Universidade Presbiteriana Mackenzie O DIREITO E A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE HANS-GEORG GADAMER Débora Alexandroni Mare (IC) e Orlando Villas Bôas Filho (Orientador) Apoio: PIVIC Mackenzie Resumo Esta pesquisa propõe analisar de que modo uma nova concepção epistemológica poderia superar a filosofia da consciência, ao estabelecer a construção do conhecimento não mais numa relação entre sujeito e objeto mediada pela linguagem; mas em que sujeito, objeto e verdade sejam compreendidos como construções de linguagem. Além de avaliar e verificar uma mudança no paradigma procedimental de construção da normatividade, em que o momento de aplicação do direito parece ser o momento de produção do direito. Trata-se, não apenas de rever posturas e modelos jurídicos, sob outras orientações ideológicas e teóricas, mas de reconstruir instituições e a própria idéia de democracia. Este trabalho aborda a questão da politização da jurisdição constitucional e sua legitimidade, bem como as repercussões e reflexos desse processo sobre a sociedade democrática. Para tanto, valeu-se das teorias e análises, de cunho filosófico e social de Hans-Georg Gadamer. Palavras-chave: Direito, linguagem, política Abstract This research proposes to examine how a new design could overcome the epistemological philosophy of consciousness, to establish the construction of knowledge no longer a relationship between subject and object mediated by language, but in that subject, object and truth are understood as constructions of language. In addition to assess and verify a procedural change in the paradigm of building regulations, where the moment of application of the law seems to be the time of production of law. This is not only a review of attitudes and legal models, under other ideological and theoretical guidelines, but to rebuild institutions and the very idea of democracy. This paper addresses the politicization of the court and its constitutional legitimacy, and the repercussions and consequences of this process on a democratic society as the reading performance of the powers of the state has a number of discussions about the role of judiciary in democracies contemporary. Thus, it is worth of theories and analysis of philosophical and social development of Hans-Georg Gadamer. Key-words: Law, language, politics 1 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 INTRODUÇÃO A presente pesquisa tem por objetivo estudar os efeitos da crise modelo racionalista/positivista sobre a construção da normatividade pelo Poder Judiciário, bem como a legitimidade da atividade jurisdicional, pautando-se os estudos a partir do referencial teórico de Hans-Georg Gadamer. Primeiramente serão apresentados os elementos e os sentidos da razão, analisando-se as influências das ciências naturais na construção teórica das ciências humanas, especificamente, no raciocínio jurídico, na concepção positivista do Direito. Por conseguinte, como contraponto, este trabalho questiona a possibilidade de construir um método de interpretação e aplicação da norma jurídica que venha a superar os problemas apresentados pela doutrina tradicional, de modo que a hermenêutica filosófica não seja nem uma filosofia da “razão pura”, nem um método de interpretação, mas verificar que se impõe a ela uma tarefa teórico-prática indissociável entre a norma e o caso em decidendo. Pretende-se, portanto, investigar uma nova maneira de conceber o Direito, não mais a partir da teoria positivista, mas partindo-se de questões relacionadas à Dialética e à Hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, que, ao privilegiar a experiência humana da interpretação jurídica a partir da figura do sujeito e não mais dos objetos, observa as implicações lingüísticas presentes na relação sujeito-sujeito e não sujeito-objeto de modo que o Direito possa representar uma linguagem apta a captar toda a significação da sociedade da qual pretende regular. REFERENCIAL TEÓRICO A Razão e as Possibilidades da Articulação entre Dialética e Hermenêutica Para compreender os sentidos da palavra razão, será feito um breve estudo da racionalidade observando sua origem, classificação e evolução ao longo da história, para tanto será utilizado a obra Convite à Filosofia de Marilena Chauí. Na cultura da chamada sociedade ocidental, a palavra razão origina-se de duas fontes: a palavra latina ratio e a palavra grega logos. Logos vem do verbo legein, que quer dizer: contar, reunir, juntar, calcular. Ratio vem do verbo reor, que quer dizer: contar, reunir, medir, juntar, separar, calcular. Por isso, logos, ratio ou razão significam pensar e falar ordenadamente, com medida e proporção, com clareza e de modo compreensível para outros. Assim, razão é a capacidade intelectual para pensar, organizar e exprimir de forma correta e clara de um pensamento. Desde o começo da Filosofia, a origem da palavra razão fez com que ela fosse considerada oposta ao conhecimento ilusório, ao conhecimento aparente, o qual provém de costumes, 2 Universidade Presbiteriana Mackenzie preconceitos e opiniões; às emoções, aos sentimentos, às paixões desordenadas, caóticas, contrárias. A razão é a atividade intelectual oposta à paixão ou à passividade emocional; à crença religiosa, ou fé numa revelação divina; e ao místico. Assim, a filosofia, ao identificar razão à certeza e lucidez, afirma que a verdade é racional. Classifica-se a razão em objetiva (a realidade é racional em si mesma) e em razão subjetiva (a razão é uma capacidade intelectual e moral dos seres humanos). A razão objetiva é a afirmação de que o objeto do conhecimento ou a realidade é racional; a razão subjetiva é a afirmação de que o sujeito do conhecimento e da ação é racional. Para muitos filósofos, a Filosofia é o momento do encontro, do acordo e da harmonia entre as duas razões ou racionalidades. A razão pode ser inata (própria do ser humano) ou empírica (adquirida pela experiência), em ambas as correntes há critica no sentido de que se as idéias e os princípios decorrentes da razão inata são verdades intemporais importa afirmar que nenhuma experiência nova poderá modificá-las, o que contraria a história social, política, científica e filosófica, em que idéias tidas como verdadeiras e universais foram substituídas por outras. A crítica ao empirismo decorre de condicionar o conhecimento racional à generalização e à repetição (constatação), para todos os seres humanos de estados psicológicos derivados de suas experiências, de um conhecimento racional verdadeiro e válido para toda a realidade. Deste modo, a razão humana seria incapaz de conhecer toda a realidade para impor conhecimento verdadeiro do real. A resposta aos problemas do inatismo e do empirismo oferecida pelo filósofo alemão do século XVIII, Immanuel Kant, consiste em colocar a razão e o sujeito como objeto do conhecimento em vez da realidade objetiva. A razão, para Immanuel Kant, corresponde a uma estrutura, uma forma sem conteúdos, universal, inata, seria o ponto de vista do conhecimento, anterior e independente da experiência. O engano dos inatistas foi supor que os conteúdos ou a matéria do conhecimento são inatos, e dos empiristas foi supor que a estrutura da razão é adquirida por experiência ou causada pela experiência. Dessa maneira, a estrutura da razão é inata e universal, enquanto os conteúdos são empíricos e podem variar de acordo com o tempo e espaço, podendo alterar-se diante de novas experiências. A resposta aos problemas do inatismo e do empirismo oferecida Hegel, filósofo alemão do século XIX, Hegel, foi no sentido de atribuir à razão a intemporalidade da verdade, não compreendendo que a razão é histórica. Ao considerar que as idéias só seriam racionais e verdadeiras se fossem intemporais, perenes, eternas, as mesmas em todo tempo e em todo 3 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 lugar, a verdade que variasse de acordo com o tempo ou com os lugares seria mera opinião, seria enganosa, não seria verdade. A razão, sendo a fonte e a condição da verdade, teria também que ser intemporal. Para Hegel o erro dos inatistas e empiristas encontra-se no excesso de objetivismo (por julgarem que o conhecimento racional dependeria tão somente dos objetos do conhecimento) e de Kant pelo excesso de subjetivismo, por acreditar que o conhecimento racional dependeria exclusivamente do sujeito do conhecimento, das estruturas da sensibilidade e do entendimento. A razão para Hegel, não é exclusivamente razão objetiva (a verdade está no objeto), tampouco razão subjetiva (a verdade está no sujeito), mas ela é a unidade necessária do objetivo e do subjetivo. Ela é o conhecimento da harmonia entre as coisas e as idéias, entre o mundo exterior e a consciência, entre o objeto e o sujeito, entre a verdade objetiva e a verdade subjetiva. A razão hegeliana consiste na unidade e relação interna e necessária entre a razão subjetiva (princípios, procedimentos do raciocínio, as formas e as estruturas do pensamento) e a razão objetiva (relações das próprias coisas). A unidade entre a realidade das coisas e o sujeito do conhecimento não é estática, mas uma relação que se estabelece através da razão histórica. Embora Hegel tenha proposto sintetizar a história da razão, o filósofo alemão Edmund Husserl, criador da fenomenologia (que descreve as estruturas da consciência), que considera a razão uma estrutura da consciência (como Kant), mas cujos conteúdos são produzidos por ela mesma, independentemente da experiência (diferentemente do que dissera Kant), entende que o "mundo" ou "realidade", como a reconhecemos não é um conjunto ou um sistema de coisas e pessoas, animais e vegetais, mas um conjunto de significações ou de sentidos que são produzidos pela consciência ou pela razão. A razão é criadora de sentido, é ela quem constrói a realidade enquanto sistema de significação que depende da estrutura da própria consciência. A significação corresponde à essência, ao sentido impessoal, intemporal, universal e necessário de toda a realidade, que só existe para a consciência e pela consciência. Logo, a razão é subjetiva e cria o mundo como racionalidade objetiva, de modo que o mundo tem sentido objetivo porque a razão estabelece o sentido. A fenomenologia de Husserl afasta-se da solução hegeliana ao não admitir que as formas e os conteúdos da razão mudem no tempo e no espaço. 