perder
vários meses de treinamento. Desde então, é muito preocupada com o tema do ferro,
entretanto, prefere seguir os conselhos de seu médico e não toma comprimidos para
aumentar o ferro, salvo quando a ferritina está baixa. Considera que cuidar da
alimentação é suficiente, por isso, evita comer algo que seja oxidante. O jantar? Outro
calvário para o marido (menos mal que são jovens e depois se compensa tudo).
Verduras, peru assado, fruta e leite. Tudo temperado com algumas pastilhas que tem
de tomar: de cálcio, de ácido fólico e não sei mais que coisas (parece que é em relação
com os anticoncepcionais e o esporte).
Jesus é fisiculturista. Vive para seu esporte, de fato foi um competidor e agora
tem um ginásio que é um bom negócio. A alimentação para ele é quase tão importante
quanto o treinamento. Antes consultava um médico que lhe falava de que não eram
necessárias tantas proteínas, que muitas coisas que tomava não serviam para nada, etc.
Não foi convincente e perdeu força, de modo que agora está nas mãos de um
especialista em medicina esportiva. Leva um controle muito rigoroso e conseguiu
manter a massa muscular sem ter que tomar anabolizantes como fazia antes. Agora
sabe que leva uma vida mais saudável, entretanto, reconhece que não pode mais
competir. “Parece” que é impossível competir com a nandrolona 34 . Contudo,
conseguiu manter-se e ser admirado em seu ginásio, atraindo um bom número de
jovens que querem “ter” seu corpo. Para ele não há mistérios em nomes como a
glutamina, aminoácidos ramificados, acetil carnitina, quercetina, etc.. Sabe por
experiência que não são os compostos, e sim, quando se tomam e em que ordem, o
que faz com que sejam efetivos. Outros companheiros seguem as instruções de
revistas ou até das lojas de suplementos.
34
Também comercializada com o nome Deca, é um anabolizante esteróide derivado da testosterona
José Antonio Villegas García
Alguns são modelos de comerciais de determinados produtos e contam com o
assessoramento de técnicos, mas Jesus aprendeu que deve consultar um especialista.
O importante é que seu corpo tenha alanina quando necessitar, não baixe a glutamina
num treino intenso, não tenha caloria a mais e no momento em que tenha de definir
melhor a musculatura não haja pregas de gordura no tecido adiposo subcutâneo. Suas
refeições são “enganosas”, uma mescla de comprimidos e pratos sem sabor, que às
vezes parecem monótonos, mas cada bocado é energia para seus músculos. Jesus
segue a dieta dos caçadores coletores de antigamente: 35% de calorias que derivam
das proteínas (carnes e peixes com baixo teor de gordura, sem temperos nem azeites),
uns 40% de carboidratos e uns 25% de gorduras. O que eles (caçadores) comiam não
se compara com o de agora, é impossível, pois consomem também comprimidos e
cápsulas de antioxidantes, ômega 3, vitaminas e minerais. Sua grande fonte são os
ovos e o soro do leite. Agora Jesus conseguiu clara de ovo liofilizada, que mistura
com soro de leite em pó e acrescenta no café da manhã junto com aminoácidos
ramificados. À noite, ele toma um copo de leite desnatado com cápsulas de triptofano
procedente de beterraba.
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128
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
15. PODEM OS ENFERMOS CONSIDERAR A ALIMENTAÇÃO COMO
UMA AJUDA A SEU RETORNO À SAÚDE?
La mejor receta, la dieta
Ao longo deste livro, apresentei uma visão radical dos fatos. Certamente
alguns puristas considerem um tanto alarmista e catastrófica minha visão do estado
atual da alimentação em nossa sociedade ocidental. Suas considerações se apóiam no
fato de que o homem já demonstrou poder adaptar-se aos alimentos que consome
atualmente e que em qualquer caso o pior que pode acontecer é não ter o que comer.
Desde logo, não pretendo dogmatizar neste livro e muito menos seguir uma
doutrina, pensamento ou escola. Creio que é muito conveniente manter fria a razão e
quente o coração, e me parece que as teorias precisam ser contestadas com firmeza
antes que se convertam em modas muito sutilmente aproveitadas. De fato, nos
Estados Unidos estão em moda os restaurantes da era Paleodieta (sugere que sairão
caçar a carne para por na mesa dos restaurantes).
Penso que quem está bem de saúde deve se preocupar em manter sua dieta, e
quem está doente deveria levar em conta o que come, pois os conhecimentos recentes
podem ajudá-lo a recuperar a saúde. Na área preventiva, à luz do conhecimento da
genética e da paleoantropologia, podemos afirmar que o homem deve fazer exercícios
e comer menos doces e gorduras e mais micronutrientes e ácidos graxos ômega 3.
Quanto ao enfermo, deve prestar atenção ao que come e consultar seu médico sobre
quais alimentos podem melhorar sua saúde. Neste caso, quem sabe uma recordação
do que comíamos no passado, que ainda nos condiciona, poderia ser útil e com esse
objetivo foi escrito este livro.
Por certo, este planejamento começa a ser conferido em alguns estudos
científicos. Pesquisadores da Universidade John Hopkins, de Baltimore (Estados
Unidos), publicaram na prestigiosa revista científica Journal of the American Medical
Association (JAMA) que uma dieta rica em proteínas, a metade delas de origem
vegetal, pode melhorar os níveis de colesterol, diminuir a pressão sanguínea e reduzir
o risco cardiovascular em pacientes com hipertensão leve. Tal suposição, pelas
informações destes autores, sugere substituir parcialmente com proteínas e gorduras
monoinsaturadas os carboidratos (aqueles que relatamos nesta exposição).
