Artigo ENGENHARIA, MEIO AMBIENTE E A EXPANSÃO URBANA José Camapum de Carvalho1 Márcia Dieguez Leuzinger2 Janaina Teixeira Camapum de Carvalho3 Ana Cláudia Lelis4 RESUMO: Hoje, os grandes centros urbanos têm mudado as características da ocupação e uso do solo, principalmente nas áreas de expansão. Para responder à demanda crescente, além da necessidade de se trabalhar com coeficientes de aproveitamento do solo cada vez maiores, as edificações têm ganhado em altura e em profundidade de subsolo. Se os dois primeiros aspectos são quase que naturais, pois respondem à fuga do homem do campo e ao próprio crescimento populacional, o segundo satisfaz, principalmente nos países pobres, onde o transporte público urbano é precário, à demanda cada vez maior de espaço para a guarda de veículos. Com a atual dinâmica dada à expansão urbana, vários problemas ambientais começam a surgir. Como executora dessa mudança faz-se necessário que a engenharia esteja preparada. Esse artigo levanta alguns problemas para reflexão, contextualizando a responsabilidade das pessoas físicas e jurídicas que militam na engenharia. Palavras-chave:Escavação.Impermeabilização. Erosão. Responsabilização civil. Responsabilização penal. ABSTRACT: Nowadays, the large urban centers have changed the characteristics of soil occupation and use, mainly in the expansion areas. To answer the growing demand, besides the need to work with increasing coefficients 1 Professor Doutor Titular da Universidade de Brasília; Filiado à ABMS-DF; [email protected] Professora Doutora do Mestrado do Centro Universitário de Brasília; [email protected] 3 Aluna de Direito do UniCEUB; [email protected] 4 Aluna de Arquitetura e Urbanismo do UniCEUB; [email protected] 2 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 3, p. 149-157, fevereiro/2009 149 CARVALHO, J.C. - LEUZINGER, M.D. - CARVALHO, J.T.C. - LELIS, A.C. for the utilization of soil, the buildings have grown in height and depth of subsoil. If the first two aspects are almost natural, because respond to escape of the man from the country and to the population growth itself, the second, especially in poor countries where urban public transport is feeble, satisfies the increasing demand for space for the keeping of vehicles. With the current momentum due to urban expansion, several environmental problems are beginning to emerge. As responsible for those changes, it is necessary that the engineering is prepared. This article raises problems for reflection, contextualizing the responsibility of individuals and legal entities that are active in engineering. Keywords: mining, waterproofing, erosion, civil liability, criminal liability. Introdução Apesar de intervir a engenharia civil, por meio das obras que realiza, diretamente no meio ambiente, este não é, infelizmente, um tema tratado com a habitualidade e profundidade necessárias nos projetos e eventos técnico-científicos na área geotécnica. No que tange às escavações e às obras de fundação, à primeira vista, o tema pode parecer-lhes distante, apesar de literalmente banharlhe o corpo e estar sob seus pés, como se buscará mostrar nesse trabalho. No contexto geral, as obras geotécnicas são muitas vezes causadoras de grandes impactos e mesmo danos ambientais. Assim são as obras rodoviárias, com suas áreas de empréstimo exploradas de modo inadequado, com lançamentos inapropriados de suas drenagens superficiais e profundas, com a falta de re-vegetação e proteção dos taludes de corte e aterro, todos gerando graves problemas de erosão e assoreamento de cursos d’água e reservatórios (Camapum de Carvalho e Melo 2006, Camapum de Carvalho et al. 2008). As barragens seguem a mesma trilha quanto aos impactos e aos danos ambientais. Os maiores problemas, no entanto, no que tan150 ge às obras de engenharia, se localizam em meio urbano, nem todos, é bem verdade, perfeitamente conhecidos, e outros com surgência longe da área de intervenção. Nesse campo estão as obras geotécnicas de escavações e de fundações. Nelas se misturam o desconhecido e o oculto. É sobre esse tema que se pretende conduzir a discussão nesse trabalho, seguindo o viés de envolver questões técnicas de engenharia e aspectos jurídicos. Princípios ambientais que devem nortear as obras de engenharia São vários os princípios de direito ambiental importantes para a preservação e sustentabilidade do meio ambiente. No entanto, no que tange à prática da engenharia civil, nela se inserindo a área geotécnica, dois se destacam: o princípio da prevenção e o princípio da precaução. Outros