4 Universidade Presbiteriana Mackenzie Diferentemente da fenomenologia, outros filósofos, como os da chamada Escola de Frankfurt ou Teoria Crítica (como Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Max Horkheimer), adotam a solução hegeliana, mas com uma modificação fundamental: formação marxista. O marxismo permitiu compreender que os fatos humanos produzidas não pelo espírito e pela vontade livre dos indivíduos, mas pelas condições sociais, econômicas e políticas. Os fatos humanos originários são as relações dos homens com a natureza, tais relações são de trabalho: família (divisão sexual do trabalho), pastoreio e agricultura (divisão social do trabalho), troca e comércio (distribuição social dos produtos do trabalho). O marxismo trouxe como grande contribuição à sociologia, à ciência política e à história a interpretação dos fenômenos humanos como expressão e resultado de contradições sociais, de lutas e conflitos sóciopolíticos determinados pelas relações econômicas baseadas na exploração do trabalho da maioria pela minoria de uma sociedade. Recusam a idéia hegeliana de que a história é obra da própria razão, e não das condições sociais, econômicas e políticas. De modo que a razão não determina nem condiciona a sociedade, mas é determinada e condicionada pela sociedade e suas mudanças. A Teoria Crítica considera duas modalidades da razão: a razão instrumental (razão técnicocientífica) a serviço da exploração e da dominação, da opressão e da violência, e a razão crítica (filosófica), que reflete sobre as contradições e os conflitos sociais e políticos. Para a Escola de Frankfurt, a instrumentalização da razão (razão iluminista) nasce da decisão do sujeito do conhecimento de que conhecer é dominar e controlar a natureza e os seres humanos, determinando as reações do mundo físico, biológico e humano (psíquico, social, político, histórico) às condições artificiais, criadas pelo homem. Na medida em que a razão se torna instrumental, a ciência deixa de ser uma forma de acesso aos conhecimentos verdadeiros para tornar a razão em instrumento de dominação, poder e exploração. Esta concepção racionalista, que se estende dos gregos até o final do século XVII, afirma que a ciência é um conhecimento racional dedutivo e demonstrativo capaz de provar a verdade necessária e universal de seus enunciados e resultados, o que possibilitou que o método das ciências naturais fosse utilizado nas ciências humanas, de modo que o raciocínio e a lógica jurídica deveriam obedecer aos critérios, estrutura e princípios próprios das ciências naturais. Esta concepção epistemológica influenciou o raciocínio jurídico a compondo-se em uma unidade sistemática de axiomas, postulados e definições, que determinam a natureza e as propriedades de seu objeto, e de demonstrações, que provam as relações de causalidade que regem o objeto investigado. Entretanto, no tocante as ciências humanas, o objeto de 5 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 conhecimento e o sujeito é o homem, compreendendo-se as seguintes formas de investigação do humano: humanista, positivista e historicista. O humanismo do século XV, de origem renascentista, colocava o homem no centro do Universo; nos séculos seguintes, XVI e XVII, verifica-se o estudo do homem como agente moral, político e técnico-artístico, destinado a dominar e controlar a Natureza e a sociedade; já no século XVIII, com a idéia de civilização, do homem como razão que se aperfeiçoa e progride temporalmente através das instituições sociais, políticas e do desenvolvimento das técnicas. O positivismo teve seu inicio no século XIX com Augusto Comte, para quem a humanidade atravessa três etapas progressivas, indo da superstição religiosa à metafísica e à teologia, para chegar, finalmente, à ciência positiva, ponto final do progresso humano. Comte enfatiza a idéia do homem como um ser social e propõe o estudo científico da sociedade: assim como há uma física da Natureza, deve haver uma física do social, a sociologia, que deve estudar os fatos humanos usando procedimentos, métodos e técnicas empregados pelas ciências da Natureza. (COMTE, 2000. p. 22). O positivismo tem como caráter fundamental, a subordinação dos fatos observáveis às leis naturais, sendo esta a relação invariável entre a circunstância de produção dos fenômenos naturais e os fatos. O estado positivismo permitiria à ciência constituir uma unidade metodológica para todas as disciplinas, a partir de uma unidade lógica, a qual implicaria seguir um mesmo método orientador das investigações do objeto do conhecimento. Trata-se de fundar a ciência dos fatos sociais, ou a física social, nos mesmos moldes em que se estruturaria as ciências naturais. (BITTAR, 2002. p 235). A idéia de uma física social capaz de explicar os fenômenos relativos aos comportamentos éticos e à vida em sociedade esbarra na tradição da filosofia ocidental que separa os eventos em lógicos e ontológicos. A superação deste dualismo esbarra na tensão entre o nexo causal (vinculação necessária entre a ocorrência do efeito ante a ocorrência da causa – determinismo-) e a liberdade humana. O agir ético segundo Kant, assenta sobre a liberdade humana, a qual passa a ser pressuposto da forma a priori da razão. Deste modo não seria possível submeter o conhecimento dos fenômenos físicos e éticos ao mesmo tipo de lógica empírica ou causal, conclui-se com isso que Comte não superou o abismo deixado por Kant entre a causalidade na razão pura e liberdade da razão pratica. ((BITTAR, 2002. p 215-235). No que se refere à investigação do humano, temos ainda o período do historicismo, desenvolvido no final do século XIX e início do século XX por Dilthey, o qual persiste na 6 Universidade Presbiteriana Mackenzie diferença entre homem e Natureza e entre ciências naturais e humanas ou ciências do espírito. As ciências do espírito compreendia os fatos humanos como históricos, dotados de valor, sentido, significação e finalidade, que não devem ser desprezados vez que estas são as características que os distinguem dos fatos naturais. Deste modo, conclui-se que as ciências do espírito não podem usar o método da observação-experimentação, mas devem criar o método da explicação e compreensão do sentido dos fatos humanos, encontrando o sentido na causalidade histórica, pois o fato humano é histórico, temporal, acompanhando os fatos psíquicos, sociais, políticos, religiosos, econômicos, técnicos e artísticos de uma época. Ao se estender a concepção racionalista às ciências sociais, renegou-se outras formas de conhecimento, como o senso comum, a opinião, valores sociais e éticos por não se pautem em princípios epistemológicos e regras metodológicas, dispensando-se qualquer exercício da subjetividade para se alcançar objetividade. Considerou-se, então, que somente o conhecimento adquirido pela racionalidade é verdadeiro, realizado exclusivamente pelo intelecto, empregando-se tão somente a razão. (BOBBIO, 1999. p. 134). Portanto, o estudo da natureza transbordou para o estudo da sociedade, uma vez que da mesma forma que seria possível desvendar as leis da natureza, seria possível descobrir as leis da sociedade. Assim sendo, pretendeu-se eliminar qualquer tipo de influência externa ao sujeito, estabelecendo-se de um lado a anulação da subjetividade do conhecedor, e do outro, um método que garanta a verificação do objeto. Deste modo, a única forma de se alcançar o conhecimento verdadeiro, seria através da formulação de leis visando prever o comportamento futuro dos fenômenos sociais. Neste paradigma, o conhecimento baseado na formulação de leis parte do pressuposto de ordem, estabilidade e repetição dos fenômenos de modo que se possa estabelecer uma relação direita entre passado e futuro seguindo os mesmos critérios da matemática e da física, como se a sociedade seguisse a mesma regularidade presente nas ciências naturais. Neste contexto, o positivismo jurídico “nasce do esforço de transformar o estudo do Direito numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais.” (Idem ibidem p. 135). Para tanto a ciência do Direito deveria estar livre de juízos de valor, ou seja, comportar-se de modo avalorativo, uma vez que para a ciência interessa apenas o juízo de fato, que implica na tomada de conhecimento objetivo da realidade, com a finalidade de informar, comunicar ou ainda constatar livre de juízos subjetivos ou pessoais. Assim o positivista jurídico assume uma atitude científica frente ao direito. 