129
José Antonio Villegas García
a) Doenças de componentes inflamatórios (artrite reumatóide, psoríase, asma....)*
Objetivo: Diminuir a produção de prostaglandinas e eicosanóides das séries 2 e 4
*Os exemplos de dietas a seguir servem apenas como um modelo, um exemplo do que
se poderia propor como dieta. Fica claro para o autor que os pacientes necessitam,
antes da proposta da dieta, passar por uma avaliação nutricional completa, que
incluam todos os métodos diretos e indiretos. Por isso, os exemplos a seguir servem
apenas como orientação qualitativa.
Método: Evitar períodos inter-digestivos (jejum) longos. Evitar picos glicêmicos com
alimentos baixos em carboidratos e de baixa carga glicêmica. Moderar a absorção de
glicose com fibra insolúvel. Diminuir a ingestão total de gorduras - em particular,
reduzir os ácidos graxos ômega 6 e aumentar os ômega 3.
Exemplo de dieta:
Café da manhã: Laranja (eliminar apenas a capa superficial da casca), iogurte
desnatado com cereais integrais, torradas integrais com presunto cozido.
Lanche da manhã: cenoura crua.
Almoço: Salada (aipo, alface, tomate, azeitona) com azeite extravirgem de oliva, filé
de pescado (atum) grelhado, kiwi, água com gás.
Lanche da tarde: iogurte desnatado.
Jantar: Acelga, tortilha (à base de ovos), ameixa preta.
b)
Doenças
com
forte
caráter
pró-oxidante
(doenças
mitocondriais,
neurodegenerativas...)
Objetivo: Diminuir a produção de espécies reativas de oxigênio.
Método: Evitar períodos inter-digestivos (jejum) longos. Evitar picos glicêmicos com
alimentos pobres em carboidratos e de baixa carga glicêmica. Aumentar a defesa
antioxidante do organismo. Ingerir alimentos ricos em vitaminas A,C e E, selênio,
zinco e polifenóis.
130
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Exemplo de dieta:
Café da manhã: Laranja (eliminar apenas a capa superficial da casca), iogurte
desnatado com creme de frutas vermelhas (mirtilo), torrada integral com presunto
cozido.
Lanche da manhã: cenoura crua.
Almoço: Salada(aipo, alface, tomate e azeitonas), com azeite extravirgem de oliva,
frango assado, uva preta, água com gás.
Lanche da tarde: iogurte desnatado com morango.
Jantar: Brócolis, peixe (truta) grelhado, ameixa preta.
c) Doenças cardiovasculares
Objetivo: Diminuir o colesterol LDL e os triglicerídeos no sangue e reduzir a
hipertensão.
Método: Ingerir o mínimo possível de gorduras saturadas e gorduras trans. Diminuir
as calorias totais da ingestão diária. Ingerir substâncias ricas em fibras insolúveis (em
relação à saciedade) para diminuir a absorção de colesterol, devido à diminuição da
ingestão total. Baixar o consumo de sal de cozinha (sódio).
Exemplos de dieta:
Café da manhã: Laranja (eliminar apenas a camada superficial da casca), iogurte
desnatado com cereais integrais, torrada integral com peito de peru (isento ou com
pouco sal).
Lanche da manhã: Cenoura crua.
Almoço: Salada (aipo, alface, tomate, azeitonas) com azeite extravirgem de oliva,
anchova frita (com azeite de oliva), maçã, água com gás.
Jantar: Acelga, ovo cozido, pêra.
d) Sarcopenia e Osteoporose (perda de massa muscular e da densidade óssea).
Objetivo: Diminuir o catabolismo, aumentar a síntese trans e a massa óssea.
José Antonio Villegas García
Método: Aumentar a síntese de proteínas mediante uma dieta hiperprotéica. Aumentar
o consumo de alimentos ricos em cálcio absorvível. Melhorar a capacidade
antioxidante do organismo.
Exemplo de dieta:
Café da manhã: Laranja (tirar apenas a camada superficial da casca), iogurte
desnatado com geléia de frutas vermelhas (mirtilo), torrada integral com presunto
cozido.
Lanche da manhã: bebida à base de soja.
Almoço: Salada (aipo, alface, tomate e azeitonas) com azeite extravirgem de oliva, filé
de atum na chapa, abacaxi natural, água com gás.
Lanche da tarde: Iogurte desnatado.
Jantar: Espinafre, ovos cozidos, ameixa preta.
É muito importante a realização de atividades físicas.
Outras doenças relacionadas à alimentação, como a intolerância ao glúten, diabetes
juvenil, etc. são patologias que “fogem” aos assuntos gerais deste livro.
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Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
16. RECOMENDAÇOES NA LUTA CONTRA O SOBREPESO E A
OBESIDADE
Entre col y col, lechuga
Já comentamos que mais de 95% de nossa biologia está concebida para a
função que desempenhávamos como caçadores coletores. Nossa genética se adaptou a
condições de vida dura nas quais a atividade física e os ciclos de fome e saciedade
eram constantes. Nas condições de vida atual, sedentária e com uma alimentação rica
em gorduras, pressupõe-se que soframos uma agressão biológica. Ironicamente, os
genes que nos permitiram sobreviver em condições extremas de fome e abundância
diminuíram a esperança de vida nas populações sedentárias com acesso fácil à
comida. Como exemplo, a esperança de vida dos diabéticos é inferior a 12 anos em
comparação com a população geral.