terminam por gravitar em torno destes, como se mostrará a seguir. Dão sustentação a esses princípios o direito à sadia qualidade de vida e outros princípios como o acesso eqüitativo aos recursos naturais. A importância do meio ambiente como elemento básico do direito à sadia qualidade de vida foi expressamente pontuada no caput do artigo 225 da Constituição Federal Brasileira. A satisfação desse direito depende, em grande escala, dos cuidados e do modo como atua a engenharia. Cada intervenção no meio ambiente deve ter seus reflexos diretos e indiretos analisados, gerando atitudes que ora satisfazem o princípio da prevenção, ora conduzem à adoção do princípio da precaução, mas sempre vislumbrando o direito à sadia qualidade de vida e o princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais. Quando se fala do princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais, mais uma vez é possível remeter-se ao caput do artigo 225 da Constituição Federal Brasileira, pois, para a satisfação do mesmo, deve-se levar em conta a garantia do meio ambiente preservado para as futuras gerações. Não deve, no entanto, ser apenas este o foco do pensamento e da ação da engenharia, pois a ação do momento, se não avaliada dentro Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 3, p. 149-157, fevereiro/2009 ENGENHARIA, MEIO AMBIENTE E A EXPANSÃO URBANA dos enfoques da prevenção e da precaução, poderão afetar o meio ambiente e as comunidades distantes do ponto de intervenção. Assim, por exemplo, a instalação de lagoas de estabilização para o tratamento de esgoto, não sendo bem avaliada, pode, além de contaminar o ar, prejudicando a qualidade de vida, gerar outros danos como a contaminação do lençol freático, fonte de água para grandes parcelas da população, principalmente as menos favorecidas. Veja-se que, mais uma vez, aqui se retorna à necessidade da ação da engenharia, valorando e adotando os princípios da prevenção e da precaução brevemente discutidos a seguir. O princípio da prevenção talvez seja o mais utilizável na engenharia civil, pois ele se aplica quando o dano é conhecido e providências são tomadas de modo a evitá-lo. Assim, por exemplo, é sabido que o aumento da taxa de impermeabilização do solo, contrariando, inclusive, os coeficientes de ocupação estabelecidos nos planos diretores das cidades, provoca a redução da infiltração, o aumento do escoamento superficial e, por conseqüência, erosões e/ou inundações. Esse ponto é importante, pois aponta para a necessidade de se promover infiltrações compensatórias em uma ação preventiva, que por sua vez oferecem novos riscos e requerem novamente outra(s) ação(ões) preventiva(s), quiçá de precaução. Para Machado (1994), no entanto, “sem informação organizada e sem pesquisa não há prevenção”, mas poder-se-ia ir além, pois é preciso, para cada ação, pensar na reação do meio ambiente e, aí, atuar com prevenção ou precaução, segundo o nível de informação e de conhecimento disponível. O princípio da precaução, por sua vez, corresponde à situação em que se tem conhecimento de que o risco existe, mas o mesmo não é perfeitamente conhecido, devendo-se por isso, evitar a prática que possa provocá-lo, se não forem tomados os devidos cuidados mitigadores. Conhecem-se hoje todos os riscos da infiltração? Em algumas regiões e situações sim, em outras, com certeza não. Por exemplo, nas regiões de 5 6 cerrado, constituídas por mantos de intemperismo espessos, porosos, colapsíveis, muito erodíveis, são esses riscos, hoje, conhecidos? Pode-se afirmar que por enquanto o melhor é aplicar o princípio da precaução, pois se sabe que os riscos existem, mas os mesmos não são perfeitamente conhecidos. O risco do dano deve ser visto em três níveis, o dano sobre o qual não se tem dúvida, e que deve ser evitado, o risco em que o dano é provável e que deve ser estudado antes de posta em prática a atividade, e concretizando-se o potencial de risco, a ação deve ser evitada, e, finalmente, o dano incerto, que uma vez vislumbrado o potencial de ocorrência, deve ser criteriosamente analisado antes de qualquer iniciativa. Segundo Machado (2007)5, Gerd Winter diferencia perigo ambiental de risco ambiental, dizendo que, “se os perigos são geralmente proibidos, o mesmo não acontece com os riscos. Os riscos não podem ser excluídos, porque sempre permanece a probabilidade de um dano menor. Os riscos podem ser minimizados. Se a legislação proíbe ações perigosas, mas possibilita a mitigação dos riscos, aplica-se o ‘princípio da precaução’, o qual requer a redução da extensão, da freqüência ou da incerteza do dano”. Para Machado (2007)6: A implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta. É preciso pensar o princípio da precaução de modo flexível, mas responsável, pois existem danos a serem mitigados, mas existem também aqueles a serem evitados a qualquer custo. Em ambos os casos, a engenharia deve atuar na construção do conhecimento e na geração de tecnologia, por meio de uma participação am- MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15ª Ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 64. Ibidem, p. 65. Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 3, p. 149-157, fevereiro/2009 151 CARVALHO, J.C. - LEUZINGER, M.D. - CARVALHO, J.T.C. - LELIS, A.C. pla, segura e sem restrições, de modo a tornar o risco inexistente. A Administração Pública, por sua vez, diante da nova realidade urbana, dos novos costumes, das novas demandas e condições de uso do solo, ao perceber a insuficiência das normas existentes e a incapacidade da engenharia equacionar os novos problemas, deve fixar padrões de precaução mais exigentes e buscar impulsionar as investigações e o avanço tecnológico, de modo a garantir o desenvolvimento sustentável e a manter o equilíbrio ambiental. Mas os riscos para a vida, para a qualidade de vida e para o meio ambiente, eventualmente imposto por atividades de engenharia de modo específico, não devem ser objeto de zelo restrito ao Poder Público, se não dela mesma engenharia, sob pena de ver castrada sua própria engenhosidade construtiva e criativa. Outros princípios muito discutidos na atualidade são os do usuário-pagador e do poluidorpagador. Esses princípios buscam a valoração econômica dos recursos naturais, dos seus usos e dos danos que surgem em função da ação humana. São a valoração econômica do uso e do dano para por ele pagar. Na engenharia, várias são as perguntas a serem feitas quando se usa o solo, e isso, apesar da ação da engenharia ser quase sempre satisfativa, pois busca-se atender às necessidades da sociedade. Assim, por exemplo, a ocupação do solo por um edifício objetiva dar à propriedade a sua função social, atendendo ao princípio constitucional previsto no inciso III do artigo 170 da Constituição Federal, dentro do capítulo que trata “dos princípios gerais da atividade econômica”. No entanto, a engenharia, ainda que adotando e respeitando os coeficientes de aproveitamento do solo previstos nos planos diretores, deve observar os princípios da prevenção e da precaução, pois o uso por si só já induz a um custo ambiental direto, que é o da necessidade de drenar a água pluvial impedida de infiltrar pela edificação. Mas existem ainda os custos indiretos, por vezes com reflexos muito distantes dos pontos de intervenção, como ocorre com a alteração do fluxo subsuperficial por força da implantação de fundações e subsolos e que podem intervir no regime de alimentação dos mananciais. Esses aspectos 152 serão retomados e rediscutidos ao longo desse artigo, no entanto, parece clara a responsabilidade da engenharia, mesmo que sob demanda, quanto às conseqüências do uso do solo em si. Quanto às conseqüências indiretas da intervenção, como a supracitada, parece cabível entendêlas como algo poluidor em sentido amplo e, portanto, como potencial pagador. Esses exemplos não devem ser vistos como intimidadores, nem tão pouco como restritivos, mas sim como um indicativo da forte necessidade de reflexão ambiental sobre a prática da engenharia civil. Essa reflexão deve se dar já no momento de elaboração ou revisão do plano diretor, pois a interferência ambiental pode ser muito mais um problema de conjunto que de cada obra isoladamente, lembrando que, em termos de responsabilidade civil, ela é solidária. Finalmente, é relevante falar um pouco do princípio da reparação, pois o mesmo tem sede no Constituição Federal, artigo 225, parágrafo 3º, a seguir transcrito: § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Antes de adentrar na questão da reparação do dano oriundo da prática da engenharia, cabe enfatizar que a responsabilidade por dano ao meio ambiente é objetiva, ou seja, independe de culpa ou dolo, e como expressamente fixado no supracitado artigo da Constituição Federal, o infrator pode ser pessoa física ou jurídica, ou seja, vai da pessoa do técnico à figura da empresa envolvida na atividade danosa. Na engenharia, sabe-se perfeitamente que a recuperação do problema custa sempre muito mais do que evitá-lo, daí os projetos cuidadosos e minuciosos. Quando se trata de