Avaliação de Alternativas - Grupo de Estudos de Seguro Depósito - Subgrupo: Objetivos de Política Pública. (abril, 2002) Ana Carla Abraão Costa Economista, História recente da economia brasileira A economia brasileira passou por grandes transformações durante a década de 90, especificamente a partir de 1994 com o Plano Real de estabilização econômica. O maior mérito do Plano à época foi a rápida redução da inflação que passou de uma média em torno de 40% ao mês no período anterior ao plano para uma média de 14,78%, 9,34%, 7,48% ao ano nos três anos subseqüentes à sua adoção. Todos os setores da economia sofreram, acostumados que estavam a 25 anos de realidade inflacionaria e correção monetária. A indústria bancária foi, porém, a que mais sentiu. Os ganhos de “floating” se reduziram drasticamente e os bancos tiveram que buscar na cobrança de serviços e na expansão das carteiras de crédito a recomposição de sua rentabilidade. Mas essa não foi e nem poderia ser uma transição fácil. Os bancos brasileiros tinham pouca experiência em concessão de crédito, os serviços sempre foram gratuitos pois os ganhos inflacionários mais que compensavam os custos, e as despesas administrativas da indústria eram mascaradas pela elevada rentabilidade garantida nos anos de alta inflação. Muito embora já se previsse que a estabilização viria – prioridade que era na agenda política de então – os bancos não conseguiram adaptar-se totalmente. Até porque a principal atividade bancária se resumia à captação de recursos e empréstimo ao governo federal via compra de títulos públicos. Era a realização do mecanismo de transferência de imposto inflacionário como característica preponderante da atividade bancária brasileira nos anos pré-Real. Em fevereiro de 1994, começa a se desenhar no Brasil uma nova realidade econômica. Cria-se a URV (Unidade Real de Valor), dotada de curso legal e com a função exclusiva de servir como padrão de valor monetário (Lei 8.880 de 28/02/1994, "caput" 1.°. A URV vem a representar o início de uma grande reforma ° ° 1 monetária. Diferentemente das tentativas anteriores, não trazia congelamento de preços, confisco de ativos, ou outros choques insistentemente presentes nos planos das décadas de 80 e início de 90. Em 1.o de julho de 1994 a nova moeda – o real - passa a vigorar. Dentro das diretrizes já delineadas no início desse ano, a economia brasileira é totalmente desindexada e uma política monetária rígida combinada a um regime de câmbio flutuante é adotada. Uma situação completamente nova surge no país: deflação inicial, apreciação do câmbio e – mais importante – a recuperação da credibilidade das autoridades econômicas. Havia contudo algumas contas a serem acertadas. E a maior delas era com o setor bancário. Ineficiências mascaradas por anos de inflação, aliadas a uma supervisão bancária pouco eficiente, além de uma regulação prudencial recém adotada, faziam dos bancos os grandes alvos do ajuste. Uma crise sistêmica era claramente vislumbrada com bancos pequenos, médios e grandes apresentando problemas de liquidez e de solvência. Os anos que se seguiram comprovaram essa realidade. Dos 241 bancos comerciais e múltiplos atuantes em 1993, 42 foram liquidados e 62 se fundiram, foram comprados ou tiveram seu objeto social modificado no período 94/99. Tanto que no ano de 1998 o setor bancário já tinha outra composição: 201 bancos comerciais/múltiplos, uma redução de 20% em relação a 1993. E o ajuste só estava começando. Nessa ocasião o principal objetivo de política pública era a manutenção da estabilidade econômica. Estabilidade essa que se via ameaçada por uma crise de credibilidade iniciada com a quebra de um grande banco de varejo brasileiro, o Banco Econômico. Temiam-se as proporções de crise sistêmica que essa quebra poderia tomar tendo em vista a situação de insolvência de várias outras instituições – pequenas e grandes. A primeira medida tomada pelo Banco Central no sentido de evitar uma crise disseminada pelo sistema bancário foi a instituição de uma linha de financiamento à reestruturação dos bancos, com garantia de títulos públicos federais. O PROER – Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, foi instituído através da Resolução 2.208/95 e visava incentivar a reorganização e transferência acionária de bancos com problemas de liquidez e/ou solvência. O PROER foi assim definido: "I - linha especial de assistência financeira vinculada a: ° ° 2 a) títulos ou operações de responsabilidade do Tesouro Nacional ou de entidades da administração federal indireta; b) perdas decorrentes do processo de saneamento; c) gastos com redimensionamento e reorganização administrativa e decorrentes de reestruturação e modernização de sistemas operacionais; d) desmobilização de ativos financeira dele participante; de propriedade da instituição II - liberação de recursos do recolhimento compulsório/encaixe obrigatório sobre recursos à vista para aquisição de Certificados de Depósitos Bancários (CDB) de emissão de instituições participantes do