Calcula-se que o gasto energético do Homo sapiens sapiens, há 100.000 anos,
era de 49 kcal/kg/dia (comparando-se com os 32 kcal/kg/dia do homem
contemporâneo e sabendo-se que o gasto energético em repouso continua sendo o
mesmo). Um dos nossos antepassados dedicado à caça, pesca e obtenção de recursos
naturais consumia diariamente o nível de energia equivalente a caminhar de 20 a 30
km diários (para uma pessoa de uns 70 kg).
As mudanças associadas à inatividade física supõem menos força e tamanho
muscular; menor capacidade do músculo esquelético para oxidar carboidratos e
gorduras; aumento da resistência à insulina; menor capacidade para manter a
homeostase celular para uma carga de trabalho determinada; menor vasodilatação
periférica e menor rendimento cardíaco e sarcopenia. A sarcopenia (diminuição da
massa muscular com o avanço da idade) ameaça a nossa qualidade de vida na fase
avançada dos anos e é uma “praga” que também teremos de enfrentar.
Pois bem, uma das consequências desse estado de coisas são o sobrepeso e a
obesidade, uma autêntica pandemia mundial, já que não afeta apenas as populações
ricas, mas todas as sociedades modernas. A Espanha não se salva dessas estatísticas e
registra uma taxa de obesidade geral e, especialmente, infantil, muito próxima da dos
demais países europeus (talvez algo longe dos norte-americanos). A obesidade infantil
é uma preocupação sanitária de primeira ordem e deve ser objetivo primordial de toda
política sanitária que considere a prevenção.
133
José Antonio Villegas García
A busca de um “peso ideal”, que é um conceito geral muito difundido, mas
pouco apreciado pelos médicos, já levou instituições oficiais de saúde de vários países
a elaborar fórmulas matemáticas (a partir de dados da população) para unificar e
estandardizar o conceito de obesidade. Assim, a Sociedade Americana de Obesidade
tem um índice chamado Índice de Massa Corporal (Body Mass Index) calculado a
partir do peso e da altura segundo a fórmula: IMC= Peso (kg)/ altura 2 (m2).
Segundo o IMC, classifica-se a população em: magro, normal, sobrepeso e obesidade.
Classificação do IMC
Classificação
Risco
Valor
Magreza
Moderado Menor de 18,5
Normal
Muito baixo
18,5 - 24,9
Sobrepeso
Baixo
25,0 - 29,9
Obesidade Grau 1
Moderado
30,0 - 34,9
Obesidade Grau 2
Alto
35,0 0 39,9
Obesidade Morbida Muito Alto Acima de 40,0
Tabela 17: Classificação do Índice de Massa Corporal
segundo a Sociedade Americana de Obesidade
Classificação do IMC SEEDO'2000
Classificação
Peso Insuficiente
Normopeso
Sobrepeso: grau I
Risco
Moderado
Muito baixo
Baixo
Desvio
abaixo de 18,5
18,5 - 24,9
25,0 - 26,9
Sobrepeso: grau II (préobesidade)
Médio
27 - 29,9
Obesidade: grau I
Obesidade: grau II
Moderado
Alto
30 - 34,9
35 - 39,9
Obesidade: grau III
(Mórbida)
Muito alto
40 - 49,9
Obesidade: grau IV
Extremo
acima de 50
(extrema)
Tabela 18: Classificação do Índice de Massa Corporal segundo a
Sociedade Espanhola de Obesidade.
Na Espanha (NT: no Brasil utilizamos os parâmetros da OMS, que é o mesmo
da Sociedade Americana de Obesidade). As tabelas utilizadas são as da Sociedade
Espanhola de Obesidade (Tabela XII), que inclui uma divisão a mais (sobrepeso grau
134
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
I e grau II), a fim de evitar o tratamento sistemático dos pacientes com sobrepeso grau
I e deixando a intervenção para esse grupo em função de mais de um fator de risco.
Em função do cálculo do IMC, há fórmulas para determinar o
% de gordura.
Crianças (< 16 anos) % gordura = (1,51 x IMC)-(0,7x idade)- (3,6 x Gênero) + 1,4
Adultos % gordura = (1,2 x IMC) + (0,23 x idade) (10,8 x Gênero) – 5,4
Sendo gênero = 1 para homens e 0 para mulheres
Para saber sua composição de gordura, músculo e osso, não só mediante estas
fórmulas gerais, e sim utilizando técnicas profissionais, pode-se entrar no portal
http://dieta-paleolitica.blogspot.com.es e obter um programa gratuito (NT: em
espanhol) de determinação da composição corporal.
O certo é que agora se consideram o sobrepeso e a obesidade como fatores de
risco e estados patológicos. E que é necessário intervenção para evitar problemas
sérios, como a chamada síndrome metabólica e outras doenças (patologias
cardiovasculares, diabetes tipo II, apnéia do sono, osteoartrite, etc.) associadas à
obesidade. Se antigamente ser gordo era um sinal de saúde, agora é o contrário.
E agora, temos de estar mais magros? Qual é a fórmula magistral?
Aparece aqui a “galinha dos ovos de ouro” e todo mundo tem algo a dizer, já
que quem tem a solução terá a fama, elogios e riquezas. Pelas riquezas, os charlatões
neste submundo já administram clínicas de emagrecimento, garantindo “milagres.”
