Artigo
ENGENHARIA, MEIO AMBIENTE E A
EXPANSÃO URBANA
José Camapum de Carvalho1
Márcia Dieguez Leuzinger2
Janaina Teixeira Camapum de Carvalho3
Ana Cláudia Lelis4
RESUMO: Hoje, os grandes centros urbanos
têm mudado as características da ocupação e
uso do solo, principalmente nas áreas de expansão. Para responder à demanda crescente, além
da necessidade de se trabalhar com coeficientes de aproveitamento do solo cada vez maiores, as edificações têm ganhado em altura e em
profundidade de subsolo. Se os dois primeiros
aspectos são quase que naturais, pois respondem à fuga do homem do campo e ao próprio
crescimento populacional, o segundo satisfaz,
principalmente nos países pobres, onde o transporte público urbano é precário, à demanda cada
vez maior de espaço para a guarda de veículos.
Com a atual dinâmica dada à expansão urbana,
vários problemas ambientais começam a surgir.
Como executora dessa mudança faz-se necessário que a engenharia esteja preparada. Esse
artigo levanta alguns problemas para reflexão,
contextualizando a responsabilidade das pessoas
físicas e jurídicas que militam na engenharia.
Palavras-chave:Escavação.Impermeabilização.
Erosão. Responsabilização civil. Responsabilização penal.
ABSTRACT: Nowadays, the large urban
centers have changed the characteristics of soil
occupation and use, mainly in the expansion
areas. To answer the growing demand, besides
the need to work with increasing coefficients
1
Professor Doutor Titular da Universidade de Brasília; Filiado à ABMS-DF; [email protected]
Professora Doutora do Mestrado do Centro Universitário de Brasília; [email protected]
3
Aluna de Direito do UniCEUB; [email protected]
4
Aluna de Arquitetura e Urbanismo do UniCEUB; [email protected]
2
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for the utilization of soil, the buildings have
grown in height and depth of subsoil. If the first
two aspects are almost natural, because respond
to escape of the man from the country and to
the population growth itself, the second,
especially in poor countries where urban public
transport is feeble, satisfies the increasing
demand for space for the keeping of vehicles.
With the current momentum due to urban
expansion, several environmental problems are
beginning to emerge. As responsible for those
changes, it is necessary that the engineering is
prepared. This article raises problems for
reflection, contextualizing the responsibility of
individuals and legal entities that are active in
engineering.
Keywords: mining, waterproofing, erosion,
civil liability, criminal liability.
Introdução
Apesar de intervir a engenharia civil, por
meio das obras que realiza, diretamente no meio
ambiente, este não é, infelizmente, um tema tratado com a habitualidade e profundidade necessárias nos projetos e eventos técnico-científicos
na área geotécnica.
No que tange às escavações e às obras de
fundação, à primeira vista, o tema pode parecer-lhes distante, apesar de literalmente banharlhe o corpo e estar sob seus pés, como se buscará mostrar nesse trabalho.
No contexto geral, as obras geotécnicas são
muitas vezes causadoras de grandes impactos e
mesmo danos ambientais. Assim são as obras
rodoviárias, com suas áreas de empréstimo exploradas de modo inadequado, com lançamentos inapropriados de suas drenagens superficiais
e profundas, com a falta de re-vegetação e proteção dos taludes de corte e aterro, todos gerando graves problemas de erosão e assoreamento
de cursos d’água e reservatórios (Camapum de
Carvalho e Melo 2006, Camapum de Carvalho
et al. 2008). As barragens seguem a mesma trilha quanto aos impactos e aos danos ambientais.
Os maiores problemas, no entanto, no que tan150
ge às obras de engenharia, se localizam em meio
urbano, nem todos, é bem verdade, perfeitamente
conhecidos, e outros com surgência longe da
área de intervenção. Nesse campo estão as obras
geotécnicas de escavações e de fundações. Nelas se misturam o desconhecido e o oculto. É
sobre esse tema que se pretende conduzir a discussão nesse trabalho, seguindo o viés de envolver questões técnicas de engenharia e aspectos jurídicos.
Princípios ambientais que devem
nortear as obras de engenharia
São vários os princípios de direito ambiental
importantes para a preservação e sustentabilidade do meio ambiente. No entanto, no que
tange à prática da engenharia civil, nela se inserindo a área geotécnica, dois se destacam: o princípio da prevenção e o princípio da precaução.