7 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 A concepção positivista ao recusar os juízos de valor acaba por supervalorizar o conceito de validade, ao determinar que uma norma é justa pelo único fato de ser válida. Esta validade de uma norma jurídica indica uma característica ou qualidade: de que a norma existe na esfera do direito. Ou seja, a validade significa que a norma faz parte do ordenamento jurídico, que existe efetivamente em uma sociedade. No contexto desse racionalismo surgiu a hermenêutica jurídica como disciplina dogmática que visa extrair o verdadeiro sentido da norma jurídica, utilizando-se, para isto, de uma metodologia instrumental-objetiva estabelecida pela teoria da interpretação e aplicação do Direito, limitando- se a uma tarefa meramente declarativa de um direito preexistente nos textos legais, tornando explicita a intenção do legislador, o que garantiria a segurança e a previsibilidade, a maior expressão desse pensamento é a Escola da Exegese. (Idem ibidem p. 15-20). A intenção revolucionária, ao invocar a legitimidade exclusiva, num quadro “políticoconstitucional” de repartição de poderes, ao poder “político-legislativo” e chamar para si a total programação do direito, julgando-se o único poder jurídico, acabou por reduzir o papel do judiciário em nome do legalismo, que teve sua forma absoluta na exigência de literalismos na aplicação judicial do direito. (NEVES, 2003. p. 174). Com efeito, ao juiz cabia a posição de declarar a norma ou a vontade do legislador, ao judiciário impõe-se a resolução de controvérsias segundo as regras emanadas do órgão legislativo, ou seja, de aplicar apenas as normas postas pelo Estado, pois este é o único criador do direito. (BOBBIO, 1999. p. 28-29). Para NEVES, A. Castanheira, em O actual problema metodológico da interpretação jurídicaI, isto se deve a pretensão programático-regulativa e lógico-sistemática do legalismo codificado estrito em compor-se de normas imperativas ou prescritivo-enunciadas com caráter de regras prévias, gerais e abstratamente autônomas, formando um universo de significações auto-subsistente, pretendendo uma totalidade lógico-significante, idealizado, organizado em uma unidade sistemática própria do ordenamento jurídico, sem contradições, plena, sem lacunas, fechada e auto-suficiente. (NEVES, 2003. p. 274) Portanto, os métodos interpretativos construídos pela razão não oferecem única resposta jurídica para o caso em decidendo, tampouco mostram-se capazes de abarcar toda a realidade. Neste modelo, uma vez prescrita a norma, considera-se apenas a sua objetivação significativa, desligando-a do compromisso prático da sua origem constitutiva, como se cada uma das normas poderiam ser estudadas com inteira independência da realidade prática a que se propunham regular. 8 Universidade Presbiteriana Mackenzie Sobre esta questão, pertinente é a análise de Perelman, em Lógica jurídica: nova retórica, ao afirmar que “O positivismo tinha como conseqüência inevitável restringir o papel da lógica, dos métodos científicos e da razão a problemas de conhecimento puramente teóricos, negando a possibilidade de um uso prático da razão” (PERELMAN, 1998. p 136), o que provocou o desmoronamento da razão prática. Deste modo, a crise do paradigma positivista é uma crise do paradigma da racionalidade instrumental que fracassou no seu projeto de dominação da natureza, da sociedade e, finalmente, do homem. Neste ponto, Perelman, afirma que os raciocínios jurídicos são acompanhados por incessantes controvérsias, seja na doutrina ou na jurisprudência, o que demanda a solução destes desacordos mediante uma decisão perante uma autoridade que utiliza-se de critérios da maioria ou de hierarquias, pelas decisões das instâncias superiores, ou ambas. (PERELMAN, 2004. p. 8). Afirma ainda, que é neste aspecto que o raciocínio jurídico distingue das ciências, da filosofia e das ciências humanas, uma vez que a ausência de acordo ou de um juiz capaz de encerrar os debates através da sentença, cada um permanece com suas proposições. (Idem ibidem p. 9-12). Constata-se esta relatividade ao considerar justa a solução que, não necessariamente apresente o resultado da aplicação indiscutível de uma regra, mas da confrontação de opiniões seguidas de uma decisão dada por uma autoridade, contudo, nada demonstra que a decisão, diante da qual será necessário inclinar-se, seja efetivamente a única solução justa para o caso decidendo. Assim sendo, o comprometimento pessoal é inevitável nas decisões jurídicas o que nos inclina a reconhecer a relatividade do raciocínio jurídico em oposição à noção ideal de direito e de uma justiça absoluta que perdurou durante séculos, ora de origem divina e ora racional, de modo que “É por esta razão que a aplicação do direito, a passagem da regra abstrata ao caso concreto, não é um simples processo dedutivo, mas uma adaptação constante dos dispositivos legais aos valores em conflito nas controvérsias judiciais.” (Idem ibidem p. 118). Nota-se, portanto, que o direito é elaborado através de controvérsias e oposições dialéticas das argumentações diante da deficiência do ordenamento jurídico em oferecer um critério para a aplicação válida das normas e a estabilidade das relações sociais e, portanto, da própria realidade, verifica-se com isso um descompasso entre a norma e a realidade, como conseqüência, verifica-se a incapacidade do direito em abarcar e prever toda a realidade através de um ordenamento completo e unitário, como pretendia o modelo positivista. 9 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 Em decorrência desta incapacidade, verifica-se uma mudança no paradigma procedimental de construção da normatividade, em que o momento de aplicação do direito ao caso concreto pelo Poder Judiciário, parece ser o momento de produção do direito. A atividade jurisdicional, ao assumir a produção/criação da norma, seja diante de novas circunstâncias, transformações sociais, lacunas na atividade legislativa, ou porque conteúdos incertos e provisórios, ainda não formam regulados explicitamente para oferecer uma solução às problemáticas dos diversos casos concretos trazidos em juízo, o Poder Judiciário acaba atuando como uma atividade legislativa diante das exigências da sociedade de respostas em âmbito judiciário ao invés de político. Diante da aparente mudança no paradigma procedimental de construção da normatividade levanta-se a questão sobre a “politização da jurisdição” (ou “judicialização da política”) e a legitimidade desta jurisdição que ganha maior relevo quando as repercussões e reflexos desse processo recaem sobre a sociedade democrática, envolvendo necessariamente, não apenas posturas e modelos jurídicos sob outras orientações teóricas, mas a própria idéia de democracia. Terá, o juiz, a liberdade de conhecer, mediante a sua apreciação subjetiva do justo/injusto, e motivar sua decisão considerando-se os critérios morais, religiosos, culturais, econômicos e políticos? Ou manterá o raciocínio jurídico como instrumento de justificação indispensável ao direito em que o primado é atribuído ao dispositivo, conformando-se com lei ou será preciso satisfazer a necessidade de justiça e equidade? (Idem ibidem p 98). A releitura de atuação dos poderes do Estado traz uma série de discussões acerca do papel do Judiciário nas democracias contemporâneas, trata-se de um conflito entre o modelo tradicional e um Judiciário mais participativo nas questões políticas do Estado. Resta saber como a jurisdição constitucional, especialmente aquela exercida pelo supremo, pode responder às questões que unem o direito à política. A superação do Paradigma Racionalista/Positivista pela Dialética e Hermenêutica A crítica às ciências humanas decorre, na verdade, da ausência de uma teoria capaz de conciliar valores, direito e política, tampouco estabelecer disposições para abarcar toda a realidade. A partir da perspectiva hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, é possível construir um método de interpretação e aplicação da norma jurídica que venha a superar os problemas apresentados pela doutrina tradicional, de modo que a hermenêutica filosófica não seja nem uma filosofia da “razão pura”, nem um método de interpretação, mas uma tarefa teóricoprática indissociável: interpretação/aplicação da norma ao caso em decidendo. 10 Universidade Presbiteriana Mackenzie Para a superação da doutrina tradicional, de caráter dogmático-positivo, o raciocínio jurídico pautado na realidade como um todo complexo, perpassa pelo chamado linguistic turn, ao impor a passagem de uma filosofia da consciência para uma filosofia da linguagem que pode ser denominado de “hermenêutica da compreensão”. Karl-oto Apel, em Transformação da filosofia, descreve linguistic turn como a “virada”, o desdobramento conseqüente de uma abordagem transcendental-filosófica de sentido nãokantiano, que teve seu ponto de partida na “virada” heideggeriana, com a separação da problemática da construção de sentido do “compreender” com uma ocorrência de verdade, de um lado; e a problemática da validação de sentido, de outro. A reviravolta lingüística traduz-se, para o referido autor, na radical perspectiva lingüística de todos os fenômenos e problemas culturais: filosófico, epistemológico e metodológico. A época da linguagem é a terceira era da filosofia, depois da era do ser, desde a Antigüidade até a Idade Média e da época da consciência, da Idade Moderna até a análise da linguagem. Seguindo a análise de Karl-oto Apel a linguagem antes era entendida como um veículo dos pensamentos, agora se torna o próprio fenômeno lingüístico. O tema central, fundamentalmente, é a lógico-significativa, sua estrutura e possibilidades significativas, de modo que a linguagem identifica-se com a racionalidade analítico-lingüística. Assim, qualquer comunicação do homem com outros homens é, em