Equipe 4609
POPULAÇÃO DE RUGENDAS
Vs.
REPÚBLICA DE TAMOIO
MEMORIAL DO POVO DE RUGENDAS
2012
SUMÁRIO
SUMÁRIO ......................................................................................................................1
LISTA DE ABREVIATURAS ......................................................................................2
REFERÊNCIAS..............................................................................................................3
I.
DOS FATOS.............................................................................................7
II.
DA ADMISSIBILIDADE......................................................................13
III.
DO DIREITO.........................................................................................14
III.I.
DA VIOLAÇÃO AO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO
..................................................................................................................14
III.II.
DA VIOLAÇÃO AO DIREITO À VIDA E À INTEGRIDADE
PESSOAL...............................................................................................19
III.II.I.
PRELIMINARES – OS EFEITOS DA CONTAMINAÇÃO POR
CHUMBO...............................................................................................19
III.II.II.
DA VIOLAÇÃO AO DIREITO À VIDA............................................21
III.II.III.
DA VIOLAÇÃO AO DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL.......23
III.III.
DA VIOLAÇÃO ÀS GARANTIAS PROCESSUAIS.........................24
III.III.I.
DO DIREITO A SER JULGADO POR JUIZ COMPETENTE,
INDEPENDENTE E IMPARCIAL......................................................24
III.III.II.
DO DIREITO A UM RECURSO JUDICIAL JUSTO...................... 25
III.IV.
DA VIOLAÇÃO AO DIREITO A UM MEIO AMBIENTE
SADIO.....................................................................................................26
III.V.
DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO.........................................30
IV.
DO PEDIDO...........................................................................................32
1
LISTA DE ABREVIATURAS
Art./ Arts.
Artigo/ Artigos
Vs.
Versus
CADH
Convenção Americana sobre Direitos Humanos
CIDH
Comissão Interamericana de Direitos Humanos
CEPAL
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
CtIDH
Corte Interamericana de Direitos Humanos
EMT
Empresa de Mineração da República de Tamoio
FMI
Fundo Monetário Internacional
ITMA
Instituto Tamoiano de Meio Ambiente
OEA
Organização dos Estados Americanos
ONU
Organização das Nações Unidas
SDT
Secretaria de Desenvolvimento da República de
Tamoio
SERAC
Social and Economic Rights Action Center
SMRN
Secretaria de Mineração e Recursos Naturais
2
REFERÊNCIAS
TRATADOS INTERNACIONAIS
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)
Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador)
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969
Declaração de Princípios de Liberdade de Expressão
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento
Carta da Organização dos Estados Americanos (Carta de Bogotá)
Estatuto da Corte Interamericana de Direitos Humanos
Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos
JURISPRUDÊNCIA
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
Caso Niños de la Calle (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala, 19/11/1999, Série C,
No. 63
Caso “Instituto de Reeducación del Menor”. Sentencia de 2 de septiembre de 2004.
Serie C No. 112
Caso Baena Ricardo y otros(270 trabajadores) Vs. Panamá, 02/02/2001, Série C, No. 72
Caso Bámaca Velásquez.Sentencia de 25 de noviembre de 2000. Serie C No. 70
Caso Cantos Vs. Argentina, 28/11/2002, Série C, No. 97
Caso ChitayNech e outros Vs. Guatemala, 25/05/2010, Série C, No. 212
3
Caso Claude Reyes e outros Vs. Chile, 19/09/2006, Série C, No. 151
Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguai, 24/08/2010, Série C, No. 214
Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs. Paraguai, 17/06/2005, Série C, No. 125
Caso Comunidade Moiwana Vs. Suriname, 15/06/2005, Série C, No. 124
Caso Comunidade Sawhoyamaxa Vs. Paraguai, 17/06/2005, Série C, No. 146
Caso de la “Masacre de Mapiripán”, 15/08/2005, Serie C No. 134
Caso de la Masacre de Pueblo Bello, 31/01/2006, Série C No. 140
Caso de los Hermanos Gómez Paquiyauri. Sentencia de 8 de julio de 2004. Serie C No.
110
Caso del Pueblo Saramaka Vs. Suriname, 28/11/2007, Série C, No. 172
Caso Escher e outros Vs. Brasil, 06/07/2009,Série C, No. 200
Caso GenieLacayo, 29/01/1997, Série C, No. 30
Caso González y otras (“Campo Algodonero”) Vs. México, 16/09/2009, Série C No.
205
Caso Hermanas Serrano Cruz Vs. El Salvador, 01/03/2005, Série C, No. 120
Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica, 02/06/2004, Série C, No. 107
Caso HuilceTecse, 03/03/2005, Série C No. 121
Caso Juan Humberto Sánchez,07/06/2003, Série C No. 99
Caso Kawas Fernández Vs. Honduras, 03/04/2009, Série C, No. 196
Caso LoriBerenson Mejía Vs. Peru, 25/11/2004,Série C, No. 119
Caso Maritza Urrutia Vs. Guatemala, 27/11/2003. Série C, No. 103
Caso Montero Aranguren y otros (Retén de Catia) Vs. Venezuela, 05/07/2006, Série C,
No. 150
Caso Myrna Mack Chang Vs. Guatemala, 25/11/2003, Série C, No. 101
Caso Salvador Chiriboga Vs. Equador, 06/05/2008, Série C, No. 179
4
Caso Ticona Estrada e outros Vs. Bolívia, 27/11/2008, Série C, No. 191
Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras, 29/07/1988, Série C, No 4
Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil, 04/07/2006, Série C, No. 149
Caso Zambrano Vélez y otros Vs. Equador, 04/07/ 2007, Série C, No. 166
Caso Yatama Vs Nicarágua. 23/06/2005. Serie C No. 127.
CIDH, Relatório Anual No. 39/96, Caso 11.673 MarzioniVs Argentina, 15/10/1996
Opinião Consultiva, Garantias Judiciais em Estados de Emergência (Arts. 27.2, 2, 25 e
8), OC-9/87,06/10/1987, Série A, No. 9
Opinión Consultiva, Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados,
OC-18/03, 17/08/2003. Série A No. 18
Opinión Consultiva, La Coligación Obligatoria de Periodistas (Arts. 13 e 29 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos). OC-5/85 de 13 de novembro de 1985.
Série A No. 5
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA
Military and Paramilitary Activities, Nicaragua Vs. U. S. A, C.I.J, 09/04/1984
OUTROS TRIBUNAIS REGIONAIS
SERAC Vs. Nigeria, Afr. Comm„n H.P.R., Communication 155/96 (Oct. 13-27, 2001)
L.C.B. vs. United Kingdom, 1998 III, EurCourt HR 1403.