meio ambiente, o custo da recuperação da degradação gerada é ainda muito mais elevado e, em vários casos, é simplesmente impagável. Por exemplo, um curso d’água que desapareceu por que se efetuou o desmatamento da vegetação ciliar e das cabeceiras para a implantação de um lotea- Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 3, p. 149-157, fevereiro/2009 ENGENHARIA, MEIO AMBIENTE E A EXPANSÃO URBANA mento é um dano ambiental praticamente irrecuperável, a menos que se restabeleça a condição anterior. Nesse caso, o dano não é nem sequer passível de valoração, pois o bem não nos pertence, pertence às gerações futuras. Mas é interessante destacar que, paradoxalmente, alguns danos inevitáveis, como o que se refere à escavação de um subsolo, não podem em si ser objeto de reparação, mas o material dali extraído pode ser usado para evitar outros danos, como, por exemplo, fornecendo material para um aterro a ser construído, ou ainda ser útil na recuperação de uma área degradada por processos erosivos. Responsabilidade civil, criminal e sanções penais por danos ao meio ambiente Cabe, antes de tudo, lembrar que a natureza da ocupação e do desenvolvimento urbano impõe a responsabilização civil do Estado e do particular por danos causados ao meio ambiente, seja por ação, seja por omissão. No entanto, as responsabilidades não se misturam, apesar de os dois terem o dever constitucional de defendêlo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. De modo amplo, tem-se que, independentemente do dano ambiental ser oriundo da ação do Estado ou do particular, a responsabilidade pela ação é objetiva, ou seja, independe de dolo ou culpa e mesmo do fato de ser ela lícita ou ilícita. Leuzinger (2007), ao analisar a responsabilidade civil do Estado por danos causados ao meio ambiente, define as hipóteses em que as entidades estatais respondem civilmente por tais danos. No que tange à pratica da engenharia civil, como já indicado no item anterior, a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva e vai da figura do técnico (engenheiro, arquiteto, geólogo etc.) à da empresa (incorporadora, projetista, construtora etc.), sendo que a responsabilidade do Poder Público enquanto licenciador não diminui tal responsabilidade, pois a atividade é qualificada e, como tal, exige os necessários conhecimentos técnicos. Ade- mais, sendo objetiva, não importa que seja lícita ou ilícita, licenciada, ou não. A responsabilização civil, decorrente de danos causados ao meio ambiente, prevista na Lei n° 7.347 de 24 de julho de 1985, com o intuito de preservar o meio ambiente e restituir a situação inicial prevê no artigo 3°: Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Já a responsabilidade criminal decorre do cometimento de crime ou contravenção, ficando o infrator sujeito à pena de perda da liberdade, ou a pena pecuniária. Os crimes ambientais estão previstos na Lei nº. 9.605, de 1998, que em seu Art. 2°, define que: Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la. Veja que, mais uma vez, e de modo inequívoco, o profissional de engenharia e a própria empresa são alçados à condição de responsáveis, agora criminais, pelos danos. O crime ambiental é caracterizado no momento em que se fere o objeto de tutela jurídica. De acordo com Silva (2007), o objeto de tutela jurídica do Direito Ambiental não é restrito ao meio ambiente considerado nos seus elementos constitutivos, uma vez que abrange também a qualidade do meio ambiente, em função da qualidade de vida do ser humano, ficando evidente a existência de dois objetos de tutela. O primeiro diz respeito a um objeto imediato ou direto, visando à proteção tanto do meio ambiente, considerado globalmente, como de suas dimensões setoriais, quais se- Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 3, p. 149-157, fevereiro/2009 153 CARVALHO, J.C. - LEUZINGER, M.D. - CARVALHO, J.T.C. - LELIS, A.C. jam: a qualidade do solo, o patrimônio florestal, a fauna, o ar atmosférico, a água, o sossego auditivo e a paisagem visual. O segundo objeto de tutela do direito ambiental é o mediato ou indireto, consubstanciado no zelo pela saúde, bemestar e segurança da população, ou seja, na garantia de qualidade de vida, por meio da proteção ambiental. Dessa forma, aqueles que ferem o objeto de tutela do Direito Ambiental, ficam sujeitos ao disposto no supracitado parágrafo 3º do art. 225 da Constituição Federal, que fixa as implicações do desrespeito ao meio ambiente. Quanto à responsabilidade da pessoa jurídica, prevista neste parágrafo, o artigo