ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MINISTÉRIO PÚBLICO Consta dos autos a informação de que o site oficial do Sport Club Internacional sofreu ataque de um hacker, que invadiu o referido site e alterou registros no banco de dados da Tabela Inter-Notícias, local onde foi inserido um código que redirecionava o visitante para o link www.abmnet.org.br/gremio.html, onde era exibido a letra e o hino do Grêmio. Ao efetuar a invasão ao site, o hacker postou a assinatura PhpUSNET, que era direcionada a um perfil do YOUTUBE. Pretende a autoridade policial esclarecer a autoria do fato noticiado nos autos, que gerou prejuízos ao Internacional, uma vez que culminou com a permanência no site fora do ar e em estado de somente leitura durante período de venda de ingressos para jogos. Pergunta-se: está-se diante de fato típico ou somente de ilícito civil? Se diante de crime, como podemos enquadrar a conduta do agente? Como é sabido, ainda não há previsão específica para os delitos perpetrados pela internet e em razão disto, a doutrina se divide quanto à punição. Mário Antônio Lobato de Paiva, Assessor da Organização Mundial de Direito e Informática e Presidente da Comissão de estudos em Direito da Informática da OAB/PA, ao tratar do tema, esclarece o panorama atual ao afirmar que: A corrente que defende a punição baseia-se no fato de que os crimes praticados pela via eletrônica são os mesmos tratados pelo Código Penal, com a peculiaridade de serem apenas versões modernas dos tipos, ou seja, a modificação ocorreria apenas no modus operandi e portanto não teria o condão de mudar o tipo penal que enseja punição penal. A nosso ver nenhuma das afirmações traz segurança suficiente para o julgamento e é por isso que devemos desenvolver mais institutos que visem tipificar estas figuras delituosas viabilizando uma correta e justa aplicação do Direito Penal. Cabe ainda o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MINISTÉRIO PÚBLICO estudo do direito alienígena de alguns países que tenham estudos mais avançados sobre o assunto 1 . Ao exposto, parece-nos mais plausível, ante a omissão do legislador acerca do panorama que se apresenta, a posição da corrente que defende “que os crimes praticados pela via eletrônica são os mesmos tratados pelo Código Penal, com a peculiaridade de serem apenas versões modernas dos tipos, ou seja, a modificação ocorreria apenas no modus operandi”. Pois bem, analisando a possibilidade de existência de crime face aos fatos esposados, poder-se-ia falar em delito contra o patrimônio. Afastando-se os cometidos com violência ou grave ameaça, resta-nos apreciar os delitos de furto, receptação, dano e estelionato. O primeiro e segundo são facilmente descartados e o último, ainda que se pudesse falar em prejuízo alheio e meio fraudulento, não parece razoável acreditar tenha o autor obtido qualquer vantagem 2 com sua conduta; quem sabe satisfação pessoal, a qual, para fins deste delito, não completa a objetividade jurídica esculpida na norma 3 . Portanto, o delito de dano é que nos cabe perseguir. Consta no tipo: Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia. Mirabete esclarece que “ a primeira conduta típica é a de destruir, que significa eliminar, desfazer, desmanchar, 1 http://www.cbeji.com.br/br/downloads/secao/A_atipicidade_dos_delitos_cometidos_na_internet[1].d oc em 23/09/2004 [obra em anexo] 2 Vantagem ilícita: diversamente do objeto material do crime de furto – que menciona coisa alheia -, neste caso, basta que o agente obtenha vantagem, isto é, qualquer benefício, ganho ou lucro, de modo indevido, ou seja, ilícito. Logicamente, trata-se de vantagem de natureza econômica, uma vez que se cuida de crime patrimonial (NUCCI, Guilherme de Souza, in Código Penal Comentado. RT. 7ª ed. 2008. p. 729). 3 A distinção entre texto e norma já está incorporada ao linguajar dos juristas. A norma é diferente do texto, isto, e norma é sempre produto da interpretação do texto. Texto e norma não são a mesma coisa; do texto podem emanar normas diferenciadas; a partir disso, o que se põe é o limite que tem o intérprete para atribuir determinada norma ao texto legal (Lenio Luiz Streck). ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MINISTÉRIO PÚBLICO demolir. A segunda é a de inutilizar, que significa tornar inútil, imprestável, inservível a coisa. Por fim, deteriorar é estragar, arruinar, adulterar o objeto material. Caracterização o crime com a destruição, inutilização ou deterioração parciais 4 . Vislumbra-se que não houve destruição, então a ponderação volta-se a inutilizar ou deteriorar coisa alheia. O site do clube de futebol, notadamente extensão do estabelecimento nas noções de direito empresarial, não foi inutilizado, tampouco restou inservível, pois não se presta somente à venda de ingressos, mas também à divulgação de notícias, comércio de produtos outros, informações esportivas, rádio, etc. Todavia, pelos argumentos suso expostos, não seria de todo desarrazoado sustentar a inutilização parcial. Não obstante, o verbo nuclear que, aparentemente, melhor se assemelha a conduta perpetrada, é a de deteriorar, estragar, arruinar. Veja-se que apenas a parte destinada à aquisição de ingressos que foi