RESOLUÇÕES DE ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS
ONU, Recomendação Geral No.6 (1989) do Comitê de Direitos Humanos da ONU
sobre o Direito à vida ( artigo 6º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos)
5
DOUTRINA
ACCIOLY, Hildebrando; CASELLA, Paulo Borba; SILVA, Eulálio Nacimento.
Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva. 2010
BONAVIDES, Paulo; Curso de direito constitucional. 25 ed. Malheiros, São Paulo:
2010.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7° ed.
São Paulo: Saraiva. 2010.
FURTADO, Celso; Formação econômica do Brasil, 14ª ed. São Paulo, Nacional:
1976.
Geneva, International LabourOficce; Encyclopaediaos occupational health and
safety. 2vol. Technical editor: L. Parmeggiani, third edition, 1983.
LAGO, André AranhaCorrêa; Stockholm, Rio, Johanesburg: Brazil and three
United Nations Conferences on Environment. Editora Funag, 1°ed. Brasília, 2009
MOREIRA Fátima Ramos; MOREIRA Josino Costa; Os efeitos do chumbo sobre o
organismo humano e seu significado para a saúde. Rev Panam Salud Publica.
2004;15(2):119–29.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; Poder, Direito e Estado – Editora Fórum. 1ª
Ed. Rio de Janeiro.
6
I.DOS FATOS
1 – Inicialmente, importa esclarecer que a República de Tamoio, ora recorrida, é um
Estado situado na América do Sul, cuja história é marcada pela instabilidade política e
pelos golpes militares. Apesar de atualmente ser, formalmente, uma democracia, são
públicas e notórias as manipulações das eleições feitas pelo governo, de modo que a
vontade do governo aspira à posição da vontade popular, mas que não pode possuir, em
uma democracia substancial, tal desenvoltura.
2 – Inobstante essa delicada situação, o Estado participou do processo de negociação da
Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 1948. Mais recentemente,
não apenas ratificou todos os tratados interamericanos de direitos humanos, mas
também os tratados das Nações Unidas sobre o tema, notadamente o Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 e o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos. No plano interamericano, destaca-se a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, ratificada em 04 de agosto de 1990, e o reconhecimento da
jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em julho de 1991.
3 – Localizado na costa ocidental da América do Sul, majoritariamente nas Montanhas
de Coroado, o país é cortado pelo Rio Kaigang, com nascente naquelas Montanhas. O
Rio banha cidades de diferentes portes, entre elas, a capital do país, Santa Clara de
Tamoio, e, Rugendas, localizada a 100 km abaixo da nascente do Rio Kaigang, no
interior do Vale do Carajá.
4 – Ressalte-se que a cidade de Rugendas depende do Rio Kaigang para seu
abastecimento de água potável e de energia elétrica, sendo a preservação do Rio a
preservação da população da cidade. A maior parte dela (95.000 habitantes) vive abaixo
da linha da pobreza, segundo critério utilizado pelo Banco Mundial.
7
5 – No que concerne à economia, a República de Tamoio caracteriza-se pela notória má
gestão macroeconômica, que assola o país há mais de uma década e que quase levou o
país a recorrer ao Fundo Monetário Internacional. Dentro dessa perspectiva, lançou mão
de iniciativa atabalhoada, extremamente contestável e polêmica, que corrobora a
tradição autoritária e arbitrária do governo: concedeu licença para exploração de jazidas
de lítio, de cobre e de chumbo, nas montanhas de Coroado, mas que, para realizar tal
iniciativa, de eficácia duvidosa, não apenas teve que desrespeitar flagrantemente os
Direitos Humanos reconhecidos internacionalmente (direito à liberdade de expressão,
direito à cidadania), como também trouxe, após a sua implementação, consequências
também violadoras desses direitos (direito à saúde, direito à vida, à integridade física e
ao meio ambiente sadio e equilibrado), que são garantidos pela Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, conforme irremediável conclusão, a que se chegará.
6 – Aprofundando-se de modo mais percuciente na descrição dos fatos, que por si só, já
seriam suficientes para anular todos os efeitos da licença concedida pelo Estado e
responsabilizá-lo por seus perniciosos efeitos, as explorações minerais tiveram início a
partir do ano de 2005, quando a empresa italiana Volta Baterias, almejando interesses
meramente financeiros, decidiu instalar uma fábrica de baterias na América do Sul. O
local eleito foi o interior do Vale do Carajá, perto do rio Kaigang e da cidade de
Rugendas, onde se encontram ricas jazidas de lítio e de chumbo, matérias-primas para a
produção de baterias.
7 - Em 2006, por imposição da Lei de Política Energética de Tamoio, foi criada uma
empresa de capital misto entre a Volta Baterias e o governo de Tamoio, em que o
governo detivesse 51% das ações com direito a voto (join venture). A nova empresa
denominou-se Tamoio-Volta Baterias.
8
8 - Paralelamente, a Secretaria de Desenvolvimento da República de Tamoio (SDT)
permitiu que a empresa estatal de extração mineral – Empresa de Mineração da
República de Tamoio (EMT) - começasse a extrair cobre, lítio e chumbo na mesma
região. Quando ambas as fábricas, a da Tamoio-Volta Baterias e a da EMT, estavam
operando em plena capacidade, a Tamoio-Volta Baterias consumia toda a extração de
lítio e de chumbo extraído pela EMT.
9 – Para o início de um empreendimento dessa magnitude, a legislação da República de
Tamoio impõe uma série de obrigações e de procedimentos, que não foram cumpridos
quando do exercício da função administrativa. A Lei Tamoiana do Meio Ambiente, de
2001, aparenta estar em sintonia com o ordenamento jurídico internacional e em
simbiose com os princípios norteadores da proteção ao meio ambiente. Essa Lei prevê a
necessidade de elaboração de relatórios de impacto ambiental, bem como avaliações de
impacto ambiental, de acordo com o que determinado pelo Instituto Tamoiano de Meio
Ambiente, agência executiva da República de Tamoio, responsável pela proteção ao
meio ambiente. Nessas avaliações, devem conter as manifestações da população afetada
pelo empreendimento. Após a apresentação desses estudos, o Instituto Tamoiano de
Meio Ambiente deve se manifestar no prazo de seis meses sobre a aprovação do projeto.
10 – Em fevereiro de 2007, a joint venture Tamoio- Volta Baterias encerrou os estudos
de impacto ambiental e, já em maio de 2007, a licença para o início das obras já havia
sido concedida. De acordo com a licença, as indústrias poderiam operar a 200 metros da
costa do Rio Kaigang, aquele de que depende a miserável população local de Rugendas,
tanto para energia elétrica, quanto para água potável.
11 – Saltam aos olhos, portanto, o exíguo tempo de que se utilizou o Instituto Tamoiano
de Meio Ambiente, para que pudesse analisar cuidadosamente os empreendimentos em
questão, de modo que não pode a licença concedida ser motivada por situações fáticas
9
seguras, como deveriam ser todos os atos administrativos, adequados a determinação
dos motivos.