Por que isso acontece, se não conseguem seus objetivos? Ou será que conseguem?
Uma das características da obesidade é a facilidade de perder peso de forma
rápida com determinadas mudanças dietéticas. Quem procura uma consulta para
emagrecer carrega consigo “vontade” de fazer o que for necessário para emagrecer,
passar fome inclusive. Começa o tratamento e começa a baixar o peso. Funciona!
Depois de algumas conversas médicas, os pacientes ficam mais esperançosos. E isso
simplesmente diminuindo calorias, modificando algum hábito desaconselhável,
José Antonio Villegas García
fazendo algum tipo de exercício, talvez recebendo alguma ajuda farmacológica (até
sem saber disso, como ocorre com as fórmulas medicamentosas ocultas e sem
escrúpulos).
Depois de algum tempo (apenas algumas semanas) começam as decepções,
perde-se a vontade e o corpo começa a encontrar fórmulas para justificar o fracasso.
“Por enquanto, isso já é o suficiente! Não vou passar toda a minha vida, assim! Toda
a vida são dois dias! Meu metabolismo é assim mesmo! Não se deve renunciar aos
prazeres da vida!” E começa a ganhar peso até chegar ao que ostentava meses antes.
Decepção, ansiedade, inclusive depressão. Mas nunca culpa-se o tratamento e sim a si
mesmo. Não tenho vontade, sempre serei um gordo(a), a culpa é minha. E volta a
começar, em outra clínica, outro tratamento, outro fracasso.
A primeira coisa a se saber é que não há força de vontade que ganhe de um
instinto básico. A força de vontade se baseia num raciocínio consciente e tem a
limitação do tempo que supõe a consciência de fato. O instinto está aí, esperando para
aparecer, quando a vontade pede um “descanso.” Ele se reveste de muitas formas,
mas sempre ganha. Não, o regime não funciona se não for para toda a vida. De fato,
as clínicas sérias nas quais se conseguem bons resultados, mais ou menos duradouros,
baseiam seu trabalho em modificar hábitos de vida, não só dietéticos. Existem grupos
de ajuda, fazem sessões de exercícios físicos, ensinam a comer, gratificam cada grama
que se perde e criam um hábito. Só assim pode funcionar.
A atividade física não é apenas gastar energia e, sim, melhorar o balanço entre
ingestão e gastos, e muito mais...Vocês sabiam que ao fazer exercício físico intenso se
disparam alguns ciclos metabólicos que consomem energia até 12 horas depois de
finalizada a atividade? Agora sabemos que o exercício físico não apenas utiliza
energia durante sua execução, também provoca alterações metabólicas que consomem
energia depois de finalizada a própria atividade.
E a farmacologia? Nosso organismo se preparou durante milhares de anos para
armazenar cada grama de comida não utilizada. Cada vez que um cientista descobre
um fator relacionado com a obesidade, aparecem mais três (Fig. 12). Na opinião de
Jeffrey Friedman, pesquisador que clonou e sequenciou a leptina (um hormônio que
se expressa no tecido adiposo) em 1994, a pretensão de que o homem possa tomar um
comprimido e em pouco tempo torne-se magro, está muito longe de ser verdadeira
pelos cientistas que trabalham com o tema. Na opinião de Friedman, a obesidade tem
135
136
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
muitas mais formas de prevenção que tratamento e, em qualquer caso, a prevenção
passa pelo exercício físico e uma dieta equilibrada.
Figura 7: O adipócito não é um simples armazém de gordura, interage com o organismo através de
dezenas de fatores regulando a reserva energética do organismo. Autorizado de Valenzuela A., 2004
Nossas crianças e jovens deixaram de brincar nas ruas e nas casas, para
permanecer sentados de frente ao vídeo game, à televisão ou ao computador. Além
disso, gozam de um bom poder aquisitivo, que lhes permite comprar “comidinhas”
(quase sempre há um ponto de venda perto das escolas). Os pais, muitas vezes
separados ou divorciados, exercem pouca autoridade sobre as normas de alimentação
e, inclusive, às vezes, para atrair o carinho da criança que não a vê durante a semana,
são excessivamente condescendentes na hora de substituir comidas nutritivas
convencionais por comida rápida (pizza, hambúrguer, etc.). Nos Estados Unidos
(sempre temos que falar do império porque são eles que fazem estatísticas), o
consumo de refrigerantes aumentou em 300% nos últimos 20 anos, de modo que os
adolescentes, até 20% deles, consomem 4 ou mais refrigerantes diariamente (existem
estudos que associam um aumento de 4,9 kg de peso se durante quatro anos o
indivíduo bebe um refrigerante ao dia, e o que é pior, o risco de diabete juvenil cresce
em 83%).
Nos EUA (novamente eles), o consumo de frutose nos xaropes de muitos dos
refrigerantes aumentou em 1.000% de 1970 a 1990. A frutose é especialmente
José Antonio Villegas García
preocupante porque seu metabolismo é diferente do açúcar comum (sacarose), não
passa ao cérebro e não dá a sensação de saciedade, não estimula a secreção de
insulina nem de leptina, e com isso não há inibição do apetite. Por isso mesmo, os
jovens, em especial, podem tomar três ou quatro refrigerantes enquanto vêem a
televisão, e em seguida ainda jantam com fome (centenas de calorias não utilizadas
que seriam empregadas para realizar uma atividade física. Onde isso poderia parar?).