última instância, um processo de tradução ou uma incorporação do estranho no que é próprio. Esse processo da compreensão é essencialmente interminável, porque o homem não consegue reduzir, através de sua razão finita a totalidade do que é compreensível, a um conceito. Deste modo, o raciocínio jurídico, diante do caso concreto, deve considerar o espaço-tempo, os atores diretos envolvidos no conflito e objeto real do conflito, o poder estruturado no governo, os grupos organizados de pressão direta, a mídia e respectiva repercussão, os textos legais, frutos de um determinado sistema político-jurídico, presentes num dado sistema constitucional, representado por princípios diretivos de ação, por preceitos constitucionais estabelecidos e por regras infraconstitucionais. Para tanto, é preciso ler o texto legal em seu contexto completo e complexo, ou seja, efetuar uma leitura com base na situação e ponderá-los num confronto direto com o texto legal, considerado este como projeto para uma dinâmica, como eixo orientador numa tentativa de ler a realidade expressa pela situação, para em seguida ponderá-la inserida na cultura que a produziu. Uma vez confinados na história, a questão da fundamentação coloca-se entre duas posturas teóricas: dialética e hermenêutica. Ao se articular dialética e hermenêutica como análise das 11 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 ciências humanas, aponta-se para uma tentativa de superação da problematização da subjetivação do objeto e a objetivação do sujeito. Enquanto a hermenêutica move-se entre os termos da compreensão, como a categoria metodológica e atitude de investigação, na relação entre todo e partes, como categorias filosóficas e significado-símbolo como balizas do pensamento. A dialética, por sua vez, é desenvolvida por meio de termos que articulam as idéias de crítica, de negação, de oposição, de mudança, de processo, de contradição, de movimento e de transformação da natureza e da realidade social. A dialética é arte do diálogo, da contraposição e contradição de idéias que leva a outras idéias. É a técnica de perguntar, responder e refutar argumentos, visando uma melhor compreensão do assunto em questão. A hermenêutica esta diretamente associada à dialética porque esta reflete a realidade que hermenêutica pretende compreender. A Hermenêutica de Hans-Georg Gadamer Em Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, Hans-Georg Gadamer, trata da questão do problema do método, afirma que as ciências do espírito compreendem-se por analogia à ciência da natureza e, que, entretanto, seus dados são incompletos, o que torna insegura suas previsões. A experiência do mundo sócio-histórico não se eleva ao nível de ciência pelo processo indutivo das ciências da natureza e mesmo que todo o conhecimento histórico esteja incluído ao emprego da experiência ao objeto de pesquisa, o conhecimento histórico não aspira tomar o fenômeno concreto como caso de uma regra geral. As ciências humanas tampouco conseguem estabelecer previsibilidade em relação ao futuro, pois o comportamento humano se modifica em função do conhecimento que adquire e porque não é possível observar a realidade objetivamente, o observador não pode libertarse no ato de observação. Deste modo só conhecemos o real senão da nossa intervenção nele. (SANTOS, 2000. p. 66-69). A interferência estrutural do sujeito no objeto observado acarreta implicações de vulto. A distinção entre sujeito/objeto é muito complexa, perde seus contornos dicotômicos e assume uma forma de um contiuum. A compreensão, portanto, nasce desta colisão/intersecção entre sujeito e o objeto. Desta forma a verdade ultrapassa os limites da dualidade mediada sujeito-método-objeto, pois ao se constatar que a racionalidade de uma verdade (certeza) e de um discurso que não pode ser provado empiricamente, tampouco através de um fundamento último racional, conclui-se que essa é a tarefa da hermenêutica, uma vez que esta não é nem uma verdade 12 Universidade Presbiteriana Mackenzie empírica, nem uma verdade absoluta, é uma verdade que se estabelece dentro das condições humanas do discurso e da linguagem. Neste contexto a proposta da hermenêutica filosófica de Gadamer não garante a verificabilidade da verdade, como o método empregado pelas ciências da natureza, ao contrário, parte da historicidade do homem, de sua vivência, para que se obtenha o encontro da alteridade para dela possa resultar a compreensão. Logo, Gadamer aponta para as possibilidades da compreensão e não para uma técnica de compreensão. Assim Gadamer propõe que não há um único caminho de acesso à verdade, uma forma exclusiva para determinar o conhecimento e que para isso se tenha que anular o observador/intérprete; considera o encontro entre sujeito e objeto indispensável para a fusão de horizontes para que alcance a compreensão, logo a hermenêutica filosófica, toma o homem como ele é – finito e histórico. A hermenêutica, portanto, localiza-se na tensão entre sujeito/intérprete e objeto/obra sem que com isso se tenha o despotismo do “eu” ou do “tu”. Disso resulta a fusão de horizontes, em que intérprete e obra fundem-se em um sentido comum. Portanto, refletir sobre a história efeitual, a pré-compreensão do intérprete, o círculo hermenêutico, a universalidade do fenômeno hermenêutico e sobre a linguagem irá possibilitar uma nova visão sobre a compreensão do Direito, possibilitando novas indagações e reflexões no estudo da hermenêutica jurídica. No círculo hermenêutico se oculta uma possibilidade positiva do conhecer originário, possibilidade que só pode ser captada de modo genuíno se a interpretação compreende que sua função primeira, permanente e última é a de não se deixar nunca impor prédisponibilidade, pré-vidências e pré-cognições do caso ou das opiniões comuns, mas fazêlas emergir das próprias coisas, garantindo assim a cientificidade do próprio tema. A possibilidade de compreensão só pode realizar-se se pretender, como sua função primeira, permanente e última, a não imposição de pré-vidências e pré-cognições ou opiniões comuns sobre o objeto que se interpreta. Logo, a interpretação não se confunde com arbitrariedades e limitações que derivam de inconscientes hábitos mentais, de modo que o intérprete deve se submeter ao objeto visando superar confusões ou mal entendidos que provenham de íntimo. Interpretar um texto significa revisá-lo com base no que decorre da penetração do texto. Assim, o compreender é possível, porque se está vinculado com a coisa que se expressa, porque o intérprete, afirma Gadamer, não se aproxima dos textos com a mente semelhante a uma “tabula rasa”, mas com a sua pré-compreensão, com seus pré-juízos, suas présuposições, expectativas que esboça um significado preliminar do texto. 13 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 Desta maneira, o intérprete se aproxima do texto com sua pré-compreensão, com sua memória cultural (linguagem, teorias, mitos). Esse primeiro esboço de interpretação pode ser ou não o mais adequado, a qual somente é possível com uma análise posterior do texto e do contexto, que irá determinar se esse esboço interpretativo é ou não correto, se corresponde ou não ao que o texto diz, e assim por diante ao infinito. Portanto, quem compreende um texto, realiza sempre um projetar: o sentido somente se manifesta porque quem lê o texto, o faz a partir de determinadas perspectivas de um sentido determinado. Entretanto, aquele que compreende não pode se entregar ao arbítrio das próprias opiniões prévias, ignorando o texto. Quem quer compreender um texto deve estar disposto a deixar que este lhe diga alguma coisa. “Trata-se de manter afastado tudo o que possa impedir alguém de compreendê-la a partir da própria coisa em questão. São os preconceitos não percebidos os que, com seu domínio, nos tornam surdos para a coisa de que nos fala a tradição.” (GADAMER, 1988. p. 359). Pretende-se, deste modo, uma abertura para a opinião do outro ou do texto, o que implica colocar a opinião do outro em alguma relação com o conjunto das opiniões próprias. Isto significa que a compreensão e a autocompreensão do homem articula-se como linguagem dada pela tradição. A historicidade do ‘eis-sí-ser’ implica, portanto, a mediação entre passado e o presente que se abre em direção a um futuro, de modo que a historicidade é antes a ‘condição de possibilidade’ para a compreensão. (Idem Ibidem. p. 226-227). A compreensão se dá a partir de um horizonte de uma tradição de sentido é o que constitui os pré-conceitos. Para Gadamer os pré-conceitos muito mais que pré-juízos ou restrição absoluta da verdade, constituem a realidade histórica de seu ser. (Idem Ibidem. p. 229) A partir destas noções, Gadamer constrói um olhar hermenêutico, que parte do nosso diálogo com a tradição (“fusão de horizontes”), transformando-a e valorizando-a. Portanto, para Gadamer a idéia de que, preconceitos determinam ou condicionam comportamentos e modos de compreensão, vinculando-se as autoridades como fonte de preconceitos (o que pode ser verdade), não significa, necessariamente, o oposto da liberdade e da razão, confundindo-se preconceito com obediência cega. Para Gadamer não existe oposição incondicional entre a razão e a tradição. Para ele, a tradição é sempre um momento de liberdade. “A tradição mais autêntica e melhor estabelecida não se realiza em virtude da capacidade de inércia que permite o que esta aí persistir, mas necessita ser afirmada, assumida e cultivada.” (Idem Ibidem. p. 422). Por isso, para Gadamer, a conservação é um ato da razão e de liberdade. A tradição