PROER. III - flexibilização do atendimento aplicáveis as instituições financeiras; dos limites operacionais IV - deferimento dos gastos relativos aos custos, despesas e outros encargos com a reestruturação, reorganização ou modernização de instituições financeiras." Visava-se assim, conceder liquidez ao sistema bancário brasileiro, através da concessão de financiamento direto a bancos,. O enquadramento estava condicionado à apresentação de garantias e transferência de controle acionário. Foi nessa situação que foi estabelecido também o sistema brasileiro de seguro depósito. Em agosto de 1995, através de determinação do Conselho Monetário Nacional, normatizada na Resolução 2.147 “autoriza-se a constituição de entidade privada, sem fins lucrativos, destinada a administrar mecanismos de proteção a titulares de créditos contra instituições financeiras”. Em novembro de 1995 o estatuto e regulamentos da nova entidade ° ° 3 são aprovados. Cria-se então o FUNDO GARANTIDOR CRÉDITOS – FGC, através da Resolução 2.211. DE O FGC foi portanto criado dentro desse objetivo público maior que era a estabilidade econômica. A idéia sendo a de assumir a tarefa de proteger o sistema de uma crise sistêmica gerada por corridas bancárias, concedendo uma garantia limitada dos recursos depositados junto às instituições financeiras. O sistema de seguro depósitos exerceu o papel de inicialmente complementar a função que o PROER desempenhou no momento em que o sistema bancário brasileiro se mostrou frágil. São explicitados a seguir os objetivos de política pública traduzidos na instituição de um sistema explícito de seguro depósito no Brasil: 1. Evitar uma crise bancária sistêmica. Muito embora o Brasil tinha sofrido uma forte fragilização do setor bancário nos anos 1994/1997 com cerca de 15% dos ativos bancários sem liquidez e com necessidade de socorro governamental a bancos insolventes, a criação do FGC teve o objetivo de estancá-la. A idéia era evitar que as já grandes proporções se tornassem ainda maiores, com uma crise de credibilidade afetando todo o sistema. 2. Promoção da estabilidade do sistema financeiro. No Brasil – conseqüência dos anos de inflação alta – os bancos sempre foram muito utilizados como instrumentos de celebração de transações correntes. Por outro lado, um incipiente mercado de capitais fez dos bancos os grandes responsáveis pela oferta de crédito para empresas e consumidores. Com isso, a instabilidade do sistema financeiro brasileiro representava – e ainda representa – grande instabilidade no setor real da economia. Daí porque buscar promover a estabilidade do sistema financeiro como objetivo de política pública. 3. Proteção ao pequeno poupador Esta, além da preocupação em se evitar a crise sistêmica, era o ° ° 4 grande objetivo de política pública em pauta quando da criação do FGC. Tanto que o limite de cobertura de R$20.000,00 representa 97,92% dos clientes com contas e aplicações em bancos no Brasil (Vide Quadro 1). 4. Reduzir a obrigação do governo e assegurar que as instituições contribuam: O Banco Central do Brasil sofreu, com a instituição do PROER, grande desgaste político. Fortes críticas foram feitas em relação à utilização de recursos públicos para socorro a bancos – e não a depositantes. Muito em função da particularidade da estruturação do programa, ele se tornou o cavalo de batalha da oposição contra o governo federal. Junte-se a isso a proibição legal de utilização de recursos da União para garantir crédito ou depósitos junto a instituições financeiras. Assim sendo, o FGC foi criado como instituição totalmente privada, com um Conselho de Administração formado pelos presidentes de Conselho dos maiores bancos e com fundeamento a partir de contribuições do sistema (0,025%am sobre os saldos das contas objeto de garantia). Passemos, portanto às cinco perguntas, que serão respondidas dentro da atual realidade brasileira e das atuais diretrizes do FGC: 1. Quais são os objetivos de política pública para o sistema de seguro depósito do seu país? Esses objetivos estão explicitados? Atualmente, os objetivos brasileiros de política pública são a manutenção da estabilidade econômica conquistada ao longo dos últimos cinco anos e o cumprimento de uma agenda de crescimento consoante com uma meta de inflação preestabelecida. Especificamente no que se refere ao sistema de seguro depósito, sua criação e seu atual funcionamento têm como objetivo de política pública: * Prevenção de crises bancárias sistêmicas; * Promoção da estabilidade do sistema financeiro; * Proteção do pequeno depositante; ° ° 5 * Redução do envolvimento do governo transferindo-os para os participantes do sistema. com custos Desses objetivos, apenas a proteção aos depositantes está explicitada nas normas que regulamentam o FGC, assim como no estatuto do Fundo. 