Outros terminam por gravitar em torno destes,
como se mostrará a seguir. Dão sustentação a
esses princípios o direito à sadia qualidade de
vida e outros princípios como o acesso eqüitativo aos recursos naturais.
A importância do meio ambiente como elemento básico do direito à sadia qualidade de vida
foi expressamente pontuada no caput do artigo
225 da Constituição Federal Brasileira. A satisfação desse direito depende, em grande escala,
dos cuidados e do modo como atua a engenharia. Cada intervenção no meio ambiente deve
ter seus reflexos diretos e indiretos analisados,
gerando atitudes que ora satisfazem o princípio
da prevenção, ora conduzem à adoção do princípio da precaução, mas sempre vislumbrando
o direito à sadia qualidade de vida e o princípio
do acesso eqüitativo aos recursos naturais.
Quando se fala do princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais, mais uma vez é possível remeter-se ao caput do artigo 225 da Constituição Federal Brasileira, pois, para a satisfação do mesmo, deve-se levar em conta a garantia do meio ambiente preservado para as futuras
gerações. Não deve, no entanto, ser apenas este
o foco do pensamento e da ação da engenharia,
pois a ação do momento, se não avaliada dentro
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dos enfoques da prevenção e da precaução, poderão afetar o meio ambiente e as comunidades
distantes do ponto de intervenção. Assim, por
exemplo, a instalação de lagoas de estabilização para o tratamento de esgoto, não sendo bem
avaliada, pode, além de contaminar o ar, prejudicando a qualidade de vida, gerar outros danos
como a contaminação do lençol freático, fonte
de água para grandes parcelas da população,
principalmente as menos favorecidas. Veja-se
que, mais uma vez, aqui se retorna à necessidade da ação da engenharia, valorando e adotando
os princípios da prevenção e da precaução brevemente discutidos a seguir.
O princípio da prevenção talvez seja o mais
utilizável na engenharia civil, pois ele se aplica
quando o dano é conhecido e providências são
tomadas de modo a evitá-lo. Assim, por exemplo, é sabido que o aumento da taxa de
impermeabilização do solo, contrariando, inclusive, os coeficientes de ocupação estabelecidos
nos planos diretores das cidades, provoca a redução da infiltração, o aumento do escoamento
superficial e, por conseqüência, erosões e/ou
inundações. Esse ponto é importante, pois aponta
para a necessidade de se promover infiltrações
compensatórias em uma ação preventiva, que por
sua vez oferecem novos riscos e requerem novamente outra(s) ação(ões) preventiva(s), quiçá
de precaução. Para Machado (1994), no entanto, “sem informação organizada e sem pesquisa
não há prevenção”, mas poder-se-ia ir além, pois
é preciso, para cada ação, pensar na reação do
meio ambiente e, aí, atuar com prevenção ou
precaução, segundo o nível de informação e de
conhecimento disponível.
O princípio da precaução, por sua vez,
corresponde à situação em que se tem conhecimento de que o risco existe, mas o mesmo não é
perfeitamente conhecido, devendo-se por isso,
evitar a prática que possa provocá-lo, se não forem tomados os devidos cuidados mitigadores.
Conhecem-se hoje todos os riscos da infiltração?
Em algumas regiões e situações sim, em outras,
com certeza não. Por exemplo, nas regiões de
5
6
cerrado, constituídas por mantos de intemperismo espessos, porosos, colapsíveis, muito
erodíveis, são esses riscos, hoje, conhecidos?
Pode-se afirmar que por enquanto o melhor é
aplicar o princípio da precaução, pois se sabe
que os riscos existem, mas os mesmos não são
perfeitamente conhecidos.
O risco do dano deve ser visto em três níveis, o dano sobre o qual não se tem dúvida, e
que deve ser evitado, o risco em que o dano é
provável e que deve ser estudado antes de posta
em prática a atividade, e concretizando-se o potencial de risco, a ação deve ser evitada, e, finalmente, o dano incerto, que uma vez vislumbrado o potencial de ocorrência, deve ser
criteriosamente analisado antes de qualquer iniciativa. Segundo Machado (2007)5, Gerd Winter
diferencia perigo ambiental de risco ambiental,
dizendo que, “se os perigos são geralmente proibidos, o mesmo não acontece com os riscos. Os
riscos não podem ser excluídos, porque sempre
permanece a probabilidade de um dano menor.