ao mesmo tempo em que é conservação, também está sujeita a transformações históricas. Neste sentido Gadamer afirma que mesmo quando a vida sofre as 14 Universidade Presbiteriana Mackenzie transformações mais tumultuadas, como em tempos revolucionários, em que se mantém muito mais do antigo do que se poderia prever. O velho integra-se ao novo compondo outra forma de validez. A conservação representa “uma conduta tão livre como a destruição e a inovação”. (Idem Ibidem. p. 423). Logo, para Gadamer a tradição é sempre o momento da liberdade da própria história, de modo que o único modo de alterar um projeto (tradição) é por meio da razão. Com estas noções conclui-se que sempre nos encontrarmos inseridos em alguma tradição cultivando-a, no sentido de conservá-la, ou transformando-a visando à sedimentação de novas idéias, as quais se tornarão uma nova tradição a ser cultivada. Diante deste cenário conclui-se a impossibilidade de uma análise ou uma inserção objetiva; em que o nosso juízo não será um conhecimento, mas participação num sentido comum, na medida em que se procura uma concordância de sentido entre duas tradições que se encontram e, tem como resultante, um entendimento comum sobre o conteúdo, isto é, a compreensão. Entretanto, essa participação num sentido comum, através de preconceitos e opiniões prévias que ocupam a consciência do intérprete não se encontra à livre disposição de quem compreende, pois o ato de compreender só alcança a sua realização autêntica se as pressuposições tomadas como ponto de partida não são arbitrárias, o que se verifica no momento em que se põe à prova a origem e a validade, de tais pressuposições. Desta maneira, “quem quiser compreender um texto deve estar pronto a deixar que ele lhe diga alguma coisa. Por isso, uma consciência educada hermeneuticamente deve ser preliminarmente sensível a alteridade do texto.”(Idem Ibidem. p. 356). Esta sensibilidade não pressupõe neutralidade objetiva tampouco exige o esquecimento de si mesmo, mas implica uma precisa tomada de consciência das próprias pressuposições e pré-juízos. “É preciso ter consciência das próprias prevenções para que o texto se apresente em sua alteridade e tenha concretamente a possibilidade de fazer valer o seu conteúdo de verdade em relação às pressuposições do intérprete.” (Idem Ibidem. p. 356). Deve-se propor um sentido após o outro para melhor adequá-lo, de modo que o texto se apresente com sua alteridade e como realmente é. Logo, depois de se identificar os preconceitos e se conscientizar deles, é necessário submetê-los a prova, para corrigi-los e eventualmente eliminá-los, para substituí-los por outros melhores. Com efeito, nota-se que a eliminação dos suportes que tornam válida uma interpretação obriga outra interpretação de acordo com novo contexto formulado, elaborando outra 15 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 compreensão; e, se a proposta no passado foi descartada e, se a interpretação é feita à luz do que se sabe; e o que se sabe muda no curso da história humana, então mudam as perspectivas, conjecturas, pré-juízos com se olha texto, alterando o conhecimento sobre o homem, a natureza, a linguagem e o próprio texto. Deste modo, as mudanças na pré-compreensão podem constituir outras formas de releitura do texto e novas hipóteses interpretativas a submeter à prova. Por isso a tarefa da interpretação é infinita, pois uma interpretação que pareça adequada pode ser inadequada à medida que são apresentadas outras possíveis interpretações. Essa distinção deve acontecer na própria hermenêutica histórica, a qual não mais representa um abismo a ser transposto, superado, mas é o fundamento que sustenta o acontecer, logo o compreender. Nesse sentido, uma consciência formada hermeneuticamente terá de incluir a consciência histórica, o que significa a consciência dos próprios preconceitos que guiam a compreensão. É através da consciência histórica que a tradição e o presente encontram-se numa contínua relação de tensão. (Idem Ibidem. p. 395). A consciência da história efeitual é a consciência da situação hermenêutica. Ao nos encontramos em uma situação cuja elucidação é tarefa nossa, “essa elucidação jamais poderá ser cumprida por completo. E isso vale também para a situação hermenêutica, isto é, para a situação em que nos encontramos frente à tradição que queremos compreender.” (Idem Ibidem. p. 399). A elucidação dessa situação é a reflexão da história efeitual, a qual não se realiza plenamente, porque a consciência da situação hermenêutica faz parte da essência do ser histórico que somos. “Ser histórico quer dizer não se esgotar nunca no saber-se” (Idem Ibidem. p. 399). Uma situação hermenêutica está determinada pelos preconceitos que trazemos conosco, os quais formam horizonte de um presente. Toda a situação tem por característica uma posição que limita a possibilidade de ver, a este conceito Gadamer diz pertencer essencialmente o conceito de horizonte. “Horizonte é o âmbito de visão que abarca e encerra tudo o que pode ser visto a partir de um determinado ponto.” (Idem Ibidem. p. 399). Neste sentido haverá dois horizontes distintos: o horizonte histórico e o horizonte onde o intérprete (quem compreende). “Assim os horizontes se deslocam ao passo de quem se move. Também o horizonte do passado, do qual vive toda a vida humana e que se apresenta sob a forma de tradição, que já está sempre em movimento.” (Idem Ibidem. p. 402). 16 Universidade Presbiteriana Mackenzie O ato de compreender envolve, para Gadamer, um ato unitário em que estão envolvidas a interpretação e a aplicação. Então o problema da hermenêutica é também o problema da interpretação e da aplicação, presente em toda a compreensão. É juntamente esta conjugação entre compreensão interpretação e aplicação que interessa ao direito, pois para o direito a tarefa da interpretação consiste em concretizar a lei, dar uma complementação produtiva do direito sendo esta a tarefa da aplicação. (Idem Ibidem. p. 426432). Deste modo o processo concretizador da norma começa com a atribuição de um significado (compreensão/interpretação) aos enunciados do texto normativo. (CANOTILHO, 2003. p. 1215). Portanto, atribui-se ao intérprete jurídico a capacidade de determinar o valor da norma em seu sentido histórico devendo-se com isso admitir que ao modificarem as circunstâncias, precisa o intérprete jurídico, ao invés de se submeter à vontade da lei em virtude de ser este um ato do legislador, determinar novamente a função normativa da lei. Portanto, o juiz ao adaptar a lei transmitida pela tradição, a qual ele inclusive encontra-se inserido, às necessidades do presente pretende com isso resolver uma tarefa de ordem pratica, por outro lado não significa que esta interpretação seja uma tradução arbitrária. (Idem ibidem. p. 430). Desta maneira existe um espaço semântico nos textos normativos em que o conceito e a semântica das palavras encontram-se susceptíveis de alteração em função do contexto em que estão inseridas. (Idem ibidem. p. 1209). Logo, a compreensão/interpretação encontramse condicionadas pelo contexto e pelas relações histórico-sociais. Sob a perspectiva da hermenêutica filosófica de Gadamer que se verificará as possibilidades e peculiaridades da compreensão/interpretação/aplicação das normas constitucionais. A hermenêutica Constitucional e Filosófica A existência de diversos meios de interpretação elencados pela doutrina jurídica como a gramatical (filológica, literal ou léxica), a lógica (silogismo), analógica (em casos de lacuna da lei), a lógico-sistemática (norma como parte de um sistema), o histórico-teológica (através de elementos históricos alcança-se os fins da norma); mesmo as interpretações subjetivistas (busca pela vontade do legislador) ou objetivistas (autonomia do texto em relação ao legislador) permite-nos concluir de que não há uma interpretação única capaz de estabelecer o sentido preciso das leis forma suficientes para se determinar o sentido de normas constitucionais. (BONAVIDES, 2006. p. 437-455). 17 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 Esta complexidade aumenta ainda mais quando se trata de interpretar o sentido da Constituição, uma vez que instrumentos interpretativos podem alterar o sentido constitucional sem que com isso se tenha a modificação de seu teor, logo é possível estabelecer mudanças do conteúdo constitucional, sem que se tenha a substituição expressa, ou sem que tenha utilizado das vias formais para a alteração de seu texto. (São as chamadas mutações constitucionais). Deste modo, as condições de possibilidade para a concretização normativo-constitucional têm um caráter dúplice: vinculação do intérprete à norma a ser concretizada (précompreensão, consciência histórica e fusão de horizontes ente o intérprete constitucional e o objeto da interpretação - a Constituição-) e a vinculação do intérprete ao problema concreto a ser desenvolvido (método concretista de inspiração tópica). Assim a concretização e a compreensão só são possíveis em face de um problema concreto, bem como a determinação do sentido da norma e sua aplicação a um caso concreto, constituem um processo unitário, ao contrário de outros métodos que fazem da compreensão da norma geral e abstrata e da aplicação, momentos distintos. Desta maneira a interpretação concretista vale-se da norma, da pré-compreensão do intérprete e do caso concreto a resolver. Para Canotilho, a concretização das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma para uma norma concreta. A norma jurídica será a resultante da norma de