12 - Nessa linha, manifestou-se a ONG rugendianesa envolvida no processo que
precedeu a concessão da licença em referência, ao afirmar que a população local não
fora consultada adequadamente no processo de consulta pública, bem como que as
medidas de reflorestamento da margem do Rio Kaigang eram manifestamente
insuficientes para sua revitalização.
13 - Em junho de 2007, este caso foi levado à apreciação dos tribunais da República de
Tamoio por meio de uma ação ajuizada pela referida ONG, na qual se pedia a revogação
(anulação) da licença concedida. Paralelamente, ajuizou-se uma medida cautelar que
impedisse a construção da fábrica em caráter de urgência. Em dezembro do mesmo ano,
em equivocada decisão de primeira instância, não se deu provimento ao que pedido nas
ações.
14 - Em 30 de abril de 2008, a ONG recorreu à segunda instância, tendo o Tribunal de
Apelação dado provimento ao recurso interposto, determinando a paralisação da
construção da fábrica na cidade de Rugendas e multa no valor de T$ 2 milhões para a
empresa Tamoio-Volta Baterias1.
15 – Em face dessa decisão, a empresa interpôs recurso perante a Suprema Corte da
República de Tamoio, sob o argumento de que a construção deveria continuar, em
virtude da relevância econômica do projeto e da falta de evidências concretas em
relação ao impacto negativo. Ainda como argumento, alegou-se que a interrupção da
construção, por medida liminar, violava a soberania do Estado, enquanto proprietário
dos recursos naturais.
1
Equivalente a USD500.000.
10
16 - A Suprema Corte, analisando o caso em comento, proferiu decisão em 13 de agosto
de 2008, em favor da empresa Tamoio-Volta Baterias, sob o argumento,
manifestamente político, de que as obras poderiam ajudar no crescimento econômico do
país. Data venia, argumento típico de quem exerce função administrativa, e não função
jurisdicional. Não se procurou o Poder Judiciário para se discutir a viabilidade
econômica do projeto, senão o modo como ele se deu, quais são as suas conseqüências
para a população local, e como o Direito regula essas questões.
17 – Registra-se que o caso da exploração de minérios realizada pela Tamoio-Volta
Baterias elevou a níveis intoleráveis a poluição das cidades localizadas no entorno da
empreitada, comprometendo gravemente a saúde dos cidadãos de Rugendas, em
especial das crianças. Em virtude da constituição geográfica da região, que se encontra
cercada de montanhas, o escoamento do gás emitido pelas indústrias de lítio e de
chumbo se faz extremamente dificultoso, fazendo com que a poluição não consiga se
dissipar e se acumule na região do entorno da fábrica.
18 - Em janeiro de 2010, a situação ganhou contornos mais extremos, os hospitais têm
relatado casos de crianças com danos no sistema nervoso central devido ao
envenenamento por chumbo. Os primeiros exames indicaram a contaminação de 350
pessoas, sendo 250 crianças.
19 - Surpreendidos com a rapidez e com a gravidade das conseqüências negativas dos
empreendimentos realizados, os órgãos governamentais rebateram as informações,
divulgando, através da Secretaria de Mineração e Recursos Naturais (SMRN), um
relatório feito pelo ITMA sobre a inexistência de concentração de metais pesados nas
águas do Rio Kaigang.
20 – Contudo, como corretamente alertaram as autoridades locais de Rugendas, não se
tem como aferir a precisa origem da concentração de chumbo, se do próprio Rio
11
Kaigang ou se da fumaça proveniente das fábricas da Tamoio-Volta. Sem contar o fato
de que o relatório utilizado pelo governo para atacar as denúncias de contaminação são
provenientes do próprio ITMA, órgão responsável pela concessão da licença, logo, de
imparcialidade duvidosa.
21 – Após o agravamento das contaminações, que não ocorriam anteriormente à
industrialização do local, ajuizou-se uma nova ação, requerendo a imediata suspensão
total das atividades. O governo central informou, como paliativo, que reduziria a
operação das fábricas ao mínimo de sua capacidade, enquanto não fossem determinadas
as causas dos problemas de saúde da população local. Logicamente, o tribunal de
primeira instância decidiu pela suspensão completa das atividades das fábricas, bem
como o tribunal de segunda instância, após recurso interposto pelo governo em face da
decisão de primeira instância.
22 - A empresa Tamoio- Volta Baterias, perseverante em seus interesses econômicos,
recorreu à Suprema Corte. Teratologicamente, proferiu-se uma decisão, mais uma vez
equivocada em que se afirmava que o empreendimento deveria continuar (i) porque
a joint venture era muito importante para o desenvolvimento nacional e (ii) porque as
comunidades locais não poderiam impedir a criação de empregos e de receitas fiscais.
Observa-se aqui a total ausência de fundamentação jurídica da decisão. Ambas as
justificativas apontadas na sentença são de caráter exclusivamente político, o que
evidencia a parcialidade da decisão.
23 – Em prol de uma política supostamente desenvolvimentista, a República do
Tamoio viola flagrantemente os mais básicos direitos humanos da população de
Rugendas. Induvidoso é que as receitas fiscais de um país não podem advir de um
prejuízo à sua gente. Sequer é digna de consideração a argumentação, típica de regimes
autoritários, de que o desenvolvimento nacional se sobrepõe ao interesse individual.
12
Afinal, no caso ora em apreço, interesse individual significa a vida e a integridade física
e psíquica dos cidadãos de Rugendas.
24 - Em face dessa decisão judicial, atentatória aos direitos humanos, os representantes
da população de Rugendas recorreram à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, tendo ajuizado ação no dia 06 de março de 2011.
25 - A ONG alegou violações aos artigos 4, 5, 8, 11, 13 e 25 da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos e ao artigo 11 do Protocolo de San Salvador.
II. DA ADMISSIBILIDADE
26 - Esta honorável Corte tem competência para conhecer deste recurso e sobre ele
decidir. A República de Tamoio é um país-membro da Organização dos Estados
Americanos, tendo participado de seu processo de negociação em 1948. A jurisdição da
Corte foi reconhecida em 04 de agosto de 1990, em conformidade com os artigos 33, 34
e 62.3 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. O processo na Corte foi
iniciado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de acordo com o que
disposto no artigo 45.2 de seu regulamento.
27 – Todas as competências necessárias, para que se tenha acesso a esta Corte fazem-se
presentes: a competência ratione materiae, por se tratar o objeto deste recurso de
violação a Direitos Humanos; ratione loci, por ser a República de Tamoio membro da
OEA e por ter ratificado todos os tratados da organização em relação aos Direitos
Humanos; ratione personae, por ser pessoa reconhecida de Direito Internacional e
porque os requerentes se fazem representar conforme as regras desta Corte e da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos; ratione temporis por terem os
recorrentes cumpridos todos prazos cabíveis tempestivamente, nos termos dos
documentos que regem o recurso a esta honorável Corte de Justiça.