Os riscos podem ser minimizados. Se a legislação proíbe ações perigosas, mas possibilita a
mitigação dos riscos, aplica-se o ‘princípio da
precaução’, o qual requer a redução da extensão, da freqüência ou da incerteza do dano”. Para
Machado (2007)6:
A implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata da precaução que tudo impede ou que
em tudo vê catástrofes ou males. O princípio da precaução visa à durabilidade
da sadia qualidade de vida das gerações
humanas e à continuidade da natureza
existente no planeta.
É preciso pensar o princípio da precaução
de modo flexível, mas responsável, pois existem danos a serem mitigados, mas existem também aqueles a serem evitados a qualquer custo.
Em ambos os casos, a engenharia deve atuar na
construção do conhecimento e na geração de
tecnologia, por meio de uma participação am-
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15ª Ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 64.
Ibidem, p. 65.
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pla, segura e sem restrições, de modo a tornar o
risco inexistente. A Administração Pública, por
sua vez, diante da nova realidade urbana, dos
novos costumes, das novas demandas e condições de uso do solo, ao perceber a insuficiência
das normas existentes e a incapacidade da engenharia equacionar os novos problemas, deve
fixar padrões de precaução mais exigentes e
buscar impulsionar as investigações e o avanço
tecnológico, de modo a garantir o desenvolvimento sustentável e a manter o equilíbrio
ambiental. Mas os riscos para a vida, para a qualidade de vida e para o meio ambiente, eventualmente imposto por atividades de engenharia
de modo específico, não devem ser objeto de
zelo restrito ao Poder Público, se não dela mesma engenharia, sob pena de ver castrada sua
própria engenhosidade construtiva e criativa.
Outros princípios muito discutidos na atualidade são os do usuário-pagador e do poluidorpagador. Esses princípios buscam a valoração
econômica dos recursos naturais, dos seus usos
e dos danos que surgem em função da ação humana. São a valoração econômica do uso e do
dano para por ele pagar. Na engenharia, várias
são as perguntas a serem feitas quando se usa o
solo, e isso, apesar da ação da engenharia ser
quase sempre satisfativa, pois busca-se atender
às necessidades da sociedade. Assim, por exemplo, a ocupação do solo por um edifício objetiva dar à propriedade a sua função social, atendendo ao princípio constitucional previsto no
inciso III do artigo 170 da Constituição Federal,
dentro do capítulo que trata “dos princípios gerais da atividade econômica”. No entanto, a engenharia, ainda que adotando e respeitando os
coeficientes de aproveitamento do solo previstos nos planos diretores, deve observar os princípios da prevenção e da precaução, pois o uso
por si só já induz a um custo ambiental direto,
que é o da necessidade de drenar a água pluvial
impedida de infiltrar pela edificação. Mas existem ainda os custos indiretos, por vezes com
reflexos muito distantes dos pontos de intervenção, como ocorre com a alteração do fluxo subsuperficial por força da implantação de fundações e subsolos e que podem intervir no regime
de alimentação dos mananciais. Esses aspectos
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serão retomados e rediscutidos ao longo desse
artigo, no entanto, parece clara a responsabilidade da engenharia, mesmo que sob demanda,
quanto às conseqüências do uso do solo em si.
Quanto às conseqüências indiretas da intervenção, como a supracitada, parece cabível entendêlas como algo poluidor em sentido amplo e, portanto, como potencial pagador. Esses exemplos
não devem ser vistos como intimidadores, nem
tão pouco como restritivos, mas sim como um
indicativo da forte necessidade de reflexão
ambiental sobre a prática da engenharia civil.
Essa reflexão deve se dar já no momento de elaboração ou revisão do plano diretor, pois a interferência ambiental pode ser muito mais um
problema de conjunto que de cada obra isoladamente, lembrando que, em termos de responsabilidade civil, ela é solidária.
Finalmente, é relevante falar um pouco do
princípio da reparação, pois o mesmo tem sede
no Constituição Federal, artigo 225, parágrafo
3º, a seguir transcrito:
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação
de reparar os danos causados.
Antes de adentrar na questão da reparação
do dano oriundo da prática da engenharia, cabe
enfatizar que a responsabilidade por dano ao
meio ambiente é objetiva, ou seja, independe de
culpa ou dolo, e como expressamente fixado no
supracitado artigo da Constituição Federal, o
infrator pode ser pessoa física ou jurídica, ou
seja, vai da pessoa do técnico à figura da empresa envolvida na atividade danosa.