decisão para a solução dos casos jurídico-constitucionais. Esta concretização normativa não se assemelha à interpretação do texto da norma; é a própria construção de uma norma jurídica. (CANOTILHO, 2003. p. 1201). A aplicação lógico-dedutiva exige uma realidade aproblemática, sem a densidade ontológica ou a autonomia problemática do caso concreto. Ao abandonar a perspectiva lógico-dedutiva, auto-suficiente do sistema jurídico codificado e constituído privilegia-se a reelaboração de critérios jurídicos para a concretização jurídica de problemas práticos a um direito comprometido com as exigências judicativo-decisórias dos casos jurídicos e históricosociais. Neste sentido, as palavras e expressões não possuem um significa autônomo do caso em decidendo, pois o texto da norma aponta para um referente exterior ao texto de modo que a decisão jamais poderá ser uma paráfrase do texto da norma, uma vez que o texto estabelece uma dimensão comunicativa inseparável dos sujeitos utilizadores das expressões lingüísticas. (Idem ibidem. p. 1219). Portanto o sentido das palavras é dado pelo seu uso, determinado pelo jogo de linguagem, disto resulta a polissemia universal da 18 Universidade Presbiteriana Mackenzie linguagem, de modo que o significante permanece em aberto a novas possibilidades significativas. O problema da interpretação jurídica é um problema normativo como realização concreta do direito, não um problema tão somente lingüístico de determinações das significações dos textos jurídicos em que não basta uma investigação lingüística, exterior ao caso decidendo, mas um trabalho normativo-decisório dos textos. Deste modo o ponto de partida é o caso, em que o fim não é uma interpretação melhor do texto, mas uma decisão jurídica válida, justa, adequada, conveniente e aceitável obtida a partir do texto. Portanto, a interpretação jurídica, como sentido e objetivo prático-normativo, será o resultado de uma dialética entre dois momentos ou duas coordenadas: a primeira corresponderia ao problemático caso concreto decidendo e a segunda coordenada corresponderia os princípios e as normas jurídicas hipotéticas, abstratas e indeterminadas, como critério da normatividade mediada pela norma aplicável que será o eixo dessa dialética. Podendo-se falar ainda em uma espiral normativamente reconstitutiva. (NEVES, 2003). Assim a compreensão, interpretação, aplicação/decisão conjugam, no direito, uma unidade indissolúvel para a construção válida com fundamento na normatividade jurídica num movimento contínuo entre o relevo do caso jurídico concreto, em concorrência dialética com o relevo do sistema para a realização do direito que é a vida e o próprio direito. Com efeito, interroga-se as conseqüências teóricas das fontes do direito e, sobretudo, a legitimidade e aos limites políticos constitucionais dessa criação jurídico-interpretativa no contexto do Estado-de-Direito, o que suscita o problema da validade constitucional da criação jurisprudencial do direito. O afrouxamento da juridicidade da normatividade poderia, inclusive, levar a colapso da racionalidade levando a incerteza e insegurança jurídica, pois o juiz, investido de poderes decisórios dilatados usurpe a função constituinte do povo ou da representação democrática legitima. Sem a juridicidade ou o desfalecimento da importância contida no formalismo do Estado de Direito, predomina-se os valores e ideologias dominantes de um dado período provocando um enfraquecimento das liberdades individuais e garantias constitucionais, sem as quais o Estado Social e Democrático de Direito não é possível. Na medida em que se concebe a norma como produção do intérprete, a partir de elementos do texto normativo e do caso em decidendo, ou seja, a partir da realidade ao qual será aplicada, reconhece o caráter de criação desempenhado pelo Poder Judiciário, o qual, entretanto, deve submeter-se a mecanismos de controle internos e externos, jurídicos e 19 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 políticos, a fim de que esta atividade não seja confundida com o arbítrio e que o texto normativo seja o limite diretivo para a concretização do possível. Em síntese, o grande desafio é identificar o desequilíbrio da conciliação entre o exacerbamento do subjetivismo e o exagero da objetividade almejada pelo modelo baseado na racionalidade positivista. Em sendo a norma constitucional de natureza política, uma vez que esta determina a estrutura fundamental do Estado, a atribuição de poderes, dispõe sobre direitos humanos, determina o comportamento dos órgãos estatais e a ação de governos, conclui-se que seu conteúdo é eminentemente político e social e, portanto, sujeita às influências políticas e da sociedade que se refletem diretamente sobre a norma, determinando inclusive o método interpretativo aplicável. Em matéria constitucional é muito difícil estabelecer critérios absolutos de interpretação uma vez que “de país para país, de ambiente a ambiente, de sociedade a sociedade, cada ordenamento jurídico se sujeita a variações cujo peso deve ser devidamente levado em consideração.” (BONAVIDES, 2006. p. 462). A interpretação constitucional move-se na dicotomia entre o político e o jurídico. Muitas são as divergências e as discussões sobre a legitimidade de um órgão do Poder Judiciário destinado a controlar a constitucionalidade das normas em que por um lado a atividade do Tribunal Constitucional é jurídica e, por outro, de conteúdo político. Logo, a discussão não está nos critérios jurídicos da decisão, mas no problema da interpretação da constituição por se caracterizar, essencialmente, como política. O problema nuclear da legitimação de uma ordem Constitucional, para Canotilho, deriva do fato de a constituição, como complexo normativo, consagrar um domínio e apontar fins políticos em que a grande dificuldade está em como conformar a realidade e se a idéia da boa conformação da realidade deve explicitar-se ou não nos textos constitucionais, pois a constituição tem como tarefa a realidade, surgindo assim, a possibilidade e a necessidade da conformação social significa que o mundo não esta em ordem, mas que a ordenação é sempre um problema central e aberto. (CANOTILHO, 2003. p. . 1122). Diante dessa considerável abertura, o caráter político da jurisdicional constitucional estaria associado a um elevado grau de discricionariedade na interpretação constitucional, propiciado pela própria estrutura aberta das constituições. Assim a politização da jurisdição constitucional, decorreria do alargamento de possibilidades jurídicas de solução que podem ser tomadas pelo juiz. 20 Universidade Presbiteriana Mackenzie E sendo o Supremo Tribunal Federal (STF), o órgão máximo da jurisdição constitucional brasileira, o responsável ou guardião desse vínculo entre direito e a política, pode-se afirmar que está ele suscetível aos impactos da politização. Outro fator que contribuiu para uma expressiva judicialização de questões políticas e sociais foi o que conhecemos por “constitucionalização do direito” o que provocou um aumento da demanda por justiça e ascensão institucional do Judiciário. A “constitucionalização do direito” está, essencialmente, associada ao efeito expansivo das normas constitucionais, dado o seu conteúdo material e axiológico permear todo o ordenamento jurídico. Assim, valores, princípios e regras consubstanciados na Constituição dão a condição de validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. A Constituição Federal, de 1988, é a mais extensa de nossa história, pois cuida de diversos temas: (1) dos princípios fundamentais; (2) dos direitos e garantias fundamentais – direitos individuais e coletivos, dos direitos sociais dos trabalhadores, da nacionalidade, dos direitos dos políticos e dos partidos políticos-; (3) da organização do Estado; (4) da organização dos poderes; (5) defesa do Estado e das instituições democráticas; (6) da tributação e do orçamento; (7) da ordem econômica e financeira; (8) da ordem social; (9) das disposições gerais. Na medida em que a Constituição estabelece relações diversas com as demais normas de um sistema jurídico, conclui-se que essa interação é capaz de alterar os limites de atuação do legislador ordinário e, inclusive (principalmente), modificar o modo de interpretar os demais ramos do Direito. Nesse sentido, toda interpretação jurídica é também uma interpretação da Constituição de modo que qualquer operação de realização do direito envolve a aplicação, direta ou indireta, da Constituição. A “constitucionalização do direito” ganhou maior relevo através da jurisdição constitucional, exercida, difusamente, por juízes e tribunais, e concentradamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), caso a Constituição Federal seja o paradigma. A ampliação do rol para a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADin), da Ação Declaratória de Constitucionalidade (Adecon), presentes no artigo 103 da Constituição Federal, e da Ação por Descumprimento de Preceito fundamental (ADPF), conforme dispõe o § 1°, do artigo 102 da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional n°45 de 08.12.2004, contribuíram para descoberta do Tribunal Superior como arena para potencializar a concreção de direitos individuais e sociais. 