terceiro da Lei dos Crimes Ambientais a regulamenta, nos termos a seguir transcritos: Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nessa Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. A Lei não isenta, no entanto, a pessoa física de responsabilidade, conforme mostra o parágrafo único do mesmo artigo: Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato. A Lei de Crimes Ambientais define os critérios para a aplicação dessa pena, em seu Capítulo II. É importante destacar que, para a imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente, os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental, e a situação econômica do infrator, no caso de multa, conforme dispõe o art. 6° da referida Lei. Cabe ainda destaque ao artigo 53, inciso I, desta Lei, que institui causa de aumen154 to de pena, fazendo alusão explícita à diminuição das águas naturais e a erosão do solo: Art. 53 Nos crimes previstos nesta Seção, a pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) se: I - do fato resulta a diminuição de águas naturais, a erosão do solo ou a modificação do regime climático; Observa-se que esse inciso diz respeito diretamente à atuação da engenharia ditada pela demanda atual de mercado, com grandes impermeabilizações superficiais, intervenção no fluxo do lençol freático por meio da implantação de subsolos e de número excessivo, mas necessário, de elementos de fundação. Se as primeiras intervenções são susceptíveis de gerar erosões ou inundações em virtude do aumento do escoamento superficial, as demais intervenções, juntamente com as primeiras, são passíveis de acarretarem diretamente, quando não a diminuição de águas naturais, pelo menos alteração do seu regime. As infrações penais contra o meio ambiente são objeto de ação pública incondicionada, ou seja, o Ministério Público pode agir de oficio, mediante apresentação de denúncia. Nesse contexto, cabe ao Ministério Público, conforme estabelece o Título IV, artigo 129, inciso III, da Constituição Federal de 1988: III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; As questões urbanísticas e os projetos geotecnicos de escavação e fundação É comum, na engenharia, se compartimentar os estudos e projetos. Perde-se a concepção geral e aprofunda-se de modo desproporcional nas questões tópicas. Essa perda de visão global e integrada vai desde a concepção e definição do Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 3, p. 149-157, fevereiro/2009 ENGENHARIA, MEIO AMBIENTE E A EXPANSÃO URBANA traçado urbanístico até a simples construção de um edifício, esta também, em si, quase sempre pouco integrada nas diferentes fases dos distintos projetos, arquitetura, estrutura, geotecnia, sistemas hidráulicos e de esgoto etc. No que tange à concepção urbana, por exemplo, a definição do traçado viário, o posicionamento dos lotes, a definição das cotas máximas de construção e os coeficientes de aproveitamento, são, todos, fatores intervenientes na definição das escavações de subsolos para garagens e nos projetos de fundação dos edifícios, isso sem falar nas obras de infra-estrutura, como metrôs e drenagens de águas pluviais, que devem ser implantadas. Existem condicionantes ambientais que devem fazer parte dos estudos iniciais e serem analisados desde a fase de diagnóstico do terreno, antes da concepção arquitetônica e urbanística. Estes fatores ambientais, tais como direção dos ventos dominantes, insolação, topografia, vegetação e entorno imediato, devem ser elementos relevantes e determinantes na definição do projeto arquitetônico ou urbanístico, pois têm reflexo direto nas obras de engenharia. Na implantação de um edifício em clima tropical que, por exemplo, receba a ação direta dos ventos dominantes e insolação nas primeiras horas do dia, com predomínio de áreas de sombra nos horários de maior incidência dos raios solares, ter-se-á um imóvel que atende às normas de conforto térmico, com ventilação e iluminação naturais, sem que se utilize, de forma indiscriminada, sistemas de ar condicionado e iluminação artificial. Essa opção arquitetônica reduz o uso de energia elétrica, auxiliando, assim, o desenvolvimento urbano sustentável. No entanto, atendidas essas especificidades que conduzem à economia de energia ao longo da vida útil do edifício, faz-se necessário pensar nos reflexos dessa mesma opção arquitetônica sobre a obra de engenharia, buscando-se a redução dos esforços oriundos dos ventos atuantes, pois eles implicam em fundações mais robustas, maior consumo de material, maior obstrução do eventual