2. Quais os processos que são usados para determinar os objetivos de política pública no seu país? Objetivos de política pública no Brasil são determinados – na área de política econômica relativa ao Sistema Financeiro Nacional – através do Conselho Monetário Nacional, onde têm acento o Ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central. É de responsabilidade do CMN a deliberação sobre objetivos, direcionamento e regulamentações relativas ao acompanhamento, fiscalização e controle do sistema financeiro brasileiro. O CMN funciona como entidade formal que canaliza as decisões das autoridades econômicas brasileiras. 3. Na sua experiência prática, quais são os trade-offs associados com os objetivos de política pública do seu país? Como toda escolha de política pública, existe um trade-off inerente à determinação da busca da estabilidade como objetivo prioritário no Brasil. O maior custo tendo sido uma desaceleração econômica experimentada ao longo da década de 90. A política monetária rígida com elevadas taxas de juros, a posterior adoção da âncora cambial e os custos de sua manutenção, a recente desvalorização cambial e a adoção do regime de câmbio flutuante. Todos esses instrumentos que visam em última instância a manutenção da estabilidade econômica tiveram e ainda têm reflexos sobre o sistema bancário e portanto representam um trade-off em relação à estabilidade do sistema. A criação do FGC, o avanço em alguns aspectos da regulação prudencial e a busca de uma melhoria na estrutura de fiscalização bancária, tentam reduzir esse trade-off. Há porém um outro trade-off, e esse associado especificamente aos objetivos de política vinculados ao FGC: a redução de incentivos de monitoramento das instituições financeiras por parte ° ° 6 dos depositantes e a possível adoção de práticas mais arriscadas por parte dos bancos. Ou seja, o estabelecimento de um sistema explícito de seguro depósitos traz consigo problemas de perigo moral inerentes a qualquer esquema de proteção formal. Aqui, mais uma vez, a regulação prudencial busca minimizar o trade-off. Para tanto, avanços na fiscalização bancária e na regulação de solvência vêm sendo praticados. Atualmente os bancos brasileiros são fiscalizados em bases consolidadas e os requerimentos de capital e de provisionamento são efetuados com base em risco e liquidez dos ativos. 4. Em que medida os objetivos de política pública de seu país afetaram a estrutura do seu sistema de seguro depósito. (mandatos, poderes, organização). A estrutura do FGC foi criada de forma a tentar solucionar os problemas de credibilidade acerca da solidez do sistema bancário nacional. Além disso, representava uma preocupação das autoridades em relação ao não envolvimento de recursos públicos em soluções de insolvência bancária. Assim sendo, houve grande influência dessas variáveis na estruturação e organização do sistema de seguro depósito brasileiro. A mais clara delas foi a opção por uma estrutura 100% privada, além da preocupação em colocar como representantes do Fundo, pessoas de inquestionável respeitabilidade do sistema financeiro nacional. 5. Na sua experiência, existem objetivos públicos de política que são mais facilmente alcançados que outros? Proteger o pequeno depositante, especialmente em um país com o perfil distributivo do Brasil, é tarefa facilmente alcançada ao levarmos em conta que 97,89% dos depositantes estão cobertos pelo limite de R$ 20.000,00 segurado pelo FGC, conforme demonstrado no Quadro 1 anexo. Mas não é só isso, a proteção ao depositante por si só não traz estabilidade sistêmica ou resolve o problema de bancos ilíquidos ou insolventes. O difícil em termos de objetivos de política pública é alcançá-los de forma consistente, sem que um inviabilize os demais mas sim que se complementem de forma a ter, como resultado, um sistema financeiro sólido e saudável, consoante com a estabilidade econômica e promotor do desenvolvimento. ° ° 7 Quadro 1 Total do Sistema - Comparativo de Dez/1999 e Jun/2000 por Faixas Dez-1999 Faixas (Valores em Reais) De % s/ Total 69.252.950 2.538.329 1.032.921 547.234 73.371.434 92,45% 3,39% 1,38% 0,73% 97,95% 355.256 225.786 166.045 118.105 93.736 78.950 498.785 1.536.663 0,47% 0,30% 0,22% 0,16% 0,13% 0,11% 0,67% 2,05% Valores (R$ Milhões) Valores (R$ Milhões) % s/ Total N° Clientes % s/ Total % s/ Total 31.812 17.827 12.541 9.464 71.644 12,91% 7,24% 5,09% 3,84% 29,08% 71.319.141 2.556.064 1.042.278 554.590 75.472.073 92,50% 3,32% 1,35% 0,72% 97,89% 31.548 17.962 12.659 9.596 71.765 12,89% 7,34% 5,17% 3,92% 29,32% 7.908 6.178 5.366 4.418 3.968 3.766 143.091 174.695 3,21% 2,51% 2,18% 1,79% 1,61% 1,53% 58,09% 70,92% 363.143 230.604 170.200 121.382 96.106 81.364 566.495 1.629.294 0,47% 0,30% 0,22% 0,16% 0,12% 0,11% 0,73% 2,11% 8.092 6.311 5.501 4.540 4.070 3.881 140.567 172.962 3,31% 2,58% 2,25% 1,86% 1,66% 1,59% 57,44% 70,68% A 0,01 5.000,00 5.000,01 10.000,00 10.000,01 15.000,00 15.000,01 20.000,00 20.000,01 25.000,01 30.000,01 35.000,01 40.000,01 45.000,01 Acima N° Clientes Jun-2000 25.000,00 30.000,00 35.000,00 40.000,00 45.000,00 50.000,00 50.000,01 Totais 74.908.097 100,00% 246.339 100,00% 77.101.367 100,00% 244.727100,00% Fonte: Fundo Garantidor de Créditos – FGC (2000). ° ° 8