21 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 Neste contexto, questões políticas e sociais, que passaram a ter nos tribunais a sua instância decisória final. Para efeitos de ilustração, alguns dos temas, objeto de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal ou de outros tribunais: (i) A Reforma da Previdência (contribuição dos inativos); (ii) A Reforma do Judiciário (criação do Conselho Nacional de Justiça); (iiI) A legitimidade e delimitação da atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito (quebra de sigilos e decretação de prisão); (iv) A atuação do Ministério Público na investigação criminal; (v) A legalidade da cobrança de assinaturas telefônicas; (vi) A fixação do valor máximo de reajuste de mensalidade de planos de saúde; (vii) Legitimidade da interrupção da gestação em hipóteses de inviabilidade fetal; (viii) Destinação das células-tronco; (ix) Ação que questiona a demarcação de terras da reserva Raposa Serra do Sol em Roraima. A decisão definirá a situação dos plantadores de arroz e índios que travam conflitos na região pela posse de terras. A “politização do judiciário” ou a “judicialização da politica” é uma discussão que envolve o que se entende por política e por jurisdição e, se essa política somente poderá ser exercida por órgãos não jurisdicionais ou se a Justiça poderá desenvolvê-la em algum aspecto. Outro aspecto que contribuiu para a judicialização da política e constitui um tema ainda polêmico trazido pela Emenda Constitucional 45/2004, refere-se à edição de súmulas com efeito vinculante objetivando a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas (artigo 103-A, da Constituição Federal). Através da sumula vinculante atribui-se a função legislativa a quem não foi eleito pelo povo para legislar, pois a “súmula-normativa” possui conteúdo e finalidade de norma. O pressuposto de que seria ilegítimo o exercício da atividade política pelo Poder Judiciário, está na perspectiva de que qualquer órgão que pretenda exercer parcela do poder (ou da soberania popular) deve recebê-la direita ou indiretamente, do povo. Em sendo o Judiciário carecedor da legitimidade popular ou de caráter representativo, uma vez que sua legitimidade democrática se encontra na exclusiva sujeição às leis emanadas da vontade popular através da Constituição, busca-se avaliar até que ponto o distanciamento da letra da lei seria entendida como falta de legitimidade. Nestes termos, este posicionamento coanuda ao que Canotilho identifica como “corrente interpretativista”. Esta considera que os juízes, ao interpretarem a Constituição, devem limitar-se ao sentido das prescrições normativas expressas ou ao sentido claramente implícitos na Constituição. Os limites decorrem, portanto, da textura semântica e da vontade do legislador, que derivam, por sua vez, do princípio democrático em que a decisão judicial 22 Universidade Presbiteriana Mackenzie não deve substituir a decisão política legislativa da maioria democrática, de modo que a rule of law seja substituída pela law of judges. (Idem ibidem. p. 1195). Mesmo no que se refere ao controle de constitucionalidade, em que há um controle dos atos do legislativo (poder constituinte constituído) deve limita-se à própria Constituição e a vontade do poder político democrático. Portanto, nesta “corrente interpretativista” é dado maior importância aos valores defendidos por uma maioria democrática do que as proposições do órgão judicial. (Idem ibidem. p. 1195-1196). A posição não-interpretativista defende a necessidade dos juízes aplicarem valores e princípios contra atos do legislativo em desconformidade com a Constituição, valendo-se de princípios como a justiça, a igualdade e liberdade de modo prevalecente ao princípio democrático. Desta maneira, a legitimidade do Tribunal Constitucional coloca-se em razão da tensão entre a democracia representativa e o Estado de Direito: a proteção dos direitos fundamentais, o controle das regras da democracia representativa e participativa, o controle do funcionamento dos poderes públicos e a preservação do equilíbrio da federação. Assim encarrega-se esta atividade de determinar o cumprimento da Constituição e zelar pela gênese democrática do ordenamento jurídico fazendo-se cumprir os direitos e garantias consagrados no texto constitucional. A “Constituição aberta” de Peter Häberle Se a norma só adquire verdadeira normatividade quando se transforma em norma de decisão aplicável a casos concretos, conclui-se que cabe aos agentes do processo de concretização um papel fundamental, porque são eles que, no fim do processo, colocam a norma em contato com a realidade. (CANOTILHO, 2003. p. 1222). Então, surge a pergunta sobre os agentes formadores da realidade constitucional. Para Canotilho, “interpretar a constituição é uma tarefa que se impõe metodicamente a todos os aplicadores das normas constitucionais (legislador, administração, tribunais).” (Idem ibidem p. 1207). Para Peter Häberle, no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados: todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco fixo de interpretes da Constituição. Para o referido autor, os critérios de interpretação constitucional devem ser tanto mais aberta quanto mais pluralista for a sociedade. A teoria da Constituição e da hermenêutica propiciam uma mediação entre Estado e Sociedade, permitindo uma interpretação em uma perspectiva sócio-constitucional 23 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 ampliando as possibilidades na proporção em que a esfera pública pluralista e a realidade colocam problemas constitucionais. Portanto, os participantes da interpretação são: os de funções estatais, como as Cortes Constitucionais, a Jurisdição, Órgãos Legislativos, Órgãos Executivos (na formulação do interesse público); grupos de pressão organizados, a opinião pública democrática e pluralista, os participantes de decisão nos casos (recorrente/requerente e recorrido/requerido, nos recursos constitucionais, autor e réu ou outros participantes do processo) que, ao justificarem sua pretensão em juízo, obrigam a tomada de posição por parte dos Tribunais, assumindo um diálogo jurídico. Do contrário, limitar a hermenêutica constitucional aos intérpretes autorizados jurídicofuncionalmente pelo Estado significaria o seu empobrecimento. Democracia não envolve apenas a delegação de responsabilidade formal do povo para órgãos estatais, mediante eleições, e até mesmo ao intérprete autêntico a determinação do texto normativo; entendese que a democracia desenvolve-se mediante a diversidade de alternativas e controvérsias de possibilidades sobre a necessidade da realidade e do concreto sobre questões constitucionais. A teoria da interpretação no contexto da teoria da democracia permite-se a interpretação da Constituição em correspondência com a atualização da esfera pública, ampliando-se a interpretação normativa por intérpretes de uma sociedade aberta. Deste modo, todos estão inseridos no processo de interpretação constitucional, até mesmo aqueles que não são diretamente afetados. Quanto mais ampla for a interpretação constitucional, mais amplo é o círculo dos que dela deva participar. O risco pode ser duplamente caracterizado: a) A transformação dos sujeitos de direito em cidadãos-cliente do Poder Judiciário, levando à privatização da cidadania, tendo como conseqüências, o “gigantismo” do Poder Judiciário e a decomposição da política, pelo desestímulo de um agir orientado por fins cívicos, tornando o juiz e a lei, as únicas referências para os indivíduos. (GARAPON, 2001. p. 74). E, b) A existência de novos espaços descentralizados da justiça, que permitem a participação ativa da sociedade, são expectativas que surpreendem uma magistratura ainda pouco preparada para o exercício deste papel. Para tanto seria necessário uma transformação paradigmática na mentalidade e na formação jurídica, sob pena de tornar estéril a proposta de redefinição do modelo tradicional, com o risco de constituir uma espécie de “um novo funcionalismo”, ou de imobilismo, impedindo as reformas e perpetuando a dificuldade de adequar a realidade aos textos constitucionais. 24 Universidade Presbiteriana Mackenzie Por isso, a política deve adaptar-se a essa nova linguagem da democracia, pois o “projeto democrático que põe a justiça no seu coração é impossível, se não for acompanhado pelo retorno do político, ou seja, pela elaboração em comum de um destino coletivo a partir de novas categorias e nova definição da justiça social.” (Idem.Ibidem. p. 269). Portanto, a justiça jamais nos livrará de “fazer política”, porém ela nos estimula a reinventar uma nova cultura política. MÉTODO A presente pesquisa adotou a proposta metodológica indutiva de abordagem e o bibliográfico dissertativo-argumentativo, como método de procedimento. Pretendeu-se demonstrar, segundo Gadamer, que se a linguagem é a unidade vital da tradição em que os homens estão imersos, é através da linguagem que se assenta toda a possibilidade comunicativa dos homens em todos os campos que estejam suscetíveis à reflexão racional e a formação da cultura como um complexo indissociável da vida coletiva. Assim, é através da linguagem que o homem mede as representações, as simbolizações de sua história, constrói e reconstrói a linguagem e permite com que se enquadre no mundo em que vive, dimensionando o seu papel de sujeito e a sua própria produção lingüística. E, estando o Direito articulado à linguagem, verifica-se um constante processo de (re)construção da realidade, o que exige uma necessária articulação criativa dos operadores do direito através da linguagem. Deste modo, a partir da experiência hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, com remissão à historicidade, à tradição e à compreensão pela linguagem, questionou-se a tarefa prática da hermenêutica e o modo pelo qual esta poderia auxiliar