fluxo de água subsuperficial, o que gera, portanto, outras modalidades de passivos ambientais oriundos do projeto. Destaca-se ainda, que a especificação de materiais de construção e de acabamento e o uso de técnicas construtivas, objetivando atender às condições climáticas existentes, devem ter a função precípua de solucionar problemas e mitigar a inevitável interferência ambiental, não se limitando à mera função estética. A Fotografia 1 ilustra o caso de um muro em crib wall, em Brasília, em que o processo de degradação foi acelerado pela condição de insolação. O muro recebia o sol da tarde, possibilitando grandes trocas de umidade e a condução do oxigênio para o contato com as ferragens, proporcionando, assim, a sua degradação. Fotografia 1 – Muro em crib wall degradado ao longo do tempo. No exemplo mostrado, o dano é visível e claro, no entanto, quando se trabalha com fundações, escavações e implantações de cortinas, o problema já não é, de imediato, tão evidente, merecendo estudos mais aprofundados, cuja solução continua ao alcance da engenharia. Existe, ainda, uma diferença substancial entre essas situações. Enquanto a primeira gerou quase unicamente um dano material, para as demais, que tratam de escavações e da implantação de fundações e cortinas, o dano pode atingir um bem maior, o meio ambiente. Mas, ainda na questão da concepção do plano urbanístico e do desenho arquitetônico, e de seus reflexos na obra de engenharia, pensar e planejar a ocupação do solo pode refletir diretamente na redução dos custos dos empreendimentos. A observação da direção do vento, por exemplo, pode conduzir a reduções significativas nos esforços horizontais nas Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 3, p. 149-157, fevereiro/2009 155 CARVALHO, J.C. - LEUZINGER, M.D. - CARVALHO, J.T.C. - LELIS, A.C. fundações. Observar a direção do fluxo do lençol freático e a importância da recarga do aqüífero pode contribuir para minimizar as conseqüências para as nascentes, para as quais os mananciais de subsolo existentes na área em ocupação contribuem. Os subsolos, os projetos de fundação e os danos e riscos ambientais No espaço urbano, os danos ambientais são incontestes, pois toda e qualquer intervenção no meio ambiente sempre causa algum tipo de impacto. A simples ocupação da área com a edificação já gera danos, pois remove a cobertura vegetal, promove a impermeabilização da área, impedindo a infiltração e proporcionando problemas como a redução da recarga do aqüífero e o aumento do escoamento superficial, este tendo por conseqüência, erosões e inundações. Cidades como São Paulo, são hoje, vítimas freqüentes de inundações em conseqüência da falta de planejamento e solução de engenharia. Isso é posto para indicar que alguns danos são mitigáveis, outros remediáveis e outros ainda inevitavelmente farão parte do passivo ambiental. No caso supracitado, a redução da infiltração poderá ser remediada mediante projeto de engenharia, porque oferece riscos geotécnicos. A remoção da cobertura vegetal, intervindo na flora e fauna, fará parte do passivo ambiental, e os efeitos da ocupação em si poderão ser mitigados por meio da manutenção de áreas verdes. Como se vê, sendo a ocupação necessária, não tem como ser evitada a totalidade dos danos, no entanto, deve-se buscar mitigálos, e nessa ação a engenharia, mais que responsabilidade, tem a obrigação de contribuir, por exemplo, estudando e propondo projetos de infiltração adequados. Quando da realização das escavações de subsolos ou mesmo das fundações, além dos danos localizados, outros relacionados às áreas de disposição podem ser gerados, se não houver planejamento. A falta de planejamento implica em desordem, em desperdício. O planejamento prévio pode resultar em economia para a obra, 156 em destino adequado para o material escavado, em redução da quantidade e intensidade dos danos a serem gerados por outras obras de engenharia tais como rodovias, barragens e aterros sanitários. É evidente que, nesse último caso, não se trata de conduzir o material escavado como resíduo, como muitas vezes é feito, mas sim como material de construção para as camadas de cobertura e de impermeabilização. Não é possível esquecer que o material oriundo da escavação poderá ser útil em aterros da própria obra, evitando-se importações futuras e mais danos em algum lugar. Adentrando as questões dos riscos, estes podem ser divididos em duas categorias: os geotécnicos e os ambientais. Normalmente o lençol freático tem uma direção de fluxo natural, demandando certa