Se isso é assim mesmo, o que nos resta fazer? Tudo. Antes de mais nada, temos que
prevenir, logo, temos que informar e ajudar.
1 - Prevenir mediante o convencimento prévio de que a atividade física não é
negociável. O sedentarismo não é uma opção e, portanto, tem-se que acabar com ele
(sedentarismo) desde a infância. A alimentação deve ser matéria de estudo desde a
pré-escola. Os gostos têm de ser educados desde os primeiros meses. Menos
alimentos salgados, mais verduras, menos gorduras, mais peixes, menos doces.
2 - Informar-se da transcendência de uma boa alimentação. Há que criar um estado de
opinião nos consumidores que lhes permita estar bem informados para defender-se da
manipulação publicitária. Potencializar as associações de consumidores e obrigar,
mediante normativas, as empresas relacionadas com a alimentação a que demonstrem
o que dizem. Quem afirma em uma campanha publicitária que o colesterol diminui
com seu produto, deve demonstrá-lo cientificamente. Nós, profissionais da saúde
(médicos, nutricionistas, educadores físicos, etc.) estamos habituados a filtrar a
informação que nos dão os laboratórios (seus produtos são maravilhosos e curam sem
precisar tirar dúvidas, mas se isso fosse verdadeiro, não teríamos doentes). Os
consumidores deveriam ter fontes independentes de informações, confiáveis e
contrastáveis (essas fontes podem ser as associações de consumidores).
3 - Ajudar os que já são obesos. A sociedade cria seus modelos e não ajuda em nada
os que apresentam sobrepeso e obesidade pois a imagem de beleza feminina é uma
modelo anoréxica. Quando se tem metas viáveis, há razão para o esforço, ao
contrário, quando são impossíveis, nem sequer se tenta. Para uma mulher com
sobrepeso (manequim 46), o objetivo não pode ser, nem parecer, de uma moça de
137
138
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
manequim 36. Há que aumentar os impostos indiretos sobre os produtos que não
oferecem qualidades nutritivas e esses alimentos devem também estar longe dos
ambientes infantis e juvenis (colégios, ginásios esportivos, áreas culturais, etc...).
Por outro lado, existe um elemento pouco conhecido, mas muito preocupante
que é o chamado “síndrome do homem abandonado” - muito bem descrito por Carlos
Bauzi, ex-presidente da Associação Cordobesa de Obesidade da Argentina. Trata-se
dos maridos (em geral os parentes mais próximos) das mulheres que seguem dietas de
emagrecimento e que obtêm sucesso. Muitas vezes, o que se observa é o próprio
marido que atrapalha a continuação da dieta de sucesso da mulher. Como é possível?
Na verdade, isso acaba sendo muito comum. São maridos que se sentem ameaçados
pelo êxito de sua mulher, ao percebê-la mais bonita, mais atraente, e que novamente é
olhada pelos outros homens. Sua estratégia (muitas vezes, não consciente) consiste
em sabotar o regime da mulher, levando “coisas ricas” e dizendo que só um
pouquinho não vai fazer mal, inclusive convertendo-se em “especialista” ao dizer que
tal alimento não engorda. Em casos mais extremos, chega a ser mais agressiva a ação,
aproveitando qualquer desculpa para “jogar” frases como “este regime está mudando
seu caráter”, “preferia você como era antes”, “estava mais bonita antes” etc. etc.
A luta contra a obesidade é uma luta de todos, já que afeta a todos de uma
forma direta ou indireta (para os mais resistentes, digo que, se pensam que isso não é
assunto deles, dêem uma olhada nos seus impostos, já que na Espanha estima-se que o
custo econômico da obesidade derivado dos custos diretos e indiretos é de uns 2.000
milhões de euros anuais)
A comunidade científica internacional está de acordo com a importância do
exercício físico para prevenir e tratar o sobrepeso e a obesidade. Diante de uma
realidade tão palpável, a impressão é que não se alcança o mínimo necessário pelos
poderes públicos. O que é que se deve exigir de nossos representantes nas
Instituições?
1) Educação - Começando pelas escolas, nas associações das donas de casa, em
qualquer agrupamento de cidadãos, que a atividade física é irrenunciável. Não há
alternativa, já comentamos muitas vezes, nossa evolução só contempla a prática de
uma atividade física diária.
139
José Antonio Villegas García
2) Incrementar as instalações e construções de ginásios
poliesportivos –
Diferentemente do que muitos políticos pensam, essas instalações não têm como
prioridade os esportes competitivos, onde se privilegiam as taxas de uso e ao final
atende-se apenas como mais uma arrecadação. Falo das ciclofaixas para os ciclistas,
das novas trilhas em lugares abandonados, de dissuadir a circulação de carros pelo
centro das cidades. Refiro-me à imaginação para encarar um problema que é “novo”
para nossa espécie. Sabiam que em um experimento que fizeram em grandes
indústrias, quando melhoraram a iluminação e colocaram música ambiente e uma
decoração agradável nas escadas, baixou o número de pessoas que subiam de elevador
ou utilizavam escadas mecânicas de andar a andar?
3) Subvencionar as iniciativas privadas que realizam atividades físicas terapêuticas
- Quando se custa pouco o álcool e o cigarro e muito para frequentar um ginásio de
esportes para a prática de atividades físicas para a qualidade de vida, produz-se um
fluxo natural de hábitos tóxicos além dos costumes saudáveis.