Na engenharia, sabe-se perfeitamente que a
recuperação do problema custa sempre muito
mais do que evitá-lo, daí os projetos cuidadosos
e minuciosos. Quando se trata de meio ambiente, o custo da recuperação da degradação gerada é ainda muito mais elevado e, em vários casos, é simplesmente impagável. Por exemplo,
um curso d’água que desapareceu por que se
efetuou o desmatamento da vegetação ciliar e
das cabeceiras para a implantação de um lotea-
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mento é um dano ambiental praticamente irrecuperável, a menos que se restabeleça a condição
anterior. Nesse caso, o dano não é nem sequer
passível de valoração, pois o bem não nos pertence, pertence às gerações futuras.
Mas é interessante destacar que, paradoxalmente, alguns danos inevitáveis, como o que se
refere à escavação de um subsolo, não podem
em si ser objeto de reparação, mas o material
dali extraído pode ser usado para evitar outros
danos, como, por exemplo, fornecendo material
para um aterro a ser construído, ou ainda ser útil
na recuperação de uma área degradada por processos erosivos.
Responsabilidade civil, criminal e
sanções penais por danos ao meio
ambiente
Cabe, antes de tudo, lembrar que a natureza
da ocupação e do desenvolvimento urbano impõe a responsabilização civil do Estado e do
particular por danos causados ao meio ambiente, seja por ação, seja por omissão. No entanto,
as responsabilidades não se misturam, apesar de
os dois terem o dever constitucional de defendêlo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. De modo amplo, tem-se que, independentemente do dano ambiental ser oriundo da ação
do Estado ou do particular, a responsabilidade
pela ação é objetiva, ou seja, independe de dolo
ou culpa e mesmo do fato de ser ela lícita ou
ilícita. Leuzinger (2007), ao analisar a responsabilidade civil do Estado por danos causados
ao meio ambiente, define as hipóteses em que
as entidades estatais respondem civilmente por
tais danos.
No que tange à pratica da engenharia civil, como já indicado no item anterior, a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva
e vai da figura do técnico (engenheiro, arquiteto, geólogo etc.) à da empresa (incorporadora,
projetista, construtora etc.), sendo que a responsabilidade do Poder Público enquanto
licenciador não diminui tal responsabilidade,
pois a atividade é qualificada e, como tal, exige
os necessários conhecimentos técnicos. Ade-
mais, sendo objetiva, não importa que seja lícita
ou ilícita, licenciada, ou não.
A responsabilização civil, decorrente de danos causados ao meio ambiente, prevista na Lei
n° 7.347 de 24 de julho de 1985, com o intuito
de preservar o meio ambiente e restituir a situação inicial prevê no artigo 3°:
Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não
fazer.
Já a responsabilidade criminal decorre do
cometimento de crime ou contravenção, ficando o infrator sujeito à pena de perda da liberdade, ou a pena pecuniária.
Os crimes ambientais estão previstos na Lei
nº. 9.605, de 1998, que em seu Art. 2°, define
que:
Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes
cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de
órgão técnico, o auditor, o gerente, o
preposto ou mandatário de pessoa
jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a
sua prática, quando podia agir para
evitá-la.
Veja que, mais uma vez, e de modo inequívoco, o profissional de engenharia e a própria
empresa são alçados à condição de responsáveis,
agora criminais, pelos danos. O crime ambiental
é caracterizado no momento em que se fere o
objeto de tutela jurídica. De acordo com Silva
(2007), o objeto de tutela jurídica do Direito
Ambiental não é restrito ao meio ambiente considerado nos seus elementos constitutivos, uma
vez que abrange também a qualidade do meio
ambiente, em função da qualidade de vida do
ser humano, ficando evidente a existência de dois
objetos de tutela. O primeiro diz respeito a um
objeto imediato ou direto, visando à proteção
tanto do meio ambiente, considerado globalmente, como de suas dimensões setoriais, quais se-
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jam: a qualidade do solo, o patrimônio florestal,
a fauna, o ar atmosférico, a água, o sossego auditivo e a paisagem visual. O segundo objeto de
tutela do direito ambiental é o mediato ou indireto, consubstanciado no zelo pela saúde, bemestar e segurança da população, ou seja, na garantia de qualidade de vida, por meio da proteção ambiental.