13
III. DO DIREITO
III.I. DA VIOLAÇÃO AO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO
28 - No presente caso, o Estado violou o artigo 132 c/c 1.13 da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, que versa sobre o direito à liberdade de expressão, para que a
indigitada licença fosse concedida. À luz dessa única conclusão possível, a que
2
Convenção America sobre Direitos Humanos, artigo 13: “Toda pessoa tem direito à liberdade de
pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir
informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em
forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a
responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para
assegurar: a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; b) a proteção da segurança
nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de
controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos
e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a
comunicação e a circulação de idéias e opiniões.
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o
acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial
ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”.
3
Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, artigo 1.1: Os Estados Partes nesta Convenção
comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno
exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça,
cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social,
posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
14
inevitavelmente se chegará, tem-se que a sua concessão pelo Estado para o início das
obras carece de legitimidade democrática, inapta, portanto, a produzir qualquer tipo de
efeitos jurídicos, conforme pacificado entendimento desta Corte4. Isso se sustenta, uma
vez que a população local, apesar de ser a mais atingida pelos impactos da obra em
questão e de ter o direito a se manifestar a respeito, não teve condições de fazê-lo.
29 - A se entender o contrário, o que se admite apenas para fins argumentativos,
estaríamos a (i) enfraquecer a ordem jurídica interamericana, tornando-se ineficaz a
proteção à liberdade de expressão prevista no pacto, (ii) maturar a tradição antidemocrática da República de Tamoio, que, rotineiramente, sofre os efeitos das
deliberações corrompidas, sem o necessário embate de idéias, (iii) esvaziar o conceito
de cidadania, que importa a possibilidade de influir nos assuntos públicos.
30 - Para fundamentar essa tese, tem-se, como premissa inevitável, a circunstância de
que os Estados, dentro do atual contexto de globalização, assumiram novos
compromissos e novos desafios, os quais, anteriormente, não lhes competiam com tanto
vigor e com tanta responsabilidade. Atualmente, compete aos Estados Nacionais
implementar, no plano interno, todos os direitos reconhecidos universalmente, entre
eles, o direito à liberdade de expressão.
31 - Seguindo essa linha de argumentação, os governantes têm o dever de proporcionar
um ambiente político que estimule o debate e o confronto de idéias, principalmente se
divergentes, de modo que as decisões estatais tenham o máximo possível de
legitimidade democrática e que tenham condições de serem aceitas pacificamente por
todos os seus destinatários.
32 - Em confluência com a assertiva anterior, encontra-se a noção de Administração
Pública consensual, que, inspirada em um modelo moderno de se compreender o direito
4 CIDH. Caso Yatama Vs Nicarágua. Sentença de 23 de junho de 2005. Serie C No. 127.
15
à liberdade de expressão e o princípio democrático, pretende remeter ao processo de
formação de uma medida estatal a população por ela afetada.
33 – Inobstante isso e os efeitos da obra sobre a cidade de Rugendas, sua população não
teve o direito de demonstrar o que pensava sobre o projeto.
34 - Diogo de Figueiredo Moreira Neto, insigne administrativista latinoamericano,
conhecido por sua contemporaneidade e por situar o Estado (Administração Pública)
dentro do contexto de globalização, assim se manifesta sobre o assunto:
“Assim entendida a democracia, em sua faceta substantiva, como um
permanente diálogo da sociedade com o seu aparelho governante, é
pela interação, formal e informal, entre todos os órgãos, públicos e
privados, estendida a toda a cidadania, que as decisões estatais se
tornarão não apenas legais, mas legítimas, no sentido de que apliquem
o poder estatal harmonicamente com a percepção dos valores,
interesses, necessidades e aspirações do grupo nacional.
Como bem anota Gustavo Justino de Oliveira, valendo-se, de permeio,
de citação de Nicole Bellouber-Frier e de Gérard Timsit, „Alude-se à
figura de um Estado „que conduz sua ação pública segundo outros
princípios, favorecendo o diálogo da sociedade consigo mesmo.‟ (...)
aponta-se para o surgimento de uma Administração Pública dialógica, a
qual contrastaria com uma Administração Pública monológica,
refratária
à
instituição
e
ao
desenvolvimento
comunicacionais com a sociedade‟”
Mais adiante, continua o Professor Moreira Neto:]
16
de
processos
“Essas posturas indicam a busca incessante das soluções negociadas,
nas quais a consensualidade aplaina as dificuldades, maximiza os
benefícios e minimiza as inconveniências para todas as partes, pois a
aceitação de idéias e de propostas livremente discutidas é o melhor
reforço que pode existir para um cumprimento espontâneo e frutuoso
das decisões tomadas.
O Estado que substituir a imperatividade pela consensualidade na
condução da sociedade será, indubitavelmente, o que garantirá a plena
eficiência de sua governança pública e, como conseqüência, da
governança privada de todos os seus setores”5.
35 - Não se pretende dizer que, abstratamente, a República de Tamoio não se preocupou
em prever, no plano interno, o direito à liberdade de expressão, quando da tomada de
uma decisão de grande monta, que irá atingir a vida de diversos segmentos da
sociedade.
36 - Contudo, apesar dessa intenção em dar cumprimento aos deveres internacionais
impostos aos Estados, a República de Tamoio, quando do exercício da função
administrativa, violou frontalmente o direito que a população de Rugenda possui de se
manifestar sobre o projeto em referência, de modo que pudesse demonstrar aos
tomadores da decisão final as necessidades da população local.
37 - A Convenção Americana de Direitos Humanos, corroborando autorizada doutrina e
o que até aqui se sustenta, prevê, em seu artigo 13, o direito à liberdade de expressão. Se
a população possui esse direito, o Estado há que possuir o dever correlato.
5
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; Poder, Direito e Estado – O Direito Administrativo
Tempos de Globalização, Ed. Fórum, Rio de Janeiro, 2011, pág. 142-143.
17
em
38 - Esta Corte já teve diversas oportunidades de se manifestar sobre o direito à
liberdade de expressão, tendo se posicionado em dar a maior amplitude possível a esse
direito. A propósito, vejam-se diversos julgados desta corte sobre o tema6:
79. La Carta Democrática Interamericana destaca en su artículo 4 la
importancia de “la transparencia de las actividades gubernamentales,
la probidad, la responsabilidad de los gobiernos en la gestión pública,
el respeto por los derechos sociales y la libertad de expresión y de
prensa” como componentes fundamentales del ejercicio de la
democracia. Asimismo, en su artículo 6 la Carta afirma que “[l]a
participación de la ciudadanía en las decisiones relativas a su propio
desarrollo [… es] una condición necesaria para el pleno y efectivo
ejercicio de la democracia”, por lo que invita a los Estados Parte a
“[p]romover
y
fomentar
diversas
formas
de
participación
[ciudadana]”7.