4) Todas as que vocês se lembram e que devem ser escutadas.
140
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
17. FINALIZAREMOS OLHANDO PARA TRÁS “SEM IRA”
“De refranes y cantares tiene el pueblo mil millares”
Olhar para trás na alimentação é lembrar de um dos maiores estudiosos do
tema, o professor Stanley Boyd Eaton, da Universidade Emory, de Atlanta (Estados
Unidos). É curioso como se chega aos encontros da vida, já que o professor Eaton
provém do campo da radiologia. Mas ele foi também diretor da Policlínica da Vila
Olímpica de 1966 e logo se dedicou apaixonadamente pela dieta dos hominídeos que
nos precederam, relacionando sua alimentação com a que levamos atualmente em
nossa opulenta sociedade atual.
Paralelamente, Loren Cordain, outro professor norte-americano (Universidade
de Colorado), proveniente do campo das ciências do desporto e atividade física,
levanta idéias similares, chamando a atenção para o alto nível de consumo de cereais
proposto na Pirâmide dos Alimentos, editada pelo Departamento de Agricultura dos
Estados Unidos (http://www.mypyramid.gov/).
Na mesma direção, há o Dr. Willet, da Escola de Saúde Pública de Harvard,
que chegou a pôr em dúvida o nível de atualização dos encarregados de estabelecer as
recomendações dietéticas para a população norte-americana. Pois bem, tudo isso é,
sem dúvida, discutível, mas algo muda quando na última edição algumas das
propostas dos citados autores começam a levar em conta e aparece pela primeira vez a
atividade física na pirâmide nutricional! (aparece uma pessoa correndo a escalar a
pirâmide).
Há duas linhas básicas nas críticas que se produzem hoje em dia às mudanças
propostas na base dos conhecimentos da dieta de nossos ancestrais. A primeira,
defendida pelos colegas como o Dr. Walker, do Instituto de Investigação Médica de
Johannesburgo (África do Sul) e a Dra. Milton, da Universidade de Califórnia (EUA)
apontam para a dificuldade de pôr em prática alguns hábitos de milhares de anos em
um meio ambiente muito diferente do atual; a impossibilidade de mudar a
alimentação de milhões de pessoas que consideram a comida não só como a forma de
satisfazer um instinto, mas um fator cultural e social.
José Antonio Villegas García
A segunda é proveniente de clínicos e epidemiologistas que vêem a dieta
(alimentos) mais um fator, mas não o único, de doenças (junto a outros como a
poluição, falta de exercícios, estresse, etc.).
O certo é que não são críticas do modo, e sim, na forma. Ou seja, não se
discute, por exemplo, se alguém é capaz, hoje em dia, de seguir uma dieta similar à
dos caçadores coletores. Se fizessem os mesmos exercícios e ainda tivessem a
assistência médica do séc. XXI, e o controle de infecções, segurança alimentar, etc.
etc. - se nessa hipótese teriam uma saúde de ferro ou não.
O problema é como chegar a isso de forma séria (não como se faz na chamada
moda da comida paleolítica nos Estados Unidos) e contemplando a situação “real”
dos recursos alimentares mundiais. Não há dúvida de que neste momento cidadãos de
países ricos, com grande poder aquisitivo e muito bem informados, possam seguir
uma dieta muito saudável (à luz dos conhecimentos atuais). O problema é como levar
essa possibilidade a todos os indivíduos.
Em qualquer caso, cumpri o meu papel, que é o de informar, de modo que
agora é o leitor o dono de sua ação. Você quer comer melhor? Tem dinheiro para
investir?
Então, siga estes conselhos:
Não desmereça determinadas fontes alimentares simplesmente pela rejeição
cultural (gafanhotos, cupim, larvas do bicho da seda – todos fontes de proteínas
escassas em gordura). Se você tem a oportunidade de conhecer determinados pratos
exóticos, prove-os (já existem restaurantes especializados).
Consuma ovos de pássaros (codornas e pombos selvagens/orgânicos). Os
pássaros em liberdade se alimentam de cereais na justa proporção de ácidos graxos,
consomem carotenóides, etc. (NT: isso, obviamente, só se aplica ao caso brasileiro em
áreas de caça demarcadas pelos órgãos ambientais).
Coma mais nozes, castanhas (do Brasil e de caju), amêndoas, avelãs... (ricas
em ácidos graxos ômega 3, fitoesteróis, fibra). Caracóis, rãs, pequenos répteis (ricos
em aminoácidos essenciais e em outros de muito interesse para nosso organismo,
como a arginina, ornitina, glutamina). Lebre, coelho, faisão selvagem (as cartilagens
contém glucosalina e condroitina de grande importância na prevenção de doenças
141
142
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
articulares). Moluscos, crustáceos, enguias, sardinhas e pescados azuis e peixes
marinhos de águas frias(ácidos graxos ômega 3).
Cebola, alcachofra, cenoura, tomates (orgânicos) - antioxidante, fibra.
Chicória, aspargos selvagens, acelgas do campo, espinafres - antioxidante, fibra.
Frutas do campo (morangos, amoras, mirtilos,
framboesas...) - antioxidante,
vitaminas. Champignon e cogumelos do campo (carotenóides). Espécies, flores,
plantas comestíveis, alface selvagem (fibra e vitaminas).