Dessa forma, aqueles que ferem o objeto de
tutela do Direito Ambiental, ficam sujeitos ao
disposto no supracitado parágrafo 3º do art. 225
da Constituição Federal, que fixa as implicações
do desrespeito ao meio ambiente. Quanto à responsabilidade da pessoa jurídica, prevista neste
parágrafo, o artigo terceiro da Lei dos Crimes
Ambientais a regulamenta, nos termos a seguir
transcritos:
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e
penalmente conforme o disposto nessa
Lei, nos casos em que a infração seja
cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
A Lei não isenta, no entanto, a pessoa física
de responsabilidade, conforme mostra o parágrafo único do mesmo artigo:
Parágrafo único. A responsabilidade das
pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou
partícipes do mesmo fato.
A Lei de Crimes Ambientais define os critérios para a aplicação dessa pena, em seu Capítulo II. É importante destacar que, para a imposição e gradação da penalidade, a autoridade
competente observará a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio
ambiente, os antecedentes do infrator quanto ao
cumprimento da legislação de interesse
ambiental, e a situação econômica do infrator,
no caso de multa, conforme dispõe o art. 6° da
referida Lei. Cabe ainda destaque ao artigo 53,
inciso I, desta Lei, que institui causa de aumen154
to de pena, fazendo alusão explícita à diminuição das águas naturais e a erosão do solo:
Art. 53 Nos crimes previstos nesta Seção, a pena é aumentada de 1/6 (um
sexto) a 1/3 (um terço) se:
I - do fato resulta a diminuição de águas
naturais, a erosão do solo ou a modificação do regime climático;
Observa-se que esse inciso diz respeito diretamente à atuação da engenharia ditada pela
demanda atual de mercado, com grandes
impermeabilizações superficiais, intervenção no
fluxo do lençol freático por meio da implantação de subsolos e de número excessivo, mas
necessário, de elementos de fundação. Se as primeiras intervenções são susceptíveis de gerar
erosões ou inundações em virtude do aumento
do escoamento superficial, as demais intervenções, juntamente com as primeiras, são passíveis de acarretarem diretamente, quando não a
diminuição de águas naturais, pelo menos alteração do seu regime.
As infrações penais contra o meio ambiente
são objeto de ação pública incondicionada, ou
seja, o Ministério Público pode agir de oficio,
mediante apresentação de denúncia. Nesse contexto, cabe ao Ministério Público, conforme estabelece o Título IV, artigo 129, inciso III, da
Constituição Federal de 1988:
III – promover o inquérito civil e a ação
civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos
e coletivos;
As questões urbanísticas e os
projetos geotecnicos de escavação
e fundação
É comum, na engenharia, se compartimentar
os estudos e projetos. Perde-se a concepção geral e aprofunda-se de modo desproporcional nas
questões tópicas. Essa perda de visão global e
integrada vai desde a concepção e definição do
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traçado urbanístico até a simples construção de
um edifício, esta também, em si, quase sempre
pouco integrada nas diferentes fases dos distintos projetos, arquitetura, estrutura, geotecnia,
sistemas hidráulicos e de esgoto etc.
No que tange à concepção urbana, por exemplo, a definição do traçado viário, o posicionamento dos lotes, a definição das cotas máximas de construção e os coeficientes de aproveitamento, são, todos, fatores intervenientes na
definição das escavações de subsolos para garagens e nos projetos de fundação dos edifícios,
isso sem falar nas obras de infra-estrutura, como
metrôs e drenagens de águas pluviais, que devem ser implantadas.
Existem condicionantes ambientais que devem fazer parte dos estudos iniciais e serem analisados desde a fase de diagnóstico do terreno,
antes da concepção arquitetônica e urbanística.
Estes fatores ambientais, tais como direção dos
ventos dominantes, insolação, topografia, vegetação e entorno imediato, devem ser elementos
relevantes e determinantes na definição do projeto arquitetônico ou urbanístico, pois têm reflexo direto nas obras de engenharia.