corrompida, motivo pelo qual entendemos ser esta a conduta a ser capitulada. Tomemos como exemplo o indivíduo que causa dano ao veículo de seu desafeto, consistindo a conduta em amassar ou riscar a lateral do veículo. Ora, (i) não houve destruição do automóvel, o carro continua “inteiro” e em condições de uso; (ii) não foi inutilizado, já que ainda serve ao fim que se destina; e (iii) foi deteriorado, pois o ato danificou o automóvel e o bem necessitará de reparos. De volta ao contexto, temos que as situações são similares e que as condutas são semelhantes. Impende referir, outrossim, que embora se possa adequar a conduta ao tipo formal, em se tratando de delito material, cuja objetividade jurídica é o patrimônio, necessária será a quantificação do 4 MIRABETE, Julio Fabbrini, in Código Penal Interpretado. Atlas. 1ª ed. 2000. p. 1045. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MINISTÉRIO PÚBLICO prejuízo econômico suportado pela vítima, sob pena de não perfectibilização do delito por atipicidade material. Por fim, pelos fatos expostos, pode-se asseverar a forma qualificada do delito, por motivo egoístico. Nucci, ao tratar da qualificadora, explica que: Motivo egoístico: é um particular motivo torpe o egoísmo. Quem danifica patrimônio alheio somente para satisfazer um capricho ou incentivar um desejo de vingança ou ódio pela vítima deve responder mais gravemente pelo que faz. Ex.: o agente destrói a motocicleta do colega de classe somente para se o único da sua turma a ter aquele tipo de veículo. Há quem sustente que um mero “sentimento pessoal de vingança” não serve para qualificar o delito, havendo necessidade de existir um objetivo posterior de ordem econômica, com o que não concordamos. A motivação egoística liga-se exclusivamente ao excessivo amorpróprio do agente, ainda que ele não possua interesse econômico envolvido 5 . Celso Delmanto integra a corrente oposicionista citada por Nucci, pois para este o “motivo egoístico é o que visa a futuro proveito, econômico ou moral. O prejuízo considerável deve ser aferido em relação às posses do ofendido” 6 . Neste sentido é a nota por ele transcrita, vejamos: “O motivo egoístico deve ter por objetivo futuro proveito econômico ou moral” (TACrSP, Julgados 72/273). Tal entendimento se mostra mais ajustado, pois se consideramos que o crime de dano só será implementado de forma dolosa e que os sentimentos humanos sempre motivarão a conduta, seja por ódio, vingança, etc., punir com maior gravidade a conduta do agente impelido por motivo inerente ao próprio tipo penal pode culminar em bis in idem. 5 6 Op cit. p. 709. DELMANTO, Celso, in Código Penal Comentado. Renovar. 5ª ed. 2000. p. 342 e 344. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MINISTÉRIO PÚBLICO Ou seja, para qualificar o delito, a conduta deve ultrapassar o puro e simples motivo do crime, alcançando resultados que extrapolem o prejuízo patrimonial decorrente do dano. Por exemplo, o indivíduo que causa dano ao automóvel de seu concorrente à vaga de emprego em dada empresa, fazendo-o durante repouso noturno, para que no dia seguinte aquele perca o horário e não chegue para a seleção ou entrevista final. Ainda, calham as notas transcritas por Mirabete no que concerne à inexistência de motivo egoístico, in verbis: TACRSP: O motivo egoístico de que trata o art. 163, parágrafo único, inc. IV, do CP, não é o que se liga à satisfação de qualquer sentimento pessoal, mas, sim, quando se prende ao desejo ou expectativa de um ulterior proveito indireto, seja econômico, seja moral. Assim, tratando-se de dano produzido por rixa familiar, descabe a invocação de qualificadora” (JTACRIM 55/405). TACRSP: Dano qualificado. Motivo egoístico. Inocorrência. Acusado que teria agido por vingança, ao riscar, deliberadamente, o carro da vítima. Desclassificação do delito para a modalidade simples. Apelação provida. Inteligência do art. 163, nº IV, do Código Penal. Motivo egoístico não é o que se liga à satisfação de qualquer sentimento pessoal (ódio, inveja, despeito, prazer da maldade, desprezo pela propriedade alheia etc.), pois de outro modo não haveria como distringuir entre o dano qualificado e o dano simples, sempre informado de algum sentimento pessoal na sua motivação (RT 484/320-1). TACRSP: Não se pode considerar qualificado o dano produzido por vingança. Egoístico é o motivo quando se prende de desejo ou expectativa de um ulterior proveito pessoal indireto seja econômico, seja moral (JTACRIM 46/353). TACRSP: Não há que se falar em motivo egoístico, que tem por objetivo futuro proveito econômico ou moral, quando o agente, na sua conduta delituosa, apenas extravasa a sua ira (JTACRIM 71/273). ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MINISTÉRIO PÚBLICO Todavia, trata-se de ação penal privada, hipótese em que falece ao Ministério Público legitimidade propositura da ação penal, sendo necessário para sua deflagração que a vítima ofereça queixa-crime, no prazo legal, situação que não deve interferir na manifestação do órgão quanto a realização de diligências, como Fiscal da Lei. Ainda, tratando-se de delitos de menor potencial ofensivo, indesviável o declínio da competência para o Juizado Especial Criminal, nos termos da Lei.