Se não quiser (ou não pode) ser tão sofisticado, siga estes conselhos mais
apropriados da realidade:
Coma mais salada, frutas e verduras. Não tire a pele das frutas e coma-as (na
medida do possível) cruas (aproveite as vantagens da agricultura orgânica). Consuma
mais peixes (em todas as suas formas, mas preferencialmente de pesca extrativa).
Os pratos de carne que sejam magros (tire a gordura e cozinhe tipo grelhado,
mas sem queimar os alimentos). Consuma vísceras que tenha garantias sanitárias
(fígado, rins...). Utilize azeite extravirgem de oliva para cozinhar. Tome água com
gás.
Evite, diminua ou elimine (na medida de suas possibilidades) gorduras
saturadas (queijos, manteiga, gordura animal, patês...). Cereais (particularmente bolos
e doces de supermercado, padaria e confeitaria).
Azeites ricos em ômega 6 (milho, margarinas, maioneses...). Gorduras trans.
Bebidas alcoólicas. Carnes gordurosas (cordeiro, carne de porco gorda, aves gordas,
galinha, marreco e ganso). Sucos industrializados.
Como ajuda na redução do consumo de gorduras, pode-se seguir conselhos
como os que cito na seguinte tabela, aproveitando as muitas informações que existem
na internet sobre métodos de cozinhar sem gordura.
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José Antonio Villegas García
Alimentos ricos em
gorduras
Produtos Lácteos
Leite integral
Creme ou leite evaporado
Iogurte
Queijos
Sorvete
Manteiga
Óleos
Óleos para cozinhar
Óleos para fritar
Maionese
Molhos para saladas
(ricos em gorduras)
Manteiga de amendoim
Carnes
Costelas e carnes gordas
Toucinho ou salsicha de
carne de porco
Embutidos (mortadela,
salames, salsichas, patê
de porco, patê de fígado)
Pratos combinados
Vegetais com molho ou
na manteiga
Alimentos completos
congelados
Doces e bolos
Bagels, donuts ou bolos
doces (comerciais)
Chocolates
Barras energéticas
Conservas
Atum, sardinha, etc.
quando estão
conservados em óleo
Substituir por
Leite desnatado e semidesnatado
Leite desnatado evaporado ou leite evaporado mas diluído
Iogurte desnatado
Queijos frescos com muita moderação à medida que
continuam a ser elevados em gordura (15% em média)
Sorvete baixo em gordura, iogurte baixo em gordura, sorvete,
picolé ou substitutos de sorvetes livres de gordura. Ver o
conteúdo de gorduras trans (no rótulo aparecem como
"gorduras vegetais parcialmente hidrogenadas")
Não há alternativa, unicamente eliminar
Óleo de canola e milho
Quando o alimento é frito, colocar sobre papel para absorver
o óleo
Substituir por temperos naturais
Substituir por ervas naturais
Eliminar
Carnes magras, contrafilé, bifes magros
Eliminar
Presunto cozido, presunto de peru (embutidos magros)
Vegetais com substitutos destes, temperados com ervas
Verificar a quantidade de calorias provenientes da gorduras.
Rejeitar os superiores em 20%
Torradas, doces dietéticos (light) baixos em gorduras (em
especial deve-se verificar o conteúdo de gorduras trans)
Eliminar
Procurar as que estão livres de gordura trans
Buscar alternativas de conservas sem óleos; se não for
possível, procurar escorrer ao máximo o alimento enlatado
Tabela 19: Alguns conselhos caseiros para diminuir o consumo de gorduras na comida diária sem
fazer grandes revoluções dietéticas.
144
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
18. DE UM MODO VERDADEIRO
Es mas fácil tapar el sol con un dedo que a verdad con una montaña de
mentiras
Ao longo da minha formação, percebi, por um lado, o conhecimento científico
das ciências da alimentação humana, e por outro lado, a percepção das pessoas na rua,
enormemente influenciadas pelo charlatanismo e pela pressão industrial e midiática.
Mas isso é algo habitual em nossa sociedade, sendo a informação abundante e, às
vezes, surpreendentemente manipulada.
A informação oficial, supostamente científica, que divulgam os órgãos
públicos encarregados da nossa saúde, não está livre de manipulações. Neste caso, é
procedente do dogmatismo de determinadas cátedras ou associações que funcionam
mais como um grupo do poder do que como reduto da ciência e do saber. Preocupame enormemente o fato de que seis dos 11 especialistas responsáveis pelas novas
recomendações alimentares (RDA) ditadas pelo Departament of Health and Human
Services (HHS) e o Departament of Agriculture (USDA) estejam ligados à indústria
agroalimentar - segundo denúncia contra tais agências feitas por uma associação de
médicos norte-americanos. Também me preocupa a relação que se estabelece na
Europa em assembléias, congressos, conferências e demais “encontros” entre os
responsáveis pelas normativas legais Européias e indústrias agroalimentares. Nesse
sentido, faço duas importantes perguntas. Por que não constam nos rótulos 35 as
quantidades totais de gorduras trans? Por que não aparece o índice e a carga
glicêmica? A indústria simplesmente dirá “porque não é obrigatório”. Mas quem
legisla, por que não o faz?
Outro exemplo da intervenção de fatores alheios ao conhecimento puramente
científico nos temas de alimentação temos na chamada “guerra do chocolate”.
Espanha e Itália foram derrotadas e condenadas, em face dos demais países membros
da União Européia, pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Européias, em janeiro
de 2003, pelo caso da denominação “Chocolate, assuntos C-12/00 e C-14/00.”