17. En efecto, en el artículo 4º de la Carta Democrática
Interamericana
se
enumera
un
conjunto
de
“componentes
fundamentales” del ejercicio de la democracia que expresan el
desarrollo conceptual del derecho a la participación en los asuntos
públicos que se condensan en este instrumento interamericano. Se
pone allí de relieve un conjunto de deberes de los Estados, que no son
otra cosa que la contrapartida de derechos de los ciudadanos: “…la
6
CADH. La Coligación Obligatoria de Periodistas (Arts. 13 e 29 da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos). Opinião Consultiva OC-5/85 de 13 de novembro de 1985. Série A No. 5
7
CIDH. Caso Claude Reyes e outros Vs. Chile. Sentença de 19 de setembro de 2006. Serie C No. 151.
18
transparencia de las actividades gubernamentales, la probidad, la
responsabilidad de los gobiernos en la gestión pública, el respeto por
los derechos sociales y la libertad de expresión y de prensa”. De no
avanzarse en precisiones como éstas que la comunidad americana
consensualmente ha adoptado, resulta evidente que el mencionado
derecho a la participación en los asuntos públicos se estaría
congelando en el tiempo sin expresar los cambiantes requerimientos
de las democracias en nuestra región8.
39 - Logo, diante de autorizada doutrina e de pacificada jurisprudência sobre a
amplitude do direito à liberdade de expressão, forçoso é reconhecer a frontal violação a
esse direito, perpetrada pela República de Tamoio, uma vez que apenas permitiu aos
grupos econômicos internacionais, cujos interesses são meramente financeiros, não
possuidores de qualquer vínculo de afeto e de rotina com a terra atingida pelas obras,
que se manifestassem.
III.II. DA VIOLAÇÃO AO DIREITO À VIDA E À INTEGRIDADE
PESSOAL –
III.II.I. PRELIMINARES – OS EFEITOS DA CONTAMINAÇÃO POR
CHUMBO
40 - Segundo a Encyclopaedia of occupational health and safety, do International
Labour Office, de Genebra, o chumbo é absorvido pelos pulmões e pelo trato
gastrointestinal, a partir de onde se adere a diversos órgãos, dentre os quais os ossos,
dos quais dificilmente podem ser retirados. Os efeitos nocivos à saúde, decorrentes de
intoxicação por chumbo são verificados no sistema nervoso periférico, acarretando em
diminuição da velocidade motora condutora e paralisia, bem como no sistema nervoso
central, trazendo como consequência disfunções cerebrais e encefalopatia. Ademais, o
8
CIDH. Caso Yatama Vs Nicarágua. Sentença de 23 de junho de 2005. Serie C No. 127
19
envenenamento por chumbo acarreta em anomalias cromossomiais. Crianças e fetos são
especialmente impactados9.
41 - Os sintomas da contaminação somente podem ser observados em indivíduos que
padecem de envenenamento agudo, com altas taxas de chumbo no sangue, sendo menos
intensos nos outros casos, o que leva à conclusão de que a contaminação da população
rugendianesa é generalizada, apenas sendo constatada a intoxicação em alguns
indivíduos.
42 - Assim é que a Corte não deve considerar a violação da integridade física apenas das
350 vítimas contabilizadas nos primeiros estudos. Deve considerar que grande parte da
população afetada não recorreu a um hospital público, até porque nem todos os graus de
infecção são auferíveis com facilidade, apenas aqueles mais graves.
43 – Registre-se que a contaminação por chumbo afeta, em especial, as crianças, que
estão mais vulneráveis aos efeitos do metal por razões neurológicas, metabólicas e
comportamentais10.
44 - Acrescente-se a isso os efeitos nocivos do chumbo no meio ambiente,
contaminando o ecossistema desde a primeira cadeia heterotrófica, e violando outro
direito fundamental, assegurado pelas convenções internacionais: o direito a um meio
ambiente sadio.
45 – Portanto, como toda ameaça à saúde das pessoas, o melhor tratamento à
intoxicação por chumbo é a prevenção. É nesse sentido que se evidencia a inaceitável
violação por parte do Estado de Tamoio dos mais elementares direitos à vida, e à
integridade física, psíquica e moral dos habitantes de Rugendas.
9
Moreira FR, Moreira JC. Os efeitos do chumbo sobre o organismo humano e seu significado para a
saúde. Rev Panam Salud Publica. 2004;15(2):119–29.
10
Moreira FR, Moreira JC. Op. Cit.
20
III.II.II. DA VIOLAÇÃO AO DIREITO À VIDA
46 - Todo Estado possui o dever de proteger a vida de seus cidadãos. Tal dever decorre,
em primeiro lugar, do caráter universal do direito à vida, sendo sua garantia considerada
norma imperativa de direito internacional (jus cogens)11. Tal direto é reconhecido em
todos os principais tratados internacionais de direitos humanos, incluindo a CADH, que
não somente o resguarda em seu artigo 4º, como também o reveste de caráter
irrevogável em seu 27.212.
47 – Nesse sentido, constitui-se um direito fundamental, de cujo gozo dependem todos
os demais direitos fundamentais. É em função desse caráter especial, que não se admite
qualquer enfoque que o restrinja, devendo sua interpretação e aplicação ser sempre
extensiva.13
48 - Desse modo, não apenas a privação da vida de outrem deve ser considerada
violação ao direito em comento14, mas também a não garantia de uma boa qualidade de
vida aos seus cidadãos deve ser interpretada como tal.
11
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969), artigo 53: “norma imperativa de Direito
Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como
um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma
ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.”
12
Caso de la Masacre de Pueblo Bello.Sentencia de 31 de enero de 2006. Serie C No. 140, párr.119.
13
CtIDH, CtIDH, Caso Comunidade Indígena YakyeAxa Vs. Paraguai, 17/06/2005, Série C, No. 125, §
161; ONU, Recomendação Geral No.6 (1989) do Comitê de Direitos Humanos da ONU sobre o Direito à
vida ( artigo 6º do Pacto Internacional de Direitos Civies e Políticos), § 1.
14
CADH Artigo 29 – “Nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de:
a) permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e
liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;
21
49 - Conforme se observa, o Estado tem obrigação de empenhar seus melhores esforços
para garantir a criação das condições necessárias para se viver, sob pena de violação do
mais importante dos direitos humanos15. Ocorre que, no caso em tela, tal obrigação vem
sendo flagrantemente descumprida pela República de Tamoio, acarretando em graves
danos à vida da população de Rugendas.