Na implantação de um edifício em clima tropical que, por exemplo, receba a ação direta dos
ventos dominantes e insolação nas primeiras
horas do dia, com predomínio de áreas de sombra nos horários de maior incidência dos raios
solares, ter-se-á um imóvel que atende às normas de conforto térmico, com ventilação e iluminação naturais, sem que se utilize, de forma
indiscriminada, sistemas de ar condicionado e
iluminação artificial. Essa opção arquitetônica
reduz o uso de energia elétrica, auxiliando, assim, o desenvolvimento urbano sustentável. No
entanto, atendidas essas especificidades que conduzem à economia de energia ao longo da vida
útil do edifício, faz-se necessário pensar nos reflexos dessa mesma opção arquitetônica sobre a
obra de engenharia, buscando-se a redução dos
esforços oriundos dos ventos atuantes, pois eles
implicam em fundações mais robustas, maior
consumo de material, maior obstrução do eventual fluxo de água subsuperficial, o que gera,
portanto, outras modalidades de passivos
ambientais oriundos do projeto.
Destaca-se ainda, que a especificação de
materiais de construção e de acabamento e o uso
de técnicas construtivas, objetivando atender às
condições climáticas existentes, devem ter a função precípua de solucionar problemas e mitigar
a inevitável interferência ambiental, não se limitando à mera função estética.
A Fotografia 1 ilustra o caso de um muro em
crib wall, em Brasília, em que o processo de
degradação foi acelerado pela condição de insolação. O muro recebia o sol da tarde, possibilitando grandes trocas de umidade e a condução
do oxigênio para o contato com as ferragens,
proporcionando, assim, a sua degradação.
Fotografia 1 – Muro em crib wall degradado ao longo do
tempo.
No exemplo mostrado, o dano é visível e claro, no entanto, quando se trabalha com fundações, escavações e implantações de cortinas, o
problema já não é, de imediato, tão evidente,
merecendo estudos mais aprofundados, cuja solução continua ao alcance da engenharia. Existe, ainda, uma diferença substancial entre essas
situações. Enquanto a primeira gerou quase unicamente um dano material, para as demais, que
tratam de escavações e da implantação de fundações e cortinas, o dano pode atingir um bem
maior, o meio ambiente. Mas, ainda na questão
da concepção do plano urbanístico e do desenho arquitetônico, e de seus reflexos na obra de
engenharia, pensar e planejar a ocupação do solo
pode refletir diretamente na redução dos custos
dos empreendimentos. A observação da direção
do vento, por exemplo, pode conduzir a reduções significativas nos esforços horizontais nas
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fundações. Observar a direção do fluxo do lençol freático e a importância da recarga do
aqüífero pode contribuir para minimizar as conseqüências para as nascentes, para as quais os
mananciais de subsolo existentes na área em
ocupação contribuem.
Os subsolos, os projetos de fundação e os danos e riscos ambientais
No espaço urbano, os danos ambientais são
incontestes, pois toda e qualquer intervenção no
meio ambiente sempre causa algum tipo de impacto. A simples ocupação da área com a
edificação já gera danos, pois remove a cobertura vegetal, promove a impermeabilização da
área, impedindo a infiltração e proporcionando
problemas como a redução da recarga do
aqüífero e o aumento do escoamento superficial, este tendo por conseqüência, erosões e inundações. Cidades como São Paulo, são hoje, vítimas freqüentes de inundações em conseqüência
da falta de planejamento e solução de engenharia. Isso é posto para indicar que alguns danos
são mitigáveis, outros remediáveis e outros ainda inevitavelmente farão parte do passivo
ambiental. No caso supracitado, a redução da
infiltração poderá ser remediada mediante projeto de engenharia, porque oferece riscos
geotécnicos. A remoção da cobertura vegetal,
intervindo na flora e fauna, fará parte do passivo ambiental, e os efeitos da ocupação em si
poderão ser mitigados por meio da manutenção
de áreas verdes. Como se vê, sendo a ocupação
necessária, não tem como ser evitada a totalidade dos danos, no entanto, deve-se buscar mitigálos, e nessa ação a engenharia, mais que responsabilidade, tem a obrigação de contribuir, por
exemplo, estudando e propondo projetos de infiltração adequados.
Quando da realização das escavações de
subsolos ou mesmo das fundações, além dos
danos localizados, outros relacionados às áreas
de disposição podem ser gerados, se não houver
planejamento. A falta de planejamento implica
em desordem, em desperdício. O planejamento
prévio pode resultar em economia para a obra,
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em destino adequado para o material escavado,
em redução da quantidade e intensidade dos
danos a serem gerados por outras obras de engenharia tais como rodovias, barragens e aterros sanitários. É evidente que, nesse último caso,
não se trata de conduzir o material escavado
como resíduo, como muitas vezes é feito, mas
sim como material de construção para as camadas de cobertura e de impermeabilização. Não é
possível esquecer que o material oriundo da escavação poderá ser útil em aterros da própria
obra, evitando-se importações futuras e mais
danos em algum lugar.