O Tribunal acolheu, na sua resolução, a proposta de condenação, formulada
pelo advogado geral, por Espanha e Itália haverem infringido o Tratado da
35
NT: No Brasil é obrigatório, mas somente acima de uma certa quantidade de gordura por porção.
José Antonio Villegas García
Comunidade Européia (CE) ao proibirem a comercialização, quando houver a
denominação de “chocolate”, de produtos que, além da manteiga de cacau, contenham
outras gorduras vegetais.
Espanha e Itália pretendiam que os produtos fabricados com cacau e gorduras
diferentes da manteiga de cacau fossem os sucessores do chocolate. Mas, por que
defender uma gordura rica em ácidos graxos saturados frente a possíveis gorduras
dieteticamente mais saudáveis? A resposta está nas pressões comerciais. Todo o setor
do cacau se caracteriza por um centralismo: sete países produzem os 85% do cacau;
cinco empresas controlam 80% do comércio; outras cinco, 70% da transformação; e
há seis multinacionais do chocolate que monopolizaram 80% desse mercado. Quem
poderia pensar que a decisão iria se basear exclusivamente em aspectos científicos?
Pois, quando se usa essas gorduras que supostamente melhoram a composição de um
alimento muito utilizado na infância, encontram-se gorduras de illipe, óleo de palma,
kokum gurgi, e óleo de coco, todas elas piores do que a manteiga de cacau. Por que
utilizá-las? Porque são mais baratas. A guerra era puramente comercial!
Todos os pesquisadores necessitam de patrocinadores. É independente o fato
do “boom” comercial da soja (especialmente transgênica) da pressão publicitária
sobre as bondades dos derivados da soja? E o descobrimento das capacidades
antioxidantes do vinho que, por certo, rapidamente vieram seguidas das da cerveja?
Sou cético quando tenho de avaliar a boa vontade das empresas cuja principal
estratégia é conseguir um maior benefício para os acionistas. Recordo das “pobres”
normativas que existiam há anos em nosso país, as datas de validades das embalagens,
que eram muito pequenas para se enxergar (me lembro de como ficava olhando nos
mercados quando pedia uma embalagem e me punha a decifrar a letra para saber o
ano de fabricação). Tudo foi solucionado pondo o ano em números que todo mundo
entendia. Por que não fizeram isso anteriormente? Quem teria interesse que as pessoas
não tivessem acesso aos prazos de validade? Por acaso todos não ganharam com isso?
É ingênuo pensar que um fabricante de doces com gorduras trans e um
elevado índice glicêmico ponha no rótulo uma advertência de que não é um produto
saudável, e que está formalmente desaconselhado aos jovens com sobrepeso e pessoas
com doenças inflamatórias ou que tenham uma síndrome metabólica, etc., etc.
A paleodieta foi a base de minha exposição. De certo modo é o meu ideal
enquanto a melhor forma de se alimentar, mas, infelizmente, não sei se isso foi
resguardado da manipulação ocorrida nos Estados Unidos (e é muito comum na
145
146
Alimentação de ontem, de hoje e de amanhã
Espanha). Existe toda uma diversidade de alimentos supostamente paleolíticos;
restaurantes e, na internet, sites que vendem algo. Enfim, o de sempre. Surgem, então,
conceitos que são comerciais e somente para vender. Já expus minha opinião a
respeito e afirmo que tentar seguir uma dieta como a de nossos ancestrais, deixando
os fatores ambientais intocados, é algo assim como aprender a guiar uma Ferrari e
pretender pagar as prestações a bordo de um carro básico. Não é real (talvez seja
futurista) pretender comer insetos, comer pratos sem gordura (é a que dá o sabor a
todos os pratos de restaurantes), conseguir ovos de pássaros ou aspargos silvestres. É
uma aventura, mais que uma alimentação diária. Por outro lado, um pedaço de torta
“floresta negra” é tão gostoso!
A solução está na tecnologia. A indústria deve encaminhar seus estudos
tecnológicos aos alimentos saudáveis. Para isso só há um caminho, criar uma
“corrente” de consumo. Se há consumidores de alimentos saudáveis, a indústria
fortalecerá essa área e as empresas competirão por esse mercado. A informação
independente, sem manipulação, é a que pode criar nos consumidores uma decisão de
compra que obrigue as grandes empresas a ocupar esse espaço com os alimentos
adequados.
Uma legislação clara e contundente e uns consumidores informados junto
poderosas e independentes associações são o que parece oportuno a todo mundo. Se
não o fizermos, as indústrias alimentícias continuarão seguindo a corrente ditada pelo
consumo. Se há negócio em um tipo de alimentação mais saudável, a indústria dará
um jeito de produzir. Esse é o caminho a seguir, mais lento, mas muito mais rentável
em termos de saúde. E não esqueçamos que todos pagamos o preço da doença.
Finalmente, não esqueçamos que uma característica de nossa espécie é alterar
o fato puramente instintivo e convertê-lo em cultural e social. A alimentação não é
somente a satisfação de um instinto, e sim, a possibilidade de passar um bom tempo
com os amigos, de paquerar, de marcar um outro encontro, de fazer negócios (festa
sem comida, não é festa realizada). Não deixemos que nos entristeçam com esses
momentos com regras, normas estritas e muitas vezes manipuladoras.
Como diz o refrão espanhol:
“Ante un caldero come a gusto y placentero, y que ayune tu heredero.”
José Antonio Villegas García
Dr. José Antonio Villegas Garcia
147
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José Antonio Villegas García