50 - Reitera-se que o simples desrespeito à obrigação estatal de garantir condições de
vida digna a todos aqueles sob sua jurisdição, constitui violação séria, frontal e
inescusável à CADH, conforme sedimentado na jurisprudência da Corte.16
51 – Por outro lado, deve-se ressaltar que, apesar das crianças, devido às suas condições
de seres humanos em formação, ainda desprovidas de plenas capacidades mentais,
físicas e psicológicas, possuirem especial resguardo jurídico, o que se consubstancia em
diversos documentos internacionais, em especial a Convenção sobre os Direitos da
Criança e a CADH17, são justamente elas as mais afetadas pelas indústrias no local.
b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de
leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos
Estados;
c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma
democrática representativa de governo;
d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.”
15
Caso de la Masacre de Pueblo Bello.Sentencia de 31 de enero de 2006. Serie C No. 140, párr.120; Caso
Comunidade Sawhoyamaxa Vs. Paraguai, 17/06/2005, Série C, No. 146, § 151.
16
Caso Niños de la Calle (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala, 19/11/1999, Série C, No. 63,
párr..203;Caso "Instituto de Reeducación del Menor". Sentencia de 2 de septiembre de 2004. Serie C No.
112, párr. 156.
17
CADH, artigo 19: “Toda criança terá direito às medidas de proteção que a sua condição de menor
requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado.”
22
III.II.III. DA VIOLAÇÃO AO DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL
52 – Inimagináveis são as angústias psíquicas e morais que os habitantes de Rugendas
vêm sofrendo. Conforme já se demonstrou, a maior parte de sua população vive abaixo
da linha da pobreza, o que agrava a situação das pessoas contaminadas. Apesar de não
possuírem meios, pais desesperados tentam salvar a vida de seus filhos, contaminados
com os detritos tóxicos originários das fábricas de mineração, enquanto o artigo 5.1 da
CADH garante a proteção à integridade física, psíquica e moral do ser humano.
53 - Verifica-se, portanto, que esses direitos não vêm sendo respeitados pela República
de Tamoio, independentemente do ângulo de que se observe a questão. A conclusão a
que se chega é a de que o Estado falha, não apenas na garantia de uma vida digna aos
seus cidadãos, mas também em permitir que as mais terríveis aflições físicas e psíquicas
atormentem-nas.
54 – Isso tudo ocorre, apesar da medicina moderna reconhecer os impactos da angústia,
do estresse e do sofrimento psicológico e emocional no ser humano. Qualquer desses
elementos, por si só, macula a integridade pessoal do indivíduo. Nesta toada, e,
mantendo sua tradição de defesa irrecuável dos direitos humanos dos povos americanos,
a CtIDH já reconheceu, em diversas decisões, que o sofrimento seja físico, seja
psíquico, seja moral, constitui violação ao artigo 5.1 da CADH18.
55 - A República de Tamoio, ademais de falhar em sua obrigação de investigar qualquer
violação ao artigo 5º da CADH cometida em seu território19, em verdade, exibe-se como
18
CtIDH, Caso Comunidade Indígena XákmokKásek Vs. Paraguai, 24/08/2010, Série C, No. 214, § 243,
244; Caso Comunidade Moiwana Vs. Suriname. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e Custas,
sentença de 15 de junho de 2005. Série C No. 124, párr. 103.
19
Caso Comunidade Moiwana Vs. Suriname. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e Custas,
sentença de 15 de junho de 2005. Série C No. 124, párr. 92..
23
a própria violadora de tais direitos fundamentais, sujeitando seus cidadãos aos mais
desnecessários sofrimentos físicos e psíquicos.
III.III.DA VIOLAÇÃO ÀS GARANTIAS PROCESSUAIS
III.III.I DO DIREITO A SER JULGADO POR JUIZ COMPETENTE,
INDEPENDENTE E IMPARCIAL
56 - O Direito a ser julgado por juiz e tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido no artigo 8° da Convenção Americana sobre Direitos Humanos foi objeto
de discussão em diversos casos anteriores levados à apreciação da CtIDH[1],
delineando-se a abrangência do referido artigo dentro do conceito de devido processo
legal. Pacificou-se que dentro deste conceito encontram-se, enquanto obrigações do
Estado, o oferecimento de meios para que o cidadão seja ouvido e defendido dentro de
um prazo razoável, por juiz cuja competência tenha sido estabelecida em lei prévia.
.57 - No caso em tela, o Estado falhou em garantir um juiz independente e imparcial,
uma vez que a Suprema Corte invocou argumentos típicos de quem deveria estar no
governo, exercendo função administrativa, e não no ápice do Poder Judicário, exercendo
função jurisdicional. Nesse sentido, tem-se que a Egrégia Suprema Corte de Tamoio
exerceu função que não deveria, por ela, ser exercida, confundindo-se com a própria
autoridade administrativa que concedeu a licença.
58 - Nesse sentido, a Corte de Direitos Humanos já firmou entendimento20, segundo o
qual o Estado deve, não somente prevenir, mas também investigar as violações aos
direitos humanos. O Poder Judiciário tem como obrigação restabelecer o direito
infringido e garantir a reparação dos danos causados.
20
Caso Ticona Estrada e outros Vs. Bolívia, 27/11/2008, Série C, No. 191, § 78; Caso Escher e outros Vs.
Brasil, 06/07/2009,Série C, No. 200, § 194; Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras, 29/07/1988, Série
C, No 4, § 166
24
59 - No presente caso, olvidou-se uma investigação mais profunda da situação, ofuscada
pela situação econômica do país, levando a Suprema Corte a uma decisão estritamente
político-econômica, independentemente de sua juridicidade, fazendo tábula rasa dos
direitos humanos garantidos na CADH21.
60 - Urge constatar que, apesar de ter sido afirmado pela Suprema Corte de Tamoio que
as demandas locais foram incluídas no processo de licenciamento, a reação da
população local não condiz com essa afirmação. Como bem observado pela sociedade
rugendianesa, representada por uma organização não-governamental, suas demandas
não foram devidamente consideradas.
61 - Limitando-se a Suprema Corte a analisar os aspectos favoráveis ao governo,
evidencia-se a interdependência dos Poderes Executivo e Judiciário da República de
Tamoio, infringindo-se, notoriamente, os parâmetros acordados na CADH.
III.III.II. DO DIREITO A UM RECURSO JUDICIAL JUSTO
62 - O direito a um recurso judicial justo previsto no artigo 25.1 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos também já foi objeto de discussões22 perante esta
Corte. Pacificou-se o entendimento segundo o qual o dispositivo em questão pretendeu
limitar o poder da Corte de julgar recurso fundamentado em argumento de justiça, de
modo a não funcionar a CtIDH como instância recursal ordinária de processo iniciado
dentro dos Estados. Contudo, entendeu-se que, apesar de não poder substituir as
instâncias internas do processo, deve a Corte garantir que os trâmites processuais
domésticos tenham compatibilidade com o princípio da justiça.