na construção da Ciência do Direito. Portanto, este projeto buscou, a compreensão do modelo racionalista/positivista que fundamentou a Ciência do Direito, bem como a investigação sobre a possibilidade de estabelecer estratégias para a compreensão e decisão de determinado conflito, a partir do método de interpretação e de aplicação da norma jurídica a fim de superar os problemas apresentados pela doutrina tradicional através da perspectiva de Hans-Georg Gadamer. RESULTADOS E DISCUSSÃO Diante a dificuldade de traduzir a nossa reflexão em termos de racionalidade no campo das ciências humanas, ante os abalos da concepção epistemológica racional e adoção de teorias que oferecem fundamentação histórica, conclui-se que, em última análise, a fundamentação está no próprio homem e que toda a tentativa de fundamentação torna-se um problema de semântica, o que implicaria: a ampliação da racionalidade ou a 25 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 convergência entre filosofia e ciências humanas mediada pelas posturas teóricas da dialética e da hermenêutica, ultrapassando-se, assim, a questão do método para que sobrevenha a reflexão através da filosofia. A hermenêutica filosófica trouxe a idéia de finitude e, como conseqüência, a idéia de que não há o absoluto, mas de que há condições históricas a partir das quais é possível encontrar sentido do conhecimento. Restando à reflexão filosófica a tarefa de fundamentar as abstrações das ciências humanas e mediar teoria e prática. Deste modo, é exigido da filosofia a superação da concepção solipsista do sujeito em que o paradigma do método científico em face ao questionamento histórico e a teoria fenomenológica de pensamento alteram os fundamentos deste modelo de pensamento. A transformação da filosofia tem seu ponto de partida em Husserl com a “fenomenologia hermenêutica”, a qual aproveita as discrepâncias entre o conceito moderno de método e a experiência pré-científica de vida (Leben) e de mundo (Welt), para demonstrar que a experiência não comporta a concepção do método científico; e em Heidegger, que ao conceber o ser-no-mundo (concepção do mundo e de si mesmo), torna possível o desvendamento da experiência cotidiana como experiência pré-metafísica. No que refere à hermenêutica filosófica de Gadamer o desvendamento da experiência refere-se às condições existenciais de possibilidades do “compreender” em que os atos subjetivos ou as operações do compreender decorrem de um acontecimento da própria transmissão da tradição e dos pré-conceitos (circulo hermenêutico). Deste modo o questionamento da metafísica (empirismo) é feito pela figura de pensamento do círculo hermenêutico como estrutura do ser, em que a hermenêutica filosófica, ao determinar como interesse principal o “compreender”, faz com que estruturas e pressupostos da relação sujeito-objeto cartesiano-kantiana não mais possam ser concebidas a pré-estrutura existencial do compreender. A superação do idealismo epistemológico e do solipsismo pela fenomenologia dá-se pela refutação da metafísica do conhecimento através da crítica da filosofia enquanto linguagem. À medida que a filosofia lingüístico-analítica utiliza o contexto, deixa para trás a fase da abstração em torno da construção sintático-semântica para o alcance da verdade. No que tange às ciências jurídicas, propõe-se a interpretação da normatividade constitucional em um caráter dúplice: vinculação do intérprete à norma a ser concretizada (pré-compreensão, consciência histórica e fusão de horizontes ente o intérprete constitucional e o objeto da interpretação - a Constituição-) e a vinculação do intérprete ao problema concreto a ser desenvolvido (método concretista de inspiração tópica). 26 Universidade Presbiteriana Mackenzie Por um lado, a vinculação do intérprete à norma a ser concretizada partiria da hermenêutica filosófica de Gadamer não se confunde com a simples decodificação de prescrições legislativas através de técnicas/métodos interpretativos, pretende-se a interpretaçãocompreensão em uma perspectiva tomada pela construção histórica e social dada a partir dos conflitos, da reflexão do caso concreto. Com isso, a interpretação jurídica é também filosófica envolvendo, portanto, reflexão e reprodução de sentido; na hermenêutica filosófica também o intérprete deixa de ser visto como técnico e passa a ser visto como filósofo e, como filósofo que este intérprete deve se colocar perante o Direito. Nesta perspectiva, o intérprete recupera sua importância como ser que participa do significado do texto, a partir da fusão de horizontes do intérprete estabelecendo a compreensão e construção de significado e de sentido das normas jurídicas através da pré-compreensão, consciência histórica e fusão de horizontes ente o intérprete constitucional e o objeto da interpretação - a Constituição-. Nesta concepção, a interpretação jurídica, de objetivo prático-normativo, será o resultado de uma dialética entre dois momentos ou duas coordenadas: a primeira corresponderia ao problemático caso concreto em decidendo e a segunda coordenada corresponderia os princípios e as normas jurídicas hipotéticas, abstratas e indeterminadas, como critério da normatividade mediada pela norma aplicável que será o eixo dessa dialética. A interpretação/ aplicação deve ser entendida como a produção prática do direito diante da tensão entre o direito e a realidade. Neste sentido, tanto o problema do caso concreto quanto as prescrições normativas determinam a pré-compreensão do intérprete e que, portanto, condicionará sua interpretação permitindo oferecer uma adequada decisão jurídica tornando possível interpretar as leis de forma a que a ordem jurídica cubra inteiramente a realidade social. Verifica-se com isso, que desde o momento de elaboração do texto até o instante de sua aplicação, a norma é determinada histórica e socialmente. Logo, quando o jurista cogita os elementos e situações do mundo da vida sobre os quais recai determinada norma, não se refere a um tema em abstrato, mas uma norma que é composta pela história, pela cultura e de uma sociedade. Neste sentido não é somente intérprete aqueles que lhe são atribuídos competência legislativa e jurisdicional, mas também o advogado, juristas, doutrinadores, o administrador público e os cidadãos de modo que o discurso jurídico é o conjunto de discursos levando o problema da interpretação da Constituição para diversos espaços da sociedade e instituições do Estado. 27 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 Neste sentido, a jurisdição constitucional converteu-se em um novo espaço para a efetiva interpretação/aplicação das normas constitucionais em que se verifica um poder jurisdicional voltado para a realização de um projeto socialmente vinculado, implementando o ideal democrático desencantado. Neste contexto, em que se verifica um Judiciário mais participativo nas questões políticas do Estado, seria possível ao se propor a “jurisdição-participação”, em que se desloca a jurisdição centrada no juiz para a jurisdição realizada por sujeitos, que no espaço público da jurisdição, terão condições adequadas à realização de relações intersubjetivas voltadas para o entendimento, através de procedimentos jurídicos. Assim, a deliberação participativa por meio de uma “jurisdição-participação” permite a autoregulação, ou responsabilização pelos próprios interessados, ao colocar a administração da vida coletiva aos próprios administrados. Trata-se, portanto, de uma transformação nas ciências jurídicas através da hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer e na idéia de democracia. CONCLUSÃO Perpassado pela análise crítica quanto aos efeitos da crise modelo racionalista/positivista sobre a construção da normatividade pelo Poder Judiciário, verificou-se a redefinição da atividade jurisdicional, destacando-se, de um lado, o poder dos juízes e, de outro, a exigência de formação do direito dentro de um ambiente de debate entre múltiplas visões. Frente a este contexto constatou-se a necessidade de uma reinvenção teórica dos fundamentos do Estado baseados no modelo racionalista/positivista a fim de permitir uma reflexão e reestruturação do modelo de Estado que conhecemos, para que este possa apontar novas perspectivas e reflexões no sentido de se valorizar novas bases de legitimidade, pois se o poder estatal é o poder legítimo, e se hoje a forma da legitimidade dominante é a democrática, ao analisarmos os efeitos da crise do Estado Moderno e do racionalismo/positivismo, analisamos, na verdade, seus efeitos sobre o poder democrático. Pretendeu-se, portanto, a releitura de atuação dos poderes do Estado e a discussão do papel do Judiciário nas democracias contemporâneas, em que se trata de um conflito entre o modelo tradicional e um Judiciário mais participativo nas questões políticas do Estado, bem como investigar uma nova maneira de conceber o Direito, não mais a partir da teoria positivista, mas partindo-se de questões relacionadas à Dialética e à Hermenêutica de Hans-Georg Gadamer. 28 Universidade Presbiteriana Mackenzie REFERÊNCIAS ALMEIDA, Custódio. Hermenêutica e dialética: dos estudos platônicos ao encontro com Hegel. Porto alegre: Edipucrs, 2002. APEL, Karl-otto. Transformação da filosofia. São Paulo: Loyola, 2000. APEL, Karl-Otto, OLIVEIRA, Manfredo de, MOREIRA, Luiz. Com Habermas, contra Habermas: direito, discurso e democracia. São Paulo: Landy, 2004. BITTAR, Eduardo C. B; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002 BOBBIO, Norberto. 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