área de percolação. Poderia se pensar que, como parte da infiltração foi impedida, a redução da área de escoamento gerada pela implantação dos subsolos e das estruturas de fundação estaria resolvida. No entanto, é preciso lembrar dois aspectos: primeiro, que para resolver ou evitar outros problemas é necessário que se pense na necessidade de resolver o problema da infiltração; segundo, que a alimentação preponderante do lençol freático pode estar se dando fora da área de ocupação. Observe-se, trata-se de risco e, como tal, deve ser avaliado. Avaliado e constatado o risco de ascensão do lençol freático, ocorre um novo risco, o de afetar o comportamento geotécnico das fundações de algumas edificações, por perda de capacidade de carga das fundações. De um modo geral, esses problemas não têm sido observados, no entanto, cabe lembrar que só agora tem sido dada maior ênfase a realizações de obras com grandes escavações para subsolo. Destaca-se, ainda, que para a própria execução da escavação, faz-se necessário o rebaixamento no nível d’água, rebaixamento este que pode ser temporário, enquanto durar a obra, ou permanente, para a vida útil do projeto. Tecnicamente, se permanente, isso pode resolver o problema, que seria gerado para as fundações das obras existentes, no entanto, amplia-se o dano ambiental no que se refere à recarga do aqüífero e ao aumento do escoamento superficial, pois á água oriunda da Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 3, p. 149-157, fevereiro/2009 ENGENHARIA, MEIO AMBIENTE E A EXPANSÃO URBANA drenagem deve ser evacuada. Quanto aos riscos ambientais oriundos da ascensão do nível d’água, tem-se a intervenção na biota presente no solo (Fotografia 2), o risco de eventuais aumentos de gradiente proporcionarem os fenômenos da erosão interna e da esqueletização do maciço, e, em áreas próximas à encostas e à taludes artificiais, ocorre o risco de ruptura devida ao aumento de umidade e às novas condições de fluxo impostas. As mudanças das características do fluxo sub-superficial e superficial são susceptíveis de intervirem no volume e no regime de alimentação dos mananciais, com reflexos principalmente na fauna. que a engenharia seja obrigada a investir continua e intensamente nos estudos e pesquisas, de modo a responder aos riscos e aos próprios danos ambientais. Cabe lembrar que as necessidades impostas pela humanidade, e as pressões internacionais, tornarão as normas jurídicas ambientais cada vez mais rigorosas e dotadas de efetividade, e os erros serão, portanto, cada vez menos admitidos. O domínio das questões ambientais será cada vez mais um elemento seletivo para a sobrevivência das empresas de engenharia. Agradecimentos Os autores agradecem ao CNPq pelo apoio às pesquisas que deram suporte a este texto. Bibliografia BRASIL. Poder Legislativo (2007). Constituição da República Federativa do Brasil. Texto promulgado em 05 de outubro de 1988 e consolidado até a Emenda Constitucional nº 56 de 20 de dezembro de 2007. Brasília, DF. Fotografia 2 – Exemplo de microorganismo presente no interior de uma laterita de Brasília – DF. Conclusão O artigo mostra que a legislação em vigor trata tanto da prevenção quanto da responsabilidade por danos ambientais. A responsabilização civil e penal dos causadores de tais danos atinge as pessoas físicas e jurídicas. A engenharia civil aparece como uma figura extremamente importante para o desenvolvimento urbano sustentável e para a preservação ambiental. As novas exigências de mercado tornam necessárias obras que são, sob o ponto de vista da engenharia, cada vez mais ousadas, e que, sob o ponto de vista do meio ambiente, oferecem cada vez mais riscos e danos. Isso faz com CAMAPUM DE CARVALHO, J. e MELO, M.T.S. (2006) A Erosão à Luz da Legislação Ambiental. Processos Erosivos no Centro-Oeste Brasileiro, FINATEC, p. 1-37. CAMAPUM DE CARVALHO, J.; LELIS, A.C.; CAMAPUM DE CARVALHO; J.T.; LEUZINGER, M.D. (2008). Erosão em meio urbano: um problema de engenharia, de direito ou de educação?. ABMS, Trabalho aceito para publicação no XVI COBRAMSEG, 8 p. LEUZINGER, M.D. (2007). Responsabilidade civil do Estado por danos ao meio ambiente. Revista de Direito Ambiental. Editora Revista dos Tribunais, ano 12, n. 45, p. 184195. MACHADO, P.A.L. (1994). Estudos de direito ambiental. São Paulo: Malheiros Editores. MACHADO, P.A.L. (2007). Direito ambiental brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Malheiros Editores. 1111 p. Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 3, p. 149-157, fevereiro/2009 157