21
CtIDH, Caso LoriBerenson Mejía Vs. Peru, 25/11/2004,Série C, No. 119, § 132; Caso Herrera Ulloa
Vs. CostaRica, 02/06/2004, Série C, No. 107, §147; Caso MaritzaUrrutiaVs Guatemala, 27/11/2003.
Série C, No. 103, § 118; Caso Myrna Mack Chang Vs. Guatemala, 25/11/2003, Série C, No. 101, § 202.
22
CtIDH, Caso Niños de la Calle (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala, 19/11/1999, Série C, No. 63,
§ 202.
25
63 – Seguindo a essa linha, o conceito de processo justo deve abarcar todos os rituais
precedentes a um ato final, o que inclui os atos administrativos.23 Nesse sentido, em
sintonia com o entendimento desta Casa, a Corte Europeia de Direitos Humanos
também consignou24, alargando o entendimento de garantias processuais aos processos
administrativos.
64 - No caso ora em apreço, verifica-se que a República de Tamoio violou os mais
básicos direito processuais, assegurados pelos artigos 8 e 25 da CADH. A população de
Rugendas não foi devidamente consultada sobre a instalação das fábricas, não teve
acesso a um recurso justo, e sofreu os danos de duas decisões gritantemente
parciais, porque políticas, e desprovidas de qualquer fundamentação jurídica, por parte
da suprema corte de Tamoio.
III.IV. DA VIOLAÇÃO AO DIREIRO A UM MEIO AMBIENTE SADIO
65 - Predispõe o artigo 11 do Protocolo Adicional à CADH em matéria de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, (Protocolo de São Salvador) que “toda pessoa tem
direito a viver em meio ambiente sadio e a contar com os serviços públicos básicos”,
bem como que “os Estados Partes promoverão a proteção, preservação e
melhoramento do meio ambiente”.
66 – É importante ressaltar que, no Caso del Pueblo Saramaka Vs. Suriname, a Corte já
reconheceu a responsabilidade do Estado pelos danos ambientas causados à população
indígena:25 No mesmo sentido, a Comissão Africana asseverou, em SERAC vs. Nigéria,
23
CtIDH, Caso Baena Ricardo y otros(270 trabajadores) Vs. Panamá, 02/02/2001, Série C, No. 72, § 127.
24
inter alia, Eur. Court. H.R., Albert and Le Compte judgment of 10 February 1983, Series A no. 58,
para. 39.
25
Caso del Pueblo Saramaka Vs. Suriname, 28/11/2007, Série C, No. 172, párr. 153.
26
que o direito ao meio ambiente sadio exige do Estado as devidas providências para
prevenir a poluição e a degradação ecológica, bem como as garantias do
desenvolvimento sustentável e do adequado uso dos recursos naturais26.
67 - Nesta seara, insta registrar a emergência dos direitos humanos de solidariedade, ou
fraternidade. Tais direitos, também conhecidos como direitos humanos de terceira
geração, são dotados de alto teor de humanismo e de universalidade. Têm, por
destinatário, o próprio ser humano, e englobam o direito ao meio ambiente sadio e ao
desenvolvimento, que engloba não apenas o crescimento econômico, mas também a
justiça social e a proteção ao meio ambiente, sendo estes os três fatores indivisíveis,
quando se analisa a questão do desenvolvimento, conforme assevera a Declaração sobre
o Direito ao Desenvolvimento, de 1986.
68 - Poder-se-ia argumentar que a violação ao artigo 11 do Protocolo de São Salvador
não é passível de julgamento por parte da Corte, vez que não consta na seleção de
dispositivos que consoante artigo 19 do mesmo documento, pois só podem dar origem
ao sistema de petição previsto nos artigos 44 a 51 e 61 a 69 da CADH. Nada mais
equivocado, entretanto. Afinal, a manutenção de um meio ambiente sadio guarda estrita
relação com a integridade pessoal e com a vida dos indivíduos, conforme direitos
respectivamente assegurados pelos artigos 4º e 5º da CADH. Ademais, o direito
fundamental protegido pelo artigo 11 do Protocolo de São Salvador constitui norma de
jus cogens. A proteção ao meio ambiente, como os demais direitos humanos, já está
sedimentada no direito internacional como norma imperativa.
69 - As normas de jus cogens internacional são amplamente reconhecidas pelas
instituições judiciárias internacionais. A Corte Internacional de Justiça já se manifestou
26
SERAC v. Nigeria, Afr. Comm„n H.P.R., Comm„cn 155/96, párr. 52 (Oct. 13-27, 2001)
27
sobre o tema em diversas ocasiões27. Também a CtIDH, justificando seu importante
papel na proteção dos direitos humanos nas Américas, garante abrangência a aplicação
cada vez maior às normas de jus cogens28.
27
Military and Paramilitary Activities, Nicaragua v. U. S. A., I.C.J. Reports 1986, p. 14:“I fully concur
with the rest of the Judgment, as I firmly believe that the non-use of force as well as non-intervention - the
latter as a corollary of equality of States and self-determination - are not only cardinal principles of
customary international law but could in addition be recognized as peremptory rules of customary
international law which impose obligations on all States. With regard to the non-use of force, the
International Law Commission in its commentaries on the final articles on the Law of Treaties said: "the
law of the Charter concerning the prohibition of the use of force in itself constitutes a conspicuous
example of a rule in international law having the character of jus cogens" (International Law
CommissionYearbook, 1966, Vol. II, p. 247). As far as non-intervention is concerned, in spite of the
uncertainties which still prevail in the matter of identifying norms of jus cogens, I submit that the
prohibition of intervention would certainly qualify as such, if the test of Article 53 of the Vienna
Convention on the Law of Treaties is applied. A treaty containing provisions by which States agree to
intervene, directly or indirectly, in the internal or external affairs of any other State would certainly fall
within the purview of Article 53, and should consequently be considered void as conflictingwith a
peremptory norm of general international law.”