Adentrando as questões dos riscos, estes podem ser divididos em duas categorias: os
geotécnicos e os ambientais. Normalmente o
lençol freático tem uma direção de fluxo natural, demandando certa área de percolação. Poderia se pensar que, como parte da infiltração
foi impedida, a redução da área de escoamento
gerada pela implantação dos subsolos e das estruturas de fundação estaria resolvida. No entanto, é preciso lembrar dois aspectos: primeiro, que para resolver ou evitar outros problemas
é necessário que se pense na necessidade de resolver o problema da infiltração; segundo, que
a alimentação preponderante do lençol freático
pode estar se dando fora da área de ocupação.
Observe-se, trata-se de risco e, como tal, deve
ser avaliado. Avaliado e constatado o risco de
ascensão do lençol freático, ocorre um novo risco, o de afetar o comportamento geotécnico das
fundações de algumas edificações, por perda de
capacidade de carga das fundações. De um modo
geral, esses problemas não têm sido observados,
no entanto, cabe lembrar que só agora tem sido
dada maior ênfase a realizações de obras com
grandes escavações para subsolo. Destaca-se,
ainda, que para a própria execução da escavação, faz-se necessário o rebaixamento no nível
d’água, rebaixamento este que pode ser temporário, enquanto durar a obra, ou permanente, para
a vida útil do projeto. Tecnicamente, se permanente, isso pode resolver o problema, que seria
gerado para as fundações das obras existentes,
no entanto, amplia-se o dano ambiental no que
se refere à recarga do aqüífero e ao aumento do
escoamento superficial, pois á água oriunda da
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ENGENHARIA, MEIO AMBIENTE E A EXPANSÃO URBANA
drenagem deve ser evacuada. Quanto aos riscos ambientais oriundos da ascensão do nível
d’água, tem-se a intervenção na biota presente
no solo (Fotografia 2), o risco de eventuais aumentos de gradiente proporcionarem os fenômenos da erosão interna e da esqueletização do
maciço, e, em áreas próximas à encostas e à taludes artificiais, ocorre o risco de ruptura devida ao aumento de umidade e às novas condições de fluxo impostas.
As mudanças das características do fluxo
sub-superficial e superficial são susceptíveis de
intervirem no volume e no regime de alimentação dos mananciais, com reflexos principalmente
na fauna.
que a engenharia seja obrigada a investir continua e intensamente nos estudos e pesquisas, de
modo a responder aos riscos e aos próprios danos ambientais.
Cabe lembrar que as necessidades impostas
pela humanidade, e as pressões internacionais,
tornarão as normas jurídicas ambientais cada vez
mais rigorosas e dotadas de efetividade, e os erros serão, portanto, cada vez menos admitidos.
O domínio das questões ambientais será cada
vez mais um elemento seletivo para a sobrevivência das empresas de engenharia.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao CNPq pelo apoio
às pesquisas que deram suporte a este texto.
Bibliografia
BRASIL. Poder Legislativo (2007). Constituição da República Federativa do Brasil. Texto promulgado em 05 de outubro de 1988 e consolidado até a Emenda Constitucional nº 56 de
20 de dezembro de 2007. Brasília, DF.
Fotografia 2 – Exemplo de microorganismo presente no
interior de uma laterita de Brasília – DF.
Conclusão
O artigo mostra que a legislação em vigor
trata tanto da prevenção quanto da responsabilidade por danos ambientais. A responsabilização
civil e penal dos causadores de tais danos atinge
as pessoas físicas e jurídicas.
A engenharia civil aparece como uma figura
extremamente importante para o desenvolvimento urbano sustentável e para a preservação
ambiental. As novas exigências de mercado tornam necessárias obras que são, sob o ponto de
vista da engenharia, cada vez mais ousadas, e
que, sob o ponto de vista do meio ambiente, oferecem cada vez mais riscos e danos. Isso faz com
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ENGENHARIA, MEIO AMBIENTE E A EXPANSÃO URBANA