Por que a paridade incomoda? OPINIÃO * Celene Tonella (Universidade Estadual de Londrina) O Conselho Universitário derrotou, no dia 10 de novembro de 2012, a proposta de retorno da paridade na eleição para reitor. Embora a maioria dos conselheiros do COU tenha votado favorável (29 votos), a proposta não conseguiu alcançar os 2/3 necessários na plenária para ser aprovada. O resultado disso é que a Universidade Estadual de Maringá continua como a única do Estado a adotar o regime de maior peso aos docentes nas eleições para reitoria. Como alguns perguntaram: perdemos o quê com a paridade, afinal? Não há evidências concretas de que ela tenha resultado em prejuízos para a universidade durante o período em que vigorou. Ao contrário, ela se somava às muitas das qualidades que a nossa universidade possui. Qualidades que, no conjunto, são responsáveis pela posição de destaque que a UEM ocupa no cenário nacional das instituições públicas de ensino superior. Por isso mesmo, é o caso de se perguntar: por que a paridade causa incômodo? Que espécie de poder os docentes têm medo de perder que votaram contrários a ela? Os segmentos têm envolvimentos diferenciados com a comunidade, mas nenhum é mais legítimo que o outro. O argumento de que os docentes representam o corpo de maior permanência e de maior responsabilidade se apresenta bastante frágil. Não existe nenhuma evidência de conflitos explícitos entre os segmentos: se questões relativas ao desempenho no trabalho ocorrem pontualmente nos setores, elas são resolvidas pelos mecanismos institucionais existentes. Quanto aos estudantes, representam o segmento mais dinâmico e renovador. É fato que a graduação representa um curto espaço de tempo, mas muitos permanecem em pós-graduação e mesmo quando saem da Universidade mantêm vínculos de identidade com a instituição, tornam-se profissionais atuantes em vários ramos de atividades. A integração Universidade/Sociedade ocorre balizada por esses vínculos de respeito, responsabilidade e admiração construídas durante a permanência nos câmpus. O fato de participarem na escolha para reitor de forma paritária, apenas aprofunda os laços. A universidade é uma instituição integrada à sociedade. Por isso mesmo reproduz, muitas vezes, suas virtudes e mazelas. Considerando isso, do nosso ponto de vista, o incômodo causado pela paridade é revelador de uma concepção hierárquica de relações sociais, traço constitutivo da própria formação da sociedade brasileira. Esse traço foi denominado por alguns que se debruçaram a compreender nossa sociedade: “cultura senhorial”. Segundo rege seus princípios, cada um deve ter um lugar bem delimitado na sociedade, ocupando sempre em relação aos outros ou uma posição superior, ou inferior; quando não de mando/subserviência. Nessas condições, princípios igualitários de relações sociais incomodam muito porque desordenam os próprios códigos simbólicos sobre os quais os indivíduos aprenderam a construir a percepção do seu lugar no mundo, e, como conseqüência, o lugar que cabe ao outro nesse mundo. O incômodo causado pela paridade é revelador de uma concepção hierárquica de relações sociais, traço constitutivo da própria formação da sociedade brasileira Nesse tipo de sociedade, qualquer marca de distinção pode se transformar em critério de hierarquização. E, no nosso caso, o “saber” e os “títulos” são apropriados, muitas vezes, desse modo. Evidentemente, avanços ocorreram para superar essa estrutura hierarquizada. Ao contrário do que muitas vezes se pensa, a história brasileira está repleta de exemplos de resistências, nas quais cada direito conquistado representou também possibilidades de instituir uma cultura mais democrática de convívio social. Considerando esses argumentos, acreditamos que não se deve encarar a derrota da paridade como uma derrota específica dos funcionários e dos estudantes. Essa derrota atinge a todos aqueles que defendem que a nossa Universidade deve se reger por princípios democráticos e includentes. E, em nome desses princípios, a expectativa é que o debate sobre o tema da paridade permaneça, obrigando-nos a enfrentar e, quem sabe, superar os obstáculos que impedem que nos vejamos como um coletivo. * Professora de Ciência Política Coordenadora do Programa de Pós-Graduação e Ciências Sociais da UEM. Pesquisadora da Rede Observatório das Metrópoles.