28
Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil, 04/07/2006, Série C, No. 149, voto concorrente do juiz Antônio
Augusto Cançado Trindade; Opinión Consultiva (Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes
Indocumentados) OC-18/03, 17/08/2003. Série A No. 18: “En la presente Opinión Consultiva sobre La
Condición Jurídica y los Derechos de los Migrantes Indocumentados, la Corte Interamericanaha
significativamente reconocido que el referido principio fundamentalde la igualdad y no-discriminación,
en la actual etapa de la evolucióndel Derecho Internacional, „ha ingresado en el domínio deljuscogens‟;
sobre dicho principio, que „permea todo ordenamientojurídico‟, - há agregado acertadamente la Corte, „descansa todo elandamiaje jurídico del orden público nacional e internacional‟ (párr.101, y cf. puntos
resolutivos ns. 2 y 4). La Corte, además, no se haeximido de referirse a la evolución del concepto
dejuscogens,transcendiendo el ámbito tanto del derecho de los tratados como delderecho de la
responsabilidad internacional de los Estados, de modoa alcanzar el derecho internacional general y los
28
70 - Ainda que o artigo 11 do Protocolo de São Salvador não se revelasse norma
cogente, insensato seria afirmar não estar o Estado sujeito a um dispositivo de tratado
do qual é parte. Se a República de Tamoio manifestou seu consentimento em estar
submetida a uma cláusula que determina que ela zelará pela preservação e promoverá o
melhoramento do meio ambiente, então induvidosa a sua responsabilidade em cumprir o
acordado. Afirmar o contrário seria negar por completo a norma mais básica de direito
internacional público, aquela considerada fonte primária, ou material de todo o sistema
jurídico internacional, a norma pacta sunt servanda.
71 - A CtIDH é a instância decisória do sistema interamericano de direitos humanos.
Toda norma jurídica exige um monopólio do poder de coação para que seja eficaz. No
caso em apreço, o órgão dotado da autoridade necessária para fazer valer o dispositivo
em tela é esta Corte. Assim é que uma análise mais percuciente dos tratados que
compõem o sistema interamericano de direitos humanos, por meio de uma interpretação
propios fundamentosdel orden jurídico internacional (párrs.98-99). En respaldo a esteimportante
pronunciamiento de la Corte me permito agregar algunasreflexiones. (...)Las manifestaciones
deljuscogensinternacional marcan presenciaen la propia manera como los tratados de derechos
humanos hansido interpretados y aplicados: las restricciones, en estos previstas, alos derechos humanos
que consagran, son restrictivamenteinterpretadas, salvaguardando el Estado de Derecho, y
demonstrando
que los derechos humanos no pertenecen al dominio del jusdispositivum, y no pueden ser considerados
como simplemente„negociables‟ 197; todo lo contrario, permean ellos el propio ordenjurídico nacional e
internacional. En suma y conclusión sobre el puntoen examen, la emergencia y consagración
deljuscogensevocan lasnociones de órden público internacional y de una jerarquía de normasjurídicas,
así como la prevalencia del jusnecessariumsobre eljusvoluntarium; el juscogensse presenta como la
expresión jurídica dela propia comunidad internacional como un todo, la cual, en fin, tomaconciencia de
sí misma, y de los principios y valores fundamentalesque la guían.”
29
sistêmica do artigo 19.6 do Protocolo de São Salvador29, leva à conclusão de que a
norma permissiva do artigo em relação aos artigos 8 e 13, de maneira alguma se faz
proibitiva em relação aos demais. Assim sendo, não apenas estes, senão todos os artigos
do Protocolo de São Salvador, enquanto parte da CADH, porque adicional a ela, podem
dar lugar ao sistema de petições individuais regulado pela CADH.
72 - Os habitantes de Rugendas não pretendem com seu pleito, portanto, impedir o
progresso de Tamoio, senão alertar seus representantes acerca dos graves erros humanos
cometidos em prol de uma equivocada política macroeconômica. A intenção do povo de
Rugendas é livrar seu governo das vendas que o cegam para as atrocidades que, em
nome de um falso desenvolvimento, cometem contra seus cidadãos.
III.V. DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO
73 - Como se sabe, a ordem jurídica procura tutelar os atos que com ela se coadunam e
reprimir aqueles que não o fazem. Desse modo, à violação de um dever imposto pelo
Direito, deve haver uma sanção jurídica correlata, ainda mais quando, dessa violação,
causam-se danos a terceiros. Agrava-se essa situação, quando o autor do dano é
justamente quem deveria zelar pela proteção da vítima e pela ordem jurídica violada,
como ocorreu no presente caso.
74 -Nos termos do artigo 1.1 da CADH, os Estados-Partes signatários da Convenção
“comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu
livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja a sua jurisdição”. Ademais, em se
29
“Caso os direitos estabelecidos na alínea a do artigo 8, e no artigo 13, forem violados por ação
imputável diretamente a um Estado Parte deste Protocolo, essa situação poderia dar lugar, mediante
participação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e, quando cabível, da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, à aplicação do sistema de petições individuais regulado pelos
artigos 44 a 51 e 61 a 69 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.”
30
tratando violação a essa gama de direitos, deve-se atentar para os especiais deveres dos
Estados nacionais em relação à sua prevenção30.
75 - O artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, juntamente com o
artigo 2º, traz o fundamento jurídico da responsabilidade internacional do Estado. Nesse
sentido, deve o Estado organizar todo o seu aparato, de modo a prover todos os direitos
elencados no âmbito da CADH, conforme entendimento pacificado31.
76 - Segundo essa linha de raciocínio, o Estado deve ser responsabilizado, não apenas
quando seus agentes, agindo nesta qualidade, violem direitos humanos, mas também
quando deixa de impedir violações causadas por outrem. Se o Estado dessa violação
tivesse conhecimento, ou se tivesse que tê-lo, de acordo com o entendimento desta
Corte, o Estado viola seus deveres internacionais de protegê-los prioritariamente, eis
que inalienáveis, e deve ser responsabilizado por isso.
77 - Logo, a República de Tamoio deve ser responsabilizada, tanto em razão de conduta
comissiva, por ter subjugado o direito à liberdade de expressão e por estar no controle
da joint venture causadora dos danos à população de Rugendas, quanto em virtude de
conduta omissiva, por não providenciar nenhuma medida apta a impedir as desastrosas
conseqüências da extração dos minérios.
IV.DO PEDIDO
78 - Ante todo o exposto, pede-se que esta honorável Corte reconheça as violações aos
artigos 4º, 5º, 8º, 13 e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos, todos em
conexão ao artigo 1.1 do mesmo tratado, bem como ao artigo 11 do Protocolo de São
Salvador, pela República de Tamoio e, em conseqüência, determine:
30
CADH., Caso Mapiripán Massacre v. Colombia. sentença de 15 de setembro de 2005. Series C No.
134, para. 105.
31 CADH., Caso Velásquez-Rodríguez v. Honduras. Sentença de 29 de Julho de 1988. Series C No. 4,
para. 166.
31
1) a interrupção imediata de todas as atividades das fábricas Tamoio-Volta
Baterias, sob pena de admoestação internacional grave;
2) a indenização justa a todas as famílias afetadas pela contaminação de chumbo na
cidade de Rugendas;
3) que seja realizado pedido de desculpas formal à população de Rugendas a ser
publicado em diário oficial e em jornal de grande circulação no país;
32
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